O Direito das Obrigações nasce no momento em que algumas sociedades então existentes estabeleceram em seu meio a atividade negocial, que hoje se corporifica pela celebração dos negócios jurídicos. À época, as obrigações possuíam natureza estritamente comercial. No início, a responsabilidade pelas dívidas recaía sobre a pessoa do devedor (mais precisamente sobre seu corpo, o qual, se fosse o caso, era despedaçado e repartido entre seus credores).
Esta responsabilidade deixou de ser pessoal e passou a ser patrimonial com a Lex Poetelia Papiria, aproximadamente em 312 ou 326 a.C.. Já se vê, desde então, a preocupação com a prevalência máxima da vida humana, já que o devedor não era mais responsável direto pela dívida, mas respondia pela mesma com seu patrimônio.
Ultrapassado este breve escorço histórico, temos que o princípio da responsabilidade patrimonial vigora até a atualidade – com exceção dos casos do depositário infiel e dos inadimplentes de obrigação de prestar alimentos, os quais ainda se sujeitam a penas pessoais (no caso, a privação da liberdade, conforme o artigo 5º LXVII da Constituição Federal). Ressalte-se que tais exceções encontram-se previstas expressamente em nosso texto constitucional (e não serão objeto de análise neste breve estudo).
Nossa teoria geral do direito das obrigações adotou o modelo germânico: a relação obrigacional se subdivide em shuld (débito) e haftung (responsabilidade). Para que se possa constituir uma obrigação juridicamente exigível, a relação deverá constituir-se mediante um débito a ser pago, o qual, concomitantemente, trará consigo uma responsabilidade ao devedor inadimplente.
O mercado atual pressupõe um caráter absoluto e universal das obrigações. Em regra, sua criação pressupõe pessoas capazes, que tratam sobre objeto lícito. A priori, as obrigações nascerão da vontade das partes, vista como soberana. Ocorre que a necessidade de proteção à vida humana, consignada na já citada responsabilidade patrimonial, não se limita, nos dias de hoje, às hipóteses acima descritas, tendo em vista a denominada publicização do Direito Privado (incluindo aí o Direito das Obrigações), o que nos leva a uma análise desta responsabilidade segundo a ótica dos direitos personalíssimos.
A realidade sócio-jurídica do Estado Democrático de Direito se pauta hoje na defesa da dignidade da pessoa humana, fundamento de nossa República Federativa, prevista no Art. 1º III, de nosso Texto Maior, o que significa não mais a necessidade absoluta de se fazer adimplir as obrigações postas “doa a quem doer”, mas sim que se faz necessário conferirmos aos princípios constitucionais maior efetividade, de modo que possa partir deles a interpretação primeira das relações pessoais e negociais.
O Código Civil, fonte do Direito das Obrigações, já não figura mais como o centro de todas as relações. A subordinação incondicional da pessoa à obrigação, haja vista ser ela responsável direta por esta, coisifica o homem, e se dirige contra a socialização pretendida pela garantia dos direitos fundamentais da pessoa humana. Antes “protegidas” pela autonomia intransponível da vontade das partes, a obrigação deve agora ser adimplida como forma de concretização dos Princípios Constitucionais.
Observa-se então a interferência enérgica de nossa Carta Magna na interpretação das relações obrigacionais, conferindo efetividade aos princípios da boa-fé objetiva (a obrigação concatenará o exposto pela sociedade como honesto, correto, digno) e da função social do contrato (todo instrumento contratual deve buscar a inserção social dos envolvidos, satisfazendo seus interesses e os da sociedade). Desse modo, não é possível nem aceitável que o direito obrigacional desmereça a dignidade da pessoa humana. Percebemos que o Débito e a Responsabilidade, elementos da obligatio, vistos sobre o prisma Constitucional, caminham a uma transformação irrenunciável e inevitável.
A boa-fé objetiva e a função social do contrato, consideradas normas abertas e imprecisas, refletem o princípio da Solidariedade, o qual relativiza a supremacia da vontade das partes, subordinando-as aos olhares constantemente atentos dos princípios constitucionais, dentre os quais ressaltamos os considerados máximos: a vida – inexoravelmente resguardada no tocante a responsabilidade das obrigações – e a dignidade da pessoa humana – visão tomada para proteção do mínimo necessário à vida de todo ser humano.
BIBLIOGRAFIA
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