1. Introdução
A concentração de empresas em diversos setores da atividade econômica traduz uma tendência global da economia.
Esse processo de concentração é, a princípio, saudável, uma vez que visa a aumentar a qualidade da prestação dos serviços e a oferta de produtos no mercado em decorrência da redução e diluição dos custos de produção para estas empresas.
Uma das modalidades de concentração das empresas é a fusão, definida a teor do artigo 228 da Lei Nº 6.404/1976, como “(...) operação pela qual se unem duas ou mais sociedades para formar uma sociedade nova, que lhes sucederá em todos os direitos e obrigações".
Todavia, quando esta fusão entre sociedades envolve instituições financeiras, a questão torna-se mais relevante em razão da fundamental atividade desenvolvida por elas na atividade econômica, envolvendo todos os setores.
Com efeito, a atividade financeira é regulamentada e fiscalizada de forma a zelar pela saúde do mercado financeiro e pela defesa dos interesses dos depositantes, credores e investidores, buscando a manutenção da estabilidade do mercado financeiro.
Esta atividade reguladora e fiscalizadora compete ao Conselho Monetário Nacional e ao Banco Central do Brasil, cujas competências encontram-se fixadas pela Lei Nº 4.595/64.
Lado outro, a autoridade competente para a defesa da concorrência é o Conselho Administrativo de Direito Econômico (CADE), instituído pela Lei Nº 8.884/94.
Posto isto, ressalta-se as divergências de opiniões encontradas sobre a competência para análise das fusões, quando relativas às instituições financeiras, notadamente pela natureza peculiar intrínseca à atividade econômica por elas desenvolvida.
No presente trabalho analisaremos os pontos relevantes para o deslinde da questão.
2. Competência para apreciar atos de concentração de instituições financeiras
O controle de concentração tem por objetivo principal elidir o abuso do poder econômico, caracterizado pela eliminação da concorrência e dominação do mercado.
Em se tratando do setor bancário, não há dúvidas quanto à apresentação de peculiaridades, notadamente no que se refere ao efeito sobre a solidez financeira.
O inegável interesse público envolvido na atividade desenvolvida pelo setor bancário, uma vez que esta fomenta a economia e o desenvolvimento social, institui a regulamentação e fiscalização especiais aplicadas às instituições financeiras.
E, não poderia ser de diferente quando o assunto é a fusão entre instituições financeiras.
O artigo 173 da Constituição da República prevê em seu § 4º "(...) a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros".
Com efeito, a legislação infra-constitucional (Lei Nº 8.137/1990 e Lei Nº 8.884/1994) regulamenta o supra mencionado comando constitucional.
Assim, constatando-se abusos e práticas anticoncorrenciais e visando à defesa da concorrência com base na Constituição e na legislação esparsa, caberá ao CADE ou ao BACEN realizar a negativa da concentração.
A questão sobre qual o ente público detém a competência para apreciar atos de concentração de instituições financeiras: se o BACEN (autoridade reguladora) ou CADE (autoridade antitruste) vem lançando longas discussões, conforme será abordado a seguir.
A Lei Nº 8.884/94, que transforma o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em Autarquia, dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências, prevê em seu artigo 54, in verbis que:
“Art. 54. Os atos, sob qualquer forma manifestados, que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência, ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços, deverão ser submetidos à apreciação do Cade.”
Do ponto de vista jurídico, a Lei supra citada não abre qualquer tipo de exceção, em matéria de defesa da concorrência, quanto aos segmentos sujeitos ao controle de atos de concentração.
A Lei n. 4.595/64, em seu art. 18, § 2°, estabelece que “(...) o Banco Central do Brasil, no exercício da fiscalização que lhe compete, regulará as condições de concorrência entre instituições financeiras, coibindo-lhes os abusos com a aplicação de pena". Ainda, abrange como competência privativa do Banco Central “conceder autorização às instituições financeiras, a fim de que possam ser transformadas, fundidas, incorporadas ou encampadas”.
Desta feita, em abril de 2001, o então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, deu força normativa ao Parecer GM-20 da Advocacia Geral da União - AGU, segundo o qual:
“A competência para analisar e aprovar os atos de concentração das instituições integrantes do sistema financeiro nacional, bem como de regular as condições de concorrência entre instituições financeiras, aplicando-lhes as penalidades cabíveis, é privativa, ou seja, exclusiva do Banco Central do Brasil, com exclusão de qualquer outra autoridade, inclusive o CADE.”
Todavia, referido parecer vincula os órgãos da Administração Pública Direta, mas não vincula o CADE, em decorrência do “princípio da complementaridade” objeto de decisão emanada do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em processo envolvendo o BCN e o Bradesco.
O TRF-1 entendeu que a Lei Bancária ao conceder ao BACEN a competência para autorizar a fusão ou incorporação de instituições financeiras não exclui nem substitui a competência deferida ao CADE pela Lei Nº 8.884/94 para analisar atos de concentração.
Assim, a Lei Bancária e a Lei Antitruste deveriam ser aplicadas com base na complementaridade e coexistência. “A primeira ficaria limitada ao exame da questão concorrencial como instrumento necessário à defesa do equilíbrio do sistema financeiro”, trecho da decisão do processo em questão.
3. Conclusão
A discussão relativa à competência entre CADE e BACEN para análise de casos do sistema financeiro teve início em 2001, como exposto acima. E permanece indefinida.
Encontra-se em aprovação no Congresso Nacional os Projetos de Lei Nº 344/02 e 265/2007, que alteram a Lei 4.595/64, para colocar uma pá de cal sobre a contenda existente.
Os Projetos de Lei trazem a seguinte proposta:
- Ao BACEN caberá a análise de "atos de concentração entre instituições financeiras que afetem a higidez do sistema financeiro". Após concluída a análise, se o BACEN entender que o ato de concentração não afeta a higidez do sistema financeiro, "encaminhará, de imediato, a matéria às autoridades responsáveis pela defesa da concorrência".
Em recente decisão o STJ entendeu que a apreciação dos atos de concentração, como fusões e aquisições, envolvendo instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional é de competência exclusiva do Banco Central. A decisão partiu da 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça e é a primeira na história da Corte Superior a tratar sobre o tema. O caso analisado diz respeito à compra do Banco de Crédito Nacional (BCN) pelo Bradesco.
Contudo, uma questão ainda ficou pendente no julgamento: o compartilhamento de competências entre BACEN e CADE pode ser determinado apenas por uma mudança no parecer da AGU ou se é preciso a aprovação de uma lei no Congresso?
Com base no entendimento esposado pela Primeira Seção do STJ, enquanto a Lei 4.595/64 estiver em vigor, a competência para apreciar atos de concentração envolvendo instituições integrantes do SFN é do BACEN.
De acordo com parecer da Advocacia Geral da União – AGU: "esse é o modelo adotado pela legislação em vigor". E acrescenta que qualquer outro entendimento implica a modificação legislação em vigor, o que somente será possível mediante aprovação de Lei Complementar pelo Congresso Nacional.
BRASIL. Lei n.º 8.884, de 11 de junho de 1994. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, 1994. Disponível em: www.presidenciadarepublica.gov.br.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. Disponível em: www.presidenciadarepublica.gov.br.
BRASIL. Congresso Nacional. Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964. Diário Oficial da União, 1964, Brasília, DF. Disponível em: www.presidenciadarepublica.gov.br.
BRASIL. Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro 1976. D.O.U. de 17.12.1976. Disponível em: www.presidenciadarepublica.gov.br.
Bacharel em ciências jurídicas pelo UNI-BH - Centro Universitário de Belo Horizonte. Especialista em Direito Bancário - FGV. Especialista em Direito da Empresa e da Economia - FGV . Advogada Militante na área Empresarial<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CASARIEGO, Alessandra Campanha Puig. Fusão entre instituições financeiras Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 mar 2011, 07:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/23935/fusao-entre-instituicoes-financeiras. Acesso em: 22 nov 2024.
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