Fábio da Silva Veiga: Mestrando em Direito dos Contratos e das Empresas pela Universidade do Minho (Braga, Portugal); Colaborador Jurídico adjunto ao Gabinete de Advogados António Vilar & Associados, na cidade do Porto, Portugal; Bacharel em Direito pela Faculdades Unificadas de Foz do Iguaçu – UNIFOZ.
Coautora - Amanda Lúcia Laranjeira: Mestranda em Direito dos Contratos e das Empresas pela Universidade do Minho (Braga, Portugal); Advogada-Estagiária na cidade de Barcelos, Portugal; Licenciada em Direito pela Universidade do Minho (Braga, Portugal).
Índice: 1. Introdução 2. O Surgimento fenomenológico dos centros comerciais 2.1. Perspectiva histórica e razão socioeconômica. 2.2. A fórmula de integração comercial que visam acolher. 2.3. O centro comercial: noção e características. 3. A Natureza Jurídica do contrato de instalação de lojistas em centros comerciais 3.1. Uma introdução à problemática jurídica subjacente. 3.2. A Qualificação jurídica. 3.2.1. Considerações gerais sobre o tipo, a qualificação e o juízo de tipicidade e atipicidade de um contrato. 3.2.2. Corrente interpretativa do contrato de instalação de lojistas em centros comerciais à luz do contrato típico. 3.2.3. Corrente interpretativa no sentido da Atipicidade do contrato de instalação de lojistas em centros comerciais 3.2.3.1 Sintetizando a tese doutrinária da atipicidade . 4. Conclusão 5. Bibliografia.
Resumo: O assunto em debate versa sobre a discussão da tipicidade ou atipicidade dos contratos de utilização de lojas em centros comerciais. Nesse sentido, abordar-se-á pontos de vistas nomeadamente da doutrina portuguesa, cujos reflexos de tais discussões assentam-se na aplicação do regime jurídico consoante a interpretação adotada a respeito destes contratos, isto é, sendo típicos adota-se o regime legal, de outro lado, atípico, os critérios norteadores dão azo à liberalidade das partes.
Palavras-chaves: Contratos típicos, contratos atípicos, arrendamento comercial, centros comerciais.
1. Introdução
Caracterizando-se o sistema da economia de mercado pela contínua mudança e competitividade, temos vindo a assistir ao culminar do desenvolvimento de fórmulas de “cooperação e integração dos comerciantes cada vez mais perfeitas e complexas”(AFONSO, 2003, p.11) retratando a diluição dos aspectos clássicos caracterizadores do mercado tradicional como a individualidade e a autonomia. Nesse sentido, a condução dos bens até aos seus utilizadores finais, deixou de ser feita a título principal por meio do comércio independente, dando origem ao surgimento de uma nova estrutura econômica - o centro comercial - fruto do espírito criativo dos homens de negócio, capaz de satisfazer as necessidades emergentes de uma sociedade de mercado.
Tendo em conta essa nova figura[1] comercial suscita-se uma problemática no âmbito jurídico, nomeadamente no que concerne ao conceito, caracterização, natureza jurídica, e métodos de aplicação das normas jurídicas no que condiz às práticas sociais dos contratos de instalação de lojistas em centros comerciais.
2. O surgimento fenomenológico dos centros comerciais
2.1. Perspectiva histórica e razão socioeconômica
Segundo Jorge Furtado (1998, p. 12) o “mais recente e sofisticado lugar de comércio dos nossos dias é, o centro comercial, que surgiu a partir da segunda metade do século XX (década de 50), nos Estados Unidos da América, designados pela expressão “shopping centers, aparecem como investimentos de grande rentabilidade, promovidos por agentes com elevada capacidade de intervenção (sejam entidades bancárias e as companhias de seguros)”.
De acordo com Malta da Silveira (1999, p. 73) “subscrevendo a uma lógica de concentração de comércio de retalho, com associação a uma componente de lazer como resultado das concentrações populacionais e da evolução dos níveis acrescidos de qualidade exigidos pelo público consumidor, os centros comerciais expandiram-se, posteriormente, na América do Sul e na Europa na década de 60”. Em Portugal, os fenômenos de concentração comercial fizeram-se sentir nos finais da década de 60, inicio da década de 70. No entendimento de Malta da Silveira (1999, p. 74-75) as primeiras manifestações fizeram-se sentir por via da criação de pequenas galerias situadas em zonas estratégicas das grandes cidades, tendo numa fase posterior, surgido centros comerciais de maior dimensões com confluência das áreas urbanas de forte densidade populacional. Neste sentido, segundo informação recolhida por Jorge Furtado (1998, p. 17) o incremento dos centros comerciais foi de tal ordem que em 1998 os centros comerciais inscritos na Associação Portuguesa dos Centros Comerciais contabilizava um total de cerca de 65; atualmente no total contabilizam-se cerca de 103 centros comerciais com predominância deste formato na região do Grande Porto e Grande Lisboa.
Sob o ponto de vista fenomenológico com o aparecimento dos centros comerciais pretendeu-se criar uma nova estrutura complexa de edificação empresarial, com o intuito de satisfazer as aspirações de uma abastada sociedade emergente. Nesse sentido, segundo a informação colhida pelo Observatório do Comércio de Portugal[2] é sublinhado que os “centros comerciais constituem na atualidade um dos elementos mais marcantes da paisagem comercial das cidades portuguesas”, tendo vindo a metamorfosear-se ao longo dos tempos: de pequeno negócio imobiliário de construtores civis e proprietários de espaços devolutos, sem qualquer experiência na produção de espaços orientados para a venda a retalho e a prestação de serviços, convertendo-se “em menos de três décadas, num sector de elevada rentabilidade, disputado por grandes grupos empresariais, tanto nacionais como estrangeiros” (AFONSO, p. 12).
O jurista Galvão Telles (1992, p. 522) aponta como “traço definidor dos centros comerciais a ideia de concentração do consumo, proporcionando ao público interessado a possibilidade de acesso, ao abrigo das intempéries, a vários estabelecimentos comerciais, para obter produtos e serviços diversificados, em virtude de esses estabelecimentos se encontrarem todos instalados no mesmo edifício”. Decorrente de uma autêntica revolução no capítulo da organização comercial e da distribuição de bens, como enuncia Ana Afonso (2003, p. 13) os centros comerciais constituem, indiscutivelmente um “local privilegiado para o comércio” no sentido de que o consumidor em busca dos artigos de que carece encontra num único local, aprazível e acolhedor, uma gama diversificada de produtos e serviços, apta a satisfazer as suas mais diversas necessidades. Além do mais, esclarece a autora que embora os centros comerciais apresentem as mais diversas características e extensão, estando direcionados à atração de clientela de diferentes estratos sociais e econômicos, o traço individualizador de qualquer centro comercial é sempre a ideia de “concentração do consumo” porque o centro comercial não é considerado apenas como um “amontoado de lojas situadas no mesmo espaço”, a idealização e construção desse espaço não se direciona exclusivamente para o consumo mas serve igualmente o objectivo de constituir um local de distração, onde o público se dirija não somente para comprar mas também para passar o seu tempo livre.
2.2. A fórmula de integração comercial que visam acolher
Refere Malta da Silveira (1999, p. 77-78) que um dos elementos notoriamente distintivos do centro comercial constitui aquilo a que se chama tenant mix: a “fórmula técnica de escolha e localização das lojas que vão instalar-se nas unidades relativamente autônomas de que é dotado o imóvel”. Nesse sentido, a distribuição das lojas no seio do centro comercial obedece a planos extremamente rigorosos pretendendo reunir-se um número elevado de diferentes tipos ou ramos de atividade econômica sendo que para alguns desses ramos é habitual existir mais do que uma loja, então misturam-se as lojas pertencentes a empresas fortes no mercado (as chamadas lojas ancoras), com as lojas de empresas que se pretendem implantar no mercado (as chamadas lojas magnéticas). Segundo lições de Ana Afonso (2003, p. 15) “a própria distribuição das lojas obedece a um plano racionalizado, elaborado de acordo com prévios estudos de marketing”.
Tendo em conta que o agrupamento de lojas é efetuado de uma forma racionalizada. A distribuição das atividades comerciais pelo espaço físico do centro comercial deve seguir uma lógica concorrencial que tem por objetivo a maximização do lucro da empresarialidade. Interpreta, assim, Ana Afonso (2003, p.16) que tal premissa não é suficiente para caracterizar esta fórmula de organização comercial salientando que “em boa medida, a razão do seu sucesso e eficácia está na relação contratual que o liga o empreendedor do centro comercial aos lojistas”.
O contratualista Malta da Silveira (1999,) refere que a novidade que se circunscreve no âmbito dos centros comerciais, reconduz-se essencialmente à forma como os interesses daqueles que participam na estrutura do centro comercial se integram. Tal comunidade de interesses envolve por um lado, aqueles que são os titulares das lojas que vão ocupar cada espaço individualizado do centro (os lojistas) e, por outro, aquele que será o titular do centro comercial, entendido como o responsável pela concepção do centro de admissão de lojistas e administração de conjunto (a que chamaremos promotor). Sob prisma do lojista as vantagens da sua inclusão no centro comercial circunscreve-se à possibilidade do acesso ao mercado, nomeadamente, a nível de informação, de publicidade ou de desenvolvimento de técnicas de gestão, que de certa forma estariam vedada caso explorasse a sua loja de forma isolada e não integrada. Ora, tais vantagens dos lojistas quando se traduzem num bom desempenho comercial das respectivas explorações, irão traduzir-se em vantagens para o promotor do centro, o que é imediatamente evidente na circunstância de o promotor se fazer remunerar junto do lojista por via da factura mensal deste (SILVEIRA, p. 92).
Nesse Sentido, Malta da Silveira (1999, p. 84) vem salientar que a jurisprudência portuguesa tem recentemente levado a considerar, ainda que não de forma absoluta, mas apenas tendencial, que nos “centros comerciais os lojistas não tem uma clientela própria, devendo esta ser imputada ao centro comercial no seu conjunto”. Afirmando-se nesse sentido que o centro comercial em si mesmo é uma força de produção de riqueza, já que o que atrai a clientela não é uma loja em particular, mas o centro comercial como um todo. De acordo com Ives Gandra Silva Martins (1991, p. 79 apud Silveira, p. 85) “quem vai a um centro comercial, na maior parte dos casos, vai em função do que oferece esse complexo comercial com variada escolha, raramente se dirigindo a um específico estabelecimento”, explica ainda que “o empreendedor fornece ao lojista uma estrutura através da qual se vislumbra a existência de um verdadeiro estabelecimento comercial, donde resulta a necessária conclusão de que a clientela é em grande parte atraída por essa macroestrutura”. No mesmo sentido José da Silva Maqueira (1991, p. 1 apud Silveira, p. 86) “quem se dirige ao centro comercial, ainda que sob a perspectiva de simples passeio, leva na mente a admissibilidade de gastar qualquer coisa”, pois conforme opinião do autor “a grande maioria motiva-se a ir lá com o propósito de olhar tudo e, possivelmente comprar algo numa loja à partida indeterminada, em nítida minoria estão os que procuram por razões mercadológicas específicas, tais como lojas de especial destino, devendo atentar-se que muitos dos que vão lá o fazem no convencimento de que ali encontram as melhores lojas da cidade”.
2.3. O centro comercial: a sua noção e características
Salienta a mestre Ana Afonso (2003, p.27) que o centro comercial pode ser definido como um “complexo imobiliário constituído por lojas e espaços comerciais, destinados à exploração de atividades de comércio a retalho e, por espaços comuns, concebidos e organizados de modo a tornar o centro um local aprazível para o comércio”. Observa-se que a gestão é atribuída a uma entidade, vulgarmente designada por gestora, sendo a exploração das lojas realizada individualmente pelos lojistas.
Segundo Ives Gandra Silva Martins(apud Silveira, p. 89) os centros comerciais trazem consigo, logo à nascença, um valor econômico que propicia ao futuro lojista uma concreta esperança de lucros, dado que, ao instalar-se, já tem como eventuais clientes os frequentadores do shopping.
Por seu turno, sentencia Malta da Silveira (1999, p. 95) que “as relações comerciais que se estabelecem no seio de um centro comercial são de profunda dependência ou reciprocidade”. Há que se ater, segundo o referido autor, de que o centro comercial não pode ser concebido sem que no seu seio sejam assimiladas parcelas diferentes dos vários ramos de atividade econômica ou comercial. Nesse sentido, considera-se que o centro comercial tornar-se-á tanto ou mais atrativo quando granjearem não apenas lojistas com posição de mercado já firmada mas, igualmente, lojistas que deem garantias de um desempenho qualitativo – o supracitado autor ainda lembra a expressão de Alvaro de Azevedo que dizia que “não existe centro comercial sem os lojistas: cada um deles torna-se peça de uma engrenagem”.
Para além disso, salienta o autor que a ideia de centro comercial implica a “existência de um projeto equilibrado que introduza uma tônica de harmonia entre lojistas que são e querem-se diversos”. Tal harmonização é essencial para que o centro comercial surja com individualidade, que se reconduz à existência de uma certa ideia de originalidade que o torne relativamente irrepetível. De resto, a tal harmonização e individualidade é essencial, não apenas no plano de seleção e distribuição das lojas, mas a dotação de um certo nível de equipamentos e serviços comuns que permitam o reconhecimento do centro comercial como zona comercial privilegiada, permitindo também que surja como entidade una, como unidade de exploração mercantil, quando encarado como entidade ou conjunto.
Todavia como refere o professor Oliveira Ascensão (apud Silveira, p. 96) no caminho de que é evidente e inelutável a perda de autonomia de cada um dos elementos integrantes do centro comercial: “a harmonização que permite a criação de uma entidade de conjunto a que todos abranja, implica alguma perda de identidade de quem se deixa harmonizar. Quem adere ao centro comercial tem de adotar os elementos de identificação comum (sinal distintivo comum, nas fórmulas de apresentação das montras, entre outros)”. Neste esteira, Malta da Silveira (1999, p. 96) observa que “a harmonia e individualidade do centro implica uma permanente atuação e atualização, fazendo-se sentir de forma dinâmica, enquanto o centro subsistir. A perda relativa da individualidade de cada loja tem como significado a transferência de uma parcela da gestão de cada pequena unidade, para a gestão do conjunto: é esta última que garante a unidade do centro”. O promotor, surge assim, por excelência como a entidade responsável pela gestão do conjunto, significa que a atividade de conjunto do promotor do centro, estando este em pleno funcionamento não é concebível sem o conjunto dos lojistas; cada lojista não pode prescindir da atividade de conjunto, em toda a sua riqueza e significado.
Deste modo, salienta-se que esta essência do centro comercial, de unidade na diversidade, põe em relevo aquela que é a tradução jurídica do seu grande ponto de tensão: o contrato por via do qual o lojista adere ao centro comercial. A questão que se coloca saber é se será que tal contrato – com todos os instrumentos que o integram – servirá de ponto de equilíbrio entre as exigências de individualização de cada loja (o que na lógica do centro comercial é desejável) e as exigências de individualização do centro comercial. Refere, portanto, o autor em comento de que este contrato, em toda a sua riqueza e significado, exprime o sentido de confluência de interesses e valores que o centro comercial concentra e move. Decorrendo, assim que o ato de adesão do lojista ao centro comercial é um ato de integração: ele adere, para fazer parte, a uma realidade de conjunto.
3. A Natureza Jurídica dos Contratos de Instalação de Lojistas em Centros Comerciais
3.1. Uma introdução à problemática jurídica subjacente
Numa primeira abordagem definimos o centro comercial como o lugar privilegiado do comércio dos tempos modernos, composto por um aglomerado de estabelecimentos comerciais, cuja localização e atividade obedecem a um “plano unitário de comércio integrado” (FURTADO, p. 12). De acordo, com Ana Afonso (2003, p. 26) uma vez que o pensamento jurídico “não se propõe tratar as 'coisas' como 'coisas', mas as 'coisas' como raízes dos interesses virtualmente relevantes no mundo do direito, verifica-se que nos centros comerciais, debatem-se dois aspectos contraditórios: por um lado, 'à necessária coesão do centro, funcionando como conjunto unitário' irá contrapôr-se a 'independência que cada um dos comerciantes quer reservar para si' e por isso, cabe-nos agora questionar se à novidade que os centros comerciais representam no plano mercadológico não deverá ser associado à correspondência do surgimento de uma nova figura contratual”.
A razão de ser desta questão, prende-se com o fato da exploração do centro comercial levantar delicados problemas jurídicos, muitas vezes de resolução difícil e controvertida, que, devido ao carácter lacunoso da legislação emergente, são, na sua grande parte, deixados à mercê do engenho e criatividade dos contraentes, mediante adoção do princípio da liberdade contratual consagrado no art. 405º do Código Civil Português, tendo vindo a revelar-se como um mecanismo indispensável para que os interessados possam fazer face aos desafios colocados por uma nova realidade socioeconômica e de acelerada mutuação como exposto anteriormente. Tendo em conta o aglomerado desenvolvimento e a importância crescente que os centros comerciais revelam para o mundo socioeconômico e jurídico, e a sua caracterização sujeita a estritas especificidades, surgiram problemas jurídicos novos quanto à controvérsia (doutrinária) que se circunscreve à temática da natureza dos contratos pelos quais se opera a instalação de comerciantes nas lojas que os integram. Não tendo sido objecto de especifica consideração legislativa para além do seu regime, discute-se sobretudo a sua “tipicidade” ou “atipicidade” e, em ambos os casos a sua caracterização. Sendo certo que a determinação do seu regime jurídico depende, em grande medida da sua qualificação, preocupar-nos-emos fundamentalmente com esta última.
3.2. Qualificação jurídica
3.2.1. Considerações gerais sobre o tipo, a qualificação e o juízo tipicidade e atipicidade de um contrato
De acordo com o professor Pais de Vasconcelos (1995, p. 21) “os catálogos de modelos de contratos que o direito privado coloca à disposição das pessoas para que os utilizem nas suas relações reciprocas não são, as mais das vezes, inventados pelo legislador ex novo e correspondem à recolha que é feita na lei daquilo que é característico dos contratos que com maior frequência se celebram na vida prática”. Significa que a maior parte, senão a quase totalidade, dos tipos contratuais legais nasceram da prática da contratação, tem “origem extralegal” derivando na sua generalidade de prática contratuais tipicas, socialmente tipicas, que o legislador recolheu e modelou na lei. Partindo do princípio de que ao contratarem, as partes o fizeram de modo socialmente tipico, ou seja, socialmente característico, a lei recorre ao socialmente tipico para integrar as estipulações das partes. Nesse sentido, a lei ao tipificar, exprime e explicita o subentendido, o conteúdo socialmente tipico de um tipo contratual, “sem intervir e sem influenciar com os seus juízos e os critérios o conteúdo regulativo do tipo”. A existência de tipos contratuais legais, de catálogos de modelos contratuais consagrados na lei, suscita a questão da qualificação dos contratos que são celebrados na vida da relação. Refere o autor de que a qualificação é um “juízo predicativo” porque o contrato é qualificado através do reconhecimento de uma qualidade que é a qualidade de corresponder a este ou àquele tipo, pressupõe que se tenha como ponto de partida uma ideia suficientemente clara, embora ainda não definitiva, sobre o conteúdo e sentido do contrato a qualificar, sendo que o conteúdo desse mesmo contrato permite por isso, elaborar um juízo acerca da sua pretensa tipicidade ou atipicidade do contrato.
Acerca do juízo de tipicidade ou atipicidade do contrato, releva a sua importância para a determinação do seu regime jurídico. Assim ao lado dos contratos típicos, têm as partes liberdade de ajustar negócios jurídicos atípicos de índole variada (MARTINEZ, p. 305), neste caso, estamos perante os chamados “contratos atípicos” porque são aqueles que não têm um modelo regulativo tipico, nem na lei, nem na prática (Vasconcelos, p. 207). De modo diverso, para que um contrato seja tido como legalmente típico, o professor Pais de Vasconcelos (1995, p. 210) aconselha ser necessário que se encontre na lei o modelo completo de disciplina tipica do contrato, e “para que se possa dizer que um contrato é legalmente tipico, é necessário que a resolução legal corresponda pelo menos aproximadamente ao tipo social e seja suficientemente completa para dar às partes a disciplina básica do contrato”, acrescenta-se ainda que “para que se possa ser tido como socialmente típico, o contrato tem de ter, na prática ou nos usos, um modelo de disciplina que seja também pelo menos tendencialmente completo”. Este modelo regulativo, que é o tipo social propriamente dito, constitui a principal fonte e critério de integração da parte não estipulada dos contratos que lhe correspondam.
Tendo por base o argumento retro exposto, confere Malta da Silveira (1999, p. 152) que o juízo de atipicidade legal de um contrato – entendida esta como a não correspondência a uma figura especialmente regulada no nosso sistema jurídico – é uma operação complexa porque além dos tipos legais, existem aqueles que a doutrina vem apelidando de “tipos sociais que independentemente de terem uma especifica regulamentação legal, têm origem em práticas contratuais que, pela sua reiteração e relativa uniformidade de conteúdo, permitem uma individualização com base em características próprias”.
No caso dos contratos de instalação de lojistas nos centros comerciais entende o último autor em debate que muitas das qualificações ensaiadas pela doutrina ignoram o significado que tem o tipo contratual subjacente, nomeadamente, dentro do tema que suscita a regulamentação jurídica dos centros comerciais, tem vindo a questionar-se a sua natureza jurídica, no sentido de objetivar se é um contrato legalmente tipico, qualificando o contrato de instalação de lojistas em centros comerciais como arrendamento ou se pelo contrário estamos perante um contrato atípico, circunscrevendo-se por isso, várias correntes interpretativas que passaremos a analisar de seguida.
3.2.2 Corrente interpretativa do contrato de instalação de lojistas em centros comerciais à luz do contrato típico
Dentro dos vários temas que suscita a regulamentação jurídica dos centros comerciais, já se tornou de algum modo clássica (embora relativamente recente) a questão de confrontar o contrato de instalação de lojistas nos centros comerciais como contrato de arrendamento (locação de imóvel).
Nesse sentido, a objeção que a doutrina vem colocar em discussão atenta-se acerca da qualificação ou natureza jurídica do contrato que se constitui entre o proprietário de um espaço no centro comercial (shopping center), entendendo este espaço como uma fração autônoma, em que o proprietário faculta a outrem a utilização desse espaço para ali ser instalado um estabelecimento comercial. Como ressalva ao termo “proprietário”, entende-se também o usufrutuário ou de quem mais possa ceder o gozo do objecto, como o arrendatário com autorização de sublocar.
Tomando as lições de Galvão Telles (1991, p. 521) deve-se ter por orientação, de que não se confunde loja com estabelecimento comercial. Pois, segundo o autor, a loja é apenas um lugar, tendo por referência apenas a questão física e material. Enquanto o estabelecimento comercial é muito mais do que isso, pois “pressupõe a existência de um local, de que o interessado tenha gozo – como dono, usufrutuário ou locatário -, mas envolve ainda outros elementos: os necessários para que aí exista e possa funcionar uma organização tendente à produção de utilidades econômicas e à captação de clientela, organização que implica, nomeadamente, a existência de bens imateriais, como o nome, a insígnia, as marcas, de bens materiais, como o imobiliário, o equipamento, as mercadorias, e ainda de outros fatores, como a colaboração de pessoas – dirigentes, empregados, fornecedores”.
Por sua vez o eminente professor Gravato Morais (2005, p. 77) define estabelecimento comercial nas seguintes condições: “O estabelecimento comercial é composto por um conjunto de bens enquadrados numa organização, não nos surgindo, pois, como um mero e simples complexo de bens”. Existe como uma unidade econômica, sendo reconhecido pelo direito como unidade jurídica. De tal reconhecimento emerge a ideia de o estabelecimento comercial pode ser objecto de negócios, apesar da pluralidade e da heterogeneidade dos elementos que o constituem e o integram”.
Nessa esteira, o jurista Menezes Cordeiro (2002) analisa o critério do estabelecimento sob dois fatores: um fator funcional e outro, fator jurídico. Nas palavras deste autor, o fator funcional diz referência ao realismo exigido pela própria vida do comércio, isto é, como se organiza efetivamente um estabelecimento e como este funciona. Esclarece o supracitado autor que “procurar reduzi-lo [o estabelecimento] a coisas corpóreas, por muito que isso depois facilite o seu regime, é escamotear a realidade: o estabelecimento existe e é autonomizado pelo comércio e pelo Direito precisamente, por organizar as coisas corpóreas, em conjunto com as incorpóreas, num todo coerente para conseguir angariar clientela e, daí, lucro. A análise da realidade diz-nos que em regra o estabelecimento gira sob um nome, tem insígnias, usa marcas e patentes, desfruta de colaboradores, etc.
Partindo-se desta primeira distinção entre loja e estabelecimento comercial, cabe salientar no que se refere ao contrato de cessão de exploração do estabelecimento comercial, nesse em específico, não há relação com o que estamos sublinhando no presente estudo, pois como mencionado acima, para caracterizar o estabelecimento comercial necessita-se muito mais do que um imóvel físico, porém todas as especificidades que giram em torno da razão econômica em que opera a atividade da organização que pretende tais fins. Dessa maneira, o contrato em que o proprietário de centro comercial faculta a outrem a exploração de espaço deste a outrem, não tem coadunação com a cessão de exploração do estabelecimento comercial.
Realçamos assim, que o objeto contratual em análise se concentra na tipificação do imóvel ou local, neste caso, a loja, nua e crua, entendida como pura realidade física e material (TELLES, p. 526) - em que o proprietário não se obriga a criar um estabelecimento que ponha à disposição da outra parte para esta explorar, contudo, antes, faculta ao contraente a utilização do local, afim de que este instale no local um estabelecimento por este criado de raiz.
Observa-se que o promotor (ou organizador do centro comercial), que realiza atividades em unidade de gestão, apenas proporciona ou concede o gozo temporário da loja, mediante retribuição, o que configura, na opinião de Galvão Telles e de seus seguidores, a natureza jurídica condizente com o arrendamento (TELLES, p. 527).
De acordo com o autor em comento, não há como fugir da configuração jurídica do arrendamento, posto que “está aí, insofismavelmente, retratada esta modalidade negocial, com os seus específicos elementos caracterizadores, desde logo enunciados e sintetizados na definição que dela nos dá a lei (Código Civil Português, artigos 1022.º e 1023.º). Podem, seguramente, as partes aditar cláusulas acessórias, mas estas sempre terão de respeitar a essência ou natureza da convenção, conforme o que as partes quiseram ou estipularam, em prossecução de determinada função econômico-social (causa) – aqui a função peculiar do acordo arrendatício”. Visualiza, com isso, de que mesmo diante dos contornos que o contrato de utilização de espaços em shoppings centers venha propiciar, no sentido da liberdade contratual, dos elementos acessórios, etc., este em sua gênese não foge a natureza jurídica do contrato de arrendamento, posto que sua formação contempla as especificidades dos artigos 1022º e 1023º do Código Civil Português.
No que se refere à atipicidade do contrato de cedência de espaço em centro comercial, quais muitos se enveredam por estas bandas, Galvão Telles (1991, p. 528) expõe o motivo de não aceitar a atipicidade, justamente porque entende ser ilegítima considerar como atípico uma convenção que se coaduna perfeitamente ao esquema essencial de determinado contrato típico, visto que possui sua estrutura específica, sendo dotado dos elementos caracterizadores, a orientar por sua causa, no sentido de que se persegue sua específica função econômico-social.
Relativamente a esta questão da qualificação, tomando de seguida as lições de Malta da Silveira (1999, p. 168 ss) verifica-se quanto á posição deste autor que, embora optando pela exclusão do contrato de instalação de lojistas em centros comerciais da categoria de arrendamento como tipo contratual legal reconhecendo-lhe, por isso, uma natureza jurídica própria; indica que tal contrato não deixa de ter em vista algumas aproximações ao tipo contratual de arrendamento, tomando assim por referência vários autores, que partindo da constatação de que, por via do contrato de instalação de lojistas, é proporcionado ou concedido ao lojista o gozo temporário da loja, afirmam que estamos perante uma realidade que se enquadra perfeitamente no esquema essencial do arrendamento, já que consideram que partilha dos seus elementos caracterizadores, obedece à sua causa específica, entendida esta, como função econômico-social.
Na doutrina brasileira também têm especial relevância a opinião de Caio Mário Pereira (apud Silveira, p. 170) que caracteriza o contrato de instalação de lojistas como verdadeiro contrato de locação, afirma o autor que, “o fato da renda ser variável, o fato de existir um regulamento comercial que impõe regras de funcionamento das lojas, ou ainda, o fato de ser expressamente proibida a cessão da locação a estranhos ou a mudança de destino econômico, não alteram a sua natureza jurídica fundamental como arrendamento: a finalidade de tais disposições tem a ver, com a configuração do próprio centro comercial, assim se evitando o prejuízo de todos”.
Na doutrina portuguesa, a favor do juízo da inclusão no tipo contratual de arrendamento são invocados, ainda, vários outros argumentos.
Assim afirma-se que muitas das cláusulas acessórias que, ao abrigo do principio da liberdade negocial, as partes acrescentam aos contratos, são inadmissíveis por deformarem o núcleo básico e essencial do contrato escolhido (a locação), além do que, muitas vezes contrariam o regime imperativo deste contrato (TELLES, p. 529). Às vantagens que se reconhecem existir para os lojistas da sua inserção nos centros comerciais, responde a doutrina defensora da qualificação como arrendamento: “se a valorização das lojas se deve, em parte, ao promotor do centro comercial, não é menos exato que fica fundamentalmente dependente do próprio lojista que nelas exerce; qualquer senhorio [locador], muitas vezes, exerce tal ação valorizadora dos locais que arrenda; a localização privilegiada, não sendo apanágio dos centros comerciais – pode ser encontrada nas lojas da rua -, não é suficiente para descaracterizar o arrendamento comercial” (SILVEIRA, p. 177). Aqui se inscreve a opinião de Gualberto Miranda (apud Silveira, p. 173) considerando inquestionavelmente que estamos perante uma relação locatícia, se deixa impressionar pelo fato de, na sua opinião, o fim pactuado, que permite estabelecer uma posição de equilíbrio entre as partes, consistir na obtenção de maior lucro. Assim – prossegue – o lojista admite fortes limitações ao exercício da sua atividade, dado que o promotor põe ao seu dispor uma excelente organização que propicia ao lojista a obtenção de maior lucro da sua atividade. Esta conjugação de interesses tal como resulta deste contrato, conduz este autor, a qualificá-lo como “contrato de locação com pacto de aviamento”.
Perante tais posições salienta Malta da Silveira (1999, p. 173) que os “argumentos apontados para pôr, em causa, de forma direta, a qualificação do contrato de instalação de lojistas no centro comercial como arrendamento são variados”. Desde logo, põe-se em relevo o fato de que na locação o locador não assume qualquer obrigação positiva sem a qual fica o locatário privado da coisa locada – este tem um direito autônomo. Salienta por isso, que no caso em apreço isso não acontece, dado que o lojista fica dependente da atividade empresarial do promotor para obter os efeitos úteis que resultam do contrato. Essa não autonomia revela-se, não apenas enquanto direito, mas igualmente, enquanto obrigação: no arrendamento, o comerciante constitui o estabelecimento com as características que entender, vende o que quiser, enfim, imprime ao seu negócio o cariz que muito livremente ajuíza. No caso dos centros comerciais, tal não acontece: ele não pode destoar daqueles que são os requisitos uniformes de identidade do centro. No contrato em análise, “o lojista obriga-se a instalar um específico estabelecimento e, mais ainda, a fazê-lo funcionar permanentemente. O lojista tem acesso ao local onde instala o seu estabelecimento, nos termos em que tal for estabelecido pelo promotor, sendo certo que o promotor no exercício das suas funções de gestão do todo, normalmente tem acesso às lojas: o lojista não tem posse exclusiva”.
Mediante o entendimento de Malta da Silveira (1999), conclui o autor, reafirmando a sua profunda convicção de que o contrato de instalação de lojistas no centro comercial não configura arrendamento, embora aceite, que exista alguma semelhança – “do ponto de vista tipológico” – entre estes contratos e o tipo legal de arrendamento, salienta que a realidade subjacente a este contrato, reside na sua dimensão imobiliária: o “uso de uma coisa imóvel, mediante contrapartida periódica”, entendendo que o uso do local não constitui uma finalidade em si mesma. Não é o uso do local que o lojista procura, quando celebra o contrato: ele visa obter as utilidades de conjunto. O uso do local é instrumental de algo muito mais valioso para a rentabilização do estabelecimento comercial do lojista: a integração empresarial com posição unitária. É este o sentido último do contrato, porque daí se retira a sua específica função econômico-social.
O problema da qualificação de cedências do gozo temporário e oneroso de espaços ou “lojas” dos centros comerciais (shopping centers) também têm sido, retratado pelo doutrinário Coutinho de Abreu. Segundo este autor (1996, p. 321), tem sido suscitadas três teses quanto a esta problemática: a primeira tese, considera que estamos perante a “locação de estabelecimento”, uma segunda salienta que estamos perante um “contrato atípico” e uma terceira, refere que se trata de um contrato de arrendamento. Posto isto, vem o autor considerar quanto à primeira, que a “tese da locação do estabelecimento comercial é improcedente”, pelo motivo de que, embora inserida numa estrutura complexa de reconhecido cunho comercial, ainda que com destino pré-determinado, uma simples e vazia fração imobiliária não é capaz de espelhar a imagem de um bem novo que mereça (no direito ou fora dele) o epíteto “estabelecimento”. Ao negociar uma tal loja, o “cessionário” pode já possuir a ideia organizatório – empresarial a executar nela – mas o estabelecimento “concebido”, manifestamente ainda não nasceu (nem existe ainda um estabelecimento em formação). Do mesmo modo, também refuta a tese da qualificação dos contratos de instalação de lojistas em centros comerciais, como contratos atípicos. Argumenta o mencionado autor que “os contratos em questão também não são atípicos pela simples razão de estarem tipificados na lei”, vem por isso invocar que “é ilegítimo considerar como atípica uma convenção que se enquadra perfeitamente no esquema negocial de determinado contrato típico, por possuir a sua estrutura específica, ser dotado dos seus elementos caracterizadores, obedecer à sua causa, no sentido de prosseguir a sua peculiar função econômico – social”.
Posto isto, Coutinho de Abreu (1999, p. 322) vem tomar a posição de que o contrato pelo qual uma das partes (o dono de “loja de centro comercial – ou alguém com legitimidade bastante, como usufrutuário ou o arrendatário autorizado a sublocar) cede à outra o gozo temporário de parte de um prédio urbano (a referida “loja”), mediante retribuição, é um contrato de arrendamento. Considera que “apesar de as lojas de um centro comercial se localizarem num espaço privilegiado para os negócios, num espaço destinado ao exercício de atividades diversificadas e especializadas e que obedece a um plano organizatório e de funcionamento, não vê como isso possa pôr em causa a referida qualificação do contrato”. Por outro lado, “é certo também que o proprietário ou os proprietários dos prédios onde o centro comercial funciona prestam (direta ou indiretamente) serviços variados de que os “concessionários” das lojas beneficiam, mas estas prestações de serviços, além de se verificarem igualmente em contextos diversos das dos centros comerciais, não prevalecem sobre a cedência de gozo das partes dos prédios”. Assim, conclui dizendo que “consoante a retribuição dos serviços complementares esteja ou não incorporada na renda, teremos contratos mistos ou contratos coligados – assegurada estando em ambos os casos a aplicabilidade das regras de arrendamento urbano”.
3.2.3. Corrente interpretativa no sentido da Atipicidade do contratos de instalação de lojistas em centros comerciais
Consoante a interpretação da natureza jurídica do contrato de utilização de espaço/loja em centro comercial (shopping center), vêm também, a doutrina a adotar de uma forma abrangente, o entendimento de que este contrato tem natureza de contratos atípicos mistos, e nesse sentido, estes contratos de “instalação de utilização de loja em centro comercial”, constituem, contemporaneamente, aquilo que é corrente designar “tipo social”, em virtude de os mesmos estarem sedimentados na prática contratual, e de maneira suficiente, estão delimitados pela doutrina e pela jurisprudência lusitana.
Entende, esta corrente, de que estes contratos constituem contratos atípicos, visto que não correspondem efetivamente, a nenhum dos tipos legais positivados ou regulados.
Realça, nesse sentido, Ana Afonso (2006, p. 172) que em linhas gerais, “estes contratos caracterizam-se pela cedência do gozo de um espaço – loja – para o exercício de uma atividade comercial ou de prestação de serviços num complexo imobiliário, composto por diversas lojas com comércios e serviços variados e intercomplementares e por espaços comuns de lazer, visando aliar prazer e consumo”. Infere-se, assim, que a gestora e os lojistas desenvolvem suas atividades em caráter de reciprocidade, partilham objetivo comum de atração dos clientes para o centro comercial, ao qual todos buscam a promoção do centro comercial. Por sua vez, consoante esta estrutura complexa de mútuas finalidades, o lojista obriga-se, a desenvolver rigorosamente sua atividade conforme as convenções contratuais, e se não atingidas a concretude de tais convenções, o contraente fica obrigado ao pagamento de multas, ou até mesmo à resolução do contrato, em consonância, obviamente, ao termos previstos no contrato. A estes contratos, a doutrina também tem entendido como aqueles inseridos na categoria de contratos de cooperação[3].
Já o professor Oliveira Ascensão (apud AFONSO, 2003, p.138) defensor ferrenho da atipicidade deste contrato, advoga no sentido de que “o contrato pelo qual é cedido o gozo de um espaço comercial ultrapassa largamente o modelo do arrendamento mercantil”. Refere que mesmo reconhecendo o registro dos elementos típicos do arrendamento comercial (cedência onerosa do direito de utilização de parte de um imóvel, mediante retribuição), o autor sublinha a presença de uma característica mais importante, capaz de suplantar o aspecto “estático” da fruição de um local, ou do gozo de um bem: o aspecto “dinâmico” da “vivência empresarial”. De acordo com este autor, o cariz relevante, mais do que a simples concessão do gozo do espaço, seria a instauração de uma empresa e a sua integração num complexo organizado. Entende, portanto, o que caracterizaria o contrato em análise seria “complexidade” do centro comercial, sendo assim, que o gozo da loja estaria num plano secundário. O contrato em análise, na opinião de Oliveira Ascensão, seria portanto, um contrato atípico, que poderia ser designado como um “contrato de integração empresarial”.
Pais de Vasconcelos (1995) também defensor da atipicidade dos contratos de utilização de espaço em centro comercial, afirma que neste caso que a “pluralidade agregada” que caracteriza as lojas nos centros comerciais não é típica do arrendamento comercial. Em contrapartida expressa as questões relativas a uma percentagem que está inserida no volume bruto do negócio do lojista envolvendo uma partilha do resultado e do risco, não tem nada de característico com o arrendamento comercial. Nesse caminhar, o citado autor especifica (1996, p. 144) que “os contratos celebrados entre as entidades exploradoras de centros comerciais e os respectivos lojistas são legalmente atípicos, embora em termos sociais, extralegais, correspondam já a um tipo de contrato de centro comercial, ainda não completamente formado mas já claramente identificável”.
Na doutrina brasileira, os autores Orlando Gomes e Alfredo Buzaid defendem a tese da atipicidade. De acordo com Orlando Gomes (apud AFONSO, 2003), o autor aponta o erro em que frequentemente incorrem os juristas de procurarem regular uma nova relação ou organização segundo velhos e inadequados institutos, atribui ao contrato uma causa atípica: a de permitir que as partes tirem proveito da organização do empreendimento, obtendo ganhos que passam pelo sucesso comercial de cada unidade isolada. Já Alfredo Buzaid (apud AFONSO, p. 146) realça “a diversidade da posição do locatário de prédio isolado, destinado a fim comercial: neste, o locatário relaciona-se com o proprietário do imóvel em termos autônomos, sendo o único juiz da destinação que imprime o negócio”; ao passo que o locatário da unidade de centro comercial, integrando-se num complexo de “casas comerciais requintadas”, está obrigado a manter o padrão, o nível de decoração e de estilo que foi projetado para todo o conjunto. Ao lado do interesse particular de cada lojista, estaria aqui em jogo o interesse comum do grupo dos outros locatários, capaz de justificar certas restrições, em benefício da unidade do conjunto. Segundo o retromencionado autor, o elemento locativo não é autônomo, antes se integra num negócio jurídico complexo que poderá ser designado “contrato de estabelecimento”.
3.2.3.1. Sintetizando a tese doutrinária da atipicidade
Opera-se, portanto, para os defensores da atipicidade do contrato de utilização de loja em centro comercial, uma margem da liberdade contratual, sendo afastada, incipientemente, a consecução do contrato com base num contrato típico ou nominal, resultando com isso, na não adstrição do contrato aos termos do regime jurídico dos contratos de arrendamento. Isto de outro lado, traz claras consequências no que tange ao regime de aplicação do contrato. Resulta, portanto, que há uma mistura entre elementos estruturais de troca e os de cooperação, tornando, assim, inseguro quanto a aplicação do regime de compatibilização. Os defensores desta modalidade exaram que os “contratos atípicos” devem ter seu regime pautado nas estipulações convencionais definidas pelos contraentes, sendo em última instância balizadas pelas normas legais, logo que um contrato atípico não deixa de ter aplicação das regras gerais referentes aos contratos e aos negócios jurídicos. A referida tese doutrinária encontra guarida nos mais variados excertos jurisprudenciais portugueses. Nesse sentido, no acórdão proferido em 1 de Fevereiro de 1995 (RLJ, ano 128.º, n.º 3858 e 3859), o STJ português já havia decidido que, embora contendo elementos típicos da locação, “o contrato de instalação de lojista em centro comercial representa uma realidade nova e distinta, que se não compadece com o regime locatício”. Para finalizar salienta-se também um acórdão do STJ português sobre a atipicidade do tipo contratual que vinculam os lojistas de centros comerciais ao dono do espaço comercial, onde decidiu que “as lojas que integram os centros comerciais deixam de regular exclusivamente pelo que diz respeito à relação entre o dono do local e aquele que o explora, mas também pelo que se reporta à disciplina da unidade comercial assim agregada, que impõe a assunção de obrigações que possibilitem o exercício da atividade comercial do conjunto dos lojistas. Devido a essa sua especificidade, é hoje pacifica a doutrina e a jurisprudência no sentido de considerar como contrato atípico ou inominado a cedência de espaços ou a instalação de lojas em centros comerciais, por se não coadunarem essas suas especificidades com as regras do arrendamento urbano, não se reduzindo, pela sua complexa natureza jurídica a um contrato de arrendamento, nem a um contrato de cessão de exploração, e extravasando de um contrato misto de arrendamento e prestação de serviços”.
4. Conclusão
Em primeira análise, pôde-se compreender que o tema da tipicidade ou atipicidade do contrato de utilização de espaço em centro comercial é um tanto polêmico. Contudo, a querela doutrinária tem se mostrado contundente em suas afirmações, denotando que o assunto é um tema de suma importância com reflexos nas atuais relações contratuais.
Levantamos, pois, questionamentos no que diz respeito à real efetividade jurídica de tais regras de aplicação no hodierno sistema jurídico lusitano. A primeira questão está na ausência explícita de normas que tratam a esse respeito, sendo, portanto, que nos contratos de instalação de lojistas em centro comercial, se interpretados à luz da atipicidade, estes deixam certa margem à liberalidade contratual, quando no entanto, fisiologicamente podem ser subsumidas a um tipo legal. Com efeito, não cremos que a atipicidade seja o melhor caminho, pois esta trata da aplicação de um regime jurídico alheio às especificidades de situações fenomenológicas coadunadas, neste caso, à tipicidade do arrendamento comercial.
Compreendemos, com efeito, mesmo não indo de encontro com a maioritária doutrina, de que os contratos atípicos nos casos em comento, independentemente de sua natureza e de sua aplicação no regime jurídico por via a se operar, inserem na figura do lojista uma “condição de poder-sujeição” diante do poder do promotor que impulsiona um contrato de acordo com seu bel prazer, tendo por conta a liberdade contratual, a livre convenção e estipulação, condicionando o lojista a sujeitar-se às vontades contratuais do empreendedor e às suas exuberâncias, pelo qual, não raro, o lojista se vê obrigado a aceitar condições abusivas. De outro lado, pode-se argumentar que o lojista desejou passar a fazer parte do empreendedorismo comercial por livre vontade, ao qual estaria submetido às regras convencionais, e assim, estaria obrigado a submeter-se às condições do empreendedor. De fato, isso ocorre. Porém não é a melhor senda, quando se há outros caminhos, e em vias atuais, deve-se entender a lei como um norte a ser seguido e sua aplicação visa atender a todos os polos das relações jurídicas, nomeadamente, in casu, faz-se representar pela figura jurídica do contrato de arrendamento em contratos de instalação de lojistas em centros comercial.
Não é de se estranhar a imprevisibilidade jurídica com relação a estes contratos, pois, se ocorre uma ausência legal, é evidente que sobra muito mais espaço liberal para a atuação dos grandes empreendedores, que através de seus magníficos empreendimentos a atuar com as figuras do tenant mix monopolizam o mercado e inserem neste uma taxatividade às demais redes empresariais, as quais estas não veem outra opção senão em aceitar entrar no “sistema corporativista” dos grandes negócios. Ocorre, portanto, um condicionamento dos lojistas a este movimento de monopolização das oportunidades de negócios, em que o liberalismo contratual condiciona relações assimétricas. O desejável juridicamente, portanto, é uma melhor condição paritária das inter-relações contratuais, e obviamente, a lei tem a melhor condição de regular tais objetivos, mesmo quando esta não se mostra absolutamente equitativa, ainda assim é capaz de proporcionar uma melhor interpretação e aplicação que podem balizar as vicissitudes das relações humanas.
Nesse sentido, consideramos ser inconveniente, quando não inaceitável, considerar um contrato que tem as mesmas especificidades e a figura típica legal de um contrato plenamente efetivo - o arrendamento - como um contrato atípico, dando azo às incertezas e à desproteção dos entes condicionados a aceitar as estipulações outorgadas pelos grandes empreendedores, nomeadamente quando se trata dos lojistas satélites, ou seja, aqueles que não sendo lojistas âncoras, e sendo a maioria, merecem, portanto, uma proteção condizente com sua realidade empresarial.
5. Bibliografia
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Afonso, Ana Isabel da Costa. Contrato de utilização de loja em centro comercial. Direito de resolução pelo lojista em caso de insucesso do centro comercial. Revista de Ciências Empresariais e Jurídicas, separata n.º 9, Instituto Politécnico do Porto, 2006
Campos, Diogo de Leite. Direito das Empresas, Instituto Nacional de Administração, 1990.
Coutinho de Abreu, Jorge Manuel- Da empresarialidade - As empresas no direito. Almedina, Coimbra, 1996. Depósito legal: 103872/96
Cordeiro, António Menezes. Estabelecimento Comercial e Arrendamento, in Estudos em Homenagem ao Progessor Inocêncio Galvão Telles, Vol. III – Direito do Arrendamento Urbano, Almedina, Coimbra, 2002, p. 407-428.
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Morais, Fernando de Gravato. Novo Regime de Arrendamento Comercial, Almedina, Coimbra, 2ª edição 2007. Depósito legal: 266444/07
Morais, Fernando de Gravato. Alienação e Oneração de Estabelecimento Comercial, Almedina, Coimbra, 2005. Depósito Legal: 220369/04
Silveira, Pedro Malta. A Empresa nos centros comerciais e a pluralidade de estabelecimentos – os centros comerciais como realidade juridicamente relevante, Almedina, Coimbra, 1999. Depósito Legal: 130659/98
Telles, Inocêncio Galvão. Contratos de utilização de espaços nos centros comerciais, in O Direito, ano 123, Volume IV, 1991, Juridireito, Edições Jurídicas, ISBN: 9781234000004
Vasconcelos, Pedro Pais. Contratos Atípicos, Almedina, Coimbra, 1995.
[1] Para fins didáticos, especialmente tratando-se de assunto condizente ao direito alienígeno, é válido frisar a distinção no âmbito do direito contratual relativo aos contratos imobiliários de Portugal, a diferença de “arrendamento” e “aluguer”. Sendo, portanto, ligeiramente entendido o primeiro relativo a locação de bens imóveis e o segundo a locação de bens móveis.
[2] Centros Comerciais em Portugal – Conceito, tipologias e dinâmicas de evolução, de Março de 2000 citado por Ana Afonso in “Contratos de Instalação de Lojistas em Centros Comerciais” p. 12.
[3] Esse é o pensamento defendido por ANA AFONSO, em que conceitua o contrato de cooperação como sendo aqueles contratos em que “as partes prosseguem um fim comum, concertando as suas actividades para a obtenção do mesmo, dado que todos beneficiam da actividade desenvolvida. Ob. Cit., p. 173.
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