SUMÁRIO: Introdução; Conceitos de Prescrição e Decadência e suas Espécies; Incidência de Suspensão e Interrupção nos prazos Prescricionais e Decadenciais; Possibilidade de Conhecimento ex officio pelo Juiz; Distinção entre Prescrição Extintiva e Decadência; Aplicação nos casos de Direito Intertemporal; Conclusão; Bibliografia.
PALAVRAS CHAVE: Prescrição; Decadência; Direito Civil; Constituição; Inércia; Tempo.
RESUMO: O presente artigo trata de uma análise conceitual distintiva dos institutos da Prescrição e da Decadência no Direito Civil Brasileiro a partir das disposições trazidas pelo Código Civil de 2002. Para tanto, aborda quais os conceitos trazidos pela doutrina para ambos os casos, as espécies existentes de cada um dos institutos abordados, quais os traços marcantes que distinguem um do outro, como aplicar as regras de direito intertemporal no tocante à transição das legislações civis a partir do Código Civil de 2002.
Introdução.
A análise conceitual e distintiva dos institutos da prescrição e da decadência no direito civil, é algo que a muito atormenta a doutrina civilista brasileira, seja pelo antigo Código Civil de 1916 só reunir, em suas disposições, as características, ou seja, os prazos de natureza prescricional, relegando à doutrina e jurisprudência, as disposições no tocante a decadência, seja, em face da dificuldade de distinção entre os institutos, tendo em vista, partirem da mesma construção lógica.
Desta feita, o presente artigo, trazendo alguns apontamentos sobre a decadência e a prescrição, suas espécies, seus conceitos, como reconhece-los na prática processual, dentre outras coisas, busca facilitar a compreensão dos operadores do direito no momento em que se depararem com situações que envolvam prescrição ou decadência.
Para tanto, serão delineados os conceitos de prescrição e decadência, trazidos pela doutrina, as referências legais que embasam cada um desses institutos, os traços distintivos, e a incidência, no reconhecimento da prescrição e da decadência, do direito intertemporal, além de disciplinar quais são as espécies de cada um, e a obrigatoriedade, ou não, de reconhecimento ex officio pelo juiz da causa.
Conceitos de Prescrição e Decadência.
Antes de adentrarmos especificamente na conceituação de prescrição decadência, faz-se necessário abordarmos alguns pontos básicos desses institutos que tanto se assemelham.
Assim, percebemos que tanto na prescrição quanto na decadência, temos um elemento em comum, qual seja: o tempo. Separando a prescrição em: aquisitiva – usucapião – e extintiva – aquela que demonstra a perda de algo, percebemos, que em comparação com a decadência, além do elemento tempo, presente em ambos os institutos, está presente a inércia de um dos agentes, ou seja, excetuando-se a prescrição aquisitiva, onde os elementos são, além do tempo, a posse com animus domini, na prescrição extintiva e na decadência, o tempo – elemento comum a todas as espécies de prescrição ou decadência – está aliado a inércia de um dos agentes.
Nestes termos, percebidos os elementos fundamentes da prescrição e da decadência, podemos perceber que a primeira é mais ampla que a segunda, tendo como base, a finalidade dos institutos.
Desse modo, enquanto a decadência só trata de hipóteses de perda de “direitos”, a prescrição pode ser tanto para a perda, quanto para a aquisição destes.
Desta feita, a prescrição pode ser conceituada como a perda de uma pretensão de reparação, pelo decurso do tempo aliado com a inércia do agente, quando extintiva, e a aquisição, originária, do direito de propriedade sobre determinado bem, móvel ou imóvel, pelo decurso do tempo, aliado a posse com animus domini.
Fala-se em perda da pretensão de reparação, quando se analisa a prescrição extintiva, tendo em vista que ela não atingirá o direito de ação, este consagrado pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, XXXIV, ‘a’[1], bem como por não atingir o direito, em si, pleiteado.
Neste desiderato, se percebe que na prescrição extintiva, sempre haverá um direito pré-existente, cuja violação, fez surgir, ou não, a pretensão da reparação. É o que está disposto no art. 189, do Código Civil de 2002 (CCB/02), que assim, determina:
“Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos que aludem os arts. 205 e 206.”
Deste dispositivo extraem-se algumas informações muito importantes, além daquela que determina a extinção da pretensão pela prescrição. Também é possível visualizar que os prazos prescricionais estão todos disciplinados pelo CCB/02, em seus arts. 205 e 206, ou seja, não estando regulados por esses dois artigos e seus parágrafos, será o prazo decadencial.
Com relação ao fato de que a prescrição não atinge o direito pleiteado em si, mas tão somente a pretensão de vê-lo reparado, tem-se como exemplo, o disposto no artigo 882, do CCB/02, de onde extrai-se que o pagamento de dívida prescrita, não autoriza a procedência ao pedido de repetição de indébito, senão veja:
“Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.”
Portanto, caso a pretensão esteja prescrita, tendo em vista, por exemplo, o fim do prazo para a cobrança de dívida inscrita em título executivo extrajudicial, mas o devedor, mesmo estando beneficiado pela prescrição da pretensão, entendendo ser sua obrigação solver o débito, poderá fazê-lo, sendo que, se o fizer, renunciará a prescrição, não podendo exigir o que se pagou posteriormente, nos termos do diploma legal acima.
Por outro lado, a decadência, muito além do que a simples perda de uma pretensão, pela inércia do agente aliado com o tempo, conforme a prescrição de natureza extintiva trata-se de verdadeira perda de direito, ou seja, é a perda de um direito potestativo.
Disto, extrai-se que na decadência, não há direito pré-existente, pois o prazo de decadência sempre partirá de um termo inicial – dies a quo, exaurindo em um termo final – dies ad quem.
Assim, no caso, por exemplo, de um sucessor que queira ver outro, excluído da sucessão, por sua indignidade, aquele terá, após aberta a sucessão, 4 anos para requerer a exclusão, por indignidade, do outro sucessor, conforme disposto no art. 1815, parágrafo único, do CCB/02.
Neste exemplo, vê-se que, antes de aberta a sucessão, não possui um sucessor, o direito potestativo de excluir o outro, por sua indignidade, sendo que, há um termo inicial, qual seja, a abertura da sucessão, e um termo final, o fim do prazo de 4 anos subsequentes.
Fala-se em direito potestativo, tendo em vista ser aquele que a parte poderá, ou não, fazer uso, ou seja, será a vontade do agente quem determinará se toma ou não o direito para si.
No tocante as espécies de prescrição e de decadência, conforme visto acima, em se tratando de prescrição, esta se divide em duas espécies, a extintiva e a aquisitiva, por outro lado, a decadência será: legal ou convencional.
Tendo abordado vários aspectos marcantes da prescrição extintiva, resta agora, apontar traços da prescrição aquisitiva, bem como das modalidades de decadência.
Assim, a prescrição aquisitiva, também pode ser conhecida como usucapião, ou seja, trata-se de uma forma originária de adquirir a propriedade, através do decurso do tempo, aliado com a posse de um bem móvel ou imóvel com animus domini, ou, ânimo de dono.
Não trata de hipótese onde um agente perde, em detrimento do outro, um direito ou uma pretensão. Aquele que quedou-se inerte, vendo sua propriedade de direito, pois a de fato era exercida pelo possuidor usucapiente, ser convalidada a outra pessoa, não é perda do direito de propriedade, tendo em vista as determinações do art. 1.275, do CCB/02, que em seu rol de hipóteses de perda de propriedade, não inseriu a usucapião.
Com relação a prescrição aquisitiva/usucapião, o Supremo Tribunal Federal, reconhecendo o caráter declaratório da Ação de Usucapião, entendeu que tal situação fática, poderá ser arguida como matéria de defesa em ação reivindicatória, nos termos do enunciado 237 da Súmula daquele Egrégio Tribunal.
Ademais, sobre a situação da prescrição aquisitiva/usucapião e seus elementos constitutivos, Nelson Rosenveld e Cristiano Chaves[2], em sua obra, Direitos Reais, asseveram:
“O fato objetivo da posse, unido ao tempo – como força que opera a transformação de fato em direito – e a constatação dos demais requisitos legais, confere juridicidade a uma situação de fato, convertendo-a em propriedade. (...). O fundamento da usucapião é a consolidação da propriedade. O proprietário desidioso, que não cuida de seu patrimônio, deve ser privado da coisa, em favor daquele que, unindo posse e tempo, deseja consolidar e pacificar a sua situação perante o bem e a sociedade.”
De outra forma, as espécies de decadência, nos termos aludidos acima, são: a legal e a convencional. A primeira denota que serão aqueles casos disciplinados pela própria legislação, quando assim determinar, ou por interpretação do sistema. Já a segunda, como só ocorrerá na decadência, tratam-se daquelas hipóteses onde as partes que se relacionam, estipulam prazos para exercício de direito potestativo, que não está previsto em lei.
Incidência de Suspensão e Interrupção nos prazos Prescricionais e Decadenciais.
O CCB/02 em seus artigos 197, 198, 199, 200 e 201, estabelece as causas que suspenderão o prazo prescricional e como se dará essa suspensão. De outra forma, em seus artigos 202, 203 e 204, trata das causas de interrupção da prescrição. Os casos trazidos pela legislação são de natureza taxativa, ou seja, numerus clausus.
Deste modo, tem-se que interrupção – art. 202, 203 e 204, do CCB/02 (rol taxativo) – é a destruição de todo o prazo já computado antes da causa interruptiva, o prazo começa a ser contado novamente ao final da causa interruptiva, desde seu início.
Em outro sentido, a suspensão – artigos 197, 198, 199, 200 e 201, do CCB/02 (rol taxativo) – é o fato que paralisa a contagem do prazo, aproveitando a prazo já comutado antes da causa suspensiva, voltando ao cômputo, a partir do momento em que se deu a suspensão.
Noutro norte, com relação a decadência, o art. 207, do mesmo CCB/02, determina que: “Salvo disposição legal em contrário, não se aplicam a decadência as normas que impedem, suspendem ou interrompem a prescrição.”
Historicamente, nem sempre foi assim. Na vigência do CCB/16, como o texto normativo não trazia alusão ao instituto da decadência em suas determinações, relegando tal tarefa, por silêncio legal, a doutrina e a jurisprudência, as causas de suspensão e interrupção, não eram aceitas no tocante a decadência.
Contudo, com o advento do Código de Defesa e Proteção do Consumidor (CDC) em 1990, que regulamentou o microssistema consumerista, por tratar de norma de cunho especial, modificou o CCB/16, norma geral, naquilo que tratavam diferentemente.
Desta feita, tendo o art. 26, §2º, do CDC, determinado causas que “obstam” a decadência, a citada legislação consumerista, modificou o entendimento, pacífico à época, de que não seria possível a suspensão ou a interrupção da decadência.
Com o advento do atual CCB/02, essa controvérsia restou findada, tendo em vista que, como visto acima, o art. 207, da Lei Civil, determinou que os prazos decadenciais, como regra, não se suspendem ou interrompem, sendo que, excepcionalmente, se suspenderão ou interromperão.
Contudo, em que pese a possibilidade, excepcional de suspensão ou interrupção da decadência, o art. 208, do CCB/02, determina que se aplicarão a decadência o disposto nos artigos 195, e 198, I, do mesmo diploma legal.
Assim, percebe-se que, do mesmo modo que na prescrição a máxima de que “os prazos prescricionais não correm contra menores”, é falaciosa. Conforme determinado pelo art. 198, I, do CCB/02, não correrão os prazos prescricionais somente contra o absolutamente incapaz, ou seja, aquelas pessoas regidas pelo art. 3º, do mesmo Código[3].
Portanto, tanto a prescrição quanto a decadência, correrão contra o menor de idade, com dezesseis anos acima, e menor de dezoito, ou seja, contra o relativamente incapaz no que tange a idade, bem como a todos os outros regidos pelo art. 4º, da Lei Civil.
Desse modo, somente frente aos absolutamente incapazes, descritos no rol do art. 3º, do CCB/02, o prazo decadencial não será comutado.
Por fim, cabe ressaltar as hipóteses onde a renúncia ao decadência e a prescrição serão válidos, ou seja, quando poderá o agente, que se beneficiaria com os efeitos destes institutos, poderá renunciá-los.
No tocante a prescrição, conforme determina o art. 191, do CCB/02, mesmo sendo os prazos prescricionais todos legais – são aqueles descritos nos artigos 205 e 206, do CCB/02 – será possível a renúncia da prescrição, desde que restem comprovados que tal fato não virá a prejudicar terceiro, e, estando a prescrição consumada, senão veja:
“A renúncia da prescrição pode ser expressa ou tácita, e só valerá quando feita, sem prejuízo a terceiro, depois que a prescrição se consumar; tácita é a renúncia quando se presume de fatos do interessado, incompatíveis com a prescrição.”
Conforme percebido pelo disposto acima, a renúncia da prescrição poderá ocorrer de dois modos: tácita ou expressamente. Sendo tácita, aquela renúncia que decorre de atos incompatíveis com a prescrição, ou seja, por exemplo, pagar uma dívida prescrita. Já a expressa, é aquela dita expressamente nos autos, por exemplo, a consignação de valores referentes a débitos prescritos.
Possibilidade de Conhecimento ex officio pelo Juiz.
A possibilidade de conhecimento da prescrição extintiva e da decadência pelo juiz da causa passou por recente discussão, através da Lei 11.280/2006.
Quando do advento do atual CCB/02, o seu art. 194, determinava que o reconhecimento de ofício, pelo juiz, da prescrição, só poderia ocorrer nas hipóteses onde houvesse, com tal reconhecimento, benefício a absolutamente incapaz.
Essa determinação colidia com o disposto no art. 219, §5º, do Código de Processo Civil (CPC) que trazida regramento diverso da legislação material, dispondo que a prescrição seria reconhecida de ofício pelo juiz de forma ampla, excepcionando-se essa possibilidade, em se tratando de direito de natureza patrimonial.
Assim, com o advento da citada Lei 11.280/2006, o art. 194 do CCB/02 foi revogado, sendo que a redação do §5º, do art. 219, do CPC, teve sua redação alterada, de modo a permitir ao juiz, em todos os casos, o reconhecimento de ofício da prescrição extintiva, tendo em vista tratar-se de matéria de ordem pública.
Nestes termos, o §5º, do art. 219, do CPC, passou a vigorar com a seguinte redação:
“A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
(...).
§5º - O juiz pronunciará, de ofício, a prescrição.”
Ressalta-se o que, o reconhecimento da prescrição, mesmo sendo autorizado em qualquer fase do processo, só é permitido, por uma lógica do ordenamento civil-constitucional vigente, após a realização da citação, onde se efetiva o contraditório e a ampla defesa, direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988, pois, caso contrário, estaria sem efeito a possibilidade de renúncia da prescrição, esta, que sempre é possível.
Com relação a possibilidade de alegação da prescrição em qualquer grau de jurisdição, é expresso o art. 193 do CCB/02, nesse sentido, de modo que de suas disposições pode ser extraído que: “A prescrição pode ser alega em qualquer grau de jurisdição, pela parte a quem aproveita.”
Contudo, existem posicionamentos contrários, principalmente de doutrinadores voltados ao estudo do Direito Processual Civil, no sentido de que, para haver reconhecimento de prescrição em sede de Recurso Especial ou Recurso Extraordinário, necessário seria o pré-questionamento, tendo em vista que para tais recursos, há a necessidade de pré-questionamento da matéria recorrida.
Todavia, a corrente majoritária entende que esse pré-questionamento não se faz necessário, mesmo em sede dos citados Recursos, haja vista que a prescrição é matéria de ordem pública[4].
De outro modo, no que tange a decadência, a análise acerca da possibilidade ou não do seu reconhecimento de ofício pelo magistrado, dependerá, a priori, de saber a natureza do prazo decadencial, ou seja, se se trata de uma decadência legal – prazo decadencial determinado em lei, ou se se trata de decadência convencional – prazo de decadencial estipulado por acordo entre as partes.
Neste sentido, tratando-se de prazo decadencial estipulado em lei, ou seja, decadência legal, o art. 210, do CCB/02, é expresso no sentido da possibilidade de seu reconhecimento de ofício pelo juiz, em qualquer grau de jurisdição, determinando que:
“Deve o Juiz, de ofício, conhecer da decadência, quando estabelecida por lei.”
Por outro lado, em se tratando de hipóteses onde a natureza do prazo decadencial seja convencional, ou seja, a legislação, como um todo, não determina, regula ou estipula, um prazo para determinado ato, o que então é feito pelas partes, haverá a necessidade de pré-questionamento dessa decadência, sob pena de não conhecimento da mesma.
Neste desiderato, a decadência convencional também poderá ser conhecida em qualquer grau de jurisdição, sendo que, para tanto, necessário será haver o pré-questionamento em instâncias inferiores. É o que está disposto no art. 211, do CCB/02, que assim assevera:
“Se a decadência for convencional, a parte a quem aproveita pode alegá-la em qualquer grau de jurisdição, mas o juiz não pode suprir a alegação”.
Portanto, tanto a decadência quanto a prescrição, serão conhecidas em qualquer grau de jurisdição, sendo que na primeira, será analisada a natureza legal ou não do prazo, para o conhecimento de ofício pelo juiz, enquanto na segunda, essa análise não é necessária, podendo, assim, o juiz, conhecer de ofício da prescrição.
Distinção entre Prescrição Extintiva e Decadência.
Passadas as discussões acerca do conhecimento de ofício pelo juiz da prescrição ou decadência no direito civil, bem como, as causas de suspensão e interrupção, os conceitos e as espécies de cada um desses institutos, cabe agora delinear as principais distinções entre a decadência e a prescrição.
Para tanto, utilizar-se-á a doutrina de Agnelo de Amorim Filho[5], que, em seu livro sobre Métodos Científicos para a diferenciação da Prescrição e Decadência, partindo da análise das classes de Ações existentes, ou seja, da natureza do direito preterido, elaborou uma tabela de distinção entre decadência e prescrição.
Desta feita, antes de adentrar nos pontos destacados pelo citado autor, ressaltam-se as principais diferenças apontadas pela doutrina de forma uníssona.
Assim, destaca-se como pontos diferenciadores de prescrição e decadência, o caráter legal imposto a primeira, tendo em vista que somente haverá prazos prescricionais, no direito civil, determinados como tal, pela determinação da legislação. Tais prazos, portanto, estão todos determinados nos termos dos artigos 205 e 206, do CCB/02.
De outro lado, na decadência, poderá haver prazos não legais, conforme a convenção das partes, sendo que, os prazos legais estão presentes, tanto na tanto na Parte Geral do Código Civil de 2002, quanto em sua parte Especial, diferentemente da prescrição, onde todos os prazos, conforme visto acima, estão alocados na Parte Geral do CCB/02.
Outro ponto dissonante entre a decadência e a prescrição, está no fato de que a primeira extingue, como visto, um direito potestativo, que não depende da existência de um direito pré-existente, enquanto a prescrição é a perda da pretensão de uma reparação, que nasce para seu titular da violação de um direito pré-existente. É o que demonstra Caio Mário da Silva Pereira[6], em sua obra, Instituições de Direito Civil, senão veja:
“Decadência é o perecimento do direito potestativo, em razão de seu não exercício em um prazo pré-determinado. Com a prescrição tem estes pontos de contato: é um efeito do tempo, aliado à falta de autuação do titular. Mas diferem em que a decadência é a perda do direito potestativo pela falta de exercício em tempo prefixado, enquanto a prescrição extingue a pretensão um direito subjetivo que não tinha prazo para ser exercido, mais que veio a encontrar mais tarde um obstáculo com a criação de uma situação contrária, oriunda da inatividade do sujeito.”
Por fim, destacam-se ainda, como pontos de distinção desses institutos, o fato da prescrição, mesmo sendo, em todos os casos, decorrente de disposição de lei, pode ser sempre renunciada, enquanto a decadência, só será renunciável, em se tratando da espécie convencional, tendo em vista o disposto no art. 209, do CCB/02, que reconhece à nulidade da renúncia a decadência legal.
Em sede de reconhecimento de ofício pelo juiz, a decadência, no caso da espécie convencional necessitará, como visto, de pré-questionamento, enquanto a prescrição, por força do art. 1219, §5º, do CPC, sempre poderá ser reconhecida de ofício pelo juiz, e em qualquer grau de jurisdição, independentemente de pré-questionamento.
No tocante a natureza dos institutos, a prescrição é mais ampla do que a decadência, em face de haver a possibilidade de aquisição de direitos – a prescrição aquisitiva/usucapião – por sua incidência, enquanto na decadência, só há perda.
Desta feita, passados os pontos mais importantes no tocante a decadência e da prescrição no que se refere a suas distinções, cabe ainda, ressaltar o que fora dito acima, pela doutrina de Agnelo de Amorim Filho.
O citado autor aponta, dentre outras formas científicas, ou seja, embasada por análise constitucional civil da legislação acerca da prescrição e da decadência, uma forma de distinção entre essas duas, com fulcro na natureza da ação proposta.
Desse modo, as ações de natureza condenatória, será alvo da prescrição, tendo em vista que a condenação se embasa em direito pré-existente, conforme ocorre, por exemplo, nos casos da Ação de Execução de Alimentos devidos a menor.
De outro lado, as ações de natureza constitutiva, ou desconstitutiva, com prazo fixado em lei, serão alvo de decadência, ao passo que, por constituírem um direito, demonstram a ausência de direito pré-existente. Exemplo dessa decadência é o regulado pelo art. 496 c/c art. 179, ambos do CCB/02.
Por fim, as ações de natureza constitutiva, sem prazo fixado em lei, e as ações de natureza declaratória, ambos os casos exemplos de ações perpétuas, não estão sujeitas a prazos decadenciais ou prescricionais. No caso das primeiras, é exemplo, a Ação de Alimentos, que cria um direito, ou seja, constitui um direito, mas que não está sujeita aos prazos prescricionais ou decadenciais. Já para as segundas, o ato jurisdicional somente declara algo, reconhece algo que já existe. É exemplo de ações de natureza declaratória, o reconhecimento de ato nulo, nos termos do art. 169, do CCB/02, bem como a Ação de Investigação de Paternidade.
Aplicação nos casos de Direito Intertemporal.
As regras trazidas pelo atual Código Civil Brasileiro para serem utilizadas como direito intertemporal durante a transição da pretérita legislação civil, para a atual, determinados pelos artigos 2.028 e seguintes, do CCB/02, nos trazem algumas situações de dúvidas no tocante a aplicação do prazo prescricional ou decadencial, em especial, quando se começa a contar, e quando se e encerra tal contagem.
Nestes termos, temos como regra geral de aplicação do direito intertemporal, o art. 2.028, do CCB/02, que assim determina em suas disposições:
“Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.”
Por tal intricada disposição, percebe-se que serão aplicados os prazos do CCB/02, quando não atingidos, na data de sua entrada em vigor, mais da metade do lapso temporal do prazo regulado, anteriormente, pelo CCB/16, sendo, ao contrário, aplicado o prazo deste último, nos casos onde já se passarem mais da metade, no momento de entrada em vigor do atual CCB/02.
Como toda regra, o citado artigo possui três exceções, todas delimitadas pelo art. 2.029 e 2.030, ambos do CCB/02, que por suas disposições, assim determinam, respectivamente:
“Até dois anos após a entrada em vigor deste Código, os prazos estabelecidos no parágrafo único do art. 1.238 e no parágrafo único do art. 1.242 serão acrescidos de dois anos, qualquer que seja o tempo transcorrido na vigência do anterior, Lei n. 3.071, de 1º de janeiro de 1916.
O acréscimo de que trata o artigo antecedente, será feito nos casos a que se refere o §4º do art. 1.228.”
Assim, pode ser visto que todas as exceções à regra geral do art. 2.028, do CCB/02, tratam-se a hipóteses da prescrição aquisitiva, o que nos denota, a priori, que em todos os outros casos[7], ou seja, decadência – legal ou convencional – bem como, de prescrição extintiva, serão regulados pela regra geral vista acima.
Com relação as exceções trazidas pelos supracitados artigos do CCB/02 no que se refere a prescrição aquisitiva em se tratando de aplicação do direito intertemporal, cabe ressaltar que os dois anos acrescentados pelos diplomas legais, serão acrescidos ao tempo da posse já passado ainda no prazo da antiga legislação, ou seja, são dois anos acrescidos ao tempo da posse, e não ao tempo do artigo.
Desta feita, em um caso onde, com a entrada em vigor do atual CCB/02, uma pessoa que estiver na posse de um bem há onze anos, utilizando-a para sua moradia e de sua família, que no pretérito CCB/16, alcançaria a usucapião com vinte anos, prazo que foi reduzido pelo art. 1228, parágrafo único, do atual CCB/02, para dez anos, não estará apta, ainda, a usucapir.
Pela regra de transição do art. 2.028, acima, por ter sido reduzido o prazo, aplicando-se o novo, qual seja, dez anos, a pessoa que estivesse com onze anos de posse, imediatamente, à entrada em vigor do atual Código, poderia usucapir.
Entretanto, evitando-se a surpresa do advento da nova legislação, neste caso, o usucapiente terá que esperar mais dois anos, pois será acrescentado o prazo dos artigos 2.029 e 2.030, no período de sua posse, para pleitear o reconhecimento da propriedade de fato, possibilitando que adquira a propriedade, de direito, do bem usucapido.
Portanto, no caso narrado, o usucapiente terá reconhecida a usucapião do bem em sua posse, com treze anos de posse, ou seja, serão acrescentados, ao prazo já transcorrido da posse, os dois anos exigidos pelo direito intertemporal como regra de transição das duas legislações, a atual – que exige dez anos de posse para o caso, e a pretérita – que exigia 20 anos de posse.
Conclusão.
Desta feita, por tudo o que fora demonstrado acima, vê-se que a matéria da prescrição e da decadência, ainda consome muito de nossos operadores do direito, tendo em vista o caráter árido de suas disposições legais, que, em muitos casos, são de difícil compreensão.
Assim, perceberam-se as espécies de prescrição e de decadência, as possibilidades de suas interrupções e suspensões, bem como a renúncia aos seus efeitos, a aplicação do direito intertemporal nos casos de prescrição e decadência, e as exceções no caso da prescrição aquisitiva, e, por fim, viu-se também, as principais características diferenciadoras destes institutos.
Portanto, em sede de prescrição e decadência, o operador do direito sempre deverá ater-se ao disposto pela legislação, buscando extrair dela, os elementos necessários para sua interpretação e consequente aplicação aos casos concretos das disposições desses institutos milenares, de modo que não se faça uso de prescrição, onde seja decadência, ou ao inverso, pois isso violaria, e muito, o direito das partes. A prescrição e a decadência são exemplos claros, de que o tempo, é sim, um fator de direito.
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2 O artigo exposto determina que: “São a todos assegurados independentemente do pagamento de taxas: a) – o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa de direitos e esclarecimento de situações de interesse pessoal”. Nestes termos, percebe-se que a todos são assegurados o direito de peticionar, ou seja, o direito de levar ao Judiciário a discussão de algum direito, de onde nascerá uma pretensão.
3 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVELD, Nelson. Direitos Reais. 6ªed. 3ª tiragem. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2010. p. 273 e 274.
4 Nesse sentido, o art. 195, do CCB/02, assegura que: “Os relativamente incapazes e as pessoas jurídicas tem ação contra os seus assistentes ou representantes legais, que derem causa a prescrição, ou não a alegarem oportunamente”. Demonstra o CCB/02, assim, que a prescrição, e também, em casos excepcionais, a decadência, correrá em face dos relativamente incapazes.
5 Com relação ao conhecimento de ofício da prescrição em qualquer grau de jurisdição, e em qualquer tempo, deve-se analisar, além do disposto do CCB/02, o determinado no art. 22, do CPC, que trata dos efeitos do reconhecimento tardio da prescrição, sendo feito após o momento correto, qual seja, o primeiro momento em que se falar nos autos. Desse modo, o citado artigo, determina que: “O réu que, não arguir na sua resposta fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito do autor, dilatar o julgamento da lide, será condenado nas custas a partir do saneamento do processo e perderá, ainda que vencedor na causa, o direito de haver do vencido honorários advocatícios”.
6 AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. Revista Forense 193, 1961, p.30-49.
7 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 689.
8 Ressalta-se, entretanto, o caso especial do prazo prescricional extintivo das reparações civis por atos ilícitos que, no antigo CCB/16 era de 20 anos, e que no atual CCB/02, conforme art. 206, §3º, V, é de 3 anos. Desta feita, se fosse aplicada a regra geral, como o prazo fora reduzido, passados mais da metade do prazo do CCB/16, na data da entrada em vigor do atual CCB/02, este último, seria o prazo a ser aplicado, caso contrário, àquele. Contudo, se assim fosse, um caso onde o ato ilícito ocorrera em janeiro de 1998, tendo ainda a parte 20 anos para pleitear a sua reparação, mas, com a entrada em vigor, em janeiro de 2003, do atual CCB/02, tendo o prazo sido reduzido para 3 anos, estaria a pretensão prescrita, haja vista, que pela aplicação do art. 2.028, do CCB/02, o prazo a ser computado, no caso, seria o do atual Código, ou seja, teria prescrito o direito de reparação, em janeiro de 2001, antes mesmo da entrada em vigor do CCB/02. Portanto, nesses situações, o prazo de 3 anos do atual Código, para a pretensão da reparação por ato ilícito, começará a computar-se, da entrada em vigor do atual CCB/02, e não na ocorrência do fato, o que, no caso, alargaria o prazo prescricional para janeiro de 2006, evitando-se, assim, o elemento surpresa pela modificação da legislação.
Mestre em Direito - Direitos e Garantias Fundamentais - pela Faculdade de Direito de Vitória - FDV. Especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Newton Paiva. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Membro do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia Constitucional e Direitos Fundamentais da FDV. Membro Diretor da Academia Brasileira de Direitos Humanos - ABDH. Professor no Curso de Direito da Faculdade São Geraldo - Cariacica/ES. Advogado (OAB/MG - 132.455)<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Heleno Florindo da. A Prescrição e a Decadência no Direito Civil Brasileiro a partir do Código Civil de 2002: uma análise conceitual e distintiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 abr 2011, 08:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24023/a-prescricao-e-a-decadencia-no-direito-civil-brasileiro-a-partir-do-codigo-civil-de-2002-uma-analise-conceitual-e-distintiva. Acesso em: 22 nov 2024.
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