Recentemente todo o Brasil acompanhou a polêmica em torno do bolsonarismo, que assim podemos definir como sendo o conjunto de ideias de um indivíduo ou grupo que defendem a preservação dos padrões éticos e morais pelo estabelecimento de um governo ditatorial, que use o poder coercitivo para impor os modelos de comportamentos ideais para a sociedade. Sendo assim, decisões sobre aborto, descriminalização das drogas, direitos homossexuais e demais questões de amplo interesse seriam tomadas sem preocupação com a vontade da população, ou seja, o bolsonarismo também diria “estou me lixando para a opinião pública”. Tal pensamento é consubstanciado por um discurso centralizador como o de Thomas Hobbes, que afirmava ser o homem naturalmente egoísta, por isso precisa de um estado que promova a paz.
Voltar a um regime ditatorial, com efeito, é um conspícuo regresso na evolução política e social brasileira. Dessa forma, não se pode perder ou ignorar ganhos tão substanciais na democracia e na organização funcional do país, como estes: o pioneirismo na tecnologia do processo eleitoral, expresso principalmente pela urna eletrônica, que consiste em segurança e praticidade; a consolidação da liberdade de expressão e imprensa (art. V parágrafo IV da constituição federal); a igualdade de direitos; a ampla participação de todas as classes sociais no cenário político, haja vista o maior exemplo, LULA o metalúrgico que se tornou um dos homens mais famosos e influentes do planeta.
O bolsonarismo, sem dúvidas, faz parte de uma conjuntura radicalista, inerente a uns poucos conservadores sem perspectiva desse amplo progresso promovido pela democracia. No entanto, diversas parcelas sociais compostas por minorias tacham todos que desejam um estado que promova a paz e garanta uma boa conduta ética para a sociedade de bolsonaristas. Existe, porém, uma diferença colossal entre as ideias conservadoras de Jair Bolsonaro e a postura, por exemplo, da igreja evangélica brasileira, que afirma ser necessária a elaboração de leis que garantam a unidade orgânica da nação, entretanto reconhece a soberania do regime democrático e da importância de se garantir que o poder continue emanando do povo para o povo.
A confusão ideológica ocorre, dessa forma, mesclando as duas posturas: totalmente radicais com cidadãos de bem, como cristãos, que almejam uma legislação que garanta o bem estar social. Em meio a tal fato, surge a moderna inquisição às avessas, em que pensar na comercialização de drogas como crime é ser antiquado e descontextualizado, pensar no aborto como homicídio é ser arcaico, pensar na homossexualidade como conduta que seja inadequada para o ser humano é ser criminoso.
Vale notar, com isso, que verbo “pensar”, de certo, está no seu devido lugar quando trato da homoafetividade, uma vez que o PL 122/2006 versa em seu artigo vigésimo parágrafo V o seguinte: o disposto neste artigo envolve a prática de qualquer tipo de ação violenta, constrangedora, intimidatória ou vexatória, de ordem moral, ética, filosófica ou psicológica. Destarte, o simples ato filosófico de refletir sobre essa prática será considerado ato criminoso, o que instaura a perseguição dos contrários, dos cristãos, da bíblia. Esse quadro de discussão nacional, pois, retrata a intolerância do grupo homossexual, haja vista a sua indisposição para expor-se às críticas.
Homossexuais e demais indivíduos responsáveis por suas escolhas, cristãos, muçulmanos, hindus ou ainda emos, por exemplo, podem, com isso, ser igualmente criticados, uma vez que essas posturas são opções feitas dentro da liberdade individual. Negros, idosos, crianças, mulheres, brancos e demais características do ser que sejam condicionadas pelo genótipo e por isso não caibam ao âmbito da escolha individual, devem, porém, possuir amparo legal que os proporcionem proteção contra todas as ações violentas, inclusive a filosófica. Devido a isso, é fundamental haver essa distinção entre criminalizar a opinião alheia a respeito de práticas e culturas, o que é garantido pela constituição no artigo V supracitado, e criminalizar ações vexatórias e constrangedoras contra o ser humano em suas características inexoráveis.
Percebe-se, então, a necessidade de evidenciar as diferenças entre o pensamento bolsonarista, que não admitiria críticas, desenvolveria um governo fechado e autoritário, e o pensamento cristão que preza pela manutenção da liberdade de escolha, imprensa e CRÍTICA.
Para que haja um bom funcionamento do estado e boas relações sociais, portanto, é mister consultar a opinião pública, entretanto, para isso deve haver a construção de um sujeito proativo que reconheça-se como cidadão e tenha noções filosóficas e morais para que possa estabelecer uma mentalidade que será construtiva. Por isso, a despeito de ser necessária a maior participação popular nas decisões políticas e legislativas, encontra-se a celeuma: Como levar discussões que dependem de análises rigorosas e discussões morais em nível de plebiscitos se as aulas de sociologia e antropologia nas escolas são as mais enfadonhas e desprezadas? Como delegar decisões sobre o aborto e sobre a descriminalização de drogas a um povo que possui seus ideais ditados por programas de auditório e se regozija na ignorância? O Brasil, infelizmente, ainda se enquadra nessa realidade.
A mentalidade cristã, vale salientar, não faz menção ao regime ditatorial, mas preocupa-se com a melhor forma de organizar o estado e suas leis, beneficiando, assim, a população sem que ela expresse sua natureza entrópica e faça escolhas que promovam a degradação social. Até mesmo por que a ótica de que “o homem é naturalmente bom, mas a sociedade o corrompe” de Rosseau, ou ainda que a expressão da vontade do povo é sempre determinadora do bem, de péricles são bastante românticas. Logo, a voz de Deus nem sempre é a voz do povo, e por isso é que existe o estado, que determina através de análises e discussões cautelosas os parâmetros éticos e morais da sociedade. Encerro, assim, lembrando o holocausto nazista que atingiu os píncaros da participação popular, havendo grande aprovação alemã quanto às medidas tomadas por Hitler e notadamente o povo não expressava o bem, o que nos garante que a vontade popular é inconstante e muitas vezes perigosa. Sendo assim, é necessário que o estado continue zelando pela paz geral mantendo o aborto, a comercialização de drogas e tantas outras imoralidades como crimes, ainda que a vontade popular seja contrária, já que essas medidas fazem parte do conjunto de abordagens que não estão em termos de decisão popular, o que não significa desejo de instauração de ditadura.
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