Notas Introdutórias
A teoria da imputação objetiva traz entre suas implicações a realização do risco proibido no resultado. Este instituto de avaliação da repercussão da conduta produtora de risco no resultado exsurgiu fruto das insuficiências intrínsecas à teoria da conditio sine qua non, que em determinados grupos de casos não logrou êxito no intuito de apresentar soluções plausíveis em consonância à justiça do caso concreto.
Desta forma, imprescindível a busca pela aferição da realização do risco no resultado em sede de imputação objetiva, no tocante à seara doutrinária de Claus Roxin. Günther Jakobs, similarmente, pugna que para a ocorrência da imputação do resultado, é necessário que o risco seja a explicação do resultado (JAKOBS, 2007, p.80)
Nesta senda, o plano doutrinário de realização dos riscos de Jakobs vislumbra-se marcado por traços de incipiência teórica, por resumir suas balizas pela mera constatação do risco explicar o resultado. Como afirma Luiz Régis Prado e Érika Mendes de Carvalho, “o segundo nível de imputação objetiva [...] não apresenta na obra e Jakobs o mesmo grau de desenvolvimento experimentado pelo primeiro nível” (PRADO; CARVALHO, 2002. p.112).
Por outro lado, a estrutura teórica de Roxin utiliza de dois critérios distintos para mensurar a devida atribuição normativa, no âmbito da verificação da realização do risco no resultado, quais sejam, as condutas alternativas conforme o direito e o fim de proteção da norma, que serão analisados de forma sucinta, sobretudo por serem reputados como lídimos mecanismos de avaliação da realização do risco no resultado.
Condutas alternativas conforme ao Direito
O critério das condutas alternativas conforme ao direito concerne a juízo de comparação realizado entre a conduta exigida pelos regramentos sociais e o comportamento efetivamente realizado pelo agente criador de um risco juridicamente proibido e não permitido, em razão desta violação constituir pressuposto de análise da realização do risco.
É de se concluir que, mesmo que se deflagre uma conduta que defraude as expectativas sociais, isto é, configuradora de risco relevante e proibido, se a obediência às balizas sociais fossem observadas e o resultado jurídico da mesma forma vier a ocorrer, despicienda caracteriza-se a imputação, em virtude do risco provocado não ensejar em realização do resultado.
Explicando melhor, não há falar em atribuição do resultado se, independente da violação do dever objetivo de cuidado, o resultado veio a ocorrer. A contrario sensu, “é possível que, tendo o sujeito realizado uma conduta imprudente, descumprindo uma regra jurídica, venha a causar um resultado que não teria ocorrido se houvesse agido de acordo com o direito”(JESUS, 2000, p.98).
Mister se faz exemplificar a respeito da temática, em que A dirigia seu automóvel a 160 km/h em uma rodovia em que a velocidade máxima permitida é de 110 km/h, inclusive com um dos faroletes apresentando defeito de funcionamento. Em um trecho da rodovia B andava a cavalo, porém, fora derrubado pelo animal, vindo a cair desacordado na rodovia, enquanto o cavalo fugira. Em razão de estar deitado, A não percebe a presença de B na pista a tempo de desviar, vindo a ensejar a morte deste por atropelamento.
Neste exemplo, A certamente criou um risco juridicamente relevante e proibido ao dirigir em uma rodovia acima do limite de velocidade permitido, bem como com farol defeituoso. Para a aferição da criação deste risco no resultado, a indagação necessária a ser feita é a seguinte: Se A tivesse se mantido nos limites do risco permitido, o resultado morte teria da mesma forma ocorrido? Se negativa a resposta, não cabe imputação do resultado à conduta de A, pois a observância à norma de cuidado seria inútil, em razão do risco que se realizou no resultado não ter sido o excesso de velocidade ou o defeito no equipamento veicular, mas afastado da esfera de imputação de A.
Ex adverso, se o respeito ao limites do risco permitido fossem observados e o resultado fosse resultado, quanto a este elemento de imputação objetiva, haveria a realização específica do risco no resultado.
Discussão acirrada na doutrina diz respeito à necessidade de verificação de certeza quanto à evitação do resultado com a observância das normas de cuidado, comumente inalcançável na apresentação do caso prático. Os posicionamentos dividem-se por favorecer o princípio in dubio pro reo ou pela impossibilidade de divisão do risco em uma parte permitida e outra proibida (ROXIN, 2002, p.341). Todavia, preferimos não nos enveredar nas minúcias deste debate, dedicando-o análise segregada e oportuna.
(vide http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.31761)
Fim de proteção da norma
Por outro viés, o fim de proteção da norma afigura-se como critério distinto de averiguação da realização do risco proibido no resultado. É reputado como um dos institutos mais complexos do arcabouço teórico da imputação objetiva, contudo plenamente suscetível de utilização consoante a pragmática.
O fim de proteção da norma se resume à exclusão da imputação nas hipóteses em que a norma de cuidado não visava evitar a ocorrência de resultados como o que veio a ocorrer. Nesta direção, Fábio Roberto D’Ávila assevera que
“muitas vezes o resultado lesivo não está coberto pelo fim de proteção da norma de cuidado, ou seja, a norma de cuidado está direcionada a acautelar fato ou objeto diverso do efetivamente lesado, o que, por conseguinte, acarreta a impossibilidade de imputação” (D’ÁVILA, 2001, p.66)
Exemplo clássico trazido pela doutrina concernente ao fim de proteção da norma diz respeito a dois ciclistas que pedalavam um atrás do outro , sem faróis, em uma via sem iluminação, sob relativo breu. Em decorrência da escuridão, o ciclista da frente viera a colidir com outro ciclista que vinha em direção oposta (ROXIN, 2002, p.335)
No exemplo apresentado por Roxin, o ciclista de trás violou norma de cuidado ao não utilizar farol à noite para iluminação. No entanto, esta norma protetiva visa evitar acidentes oriundos do próprio ciclista e não evitar acidentes alheios. Desta feita, não obstante à criação de um risco não permitido, este não se realizou no resultado, por não corresponder ao âmbito de proteção da norma de cuidado violada.
Neste diapasão, a utilização deste critério aferidor de imputação, complementa a análise da realização específica do risco no resultado, juntamente com o juízo comparativo, relativo às condutas alternativas conforme ao direito. O fim de proteção da norma detém-se na consideração quanto à real apuração dos casos em que a norma de cuidado visava evitar determinadas espécies de acontecimentos infringentes a bens jurídicos e não outros, fora do âmbito de atuação da norma proibitiva.
Considerações Finais
A realização específica do risco relevante e proibido no resultado traz como desiderato o principal atributo da teoria da imputação objetiva a busca pela delimitação precisa dos casos em que é cabível a irrogação do resultado ao comportamento do indivíduo.
Para tanto, utiliza de seus institutos intrínsecos, isto é, as condutas alternativas conforme ao direito e o fim de proteção da norma, que afiguram-se como medida adequada a abalizar as hipóteses de incidência de imputação.
Os critérios de apuração da realização do risco no resultado consistem nos mecanismos mais complexos no tocante à teoria da imputação objetiva, passíveis de remodelagem no âmbito doutrinário, como toda construção teórica.
A aferição da realização do risco no resultado constitui mais uma etapa da teoria da imputação objetiva a ser analisada pelo intérprete do caso prático, impregnada pela funcionalização de seus mecanismos na busca pelos fins que o Direito Penal visa alcançar.
Referências Bibliográficas
D’ÁVILA, Fábio Roberto. Crime culposo e a teoria da imputação objetiva. 1. ed. São Paulo: Editora Revista Dos Tribunais, 2001
JAKOBS, Günther. A imputação objetiva no Direito Penal, tradução de André Luís Callegari, São Paulo: RT, 2000.
JESUS, Damásio E. de. Imputação Objetiva. São Paulo: Saraiva, 2000.
PRADO, Luiz Régis; CARVALHO, Érika Mendes de. Teoria da Imputação Objetiva do Resultado: Uma aproximação crítica a seus fundamentos. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2002.
ROXIN, Claus. Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal – Tradução e Introdução de Luiz Greco. São Paulo: Renovar, 2002.
Advogado Especialista e Consultor Jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARVALHO, Marco Túlio Rios. A realização específica do risco no resultado na teoria da imputação objetiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 maio 2011, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24297/a-realizacao-especifica-do-risco-no-resultado-na-teoria-da-imputacao-objetiva. Acesso em: 22 nov 2024.
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