A essência da cidadania é algo intrigante. Para Aristóteles, cidadão é aquele que participa da vida política. Partindo de uma visão moderna, Gomes Canotilho afirma que cidadania afere-se pela nacionalidade, uma qualidade atribuída aos indivíduos que pertencem a um determinado Estado-nação. Mas não é só, ainda existem aqueles que advogam uma cidadania cosmopolita, baseada em uma ordem moral universal.
Compreender a extensão do conceito de cidadania pressupõe repisar a história, mais especificamente sua evolução ao longo dos tempos. Na antiguidade, por exemplo, em que pese Aristóteles conceituar cidadão como aquele que participa da vida política, para o festejado filósofo, os escravos, as mulheres e as crianças não cumpriam os requisitos mínimos para o exercício da cidadania, quer por falta de maturidade intelectual e de caráter, quer por falta de conhecimentos.
A compreensão de cidadania no mundo moderno originou-se das revoluções liberais, tais como a Revolução Francesa (1789) e a Declaração de Independência dos Estados Unidos da América (1776). Impregnados dos ideais de Liberté, Egalité, Fraternité, franceses e americanos colocaram fim às monarquias absolutistas, inaugurando um novo ciclo da história. Nesse contexto, um novo conceito de cidadania é fundado no reconhecimento e declaração universal dos direitos do homem e do cidadão, que por sua vez se vincula a um Estado, o que se denominou nacionalidade.
Mas uma nova concepção de cidadania que tem instigado as ciências humanas e sociais é a cosmopolita. Os proponentes dessa corrente rejeitam o modelo nacional e procuram desenvolver uma nova forma de cidadania a partir da ordem moral universal. Inspirados na filosofia lockeana e kantiana sustentam que todos os seres humanos pertencem a uma comunidade moral universal. Um exemplo próximo dessa nova perspectiva é o que se verifica no item nº 5, do art. 15 da Constituição Portuguesa, pelo qual a lei pode atribuir, em condições de reciprocidade, aos cidadãos dos Estados-membros da União Europeia residentes em Portugal o direito de elegerem e serem eleitos Deputados ao Parlamento Europeu. Muito se debateu acerca do mencionado dispositivo, porém, é necessário esclarecer que não se reconheceu uma cidadania européia, posto que, a cidadania da União submete-se à mediação dos Estados-membros, pois continua a pertencer a estes a definição dos requisitos da aquisição e perda da cidadania estatal.
Em resumo, na antiguidade consideravam-se cidadãos apenas os que estivessem aptos para a vida política. Sob o enfoque da modernidade, cidadania se vincula ao elemento nacional, ou seja, cidadão é todo individuo, sem distinção de qualquer gênero, que pertence a um determinado Estado-nação. Já a dimensão cosmopolita da cidadania rejeita o modelo nacional e sustenta uma cidadania baseada na idéia de que todos os seres humanos são membros de múltipas comunidades políticas espalhas pelo planeta terra.
Por mais variadas que sejam as dimensões de cidadania, dúvidas não pairam quanto à identidade cultural de uma nação. Sonhar com um mundo sem fronteiras pressupõe, antes de tudo, consolidar a cidadania no plano interno, garantindo-se aos cidadãos não apenas as liberdades civis e políticas conquistadas ao longo dos últimos séculos, mas também os direitos sociais de segunda geração, c.p.ex., saúde, segurança, educação, etc. Em que pese não se poder negar um mundo progressivamente livre das fronteiras, também não se deve negligenciar a atual crise social da pós-modernidade, o que efetivamente induz maiores esforços em efetivar a cidadania no plano nacional. Esse é o pressuposto para que possamos sonhar com um mundo cosmopolita, com uma cidadania universal.
Precisa estar logado para fazer comentários.