A origem remota da palavra jurisdição se reporta ao vocábulo jurisdictio, que, por sua vez, provém da junção linguística de duas palavras latinas, juris (direito) e dictio (ato de dizer). Assim, jurisdição – ou jus dicere – é, etimologicamente, o ato de dizer o direito e, juridicamente, a extensão e o limite do poder de julgar de um magistrado.
Todavia, embora investidos nesta nobre função, os magistrados não são livres para agir como quiserem, pois têm que respeitar, necessariamente, os princípios fundantes do Estado Democrático de Direito, dentre eles, o que determina a separação dos poderes.
Segundo a nossa Carta Política, os poderes são independentes e harmônicos. Harmônicos porque um dos deveres fundamentais dos poderes constituídos consiste no controle externo dos outros poderes, com o fim de proteger a sociedade no caso de um poder exorbitar a sua esfera de competência, fazendo das suas funções atípicas a regra, e, não, a exceção.
É justamente este o problema que está contaminando o Poder Judiciário de Pernambuco, na medida em que uma das suas funções atípicas (a legislativa) está suprimindo as funções típicas de outros poderes, pois o TJPE pretende normatizar uma situação fática que já está regulada pelo Poder Legislativo, e mais, se recusa a cumprir uma lei vigente, como é o caso da Lei Estadual n. 13.550/08, em completo desrespeito à propalada separação dos poderes, e, mais, ao pacto republicano.
A lei n. 13.550/08 tem, basicamente, dois objetivos: de saída, a reposição das perdas salariais dos servidores correspondentes a três anos de inflação, e, ainda, a reposição de perdas salariais acumuladas durante os 15 anos anteriores a 2007, a qual foi dividida em cinco parcelas. Pleito justo, não? Segundo o Tribunal de Justiça de Pernambuco, não. É por isso que ele não quer cumpri-la, nem mesmo a reconhece.
Talvez ele considere que existem leis que “pegam” e leis que não “pegam”, e quando a medida não se insere nos interesses do Tribunal é impressionante, meus amigos, elas nunca “pegam”! Porém, em um Estado que se diz democrático e cuja constituição se diz cidadã esse tipo de conduta não pode, não deve e não vai prosperar, pois não é dado ao Poder Judiciário escolher as leis que devem ser aplicadas e as leis que não devem, pois todas as leis devem ser cumpridas, indistintamente.
E não me venham dizer que este é um movimento proveniente da Judicialização da Sociedade (ou da vida, como queiram), fenômeno cujo braço intelectual é o ativismo judicial, pois ele só pode (se é que pode!) existir quando há uma omissão crassa dos outros poderes na criação e execução de políticas públicas, cabendo, assim, ao Poder Judiciário substituir o non facere dos outros poderes com decisões judiciais. Mas não é o caso, Excelências. Não é o caso.
Não é o caso porque existe, sim, uma lei que regula a situação (Lei n. 13.550/08), não se tratando, pois, de omissão legislativa. E não me venham dizer que o Tribunal, neste caso concreto, adota padrões hermenêuticos distintos dos utilizados corriqueiramente, pois todos sabem que no sistema romanístico, que é o nosso, não pode existir interpretação contra legem, pelo menos antes que a lei reguladora seja declarada inconstitucional. Mas não é o caso, Excelências. Não é o caso.
O caso é que os servidores do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco estão em greve, pois querem demonstrar à sociedade, mediante o instrumento da democracia participativa, que aquele que deve salvaguardar os direitos subjetivos do cidadão é exatamente aquele que está negando tais direitos – o Tribunal de Justiça de Pernambuco.
E não pensem que a sociedade não é consciente disso. Não é à toa que um estudo realizado em novembro do ano passado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), que reúne indicadores de percepção social em relação à Justiça, mostrou que ela é pessimamente avaliada pela sociedade, tendo obtido uma nota de 4,55, em uma escala de 0 a 10.
Sabe o que isso significa? A população está ao nosso lado, pois ela convive com todos os problemas que cercam este Poder, já que o povo é diretamente atingido pelas más condições laborais dos fóruns pernambucanos. E se a população é adepta da nossa luta, diga-se o mesmo dos seus representantes, os senhores Deputados. E é por isso que convidamos o Poder Legislativo de Pernambuco para retomar as suas funções que foram usurpadas inconstitucionalmente por um Tribunal cuja bússola moral está desnorteada, defenestrada, apartada da Justiça.
O interessante é que no meio de toda esta movimentação em busca da efetivação da justiça, um estagiário me parou no corredor e me perguntou – não sei se satiricamente ou sarcasticamente, ou os dois – se o Tribunal de Justiça de Pernambuco está sabendo aplicar o direito. Bom, se antes eu tinha respostas convictas, hoje eu não estou tão seguro. Fiquei na dúvida!
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