O estudo do regime jurídico-administrativo a que se submete a Administração Pública baseia-se em dois aspectos fundamentais: prerrogativa da Administração, com o oferecimento de meios para assegurar o exercício de suas atividades; e a sujeição, sendo esta entendida como o limite oposto à atuação administrativa em benefício dos cidadãos.
O poder de polícia revela bem essa tensão entre autoridade da Administração pública e a liberdade individual, uma vez que consiste no condicionamento do exercício de direitos ao bem estar coletivo.
Esse poder pode se revelar em atos normativos, com a criação de normas gerais de limitação administrativa ao exercício de direitos e atividades individuais, ou em atos administrativos e em operações materiais de aplicação da lei ao caso concreto, os quais abrangem as medidas preventivas, para adequar o comportamento individual à lei, e medidas repressivas, com a aplicação de sanções com a finalidade de coagir o infrator ao cumprimento da lei.
Assim, o descumprimento de uma norma administrativa enseja a apuração pela autoridade no exercício de uma função administrativa para a aplicação da sanção, ainda que esta não seja dotada de auto-executoriedade (como é o caso das multas).
Neste contexto, convém trazer à baila o ensinamento do professor Celso Antônio Bandeira de Melo:
“ Reconhece-se a natureza administrativa de um infração pela natureza da sanção que lhe corresponde, e se reconhece a natureza da sanção pela autoridade competente para impô-la. Não há, pois, cogitar de qualquer distinção substancial entre infrações e sanções administrativas e infrações e sanções penais. O que a aparta é única e exclusivamente a autoridade competente para impor a sanção (...)”.[1]
E continua:
“Sanção administrativa é a providência gravosa prevista em caso de incursão de alguém em uma infração administrativa cuja imposição é da alçada da própria Administração“[2].
Assim, as infrações administrativas e suas sanções, para que sejam validamente apuradas e impostas, devem observar, como todos os atos administrativos, as limitações impostas pela lei quanto à competência, forma e fins, bem como quanto aos motivos e objetivos do ato, já que esses últimos, embora sob certa margem de discricionariedade, devem observar os preceitos da necessidade, proporcionalidade e eficácia do ato praticado. Deverá, ainda, observar os princípios gerais da administração pública e alguns princípios específicos, decorrentes do devido processo legal.
Conforme apontado pela doutrina especializada, a previsão das infrações administrativas deve atender aos princípios da legalidade, da anterioridade da tipicidade e da voluntariedade. A aplicação das sanções, além dos princípios aplicáveis à previsão das infrações, deve atender ao princípio da proporcionalidade, do devido processo legal e o princípio da motivação.
Passemos à análise desses princípios.
O princípio da legalidade é basilar do Direito em, no Direito Administrativo, significa, em breves palavras, a subordinação da Administração à lei, de modo a evitar qualquer abuso por parte do administrador, constituindo, assim, uma garantia aos administrados. Está previsto na Constituição Federal, nos artigos 5º, inciso II, 37, caput e 84, inciso IV.
Mas o princípio vai um pouco mais além.
Com efeito, a aplicação do princípio da legalidade significa, no presente estudo, afirmar que todas as infrações e correspondentes sanções devem ser instituídas, ainda que indiretamente, em lei. Ou seja, não se pode negar a validade das infrações e sanções impostas por normas administrativas amparadas, de forma remota, no texto legal.
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello:
“(...) não haverá desrespeito ao princípio da legalidade em matéria de infrações e sanções administrativas nas hipóteses em que o enunciado legal pressupõe a elaboração de normas inteiramente dependentes de conclusões firmadas sobre averiguação ou operacionalização técnica, que só ocorre em situações em que é impossível, impraticável ou desarrazoado efetuar precisões rigorosas ao nível da lei, dado o influxo das rápidas mudanças advindas do progresso científico e tecnológico, assim como de condições objetivas existentes em dado tempo e espaço, cuja realidade impõe, em momentos distintos, níveis diversos no grau das exigências administrativas adequadas para cumprir o escopo da lei sem sacrificar outros interesses, também por ela confortados”[3].
As normas instituídas no âmbito normativo de regulamentação das agências reguladoras constituem o exemplo mais nítido da validade e da eficácia dessas previsões, já que a regulação de mercados técnicos específicos pressupõe a o conhecimento técnico correspondente, o que não poderá ser exigido do legislador.
Mas vale enfatizar: a previsão das infrações e sanções em normas administrativas é válida, desde que previamente autorizada pela lei e, o mais importante, adstrita aos limites da permissão não podendo nunca contrariar os aspectos gerais previsto no texto legal.
Além de estar prevista direta ou indiretamente em lei, essa previsão deverá ser anterior ao fato tido por infracional. Ou seja, segundo o princípio da anterioridade, a conduta somente poderá ser tida por infração administrativa com a correspondente sanção se, antes da sua prática, a sua tipificação já se encontrar prevista, de forma abstrata, no texto legal ou normativo e que, agora, serão aplicadas ao caso concreto.
E essa tipificação deve ser suficientemente clara e objetiva, de modo que o administrado tenha a devida dimensão do permitido e do reprovável, e para que, uma vez cometida a infração, seja objetivamente apurada e sancionada, o que se traduz no princípio da tipicidade.
A configuração da infração pressupõe, ainda, o animus do agente, ou seja, a voluntariedade para a incursão na infração já que, em princípio, não caberia imputar a alguém o cometimento da infração quando não há possibilidade de eleição prévia acerca do comportamento a ser adotado.
O princípio da proporcionalidade, por sua vez, deve ser observado na aplicação da sanção à conduta praticada, e revela, em outros termos, o resguardo do objetivo atinente à tipificação da norma repressora. De fato, a sanção imposta deverá guardar estreita proporcionalidade à gravidade do ato praticado, donde se extrai, ainda, que a observância deste princípio pressupõe atenção ao princípio da razoabilidade que também deverá pautar a decisão da autoridade administrativa,
Além dos princípios supra analisados, a Lei nº 9.784/99 assegura e instrumentaliza a observância do princípio do devido processo legal (art. 5º, inciso LV da CF), ao instituir o processamento administrativo que será aplicado, na esfera federal, caso não haja previsões específicas acerca da infração cometida. Os preceitos básicos estão previstos no art. 2º da Lei:
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
I - atuação conforme a lei e o Direito;
II - atendimento a fins de interesse geral, vedada a renúncia total ou parcial de poderes ou competências, salvo autorização em lei;
III - objetividade no atendimento do interesse público, vedada a promoção pessoal de agentes ou autoridades;
IV - atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé;
V - divulgação oficial dos atos administrativos, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas na Constituição;
VI - adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público;
VII - indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão;
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
X - garantia dos direitos à comunicação, à apresentação de alegações finais, à produção de provas e à interposição de recursos, nos processos de que possam resultar sanções e nas situações de litígio;
XI - proibição de cobrança de despesas processuais, ressalvadas as previstas em lei;
XII - impulsão, de ofício, do processo administrativo, sem prejuízo da atuação dos interessados;
XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.
Assim, como desdobramento do princípio processo legal, tem-se os seguintes apontados pelos professor Celso Antônio Bandeira de Mello: princípio da audiência do administrado; princípio da acessibilidade aos elementos do expediente, princípio da ampla instrução probatória, princípio da motivação, princípio da revisibilidade, princípios da lealdade e da boa-fé, princípio da verdade material; princípio da oficialidade; e princípio do informalismo.
Vale ressaltar, por fim, que uma vez verificado o cometimento da infração, a autoridade administrativa tem um dever de apurá-la e sancioná-la, sempre nos limites impostos pela lei e por normas administrativas, observados os princípios supra analisados, não cabendo, neste aspecto, qualquer discricionariedade que se possa apontar como característica geral do poder de polícia da administração.
REFERÊNCIAS
BRASIL Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9784.htm. Acesso em 13/06/2011.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, São Paulo: Atlas
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, São Paulo: Saraiva
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005.
Procuradora Federal, professora universitária, especialista em direito público e interesses difusos e coletivos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MECELIS, Adriana. Bases principiológicas da apuração da infração e da aplicação de sanção administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jul 2011, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/24975/bases-principiologicas-da-apuracao-da-infracao-e-da-aplicacao-de-sancao-administrativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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