Resumo: Trata da dificuldade de entendimento que os clubes não profissionais costumam ter na contagem dos cartões amarelos durante a sequência de jogos realizados no torneio e da precariedade das provas apresentadas pela acusação nos processos respectivos junto aos Tribunais de Justiça Desportiva.
Palavras-chave: suspensão automática – advertência – cartão amarelo – perda de pontos – multa – confusão – julgamento – prova – precariedade – insuficiência – tipo infracional em branco – certidão – regulamento.
Algumas Comissões Disciplinares do Tribunal de Justiça Desportiva mineiro têm julgado, com certa frequência, nos torneios que envolvem o futebol não profissional, casos de atletas que, submetidos à suspensão automática pelo recebimento da terceira advertência através de cartão amarelo, em partidas distintas, são escalados e jogam em desatendimento a essa obrigação.
O fato, independentemente de má fé dos clubes ou do jogador, se dá basicamente por dois motivos que reforçam, de verdade, a confusão que pode se instalar no entendimento dessas questões.
Primeiro, a entidade esportiva acompanha a competição munida de seu regulamento específico, procurando pautar todas as suas ações de conformidade com esse conjunto básico de regras, que, definitivamente, não aborda as circunstâncias que envolvem a suspensão automática, muito menos a maneira correta de se proceder à contagem dos cartões.
Segundo, porque há, com certeza, interpretação equivocada de que, numa série de “amarelos” recebidos em jogos diversos, depois de um segundo, por exemplo, se vier a acontecer cartão vermelho, por expulsão direta, com suspensão automática do atleta para a partida subsequente, começaria nova contagem de advertências amarelas, abandonando-se e desprezando-se a iniciada anteriormente, como se tivesse sido absorvida pela punição vermelha, mais grave.
Claro que não funciona assim, posto que as sequências e consequências são independentes, autônomas, de que se faz cômputo individualizado, conforme previsão expressa, sempre, no Regulamento Geral das Competições expedido pela Federação.
Por essas razões, com reiterada frequência, os clubes têm sido levados ao TJD, sob a imputação de Escalação de Atleta em Situação Irregular, conforme previsto no artigo 214 do Código Brasileiro de Justiça Desportiva, sujeitando-se a severas sanções que se constituem em pena pecuniária e, pior, perda de três pontos e regressão evidente na posição da tabela do campeonato.
O questionamento que deve ser feito não se restringe à necessidade ou oportunidade da punição - o que não se discute - mas o modo de comprovação dessas infrações no contexto dos processos que para isso são instalados.
Ora, se a acusação feita pela Procuradoria é de escalação irregular de atleta, essa desconformidade deve ser cabalmente demonstrada, sob pena de fragilizar a denúncia, configurando-se prova inidônea e insuficiente para suportar uma condenação.
Trata-se o tipo infracional do artigo 214, citado, de uma norma em branco, que possui seu preceito primário incompleto, a depender de outra regra que o complemente e faça caracterizar, de maneira inquestionável, a transgressão que se pretende punir no Tribunal.
A analogia obrigatória que se deve fazer nesses casos é com a norma penal em branco, assim definida por CAPEZ:
“...são normas nas quais o preceito secundário (cominação da pena) está completo, permanecendo indeterminado o seu conteúdo. Trata-se, portanto, de uma norma cuja descrição da conduta está incompleta, necessitando de complementação por outra disposição legal ou regulamentar.”
Assim, os fundamentos regulamentares da irregularidade da escalação devem ser apontados, obrigatoriamente, sob pena de não se haver completado o preceito legal da proibição. Se eles se baseiam no Regulamento do Torneio ou nas Normas Gerais da Competição, devem ser explicitados, com indicação induvidosa da regra descumprida, através de suas cláusulas, artigos, parágrafos, incisos ou alíneas.
A Procuradoria tem-se limitado a juntar aos autos uma declaração da Diretoria de Futebol da Federação, informando que determinado atleta teria participado da partida de que estaria automaticamente suspenso em decorrência do recebimento do terceiro cartão amarelo. Nada além disso.
É preciso, mais, em decorrência do onus probandi da acusação, indicar a sequência de jogos do atleta por seu clube, com datas, adversários, resultados, eventuais cartões, em documento circunstanciado da Diretoria de Futebol, o que não tem sido feito, infelizmente.
A esse propósito, MOUGENOT ensina que “...em consonância com os ensinamentos da moderna doutrina, é de ver que não são propriamente os fatos que devem ser confirmados por meio de prova, mas sim as afirmações feitas pelas partes, ou seja, suas alegações”.
Sobre essa incumbência, já prescrevia ROXIN que no processo, “como consequência máxima da instrução, vige o princípio de que todos os fatos que de algum modo são importantes para a decisão judicial devem ser provados”.
Há de se convir, por todo o exposto, em que pese a orientação legal de celeridade, oralidade e economia dos procedimentos, que punir, sem obediência aos dispositivos fundamentais da norma processual, além de não servir à finalidade do bom Direito e à prestação jurisdicional de qualidade, pode se assemelhar a atos inquisitivos de justiçamento medieval, por ignorar comezinhos princípios de defesa.
Notas:
– CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal –– Parte Geral – Volume I, p 32 – 2004 – Ed. Saraiva
MOUGENOT, Edilson Bonfim. – Curso de Processo Penal – 4ª. Edição – Ed Saraiva -2009. p 305
ROXIN, Claus. Derecho Procesal Penal – 25ª. Edição p. 186 – Buenos Aires – Ed. Del Puerto – 2000.
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