Introdução
O presente trabalho tem por escopo tecer breves considerações exclusivamente sobre a prescrição da Ação de Improbidade Administrativa e da Ação de Ressarcimento ao Erário, bem como comentar sobre a Interrupção do Prazo Prescricional nestas ações.
Não obstante o avanço que a lei conhecida por Lei do ‘Colarinho Branco’ trouxe à sociedade brasileira, dada a sua amplitude voltada a retirar do âmbito da Administração Pública não somente os agentes públicos[1] que tenham enriquecido ilicitamente as custas da função pública, como também aqueles que causaram ou ainda causam prejuízo ao erário e/ou violam os princípios que regem a Administração Pública, a Lei 8.429/92 – Lei de Improbidade Administrativa, foi alvo de diversas críticas pelos estudiosos de direito.
Tais críticas ocorreram devido ao complexo de normas de direito civil, administrativo, penal, processual penal e processual civil em seu bojo. Dentre as divergências doutrinárias e posteriormente jurisprudenciais oriundas da Lei de Improbidade, destacaremos as seguintes questões: a) qual o prazo de prescrição para propositura da Ação de Improbidade Administrativa? b) qual o prazo de prescrição da Ação de Ressarcimento de Danos ao Erário? e c) em que momento ocorre a Interrupção e/ou Suspensão do Prazo Prescricional?
Este humilde trabalho pretende discutir e apresentar posicionamento quanto a estas questões, abordando também a necessidade existente em conferir segurança às relações jurídicas solidificadas no tempo, as quais exigem a fixação de marco prescricional para o exercício do poder punitivo do Estado quanto a todos os atos de corrupção.
Conceito de Prescrição e momento da Interrupção e/ou Suspensão do Prazo
No tocante ao momento da interrupção e/ou suspensão do prazo prescricional, este ocorre, via de regra, com a citação válida, a qual retroage a data da propositura da ação. Não obstante essa regra, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em determinada situação entendeu que a propositura da ação não interrompe o prazo prescricional se o autor, no caso o Ministério Público, não pede a notificação prévia, criada pela medida provisória que alterou o artigo 17, §7º, da Lei nº 8.429/92.[2] Para os desembargadores daquele tribunal, não há direito de ação se o pedido de notificação para a manifestação por escrito prevista em lei somente foi formulada após a prescrição[3], entretanto, o MP recorreu.
No recurso especial para o STJ, o MP/RS alegou que a ação foi ajuizada antes do fim do prazo de cinco anos de prescrição, e que isso impede o reconhecimento do transcurso desse prazo, já que os efeitos da citação retroagem à data da propositura da ação. A Primeira Turma, por unanimidade, concordou com o argumento do MP e deu provimento ao recurso especial, conforme destacou o relator, Ministro Francisco Falcão.[4]
Consoante o acima exposto, entendemos que este argumento está totalmente correto, pois a Lei 8.952/94 estabelece que a interrupção da prescrição é sujeita a dois momentos processuais distintos: o da propositura da ação e da realização da citação válida.
A Prescrição da Ação de Improbidade Administrativa
Consoante o disposto no art. 23, incisos I e II da Lei 8.429/92, as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional, tem como prazo prescricional de cinco anos para a apuração das faltas funcionais cometidas pelos servidores públicos, sendo os prazos específicos para os casos do inciso II do mesmo artigo.
Tais prazos têm por objeto as pretensões do art. 189 do CC2002, ou seja, demarcar um limite de tempo para exercício do direito de ação pelo seu titular sob pena de preclusão; por ser uma exceção oposta ao exercício do direito de ação, tem por escopo extingui-la, visando um interesse jurídico-social. Esse instituto foi criado como medida de ordem pública para proporcionar segurança às relações jurídicas, que seriam comprometidas diante da instabilidade do fato de se possibilitar o exercício da ação por prazo indeterminado.[5]
Assim sendo, temos duas regras gerais em matéria de prescrição da ação de improbidade administrativa. A primeira, aplicável aos portadores de mandato eletivo, cargo em comissão ou função de confiança, em que ficou estabelecido prazo prescricional de 05 (cinco) anos, considerando-se termo a quo do prazo prescricional a data de término do mandato, cargo ou função.
A segunda situação diz respeito aos empregados e servidores públicos, que ficam sujeitos aos mesmos prazos prescricionais estabelecidos no art. 142 da Lei 8.112/90, quais sejam: 05 (cinco) anos no caso de falta punível com demissão; 02 (dois) anos no de suspensão; ou 180 (cento e oitenta) dias no caso de advertência.[6]
A questão polêmica, entretanto, diz respeito ao prazo prescricional de agente que exerce mandato eletivo e é reeleito, ficando por 08 (oito) anos na gestão da máquina pública. A controvérsia nesse caso seria: qual o marco inicial do prazo prescricional para a propositura de Ação de Improbidade Administrativa por corrupção praticada no primeiro mandato?
O Superior Tribunal Justiça, já externou seu entendimento em recente julgado, argumentando que ‘a reeleição, embora não prorrogue simplesmente o mandato, importa em fator de continuidade da gestão administrativa, estabilização da estrutura estatal e previsão de programas de execução duradoura. (...) É responsabilidade do administrador perante o titular da ‘res’ publica por todos os atos praticados durante os oito anos de administração, independente da data de sua realização.[7]
Não obstante essa decisão do STJ, infelizmente o entendimento da doutrina e jurisprudência é minoritário, entre os doutrinadores que apóiam esse pensamento, estão os ilustres Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves,[8] em que entendem que no caso de exercício de (dois) mandatos consecutivos, o termo inicial do prazo prescricional para propositura de ação de improbidade quanto ao primeiro mandato eletivo é contado do término do segundo, entendimento esse que nos parece ser o mais correto, pois existe a facilidade do contato do agente através da gestão pública, de favorecer-se da sua condição para a prática da corrupção, onde a complexidade de apuração é inegável.
Outra situação extremamente controvertida e que também já foi decidida pelo Superior Tribunal de Justiça é a seguinte: em uma Ação de Improbidade Administrativa cumulada com pedido de Ressarcimento de Danos ao Erário, estando prescrita a primeira, existe a possibilidade de prosseguir quanto a segunda?
O pedido de ressarcimento de danos ao erário público deve prosseguir em ação civil pública, ainda que o pedido de condenação por improbidade esteja prescrito, pois a prescrição da ação por improbidade não impede análise do pedido de ressarcimento no mesmo processo, essa decisão foi resolvida pela Primeira Turma do STJ, no julgamento do recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal-MPF, que teve como relator o Ministro Luiz Fux.[9]
No recurso, o MPF contestava decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região - TRF1 que julgou improcedente a continuidade da ação civil pública para o ressarcimento de danos, devido ao reconhecimento da prescrição, na mesma ação, do pedido de condenação por improbidade. O relator entendeu que a ação de ressarcimento deve ser proposta na via própria, que não a da ação civil por ato de improbidade administrativa. O MPF recorreu e o recurso foi julgado procedente, para continuar a ação de ressarcimento, decisão essa que ao nosso ver é merecedora de aplausos.
A Prescrição da Ação de Ressarcimento de Danos ao Erário
Para muitos juristas o legislador atual quis ressalvar expressamente no §5º do art. 37 da CFR88 a imprescritibilidade do direito da Administração Pública ver reparado o dano causado ao seu patrimônio público.
Já a Lei 8.429/92 estabeleceu determinados prazos prescricionais aplicáveis às Ações de Improbidade, mas quedou-se inerte quanto às ações de Ressarcimento, as quais, sendo dotadas de natureza autônoma, podem ser ajuizadas independentemente daquelas. Porém, diante da norma constante no art. 23 da Lei 8.429/92 que define como cinco anos o prazo prescricional para a apuração das faltas funcionais cometidas pelos servidores públicos, surgiu a dúvida se o referido prazo atingiria também o direito ao ressarcimento pelos danos causados ao patrimônio das entidades previstas no art. 1º da LIA.
Não obstante essa dúvida levantada pelos intérpretes do direito, sobrou para os tribunais decidirem à respeito do prazo eis que há quem diga que por não haver prazo expresso em lei, aplica-se o art. 205 do CC2002, outros dizem que aplica-se o disposto no art. 206 do referido diploma e por fim há quem diga que a ação é imprescritível.
Compartilhando do posicionamento de que aplica-se o art. 206 do CC2002, está o precedente no Superior Tribunal de Justiça em que mesmo a míngua de regulamentação específica, diz que aplica-se às ações de ressarcimento o prazo prescricional estabelecido na legislação civil - art. 206, ao argumento de que: "A norma constante do art. 23 da Lei nº 8.429 regulamentou especificamente a primeira parte do § 5º do art. 37 da Constituição Federal. À segunda parte, que diz respeito às ações de ressarcimento ao erário, por carecer de regulamentação, aplica-se a prescrição vintenária preceituada no Código Civil (art. 177 do CC de 1916).”[10]
Assim, para acabar com essa enorme divergência jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal enfrentou o assunto e já manifestou o entendimento de que é imprescritível a ação de ressarcimento ao erário com base no art. 37, § 5º da CFR88, denegando o Mandado de Segurança impetrado por um estudante que cursava faculdade no exterior e que não retornou ao país após o término da concessão da bolsa, usufruindo-se de dinheiro público indevidamente.[11]
No mesmo sentido, o STJ externou seu entendimento em recente julgado, alegando que: “No que concerne à ação civil pública em que se busca a condenação por dano ao erário e o respectivo ressarcimento, esta Corte considera que tal pretensão é imprescritível, com base no que dispõe o artigo 37, § 5º, da Constituição da República.”[12]
Fábio Medina Osório, ao manifestar-se quanto à matéria, foi feliz ao questionar essa interpretação da imprescritibilidade do ressarcimento de danos. Acrescenta o autor que "é caso de questionar essa idéia, pois a quebra e a violação da segurança jurídica não é um bom caminho de combate às práticas nefastas ao patrimônio público. Entendo que um amplo e larguíssimo prazo prescricional deveria ser criado para às hipóteses de lesão ao erário, mas não se poderia aceitar a total imprescritibilidade, ao menos do ponto de vista ideológico".[13]
Assim, argumentar-se, em favor da imprescritibilidade do ressarcimento dos danos - a proteção ao erário e, em conseqüência, ao interesse público, não procede, tendo em vista que a prescrição, em princípio, atinge a todas as pretensões e ações, quer se trate de direitos pessoais ou reais, privados ou públicos.[14] Com efeito, me filio ao posicionamento do autor acima transcrito, pois a imprescritibilidade fere a paz social e a segurança jurídica.
Conclusão
Em face do exposto, militamos no sentido de que os agentes públicos ímprobos devem ser excluídos do quadro da Administração Pública, devendo, ainda, reparar todo e qualquer dano causado ao patrimônio público. Também concluímos que, a prescrição das Ações de Improbidade Administrativa é regida pelo art. 23, da Lei 8.429/92[15] e art. 142, da Lei 8.112/90, conforme o caso, bem como acredito firmemente que a propositura da ação interrompe o prazo, mesmo ocorrendo à notificação posteriormente ao prazo prescricional.
Entretanto, não somos a favor da interpretação extensiva que se vem atribuindo ao §5º do art. 37, da CFR88, pois tal interpretação contraria o princípio da segurança jurídica, podendo ser mais lesiva ao interesse público do que o próprio dano material decorrente do ato ímprobo, diante das instabilidades que poderão ocorrer nas referidas relações.
Desta forma, entendemos, ao contrário da maioria da doutrina e jurisprudência, que referidas ações civis de ressarcimento, prescrevem no prazo de dez anos, com base no artigo 205 do Código Civil, pois a Constituição não se referiu expressamente sobre a imprescritibilidade em seu art. 37 §5º, ao contrário, do que fez em outros dispositivos.[16]
Bibliografia
ALVES. Rogério Pacheco. GARCIA. Emerson. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: 2ª ed, Lumen Juris, 2006.
CÂMARA LEAL. Antônio Luiz. Da prescrição e decadência. Rio de Janeiro: Forense, 1978. p.12. apud PAZZAGLINI F. Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. São Paulo: 2ª ed, Atlas, 2005.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1º volume, p. 357.
Miranda, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. São Paulo, Bookseller, 2000, tomo VI.
Osório, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. http://www.stj.gov.br/SCON/
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisar jurisprudencia.asp
[1] Cumpre ressaltar que a abrangência do conceito de agente público contida no artigo 2º da Lei de Improbidade é superior a constante no artigo 327 do Código Penal.
[2] Esse parágrafo determina que o juiz mandará autuar a inicial e ordenará a notificação do requerido, para oferecer manifestação por escrito (...) dentro do prazo de quinze dias.
[3] CÂMARA LEAL. Antônio Luiz. apud PAZZAGLINI F. Marino. Lei de Improbidade Administrativa Comentada. São Paulo: Atlas, 2005. p. 224. A prescrição como é sabido, é a perda da ação atribuída a um direito, em razão da negligência de seu titular, que deixou de exercitá-lo durante certo tempo, sem ocorrência nesse período, de causa impeditiva, suspensiva ou interruptiva do seu curso. É a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso.
[4] Superior Tribunal de Justiça. Resp 695084, J. em 20/10/2005. No mesmo sentido: EDcl no REsp 911961/SP, J. em 10/08/2010 e AgRg no REsp 1218202/MG, J. em 12/04/2011.
[5] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1º volume, p. 357.
[6] A Lei 8.112/90, em seu art. 142, § 2º, remete à lei penal nas situações em que as infrações disciplinares constituam também condutas tipificadas como crimes e no Código Penal, a prescrição vem regulada no art. 109. AgRg no Ag 1331116/PR, DJe 16/03/2011. Contra EDcl no REsp 914853/RS, DJe 08/02/2011.
[7] STJ - 2ª TURMA - RESP 1107833 - RELATOR MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES - DJE 18/09/2009.
[8] ALVES. Rogério Pacheco. GARCIA. Emerson. Improbidade Administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris.
[9] Superior Tribunal de Justiça, Resp 1089492. Outros Precedentes: STF: MS 26.210-DF, DJe 10/10/2008; REsp 1.067.561-AM, Rel. Min. Eliana Calmon, julgado em 05/02/2009 e AgRg no REsp 1138564/MG, DJe 02/02/2011.
[10] STJ, RESP nº 960926 / MG, Rel. Min. Castro Meira, DJ Data: 18/03/2008.
[11] STF; MS 26.210-9; DF; Tribunal Pleno; Rel. Min. Ricardo Lewandowski; Julg. 04/09/2008; DJe 10/10/2008; Pág. 39.
[12] STJ - 2ª TURMA - RESP 1107833 - Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 18/09/2009. e Também Resp 1227965/SC, DJe 15/06/2011
[13] Osório, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 101.
[14] Miranda, Pontes de. Tratado de Direito Privado. Atualizado por Vilson Rodrigues Alves. São Paulo, Bookseller, 2000, tomo VI, p.164.
[15] Com exceção do Agente que exerce (dois) mandatos eletivos seguidos, em que o prazo começa a fluir à partir do segundo.
[16] ...constitui crime inafiançável e imprescritível" (art. 5º, XLII) e da mesma forma, afirma que "constitui crime inafiançável e imprescritível" a ação de grupos armados contra a ordem constitucional e o Estado democrático (art. 5º, XLIV).
Advogado Processualista Cível, Criminal, Consumidor, Previdenciário e Trabalhista. Graduado pela Universidade Camilo Castelo Branco - Campus: Fernandópolis/SP. Pós- graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera afiliada à Rede LFG.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ESTEVES, Welton. A prescrição e sua interrupção na ação de improbidade administrativa e ressarcimento de danos ao erário (Artigo 23, da Lei nº 8.429/92) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 ago 2011, 00:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25150/a-prescricao-e-sua-interrupcao-na-acao-de-improbidade-administrativa-e-ressarcimento-de-danos-ao-erario-artigo-23-da-lei-no-8-429-92. Acesso em: 22 nov 2024.
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