RESUMO:
Este artigo irá versar sobre a crise do ensino jurídico. Demonstrará que esta é reflexo da educação de instrução que domestica, marginaliza e oprime o indivíduo, uma vez que não o leva a questionar as normas jurídicas impostas. Paralelamente a isso, mostrará a necessidade de abandono ao positivismo e conservadorismo dominantes em grande parte dos cursos jurídicos e irá propor como um dos instrumentos de solução da crise, a reforma do pensamento, que vem a ser a idéia de que as universidades devem proporcionar uma formação interdisciplinar, humanística, critica, que promova o desenvolvimento integral das potencialidades do indivíduo. Para tanto, terá como base a leitura das obras os Sete Saberes Necessários a Educação do Futuro e A Cabeça Bem-Feita, ambos de Edgar Morin, Direito e Holismo, de Paulo Roney Ávila Fagúndez e Pensando o Ensino do Direito no Século XXI, de Horácio Wanderlei Rodrigues.
PALAVRAS-CHAVE: crise do ensino jurídico; educação de instrução; normas jurídicas e reforma do pensamento.
INTRODUÇÃO
Tendo como referencial teórico a leitura das obras os Sete Saberes Necessários a Educação do Futuro e A Cabeça Bem-Feita, ambos de Edgar Morin, Direito e Holismo, de Paulo Roney Ávila Fagúndez e Pensando o Ensino do Direito no Século XXI, de Horácio Wanderlei Rodrigues, este artigo se propõe a analisar como a educação de instrução, a qual é difundida na maioria das universidades brasileiras, contribui para a crise do ensino jurídico no Brasil.
O resultado dessas leituras mostra que o método clássico de ensino é falho, que as universidades não cumprem a sua tríplice função de educar cidadãos dotados de saber profissional, científico e humano e que isto se dá porque a educação tradicional é de instrução, forma indivíduos com saberes fragmentados, que conhecem a NORMA, mas não sabem o DIREITO, porque este é produto social, resultado cultural da luta pela convivência do povo.
Negando a norma pura e a racionalidade propagadas na educação de instrução, será traçado a seguir, um breve apanhado histórico, acerca do surgimento das primeiras instituições de ensino superior no Brasil. Será demonstrado que estas foram criadas no século XVIII, para atender aos anseios de uma determinada classe que não estava preocupada com a libertação do indivíduo para busca do conhecimento, e que esta realidade continua a se propagar na atualidade e é o fator determinante para o alastramento da crise do ensino jurídico no Brasil.
Como proposta capaz de amenizar a crise, será enfatizada que é emergencial o abandono do apego ao tecnicismo, que só leva em conta o fato e a normas, pois estas são insuficientes e frágeis para resolução dos conflitos sociais. É preciso que haja o aperfeiçoamento no ensino jurídico e que se busque um processo qualitativo do ensino-aprendizagem.
1 A ORIGEM DAS PRIMEIRAS UNIVERSIDADES DE DIREITO NO BRASIL
Uma breve análise histórica acerca dos primeiros centros de ensino jurídico no Brasil é fundamental para que possamos refletir e compreender o porquê, os principais fatores que “justificam” a crise do ensino jurídico.
As primeiras academias de Direito no Brasil, foram criadas em São Paulo/SP e Olinda/PE, por volta do século XIX, e tinham como fim perspícuo formar uma pequena parcela da elite burguesa para que viessem a assumir os mais elevados cargos públicos do Estado.
Como foi criado para atender aos anseios do Estado, sendo por esse controlado e mantido, o ensino era propagado de forma centralizada. Os centros acadêmicos eram vistos como local de comunicação das elites econômicas e, portanto, eminentemente desvinculado da realidade social.
Nesse aspecto, é de ser levado em consideração que a universidade de Olinda/PE, por ter tido aspirações de cunho social, que visava formar indivíduos críticos, não foi mantida, o que ratifica a afirmação no sentido de que o bacharel em Direito deveria estar comprometido com a estrutura do poder dominante.
Nos ensinamentos de Edilson Rodrigues Sebastião Gomes:
A criação e implementação dos cursos de Direito aconteceu com objetivos políticos e ideológicos, desprovidos de preocupação natural que deve haver com o corpo discente, ficando o ensino jurídico dessa forma desvinculado da realidade social. (2004, p.8).
Percebe-se, pois, que desde a sua origem, a criação dos cursos de Direito teve apenas finalidades ideológicas e políticas. O ensino do Direito que deveria ter comprometimento com os anseios da sociedade, com a busca pela justiça e bem-estar coletivo, estava totalmente desvinculado dessas finalidades. Como bem salientou Pierre Bourdieu:
Para que a dominação simbólica funcione é necessário que os dominados tenham incorporado às estruturas segundo as quais os dominantes os apreendem; que a submissão não seja um ato de consciência susceptível de ser compreendido na lógica do constrangimento ou na lógica do consentimento. (2002, p. 7-8)
Na República Velha, houve certo avanço, vez que foi possível a criação de universidades jurídicas particulares, o que possibilitou o acesso da classe média ao ensino superior, contudo, esses centros acadêmicos continuavam supervisionados pelo governo, e a disparidade entre a instância educacional e os anseios sociais era constante.
Esse período de nossa história também foi decisivo para a crise do ensino jurídico vivenciada. Primeiro porque, foram criadas diversas Universidades as quais não estavam preocupadas com a qualidade do ensino. Outro fator crucial para crise foi à influência decisiva do positivismo na concepção do Direito e seu ensino, de forma que já se passaram dois séculos e a formação superior continua sendo propagada nos moldes de sua origem.
O fato é que os sujeitos do Estado nunca tiveram a preocupação de alicerçar a base educacional brasileira, afinal, alienar é mais proveitoso que politizar, o saber gera poder, e a partir do momento que se formassem pessoas capazes de questionar a realidade, essas passariam a ser uma ameaça para o Estado, o qual nada mais é que um aparelho ideológico sem pressupostos civilizadores ou pacificadores.
2 A INFLUÊNCIA DAS ASPIRAÇÕES POSITIVISTAS NA CONCEPÇÃO DO DIREITO E A EDUCAÇÃO DE INSTRUÇÃO COMO FATOR DETERMINANTE PARA CRISE DO ENSINO JURÍDICO
Como visto acima, a criação das primeiras escolas de Direito no Brasil, se deu por volta do século XIX, período em que Kans Kelsen, combatendo o jus naturalismo[1] da época, absorveu a fonte positivista[2] e tornou o Direito uma Ciência, dotando-o de método e objeto próprio, qual seja, a norma pura, exata, desprovida de juízos de valor.
Imerso no paradigma positivista, o Direito surgiu como se fosse uma ciência mecânica, que deveria atuar no controle de condutas que se mostravam contrárias aos interesses postos nos comandos normativos, comandos estes que eram criados pelo Estado e que deveriam atender as suas finalidades, não estava preocupada, portanto, em estimular à produção do conhecimento, em proveito da ética, da justiça e dos anseios sociais, afinal, a cultura da humanidade foi e ainda é para uma elite, quando, na verdade, deveria ser para todos. O que se observa, portanto, é que os cursos jurídicos aqui instalados, desde a sua origem, foram desvirtuados em suas finalidades institucionais.
Esse modo de ser da ciência jurídica refletiu maleficamente nos centros de ensino superior, pois, como a interpretação da norma não podia estar rechaçada de juízos de valor, difundia-se um ensino jurídico eminentemente mecanicista, legalista, conservador, que tinha o objetivo apenas de transmitir a lei posta, que valorizava manuais doutrinários e códigos, sem se fazer uma interpretação sistêmica destes, como se o fosse possível impedir a influência do ambiente na formação da personalidade do homem. Nos ensinamentos de Horácio Wanderlei Rodrigues:
É necessário destruir a visão positivista da ciência que, através do método lógico-formal, coloca-se numa posição de neutralidade e objetividade no ato de conhecimento do objeto de estudo. É essa visão que transforma o ensino do Direito em mera repetição e exegese dos textos legais. Hoje se sabe que inexiste a verdade científica como coisa absoluta e pura. (2005, p. 42)
O Direito atuava de forma maquinal, as universidades formavam apenas juristas, profissionais alheios à realidade social, e não PESSOAS que fossem capazes de transformar informação em conhecimento. Acerca dessa problemática, Hanna Carolina Maia Tavares ressalta:
Se torna cada vez mais gritante a necessidade de construir um Direito acoplado a uma visão critica; ou melhor, um Direito que possibilite não só a aplicação habitual das normas jurídicas, mas que também, se autoquestione, tornando-se passível de adaptações em proveito da ética, da justiça e dos anseios sociais.
Felizmente a forma de enxergar o Direito apenas como norma pura foi superada, pelo menos em tese, em decorrência dos ensinamentos de Miguel Reali[3] que possibilitou um corte epistemológico do paradigma positivista e inovou ao afirmar que a norma jurídica resulta da tensão entre fato, valor e norma, dada a impossibilidade de uma ciência neutra.
A pesar da negação ao método positivista difundido para tornar o Direito uma Ciência Jurídica, o que se observa é que as Universidades brasileiras continuam a lecionar de forma a atender aos anseios de uma pequena classe e por esta razão a educação de instrução ainda é constantemente difundida nos centros acadêmicos de nossos dias, os quais se utilizam de aulas meramente expositivas, em que o professor faz apenas uma interpretação literal da lei, desvirtuando-a da complexidade da vida, e se sobrepõe numa posição de hierárquica e acredita que o aluno é uma tábua rasa, que nada sabe e que deve apenas ouvir.
Como reflexo do modelo positivista há a difusão do ensino de instrução, que nas palavras de Paulo Freire pode ser definido como uma educação bancária que vem a ser aquela na qual:
Os “educandos” são meros recipientes, dos quais os professores (“educadores”) enchem esses recipientes por meio de sua narração e/ou reprodução. Assim, a educação consiste em um ato de apenas depositar conhecimentos, considerados verdadeiros. Ao aluno cabe a missão de receber, memorizar e repetir esse conhecimento. Como percebe-se não existem um saber, uma vez que não há criatividade, não há transformação. Para existir um saber é necessário haver uma busca incessante, uma reinvenção, uma produção de conhecimento e não apenas um reprodução. (1987, p. 72).
A educação de instrução forma profissionais cada vez mais despreparados, sem competências e habilidades para atuar num mercado que lhe cobra competências extracurriculares. A realidade é que não se tem como exigir desses bacharéis uma reflexão crítica, humanística, se eles foram instruídos apenas para reproduzir o conhecimento que lhes fora transmitido, e não tem a capacidade de compreender que o ensino jurídico deve ser visto como um processo complexo e global, no qual teoria e prática devem estar lado a lado no caminho da realidade e da intervenção.
O indivíduo que não é educado, mas instruído, não reconhece que as normas são insuficientes e frágeis para resolução dos conflitos sociais. Acredita que o conhecimento é algo absoluto e inquestionável, que não está sujeito aos “erros da memória”, não consegue compreender que verdades absolutas inexistem. Nesse aspecto, Edgar Morin, na obra, os Sete Saberes Necessários a educação do Futuro informa:
A educação deve mostrar que não há conhecimento que não esteja, em algum grau, ameaçado pelo erro e pela ilusão (...) o conhecimento não é um espelho das coisas ou do mundo externo. Todas as percepções são, ao mesmo tempo, traduções e reconstruções cerebrais com base em estímulos ou sinais captados e codificados pelos sentidos. (2007, p.19/20).
Vê-se, pois, que o verdadeiro Bacharel em Direito não pode valorizar apenas um sistema de abstrações, ser meramente legalista, afinal, as relações e transformações sociais não conseguem mais serem explicadas dentro do universo codificado do dever ser, a instrução gera saberes fragmentados, cria verdades que por si só são ilusórias, não promove o desenvolvimento integral das potencialidades de pessoa humana.
3 AS METODOLOGIAS ATIVAS E O EDUCAR PARA O SÉCULO XXI
Restou demonstrado que o espírito crítico no ensino jurídico tradicional não é difundido porque pode comprometer estruturas dominadoras que edificaram uma ideologia considerada como verdadeira forma de ensino, e o conhecimento, sem dúvida, é uma forte arma nas mãos dos que a possui.
Foi reconhecendo que o conhecimento, mais do que nunca, representa fonte de poder, que surgiu a metodologia da problematização e da aprendizagem baseada em problemas, propostas que, embora diferentes, possibilitam uma abordagem ativa da ciência jurídica, negam, portanto, a educação de instrução.
Neusi Aparecida Navas Berbel trás esclarecimentos acerca das metodologias ativas de ensino, afirmando que:
Nas duas propostas, o ensino e a aprendizagem ocorrem a partir de problemas. Na Metodologia da Problematização, enquanto alternativa de metodologia de ensino, os problemas são extraídos da realidade pela observação realizada pelos alunos. Na Aprendizagem Baseadas em Problemas, enquanto proposta curricular, os problemas de ensino são elaborados por uma equipe de especialistas para cobrir todos os conhecimentos essenciais do currículo.
O conhecimento/aplicabilidade dessa forma de ensinar inova porque trás problemas baseados no dia-a-dia, é envolvente, ultrapassa a abordagem tradicional, estando, portanto, intrinsecamente relacionada com as propostas do holismo, as quais, nas palavras de Paulo Roney Ávila Fagundes busca:
O direito vivo, que vem a ser aquele que não faz alusão apenas ao ordenamento jurídico estatal, mas é também um direito criado pelo povo historicamente. (...) Direito que se aproxima da realidade e incorpora as regras que brotam da experiência. O direito novo deve necessariamente estar mais voltado para a realidade, para a verdade, mais próximo da justiça ou, pelo menos, preocupado com ela. (2000, p. 43).
Percebe-se, pois, que metodologia da problematização e da aprendizagem baseada em problemas, estão relacionadas com as sugestões do Holismo, porque este visualiza a realidade sem as fronteiras e compartimentos criados pela ciência jurídica do século XIX, criticando-a e questionando-a, pois, defende a idéia, que precisa ser unânime em toda sociedade, principalmente a acadêmica, de que a justiça só pode ser alcançada se o “operador” do Direito conhece a ordem universal, o Direito vivo, que está para muito além da lei e só existe se em intima relação com as demais instâncias da vida, a qual só pode ser construída em sua integralidade.
Por se ter um ensino meramente legalista que vivenciamos a crise do ensino. Embora pensemos que evoluímos de acordo com o passar do tempo, é bem verdade que raciocinamos com se vivêssemos no século XVIII, negamos as metodologias ativas e as propostas do holismo que visam nos libertar dos paradigmas pré-estabelecidos, afinal, o novo causa medo, ainda mais quando a inovação trata de desconstituir interesses das classes controladoras, desconstruí-lo, quebrá-lo, torna-se quase impossível, institucionaliza-se um Imprenting Cultural no qual vigora o conformismo a fundo e a normalização elimina o poder de contrariá-lo.
Compartilhando com esse pensamento Von Iherin diz:
Sempre que o direito existente esteja defendido pelo interesse, o direito novo terá de travar uma luta para impor-se, uma luta que muitas vezes dura séculos e cuja intensidade se torna maior quando os interesses constituídos se tenham corporificado em forma de direitos adquiridos. Sempre que isso acontece, cada uma das partes que se defrontam ostenta em seus estandartes a divisa da majestade do direito. Uma invoca o direito histórico, o direito do passado, e a outra, o direito sempre em formação e constantemente rejuvenescido, o direito inato da humanidade à contínua renovação. Encontramo-nos diante de um conflito intrínseco, contido na própria idéia do direito. E esse conflito assume proporções estratégicas para aqueles que, depois de ter empenhado todas as suas forças e todo o seu ser em prol de uma convicção vêem-se condenados pelo julgamento supremo da história.(2006, p.31/32).
Esta crise pode ser subdividida em três níveis, quais sejam: nível administrativo, didático-pedagógico e curricular. A crise administrativa é perceptível diante a reduzida oferta de vagas no ensino público, o que facilita o crescimento de instituições particulares, as quais, em sua maioria, estão preocupadas com o retorno lucrativo e não contratam profissionais conscientes de sua profissão.
No tocante à crise didático-pedagógica, esta é reflexo da instrução, que faz com que o acadêmico não visualize o todo e sim as partes. A crise curricular, por sua vez, observa-se porque se deixa de lado as disciplinas voltadas para a condição humana - o currículo organiza o fim que se pretende alçar.
A sociedade como um todo, e em especial, os acadêmicos do curso de Direito não pode insistir em viver submisso a um sistema manipulador, que não vislumbra a libertação do seu povo através da política cultural.
O século XXI esquarteja o homem de tal forma que não se percebe o quanto é paradoxo viver na era da tecnologia e ao mesmo tempo se deixar conduzir por uma ilusão de desenvolvimento de um fluxo de conhecimento desarticulado que leva o ser humano a degradação em massa.
A forma frívola como se estruturou os anais da educação necessita ser modificada, porque, conforme bem ressaltou Paulo Freire, educar é:
Construir, libertar o homem do determinismo, passando a reconhecer o papel da História e onde a questão da identidade cultural, tanto em sua dimensão individual, como em relação à classe dos educandos, é essencial à prática pedagógica proposta. Sem respeitar essa identidade, sem autonomia, sem levar em conta as experiências vividas pelos educandos antes de chegar à escola, o processo será inoperante, somente meras palavras despidas de significação real. (1987, 58).
A educação de instrução, se é que um dia já serviu, hoje já não consegue acompanhar a complexidade social, que exige cada vez mais do indivíduo a aptidão de pensar. Criticando esse método de ensino, Horácio Wanderlei Rodrigues (2005, p.43/44), é enfático ao ressaltar que “os cursos de Direito não dão conta (ou não querem fazê-lo) de captar as contradições da realidade. A sua busca de auto-suficiência no jurídico os torna, regra geral, incompetentes para entender qualquer realidade a mais de um palmo de palmo”.
O indivíduo que é educado quebra correntes, dogmas, paradigmas, que ao longo do processo histórico aprisiona os seres e enfraquece a percepção do global e, a falta da percepção do global é extremamente preocupante, pois, a norma jurídica não pode ser aplicada isoladamente, afinal, para que ela tenha sentido, precisa de um texto, de um contexto, o que só é possível se o seu aplicador tem inteligência geral, que vem a ser a capacidade de articulação do saber jurídico com as demais esferas da vida, pois, quanto mais o ser a detém, maior é a sua faculdade de tratar os problemas específicos. É baseado no reconhecimento dessa realidade que o holismo atua.
Nas palavras de Paulo Roney Ávila Fagundes:
O que deseja o holismo – insista-se nisso – é unir todas as áreas do conhecimento, e, sobretudo, resgatar a sensibilidade perdida pelos cientistas. Se, por um lado, a racionalidade contribui para o avanço científico, por outro tornou os cientistas excessivamente materialistas, céticos, apegados à parcela de verdade que exsurge do seu trabalho. (2000, p.123).
Pelos ensinamentos acima, observa-se que somente com a compreensão da interconexão dos saberes que regem as relações humanas é que se pode ter uma noção da atuação do Direito no meio social, afinal, as condutas dos indivíduos não podem ser estudadas distante do seu meio.
Educar para o século XXI significa transcender e dominar os recursos tecnológicos, bem como estimular a capacidade de harmonizar os conteúdos aprendidos na sala de aula com a cultura do mundo globalizado do qual fazemos parte.
Ocorre que, paradoxalmente se observa o contrário, pois, o indivíduo na busca incessante pelo poder através do conhecimento, torna-se cada vez mais indiferente, frio, distante dos problemas e obstáculos criados por ele mesmo, e que acabam interferindo na percepção do verdadeiro conhecimento. Formam-se indivíduos dotados de cabeça cheia. Nessa perspectiva, Edgar Morin, na obra A cabeça Bem Feita informa:
Uma cabeça bem é cheia é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um princípio de seleção e organização que lhe dê sentido. Uma cabeça bem feita, significa que em vez de acumular o saber, é mais importante disporão mesmo tempo de uma aptidão geral para colocar e tratar os problemas e possuir princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido. (2008, p. 21).
A sociedade acadêmica precisa se conscientizar de que a educação do século XXI precisa ser transmitida de forma não fragmentada, de que, o conhecer e o pensar, não é o mesmo que se chegar a uma verdade absolutamente certa, mas dialogar com a incerteza, uma vez que é notório que são maléficos os efeitos que essa maneira de “educar” produz, pois, forma indivíduos racionalistas, que ignora o seu semelhante, a subjetividade, a afetividade.
A crise do ensino jurídico se dá justamente por conta da ilusão da perfeição, da verdade incontestável, do desinteresse em refletir, discutir, sobre seu próprio mundo, sobre seu próprio eu.
Como bem defendido por Morin, na obra os Sete Saberes Necessários a Educação do Futuro, é preciso que se tenha a consciência de que a Ciência jurídica está sujeita aos “erros da memória”, idéia esta que não é propagada, vez que os centros de ensino (fonte de saber e de poder) instruem o homem a acreditar que o conhecimento é um fiel espelho das coisas do mundo externo. Impõe-se o paradigma que se baseia no conformismo, na norma posta, eliminando do sujeito o poder/capacidade de contestar a realidade emergente, em prol de um pequeno grupo de pessoas que vêem o Direito como instrumento de repressão e opressão.
Edgar Morin, nesse aspecto aduz que o conhecimento esta sujeito a três princípios:
Cerebral: o conhecimento nunca é reflexo do real, mas sempre tradução e construção, isto é, comporta o risco de erro; - o segundo é físico: o conhecimento dos fatos é sempre tributário da interpretação; - o terceiro é epistemológico: decorre da crise dos fundamentos da certeza, em filosofia (a partir de Nietzsche), depois em ciência (a partir de Bachelard e Popper). (2007, p. 59).
A realidade social já aponta que não é mais possível que se conceba uma ciência jurídica que não percebe que o desenvolvimento da inteligência é inseparável do mundo da afetividade, da curiosidade, que são esses os “elementos” que impulsionam a pesquisa científico-filosófica.
Educar para o século XXI é negar a instrução, e enfatizar que o conhecimento não pode ser fragmentado porque a sedimentação de disciplinas impossibilita o homem de aprender o que está tecido junto, impede a percepção do global e do essencial, criando o paradoxo, no qual, na medida em que a ciência avança a cegueira para os problemas globais aumentam. Nesse aspecto, Edgar Morin enfatiza:
Devemos, pois, pensar o problema do ensino, considerando, por um lado, o efeito cada vez mais grave da compartimentação dos saberes e da incapacidade de articulá-los, uns aos outros; por outro lado, considerando a aptidão para contextualizar e integrar é uma qualidade fundamental da mente humana, que precisa ser desenvolvida, e não atrofiada (2007, p. 16).
O ideal é que se tenham bacharéis que defendam com rigor que o Direito não é uma ciência autônoma das demais, e de que as leis devem ser aplicadas levando em consideração as particularidades do caso concreto, devendo ser situadas no tempo/espaço.
O bacharel em Direito precisa ter a percepção da globalidade e multidimensionalidade da lei, porque ela serve para toda sociedade, e esta é formada por uma pluralidade de dimensões, de homens que vivem em situações diferentes da de seu semelhante. Por isso, necessário se faz civilizar as teorias do Direito, tornando-as abertas, racionais, críticas, reflexivas, autocríticas, aptas a se auto reformar. Para tanto, como bem enfatizou Horácio Wanderley Rodrigues (2005, p. 40) “para que se possa mudar estruturalmente a instância educacional, é necessário mudar-se antes o próprio paradigma dominante da ciência”.
O bacharel em direito não deve ser apenas especialista de uma determinada área, deve se aprofundar no estudo da alma, do espírito humano, no espírito da solidariedade e da tolerância. A fragmentação do saber acaba por extrair de um objeto o seu contexto, o seu conjunto, e a educação cognitiva deve caminhar para a contextualização, pois, a inteligência fragmentada fraciona as dificuldades, unidimensionaliza o multidimensional. A instrução elimina o humano do social. E ratificando essa posição, Morin informa:
A hiperespecialização impede tanto a percepção do global (que ele fragmenta em parcelas), quanto do essencial (que ela dissolve). Impede até mesmo tratar corretamente os problemas particulares, que só podem ser propostos e pensados em seu contexto. (2007, p. 41).
A nova forma de se ensinar o Direito precisa estar atrelada a condição humana, os centros de ensino devem formar indivíduos capazes de entender que são complexos, que são corpo, mente, matéria, energia, que são seres individuais e interligados coletivamente enfim, deve desenvolver no indivíduo a noção de que o verdadeiro conhecimento é composto de separação e ligação, da análise e da síntese. Nesse sentido, Paulo Roney Ávila Fagundes diz:
O ser humano não é uma máquina. Nele, todos os órgãos estão interligados e são irrigados pelo mesmo sangue. Corpo e mente são elementos perfeitamente integrados. Os neurônios se organizam em verdadeiras redes. Corpo e mente compõem uma unidade. A célula é um elemento. Na vida complexa, um elemento não vive sem o outro. (...) o ser humano é naturalmente complexo. (2000, p. 61/62).
A educação deve estar concentrada na condição humana, na diversidade cultural, porque, conhecer o humano é situá-lo no universo multidimensional, para que ele tenha ao mesmo tempo consciência de sua identidade complexa e de sua identidade comum a todos os outros humanos (identidade terrena). Na obra A Cabeça Bem Feita, Edgar Morin, informa:
A educação deve contribuir para a autoformação da pessoa (ensinar a condição humana, ensinar a viver) e ensinar como se tornar cidadão. Um cidadão é definido, em uma democracia, por sua solidariedade e responsabilidade em relação a sua pátria. (2008, p. 65).
O indivíduo que é educado na verdadeira acepção da palavra, dispõe da capacidadede de compreender a complexidade da vida, e dispõe de mecanismos aptos para responder aos formidáveis problemas que se erradiam em todas as dimensões, sejam elas, quotidianas, sociais, políticas, nacionais ou mundiais.
O pensamento é, pois, ferramenta basilar, preciosa para o indivíduo e para a sociedade. De nada adianta pensar, se este pensamento não estiver voltado a ensinar o indivíduo a viver e conviver com os demais, como verdadeiro ser humano.
CONCLUSÃO
Diante as idéias acima expostas, restou sobejamente demonstrado que a educação de instrução serve como retrocesso para que se alcance os ideais do Direito, tais como o bem comum e a paz social. Á medida que a sociedade evolui, surge a necessidade de novos conhecimentos, pautados em reflexões e discussões mais abrangentes que tragam soluções mais adequadas para os atuais conflitos. A força, a beleza, o fascínio do Direito está justamente no seu dinamismo, no processo de continua adaptação de seus textos normativos a realidade e seus contextos.
È preciso que os centros acadêmicos orientem o estudante a pensar sobre o que está além daquela lide, daquele processo, para que ele consiga ver as vidas, os sofrimentos, as angustias, que estão contidas naquelas folhas de papel. Talvez o ponto crucial no ensino jurídico seja este, humanizar o profissional de Direito, fazê-lo encarar sua profissão como uma missão, como algo acima do técnico, o ensino jurídico não deve mais tomar como base a lei seca, o direito posto, precisa está atrelado a um direito mais zetético, voltado ao ser humano. Esta é, portanto, uma das formas de se superar a crise, fazendo com que seja difundida uma educação que ensine a condição humana.
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[1] Jus naturalismo é uma teoria que postula a existência de um direito cujo conteúdo é estabelecido pela natureza e, portanto, válido em qualquer lugar
[2] Ciência do direito, excluindo do conceito de seu objeto (o próprio Direito) quaisquer referências estranhas, especialmente aquelas de cunho sociológico e axiológico (os valores),
[3] Sistematizar sua teoria contempla o Direito não como um esquema puramente lógico, uma vez que a difundiu a teoria na qual a Ciência Jurídica deve ser considerada em termos de uma realidade cultural, onde a norma é tomada como resultado da tensão entre fato e valor.
Estagiária do Ministério Público de Cicero Dantas/BA (2ª Promotoria) vara criminal.Acadêmica do curso de Direito da Faculdade Ages.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: REIS, Ana Helena Santos dos. A Educação de instrução versus o Direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 set 2011, 13:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/25481/a-educacao-de-instrucao-versus-o-direito. Acesso em: 22 nov 2024.
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