O ECAD - Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) foi criado pela Lei nº 5988/73 e mantido pela atual Lei de direitos autorais (Lei nº 9610/98) e tem como principal finalidade a representação (por meio das associações que o compõe) dos detentores dos direitos autoriais, sendo que a legitimidade de sua atuação encontra-se disposta neste diploma, não tendo o escritório autorização para extravasar a previsão legal.
Dessa forma, há que se indagar: Qual a fundamentação jurídica para a cobrança da “taxa do ECAD” sobre execução musical em festas particulares?
Primeiramente, cumpre destacar que nos termos do art. 68 da Lei, a utilização de obras teatrais, composições musicais ou lítero-musicais e fonogramas em representações ou execuções públicas as obras teatrais, deve ser precedida de expressa autorização do autor ou titular e, no tocante às execuções públicas, dispõe o §6º do mesmo artigo que deverá o empresário apresentar ao escritório central a comprovação dos recolhimentos relativos aos direitos autorais.
Pois bem. O empresário, supõe-se, é o promotor do evento a ser realizado com execução musical. É aquele que organiza o evento, contratando todos os prestadores de serviço (incluindo o executor das músicas).
Assim, questiona-se: se a lei pressupõe uma atividade empresarial do organizador do evento para o efetivar o recolhimento dos direitos autoral, qual o fundamento para a cobrança sobre festas particulares, tais como casamentos, batizados ou aniversários?
Com efeito, tais eventos são normalmente organizados pelos noivos, pais ou familiares... e não por um “empresário” na definição do Código Civil Brasileiro:
“Art. 966 – Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços”
Portanto, sumariamente já se conclui pela ilegalidade da cobrança imposta pelo escritório central, por não respeitar a caracterização do “sujeito passivo” determinado pelo diploma legal.
Mas se não bastasse essa incongruência na cobrança, a a própria lei também informa que não há violação na na execução musical no recesso familiar de modo que, sendo uma festa realizada exclusivamente para familiares e amigos íntimos, não há justificativa que ampare a cobrança da “taxa”.
A autorização para a execução musical, nesses casos, é dada pela própria lei, de modo que a cobrança, mais uma vez, revela-se ilegal, por não respeitar a hipótese legitimamente prevista.
Não obstante, a cobrança continua a ser realizada sem qualquer fiscalização e o fundamento utilizado na prática é que a locação do espaço constitui motivo para o pagamento da “taxa”, utilizando-se o valor dessa locação como base de cálculo da cobrança.
Contudo, referida justificativa carece de razoabilidade, conforme já se decidiu em nossos Tribunais.
“ a prevalecer a orientação do apelante [ECAD], o risco de tratamento desigual para um mesmo tipo de evento – casamento com execução de música eletrônica por DJ - seria muito maior, e isso, como bem se sabe, não deve ser prestigiado. Por exemplo, se os apelados tivessem mansões,compatíveis com o elevado número de convidados, não estariam obrigados a nenhum pagamento a esse título. Se pessoas bem simples, com poucos familiares e amigos, mas que, por alguma razão, estivessem obrigados a locar apenas uma pequena parte do espaço daquele clube, pagariam, muito embora um valor bem menor do esse que lhes é cobrado”.
APELAÇÃO N° 542.012.4/2 – TJSP – 14/05/2009.
Com efeito, verificadas duas festas similares, com a mesma quantidade de convidados e tipo de frequência (privativa, no caso) e, o que mais causa espanto, com a execução da mesma seleção de músicas, sendo uma realizada própria casa do organizador evento e outra, realizada em espaço locado, a cobrança somente será efetivada sobre a 2ª festa, justamente pela “locação do espaço”.
A falta de razoabilidade da cobrança sobre o valor da locação do espaço e sob este único fundamento (a de que a locação de espaço modifica a situação a ponto de constituir embasamento para a cobrança) parece cristalina, não se harmonizando com a finalidade de criação e atuação do escritório.
Além disso, o local da festa no momento do evento, não é público, quando somente é permitida a entrada de convidados que, na maioria das vezes, envolve apenas familiares e amigos mais próximos.
Assim, legalmente, não há falar-se em cobrança, pois não há, nesses casos, execução pública de músicas, já que, conforme a definição já utilizada em acórdãos proferidos pelo TJ de SP: "pública é a execução acessível a qualquer pessoa" ( www.dÍparacasamento.com.bi7E-CAD O preço do som.asp, em 04/05/2009)
Deste modo, a necessidade de locação de espaço para a execução da festa não pode ser utilizada da forma pretendida pelo escritório de representação, ou seja, para taxar, de forma abusiva e ilegal, a execução de comemoração privativa, a ser realizada no âmbito das famílias dos promotores do evento.
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, também tem se balizado por este entendimento, com acórdãos proferidos nos seguintes termos:
“Ementa: Direitos autorais - ECAD - Cobrança pela execução de músicas durante festa de casamento - Inadmissibilidade - Inexistência de execução pública que justifique a cobrança pretendida – Apelação não provida.
(...)
Improcede a apelação. Como bem analisado na r. sentença, o cerne da questão se restringe a saber se houve ou não execução pública de músicas de modo a obrigar o apelado ao pagamento de direitos autorais.
O apelado alugou o salão de festas de um clube para a realização da festa de casamento de seu filho e contratou um DJ para a execução de músicas para seus convidados. E óbvio que se tratou de uma festa particular e não pode ser considerada uma "execução pública" como pretende o apelante. Como bem salientou o d. magistrado, "a interpretação pretendida pelo ECAD de que teria havido a execução pública das músicas contraria o bom senso e beira as raias do abuso do direito a ele conferido em determinadas situações, dentre as quais não se enquadra o caso em tela” No caso, o clube é uma espécie de prolongamento da casa do autor, não se podendo considerar local público, nem sendo a execução coletiva. Dessa forma, como não houve execução pública de música a ensejar o pagamento da cobrança pretendida, irrelevante a alegação da existência ou não de finalidade lucrativa. A decisão não descumpre o art. 5o, inciso XVII, da Constituição Federal, nem a Lei n° 9.610/98”
APELAÇÃO CÍVEL n° 994.04.069487-9. TJSP. 04/10/2010.
“ DIREITOS AUTORAIS. Festa de casamento realizada em salão alugado no clube local, com música operada por DJ. Aplicação do art 46, VI, da Lei 9610/98. Hipótese de isenção. Recesso familiar, independentemente da grandiosidade da festa ou do local do evento. Restrição a participação. Ausência de Finalidade lucrativa, ainda que indireta. Sentença mantida. APELAÇÃO N° 542.012.4/2 – TJSP – 14/05/2009.
Deste modo, nos termos pretendidos pelo escritório central, conclui-se que a popularmente conhecida “taxa do ECAD”, no caso de festas particulares, é cobrada sobre a locação do espaço, embasamento totalmente estranho à finalidade da cobrança.
Verdadeiro abuso cometido por entidade privada que recebeu da lei algumas prerrogativas para alcançar a sua finalidade (arrecadação centralizada dos direitos autorais) e que, no entanto, com base em denúncia veiculada pela rede Globo de televisão (http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2011/05/cantores-e-compositores-defendem-criacao-de-orgao-para-fiscalizar-ecad.html), parece não ser obedecida.
E, conforme exarado naquela reportagem, falta fiscalização que limite os abusos cometidos pelo escritório arrecadador. Sem quaisquer freios capazes de regularizar essa situação, a cobrança da “taxa” sobre a execução de músicas em festas particulares continua a se efetivar, sendo necessário que cada prejudicado se socorra do Poder Judiciário para se ver ressarcido do dano sofrido, o que, todavia, na quase totalidade dos casos acaba por não ocorrer, perpetuando a conduta ilegal descrita neste artigo.
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