RESUMO : Este trabalho dita sobre a obrigação avoenga na prestação de alimentos para com os netos e tem como escopo a proteção da família, que está amparada pelo Estado. Este delega a sua responsabilidade aos parentes que, por derradeiro, são considerados peça fundamental na proteção de seus familiares. Aborda também a responsabilidade dos avós, que será sucessiva e complementar a dos pais. E trata de conflitos entre os direitos dos idosos, da criança e do adolescente, observando os princípios protetores que cada geração possui. Também versa sobre a possibilidade da prisão civil através da execução dos avós por conseqüência de prestações já vencidas.
Palavras-chave: Obrigação avoenga. Prestação de Alimentos. Responsabilidade. Parentes. Direito. Criança. Adolescente. Direito do Idoso.
1 INTRODUÇÃO
No decorrer da evolução histórica, a alimentação teve seu papel especial no desenvolvimento humano. O valor dado aos alimentos pelos homens através dos tempos gerou direito absoluto à nutrição orgânica do ser humano, tornando-o assim objeto de estudo de grande relevância em todo o mundo.
A obrigação alimentar é tema de grande importância na sociedade civil, pois é de valor incomensurável a guarda deste direito dada pela constituição. Os tribunais têm mostrado a notoriedade deste assunto, principalmente quando a obrigação alimentar refere-se a prestação dos avós no pagamento da pensão alimentar em favor dos netos, denominado pela doutrina e tribunais de obrigação avoenga.
A obrigação avoenga é caracterizada pela prestação de alimentos fornecida pelos avós aos seus netos frente a impossibilidade laborativa dos pais de fazê-los, ou quando os mesmos estão ausentes ou já faleceram.
O tema abordado é sabido de grande interesse para a sociedade contemporânea, pois este estudo vem de discussões, divergências, decisões e fundamentos doutrinários, embasados na Carta Magna, sobretudo nos artigos 227 e 230, nos artigos 3º e 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, e nos artigos 2º e 3º do Estatuto do Idoso.
2 OBRIGAÇÃO DE ALIMENTAR DECORRENTE DE PARENTESCO
2.1 A obrigação de alimentar
Conforme a lição de Monteiro (2004, p. 361):
A obrigação alimentar constitui estudo que interessa ao Estado, à sociedade e à família. Dessa relação jurídica ocuparam-se os romanos, que a consideravam antes como officium pietatis que propriamente uma obrigação. Aliás, a linguagem dos romanos exprime o fundamento moral do instituto, que repousa no dever que toca aos parentes, sobretudo aos mais próximos, de se ajudarem mutuamente nos casos de necessidade.
Isso porque muitas vezes o indivíduo não tem recursos suficientes para prover a própria vida por conseqüência de idade avançada, doença, ausência de trabalho ou baixa renda per capita. E se for criança, consequentemente desprovida de sustento por ela mesma, cabendo assim, outros proverem os meios necessários para que esta se mantenha.
Marco Aurélio S. Viana em seu escrito sobre os aspectos da obrigação alimentar da Revista de Informação Legislativa revela que:
[...] Se é regra que o indivíduo, mercê seu próprio esforço, consiga obter o ganho para suas necessidades, não é menos verdade que o infortúnio é, igualmente companheiro da humanidade, caminhando em sua companhia pelos tempos afora. E que ele surge, o homem é amparado pelo instituto dos alimentos. O ser humano não está bastante maduro para agir nesse sentido, ou seja, amparar o menos aquinhoado, que mais a natureza , a própria razão lhe dita. Cabe então a coação legal para suprir a falta.
Impossível seria que se impusesse à coletividade tal responsabilidade. Aí a fixação no núcleo familiar, onde os seus membros devem, em decorrência dos laços mais estreitos que os ligam, apresentar maior receptividade às necessidades dos parentes. Dessa forma realiza no âmbito legal aquilo que a natureza, por si só, evidencia, ou seja, a necessidade de entreajuda. Se no plano geral a obra seria impossível, no familiar é possível e necessária. Corporifica-se em texto legal o que dorme na consciência de homem: o socorro e a ajuda mútua.
Nessa linha de pensamento, assevera Sílvio Rodrigues (2007, p. 373) que:
A tendência moderna é a de impor ao Estado o dever de socorro dos necessitados, tarefa que ele se desincumbe, ou deve desincumbir-se, por meio de sua atividade assistencial. Mas no intuito de aliviar-se desse encargo, ou na inviabilidade de cumpri-lo, o Estado o transfere, por determinação legal, aos parentes, cônjuges ou companheiro do necessitado, cada vez que aqueles possam atender a tal incumbência.
O novo Código Civil de 2002 traz expressamente a forma de obrigação alimentar decorrente de parentesco em seu artigo 1.694 ao dizer que “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender as necessidades de sua educação”. Ainda sobre o assunto, o artigo 1.696 deste código dita que “o direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros” e completando, o artigo 1.697 diz que “na falta dos ascendentes cabe a obrigação aos descendentes, guardada a ordem de sucessão e, faltando estes, aos irmãos, assim germanos como unilaterais (BRASIL, 2010, p. 286).
Deve-se ressaltar que a obrigação alimentar decorrente de parentesco segue uma ordem certa e determinada para que se busque o pretendido dever da prestação alimentar.
2.2 Sujeitos da obrigação de alimentos
Neste ponto, observa Gomes (1998, p. 436):
Na determinação dos sujeitos, ativo e passivo da relação, cumpre indicar as pessoas que têm potencialmente essa situação, entendido que quem pode ser credor também pode ser devedor, conforme as circunstâncias, em razão da reciprocidade que caracteriza o instituto.
Sendo assim, os alimentos podem ser devidos como reciprocamente obrigados, os pais e os filhos. Em seguida, encontram-se os outros ascendentes, que são os avós, bisavós, e assim sucessivamente. Na falta de ascendentes, caberá aos descendentes, assim caracterizados pelos filhos, netos, bisnetos, guardando sempre a ordem sucessiva. Logo após estariam os irmãos, unilaterais ou germanos. Por fim, os colaterais até o quarto grau, assim sendo os tios, sobrinhos e primos.
Os alimentos impetrados contra tios, sobrinhos e primos não são bem vistos pela jurisprudência e nem pelos doutrinadores, acreditando estes que o encargo na linha colateral não excede o segundo grau.
Diante disso, explica Maria Berenice Dias (2010, p. 534-535):
Ainda que reconhecendo ser mais ampla a ordem de vocação hereditária, de forma maciça, a doutrina não admite que a responsabilidade alimentar ultrapasse o parentesco de segundo grau. Trazer à lei algumas explicações quanto à obrigação entre ascendentes e descendentes, bem como explicitar o dever dos irmãos, não exclui o dever alimentar dos demais parentes. O silêncio não significa que tenham os demais sido excluídos do dever de pensionar. O encargo segue os preceitos gerais: na falta de parentes mais próximos são chamados os mais remotos, começando pelos ascendentes, seguidos dos descendentes. Mas esta não é a lógica da justiça, tendo o STJ negado a obrigação alimentar entre tios e sobrinhos.
Dessa forma, importa demonstrar, de forma ilustrativa, o trato conferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº 103856/56 à negação da prestação alimentar entre tios e sobrinhos:
EMENTA: Direito civil. Família. Recurso especial. Ação de alimentos ajuizada pelos sobrinhos menores, representados pela mãe, em face das tias idosas. Conforme se extrai da descrição dos fatos conferida pelo Tribunal de origem, que não pode ser modificada em sede de recurso especial, o pai sempre enfrentou problemas com alcoolismo, mostrando-se agressivo com a mulher e incapaz de fazer frente às despesas com a família, o que despertou nas tias o sentimento de auxiliar no sustento dos sobrinhos. Quanto à mãe, consta apenas que é do lar e, até então, não trabalhava. Se as tias paternas, pessoas idosas, sensibilizadas com a situação dos sobrinhos, buscaram alcançar, de alguma forma, condições melhores para sustento da família, mesmo depois da separação do casal, tal ato de caridade, de solidariedade humana, não deve ser transmutado em obrigação decorrente de vínculo familiar, notadamente em se tratando de alimentos decorrentes de parentesco, quando a interpretação majoritária da lei, tem sido no sentido de que tios não devem ser compelidos a prestar alimentos aos sobrinhos. A manutenção do entendimento firmado, neste Tribunal, que nega o pedido de alimentos formulado contra tios deve, a princípio, permanecer, considerada a cautela que não pode deixar jamais de acompanhar o Juiz em decisões como a dos autos, porquanto os processos circunscritos ao âmbito do Direito de Família batem às portas do Judiciário povoados de singularidades, de matizes irrepetíveis, que absorvem o Julgador de tal forma, a ponto de uma jurisprudência formada em sentido equivocado ter o condão de afetar de forma indelével um sem número de causas similares com particularidades diversas, cujos desdobramentos poderão inculcar nas almas envolvidas cicatrizes irremediáveis. Condição peculiar reveste este processo ao tratar de crianças e adolescentes de um lado e, de outro, de pessoas idosas, duas categorias tuteladas pelos respectivos estatutos protetivos – Estatuto da Criança e do Adolescente, e Estatuto do Idoso, ambos concebidos em sintonia com as linhas mestras da Constituição Federal. Na hipótese em julgamento, o que se verifica ao longo do relato que envolve as partes, é a voluntariedade das tias de prestar alimentos aos sobrinhos, para suprir omissão de quem deveria prestá-los, na acepção de um dever moral, porquanto não previsto em lei. Trata-se, pois, de um ato de caridade, de mera liberalidade, sem direito de ação para sua exigibilidade. O único efeito que daí decorre, em relação aos sobrinhos, é o de que prestados os alimentos, ainda que no cumprimento de uma obrigação natural nascida de laços de solidariedade, não são eles repetíveis, isto é, não terão as tias qualquer direito de serem ressarcidas das parcelas já pagas. Recurso especial provido. (STJ, REsp 1032846/RS, 3ª T, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 18.12.2008, grifo nosso).
Os cônjuges também estão obrigados a pagar alimentos uns aos outros de que necessitem para sobreviver, tendo um dever de reciprocidade de assistência e obrigação de sustento. Mas como não são parentes, o efeito legal está no vínculo matrimonial.
Assim explica Orlando Gomes (1998, p. 437):
O cônjuge não se enquadra nessa ordem sucessiva porque deve alimentos em circunstâncias especiais. Normalmente seria despropósito cogitar-se de obrigação de alimentos entre cônjuges, eis que, na constância do casamento, têm a obrigação de se ajudarem mutuamente, cada qual devendo concorrer para as despesas do casal.
2.3 Transmissão da obrigação alimentar
Como dívida de valor, alimentos sempre serão caracterizados pelos seguintes princípios: obrigatoriedade de prestá-los; necessidade de recebê-los; a possibilidade de satisfazê-los (OLIVEIRA, 1993).
O primeiro princípio “busca a relação de parentesco ou imposição legal para prestá-los; pelo segundo, entende-se a precisão de quem reclama, pelo terceiro, atendem-se as condições econômicas do provedor” (OLIVEIRA, 1993, p. 77).
A possibilidade de satisfazê-los é o alicerce da transmissão da obrigação alimentar. O fato de não haver condições de sustentar o encargo que lhe foi dado caberá a outro a obrigação do ônus de pagar, de acordo com seus respectivos recursos.
Assim descreve o artigo 1.698 do Código Civil de 2002:
Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. (BRASIL, 2010, p. 286)
Os alimentos são transmitidos aos parentes mais próximos em grau, transpondo até os mais remotos na falta uns dos outros. Mas antes de pleitear o pedido de alimentos a outros parentes que não sejam os ascendentes de primeiro grau, deve haver comprovação da incapacidade financeira destes.
Em consonância a este entendimento, está o julgado da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, no recurso especial nº 2006/0053462-0 que menciona a responsabilidade dos ascendentes em segundo grau, no caso de impossibilidade de cumprimento da prestação ou de cumprimento insuficiente pelos genitores:
DIREITO CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS. RESPONSABILIDADE DOS AVÓS. OBRIGAÇÃO SUCESSIVA E COMPLEMENTAR. A responsabilidade dos avós de prestar alimentos é subsidiária e complementar à responsabilidade dos pais, só sendo exigível em caso de impossibilidade de cumprimento da prestação - ou de cumprimento insuficiente - pelos genitores.
Sílvio Rodrigues (2007, p. 380), seguindo a ordem sucessiva, enumera os possíveis prestadores de alimentos:
[...] em primeiro lugar, os parentes em linha reta, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta dos outros. Assim, se por causa de idade ou moléstia a pessoa não pode prover a sua subsistência, deve reclamar de seu pai, avô etc.(art.1696), ou de seus filhos ( art.1697).[...]Não havendo filhos, são chamados os netos a prestar alimentos, e assim por diante, porque a existência de parentes mais próximos exclui os mais remotos da obrigação alimentícia.
Não havendo parentes em linha reta, são chamados a prestar alimentos os irmãos, tanto unilaterais como germanos. Observe-se, desde logo, que o legislador não chama os colaterais além do segundo grau para prestar alimentos, embora defira a sucessão legítima aos colaterais até o quarto grau. Assim, na linha colateral a obrigação restringe-se aos irmãos do necessitado (art. 1.697).
3. Da obrigação avoenga na prestação de alimentos
A obrigação de prestar alimentos é dos país, isso quer dizer que tanto o pai como a mãe tem obrigação para com os filhos e na falta de condições daqueles é que o sustento fica a encargo dos parentes mais próximos, que seriam os ascendentes em segundo grau, in casu, os avós.
Nesse sentido, ilustra Maria Berenice Dias (2010, p. 471) que:
É certo que se o pai que deve alimentos em primeiro lugar não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer aqueles de grau imediato (CC 1.698). Tais dispositivos deixam claro que a obrigação alimentar, primeiramente, é dos pais, e, na ausência destes, transmite-se aos seus ascendentes, isto é, aos avós, que são os parentes em grau imediato.
E assim é o entendimento unânime da jurisprudência:
DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS PROVISÓRIOS. AVÓ PATERNA. MENORES CREDORES DE ALIMENTOS DOS PAIS. COMPLEMENTARIEDADE. Os avós tem "obrigação de manter o sustento dos netos quando demonstrado que os pais não reúnem condições de prover a subsistência do filho quando comprovado que os alimentos prestados pelos genitores não satisfazem às reais necessidades do infante" (20060020094854AGI, Relator J.J. COSTA CARVALHO). Todavia, trata-se de responsabilidade de natureza sucessiva e complementar (Código Civil, art. 1698).” (20090020014284AGI, Relator WALDIR LEÔNCIO C. LOPES JÚNIOR, 2ª Turma Cível, Tribunal de Justiça do DF e T julgado em 27/04/2009) (grifo nosso).
EMENTA: AÇÃO DE ALIMENTOS - AÇÃO MOVIDA CONTRA A AVÓ PATERNA - VALOR ARBITRADO DENTRO DA POSSIBILIDADE DA AVÓ - SENTENÇA MANTIDA. - A regra do art. 1.696 do CC permite que a pensão seja cobrada dos ascendentes mais remotos, caso os mais próximos estejam impossibilitados de fazê-lo, obedecido, sempre, ao binômio necessidade/possibilidade (AC nº 1.0194.08.090898-2/001 (1). Relator: Exmo. Sra. Des. VANESSA VERDOLIM HUDSON ANDRADE, Tribunal de justiça de MG, julgado em 17/11/ 2009, grifo nosso).
EMENTA: ALIMENTOS. CARÁTER EXCEPCIONAL DA OBRIGAÇÃO AVOENGA. 1. Compete a ambos os pais a obrigação de prover o sustento dos filhos. 2. A obrigação alimentária dos avós é excepcional e além de reclamar a ausência absoluta de condições dos genitores para atender as necessidades básicas do alimentando, reclama também a possibilidade dos avós de contribuírem sem desfalque do necessário ao próprio sustento deles. Recurso desprovido. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70010258267, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, Julgado em 23/02/2005, grifo nosso).
EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. RECURSO ESPECIAL. ALIMENTOS. AVÓS. RESPONSABILIDADE SUCESSIVA E COMPLEMENTAR. PRECEDENTES. RECONHECIMENTO DA IMPOSSIBILIDADE DE PRESTAÇÃO PELO PAI PERANTE A INSTÂNCIA RECURSAL ORDINÁRIA. VALOR DOS ALIMENTOS. REVISÕES QUE DEPENDEM DE INCURSÃO NA MATÉRIA FÁTICA DA LIDE (SÚMULA 7 DO STJ). I.Nos termos da jurisprudência consolidada do STJ, a responsabilidade dos avós em prestar alimentos é sucessiva e complementar. II. Tendo a corte local reconhecido a impossibilidade do pai em prover os alimentos, rever o referido posicionamento quanto à sua capacidade impõe reexame da matéria fática da lide, o que é vedado em sede de recurso especial, conforme o enunciado nº 7 da Súmula do STJ. III. A revisão do valor dos alimentos fixado pelas instâncias ordinárias esbarra, igualmente, no reexame de matéria fática da lide (Súmula 7/STJ). IV. Recurso especial não conhecido (Superior Tribunal de Justiça, REsp 858506 / DF, 4ª T., j. 20.11.2008, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, grifo nosso).
No mesmo caminho, está a lição de Ana Maria Gonçalves Louzada(2008, p. 50) ao comentar em seu livro Alimentos, Doutrina e Jurisprudência que:
[...] quando houver por parte de um dos genitores omissão no pagamento da pensão alimentícia para o filho, caberá adentrar com demanda alimentar contra seus avós. Dessa forma, a obrigação alimentar dos avós é subsidiária, complementar, uma vez que a obrigação primeira encontra com os genitores. Necessário sublinhar que quando o neto for buscar alimentos dos avós em juízo, indispensável demonstrar-se o não-pagamento da pensão alimentícia por parte do genitor não-guardião, ou suas escassas condições financeiras para a mantença dos filhos.
Diante do exposto, a inclusão dos avós no pólo passivo da obrigação alimentar para com os netos é de fato algo aceitável e corriqueiro em todos os tribunais do Brasil.
A impossibilidade financeira do pai legitima a pretensão de uma execução contra os ascendentes em segundo grau. Sendo descabida a alegação de ilegitimidade na ação interposta para obter a obrigação alimentar avoenga, quando comprovada a incapacidade remuneratória dos genitores.
Vale ressaltar que a responsabilidade dos avós é sucessiva em relação à dos genitores e complementar nos casos em que há comprovada incapacidade financeira dos pais.
É consolidado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça em relação à obrigação parental dos avós de forma sucessiva e complementar, como assevera o julgado deste Egrégio Tribunal:
AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. AÇÃO DE ALIMENTOS. PEDIDO CONTRA A AVÓ. POSSIBILIDADE. INCAPACIDADE FINANCEIRA DOS PAIS. INVERSÃO DE ENTENDIMENTO. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVAS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA 07/STJ.
1. Não há falar em comprovação do dissídio pretoriano, na forma exigida pelos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, §§ 1º e 2º, do RISTJ, quando ausente a similitude fática entre os acórdãos confrontados.
2. Esta Corte Superior de Justiça já consolidou o entendimento de que a responsabilidade dos avós, na prestação de alimentos, é sucessiva e complementar a dos pais, devendo ser demonstrado, à primeira, que estes não possuem meios de suprir, satisfatoriamente, a necessidade dos alimentandos.
3. Se o Tribunal de origem, com base no acervo fático e probatório dos autos, entendeu que os pais não tinham condições financeiras para sustentar os filhos, de sorte que a avó também deveria contribuir, chegar a conclusão diversa - no sentido de que não restou comprovada a incapacidade financeira dos pais -, demandaria o reexame de fatos e provas, o que é vedado na via especial, a teor da Súmula 07 do STJ. (AgRg no Ag n º 1010387/SC Terceira Turma. Superior Tribunal de Justiça. Rel. Min. Vasco Della Giustina. Julgado em 23/ 06/2009, grifo nosso)
4. CONCLUSÃO
As transformações das relações familiares, inspiradas na experiência de vida do ser social, reservam a assistência entre parentes, sendo estes o escopo protetor da convivência familiar e comunitária. E a obrigação alimentar, o fundamento moral da proteção do Estado para com a família.
Dessa forma, transmite-se a obrigação alimentar aos parentes, que terão a tarefa de auxiliar aqueles que necessitam de ajuda. Sendo assim, quando um parente precisa de ajuda, aquele que tiver melhor condição social, poderá propiciar por questões morais a prestação alimentar, ou por força de lei, o parente de grau mais próximo será obrigado a prestar alimentos. Este encargo é dado pelo Estado que tem a função de proteger a família.
A assistência entre os familiares tem caráter mútuo, vendo que aquele que sofreu o encargo vier a precisar futuramente de auxílio alimentar poderá pedir ajuda a seus familiares.
Os pais são os principais responsáveis pela obrigação de sustento dos filhos, vendo que estes devem cumprir a função de criação da prole, dando a eles educação, carinho, alimentação, saúde e amor. Mas em situação de ausência destes ou insuficiência da condição financeira dos genitores, caberá o amparo alimentar dos parentes.
Nesse caso, a obrigação alimentar se transfere aos parentes de grau mais próximo até os colaterais de segundo grau. Assim, poderá o necessitado pedir, na falta de assistência dos pais, ao que primeiro suceder a escala parental, que serão os avós, bisavós e assim infinitamente. Os avós serão então os primeiros a serem chamados para integrar a lide e complementar a prestação alimentar.
A obrigação da prestação alimentar avoenga é fato consolidado pela doutrina e pela jurisprudência, mas acerca de qual o momento do acionamento dos avós até qual a natureza dos alimentos que devam prestar há controvérsias.
A doutrina e jurisprudência majoritárias consideram que os avós devem ser acionados apenas quando ambos os pais não tiverem condição econômica de prestar alimentos, total ou parcialmente, uma vez que a pensão avoenga é excepcional. Igualmente se posicionam que os alimentos pagos serão in natura, isto é, aqueles necessários à sobrevivência das crianças, não devendo ter a obrigação de pagar alimentos que propiciem o mesmo padrão de vida que os avós possuem.
Os avós devem auxiliar a alimentação dos netos, mas não deve essa obrigação ir além das garantias deste grupo social. É dever do Estado proteger a família e proporcionar o convívio das gerações através do respeito das garantia dos direitos humanos do idoso, da criança e do adolescente.
Nesse contexto, a obrigação dos avós deve ser observada com muito cuidado, pois mesmo sendo a alimentação fator primário do direito à vida, este encargo poderá, através do descumprimento do pagamento em favor dos netos, tirar o direito a liberdade de um idoso.
É aceitável que o direito a vida se sobreponha ao direito da liberdade de ir e vir, mas o fator de decretar prisão a um ancião fere o topo da pirâmide normativa do ordenamento jurídico brasileiro, que é o princípio da dignidade da pessoa humana.
REFERÊNCIAS
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MENDES, TAINARA. Da obrigação avoenga na prestação de alimentos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 nov 2011, 08:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/26742/da-obrigacao-avoenga-na-prestacao-de-alimentos. Acesso em: 24 nov 2024.
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