1. INTRODUÇÃO
Na busca de destrinchar o valor que a prova testemunhal merece na Justiça do Trabalho, mostra-se relevante destacar qual a influência do princípio da primazia da realidade nessa análise, princípio esse que norteia o Direito do Trabalho, estabelecendo que a realidade dos fatos deve prevalecer sobre os atos jurídicos formais,[1] isto é, deve-se prestigiar a verdade fática em vez da verdade formal, ainda, prestigiar a verdade é prestar uma homenagem ao princípio da boa-fé.[2]
2. DESENVOLVIMENTO
A priori destaca-se que segundo Américo Plá Rodriguez a aplicação do princípio da primazia da realidade significa que: “[...] em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos.” [3]
Em outro momento Plá Rodriguez se detém a explicar a fundamentação desse princípio, ou seja, elenca quatro motivações para sua existência, a primeira resulta do princípio da boa-fé, a segunda da dignidade da atividade humana, a terceira da desigualdade das partes e por derradeiro a quarta da interpretação racional da vontade das partes. [4]
Destacando a importância da prova testemunhal a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais estabelece: “As informações trazidas pelas testemunhas são de extrema importância para a formação do convencimento do Juiz do Trabalho, sobretudo porque este atua numa seara onde a realidade fática ganha especial destaque.”[5]
Contudo, a aplicação do princípio, ora estudado, não significa retirar o valor que os documentos possuem, pois conforme Americo Plá Rodriguez: “Enquanto não se demonstre que a conduta das partes foi diferente, o que exige a prova dos fatos que se apartaram dos textos contratuais, prevalece a presunção emanda do texto do contrato. Ou seja, que a presunção é que o contrato reflete a vontade verdadeira das partes. Para derrubar essa presunção dever-se-á provar que a conduta foi diferente. Se não se produz essa prova ou se ela não é eficaz, permanece como válida a presunção emergente do contrato.” [6]
Dessa forma, segundo o autor já citado: “Na oposição entre o mundo real dos fatos efetivos e o mundo formal dos documentos, não resta dúvida de que se deve preferir o mundo da realidade.” [7]
Nessa análise, pode-se citar o entendimento jurisprudencial do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul: “[...] no Direito do Trabalho, onde vigora o princípio da primazia da realidade, de nada importa que as partes pretendam celebrar contrato de natureza diversa se preenchidos os requisitos para caracterização da relação de emprego. A elaboração de registros formais, por si só, não tem o condão de alterar a natureza concreta da relação havida entre as partes.” [8]
Segundo Christóvão Piragibe Tostes Malta: “No processo trabalhista, é comum discutir-se a possibilidade de o depoimento de testemunhas prevalecerem sobre documentos da empresa elaborados com as formalidades da lei, como já se viu a propósito dos documentos de registro dos empregados. Sucede ainda, entre outras ocorrências comuns, que o juiz dê mais valor a depoimentos de testemunhas do que a cartões de ponto ou livros assinados pelos trabalhadores. Em estruturas sociais diferentes da nossa poderia parecer até mesmo absurdo que alguém pudesse reconhecer que marcava pessoalmente a duração de seu trabalho e assinava com regularidade os correspondentes documentos e mesmo assim contestasse a correção dos mesmos e os invalidasse com depoimentos. Isso, porém resulta muito razoável entre nós porque a solução de milhares de controvérsias laborais mostrou que a incorreção de cartões de ponto e de outros documentos análogos, decorrente em grande parte do temor dos empregados de serem despedidos e de uma falta de fiscalização do trabalho, é rotineira, não se podendo partir, na interpretação de cartões etc., da premissa de que os registros de horário de serviço correspondem à realidade.” [9]
Neste viés, destaca o entendimento do Desembargador Márcio Flávio Salem Vidigal: “Vigora no Direito do Trabalho o princípio da primazia da realidade contratual, razão pela qual a prova documental possui presunção relativa de veracidade. Se os controles de ponto consignam registros absolutamente britânicos, simétricos, sem qualquer variação de horário, uma vez impugnados pelo Reclamante, a validade daqueles controles pode ser elidida por qualquer outro meio de prova. Também nesse sentido a Súmula 338/TST. Do contrário, se os controles de ponto trazem jornada variada, inclusive, com registros de trabalho extraordinário, com comprovantes de pagamento a título de horas extras, a prova oral tem que ser robusta para elidir a presunção de veracidade gerada pelos controles, sob pena de tornar inócua a disposição legal em torno da obrigatoriedade de existência de um controle.”[10]
Da mesma forma, corrobora a jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul: “A base do Direito do Trabalho está estruturada no Princípio da Primazia da Realidade, para o qual não interessa o nome atribuído pelas partes à relação jurídica, mas sim os fatos que a permeiam, ou seja, a simples prestação de trabalho nas condições previstas nos artigos 2º e 3º da CLT prevalece sobre o aspecto formal constante nos documentos. Em outro momento: Em atenção ao princípio da primazia da realidade, o conteúdo do contrato de trabalho se estabelece a partir do que ocorre na prática e não pelo exame isolado de documentos, importa conhecer o que acontece no mundo dos fatos.” [11]
Nesse contexto a prova testemunhal como o meio que a parte possui para demonstrar a verdade dos fatos [12], nesse viés a prova testemunhal é o marco inicial para a busca da verdade [13]. Logo nota-se que na Justiça Trabalhista esse meio de prova exercer maior relevância, entre outros aspectos, também em relação a sua valoração, já que em virtude do princípio da primazia da realidade deve-se primar a verdade dos fatos e não a verdade meramente formal, aquela verdade quando dessemelhante da verdade formal, via de regra, somente pode ser alcançada pelo juiz através da prova testemunhal.
Assim, como bem destaca a Desembargadora Maria Cristina Schaan Ferreira do Tribunal Regional do Trabalho do Rio Grande do Sul: “[...] no Princípio da Primazia da Realidade, não se pode deixar de apreender, quando da análise da relação de emprego, a concretude da realidade, que emerge da teia das relações sociais - do conjunto de fatos interligados -, a despeito do que aparentam seus elementos formais“.[14]
3. CONCLUSÃO
Com base nessa sucinta análise, calcada nos ensinamentos doutrinários e jurisprudenciais, posso formar uma breve conclusão, estabelecendo que o princípio da primazia da realidade, que vigora plenamente no processo trabalhista, faz com que a prova documental ceda espaço à testemunhal, quando esta se mostra firme no sentido da desconstituição daquela, visando, dessa forma, privilegiar a boa fé contratual.
[1] PRATA, Marcelo Rodrigues. A prova testemunhal no processo civil e trabalhista. São Paulo: Ltr, 2000. p. 33.
[2] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 3. ed. São Paulo: Ltr, 2010. p. 548.
[3] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 1978. p. 217.
[4] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 1978. p. 232 - 236.
[5] MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho (3. Região). Recurso Ordinário n° 0000467-15.2010.5.03.0003. Recorrente: Lavito Fernandes de Oliveira. Recorrido: Brain Tecnologia Ltda. Relator: Dr. Vitor Salino de Moura Eça. Belo Horizonte, 15 de fevereiro de 2011. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=790>. Acesso em: 27 out. 2011.
[6] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 1978. p. 232.
[7] RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de direito do trabalho. São Paulo: Ltr, 1978. p. 232.
[8] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional do Trabalho (4. Região). Recurso Ordinário n° 0130900-53.2008.5.04.0261. Recorrente: Maria Leda Ferreira Santarem. Recorridos: CCCOOP - Cooperativa de Trabalho dos Profissionais de Crédito e Cobrança; Banco BMG S.A. e Credence Clube Beneficente E Assistencial. Relator: Dr. João ghisleni filho. Porto Alegre, 29 de junho de 2011. Disponível em:<http://gsa3.trt4.jus.br/search?q=cache:jHVO4 HGvG4gJ:iframe. trt4.jus.br/nj4_jurisp/jurispnovo.ExibirDocumentoJurisprudencia%3FpCodAndamento%
3D38789680+inmeta:DATA_DOCUMENTO:2010-10-28..2011-10-28+princ%C3%ADpio+da+primazia+d a+realidade++&client= jurisp&site=jurisp&output=xml_no_dtd&proxystylesheet=jurisp&ie=UTF-8&lr=lang_pt&access =p&oe=UTF-8>. Acesso em: 27 out. 2011.
[9] MALTA, Christóvão Piragibe Tostes. Interpretação da prova no processo trabalhista. PAMPLONA FILHO, Rodolfo (Coord.). Processo do trabalho. São Paulo: Ltr, 1997. p. 182-183. (grifo nosso).
[10] MINAS GERAIS. Tribunal Regional do Trabalho (3. Região). Recurso Ordinário n° 00131-2007-097-03-00-5. Recorrente: Irmãos Bretas Filhos e Cia Ltda. Recorrido Nilson Gomes de Matos. Relator: Dr. Márcio Flávio Salem Vidigal. Belo Horizonte, 18 de fevereiro de 2008. Disponível em: <https://as1.trt3.jus.br/juris/detalhe.htm?conversationId=1325>. Acesso em: 27 out. 2011. (grifo nosso).
[11] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional do Trabalho (4. Região). Recurso Ordinário n° 0000276-53.2011.5.04.0731. Recorrente: Irondina da Silva. Recorrido: Da Cruz Panificadora Ltda. Relator: Dr. Luiz Alberto de Vargas. Porto Alegre, 31 de agosto de 2011. Disponível em:<http://gsa3.trt4.jus.br/search?q=cache:x53JSFBazI4J:iframe.trt4.jus.br/nj4_jurisp/jurispno vo.ExibirDocumentoJurisprudencia%3FpCodAndamento%3D39562045
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[12] CAMBI, Eduardo. Direito constitucional à prova no processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 47. (grifo do autor).
[13] CARDOSO, Luciane. Prova testemunhal. São Paulo: LTR, 2001. p. 28.
[14] RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional do Trabalho (4. Região). Recurso Ordinário n° 0123100-14.2009.5.04.0010. Recorrente: Acesso Promoções e Acessoria de Eventos e Recursos Humanos Ltda. Recorrido: Fábio Borges da Silva. Relatora: Dra. Maria Cristina Schaan Ferreira. Porto Alegre, 20 de julho de 2011. Disponível em: <http://gsa 3.trt4.jus.br/search?q=cache:4VSmpt4CMtQJ:iframe.trt4.jus.br/nj4_jurisp/jurispnovo.ExibirDocumentoJurisprudencia%3FpCodAndamento
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Advogado Trabalhista. Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho e Responsabilidade Civil
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Laudir Roque Willers. A Influência do Princípio da Primazia da Realidade na Valoração da Prova Testemunhal na Justiça do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jan 2012, 08:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/27633/a-influencia-do-principio-da-primazia-da-realidade-na-valoracao-da-prova-testemunhal-na-justica-do-trabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
Por: HAROLDO JOSE CRUZ DE SOUZA JUNIOR
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