É sabido que anteriormente à contratação de qualquer empresa para realização de obras, serviços, compras, alienações, concessões, permissões e locações, a Administração Pública deverá respeitar a premissa maior que impõe a prévia realização de licitação, na lição do caput do artigo 2º da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos Administrativos – LLCA).
No entanto, em que pese a necessidade de se proceder ao certame licitatório naquelas ocasiões, a própria LLCA dispõe, em seus artigos 24 e 25, exceções a esta regra geral, dispensando o administrador de viabilizar aquele certame por razões de conveniência, valor da contratação, urgência, impossibilidade de concorrência, etc. No artigo 24, estão dispostas as hipóteses de dispensa de licitação e no dispositivo seguinte (art. 25), as situações de inexigibilidade.
Merece destaque, neste presente estudo, a situação albergada no art. 24, inciso IV, que assim apregoa:
Art. 24. É dispensável a licitação:
(...)
IV - nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;
Pelo dispositivo acima reproduzido, se depreende que, nas situações de emergência ou calamidade pública, nas quais se constata haver um nítido embate entre a contratação/satisfação de um interesse público e a obrigatoriedade do certame licitatório, cuja viabilização requer razoável lapso temporal, o primeiro deve sempre ser priorizado, já que a excepcionalidade da situação não poderá causar prejuízo para o bem público.
Nesse contexto, a intenção do legislador ao disciplinar esta hipótese foi, simplesmente, a de evitar dano potencial, já que o decurso de tempo necessário ao procedimento licitatório normal impediria a adoção de medidas indispensáveis para evitar danos irreparáveis.
Em razão da característica marcante do gestor público brasileiro de não planejar suas ações, é prudente que se registre que a urgência da situação não poderá ser argumento utilizado indistintamente pelo gestor que realiza contratação direta com base no artigo 24, IV, posto que podem ser fixados como pressupostos para isso:
1) “deverá existir urgência concreta e efetiva do atendimento à situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso, visando afastar risco de danos a bens ou à saúde ou à vida de pessoas”,
2) “que o risco, além de concreto e efetivamente provável, se mostre iminente e especialmente gravoso” e
3) “que a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro, de determinadas obras, serviços ou compras, segundo as especificações e quantitativos tecnicamente apurados, seja o meio adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado”
Nesse tipo de contratação, anote-se que, caso a a situação de emergência ou calamidade tenha sido gerada por ato faltoso, por desídia, falta de planejamento ou má gestão de recursos, por parte do agente público, tanto dolosa quanto culposamente, ele será responsabilizado, já que tinha o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação.
Sobre este aspecto, a Advocacia-Geral da União - AGU editou, no âmbito da Administração Pública Federal, a Orientação Normativa nº 11/2009, in verbis:
A contratação direta com fundamento no inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666/93, exige que, concomitantemente, seja apurado se a situação emergencial foi gerada por falta de planejamento, desídia ou má gestão, hipótese que, quem lhe deu causa, será responsabilizado na forma da lei. - sem destaque no original.
Assim, os expedientes administrativos que tratem de contratação de dispensa fundados no inciso IV do artigo 24 da Lei nº 8.666/93 devem ser assim instruídos:
a) demonstração, com base em fatos, de que a situação que justifica a contratação direta qualifica-se como emergência ou calamidade pública, estando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares – nesse caso, devem ser narrados os fatos ocasionadores da urgência, bem como as consequências prejudiciais para o caso de não se realizar a contratação – art. 26, I da LLCA;
b) justificativa do preço, baseada em pesquisa de preços junto ao mercado; a pesquisa deve ser a mais ampla possível, e todas as propostas devem estar em consonância com as condições e especificações contidas no Projeto Básico/Termo de Referência, sob pena de ser desconsiderada ou, sendo o caso e se for possível, ser retificada, mediante solicitação do gestor ao representante da empresa consultada. A equivalência entre as propostas e o Projeto Básico/Termo de Referência é condição fundamental para se garantir a “comparabilidade” dos preços entre si, que, se for pertinente, devem ser detalhados em planilhas que expressem a composição de todos os custos unitários. Aliás, deve constar sempre nos autos administrativos, além de uma via destes documentos (Projeto Básico e Termo de Referência) devidamente aprovados e rubricados em todas as suas folhas, modelo de planilha de preços elaborada pela área técnica da instituição pública bem como o comprovante de envio de solicitação de orçamentos às empresas (ex: cópia de e-mails ou Avisos de Recebimento com o requerimento da proposta financeira), para que se comprove a tentativa de se atender, com a máxima efetividade, a exigência inserta no inciso III do artigo 26 da LLCA;
c) razões da escolha do fornecedor: neste caso, se verifica uma relativa liberdade de escolha da proposta e do contratante – neste caso, a Administração poderá não se ater apenas à empresa que ofertou o menor valor para o objeto do contrato, podendo também optar pela empresa habilitada ou mais qualificada para aquela tarefa – requisito previsto no inciso II do art. 26 da Lei nº 8.666/93. Leia-se, a propósito, trechos dos seguintes julgados do TCU:
A contratação de empresa por dispensa de licitação, ainda que em obras de natureza emergencial, não dispensa a exigência de comprovação de regularidade daquela junto à Seguridade Social – Acórdão nº 1.839/2006-Plenário.
Por derradeiro, cabe dizer que, mesmo nos casos de contratação emergencial, os autos processuais deverão ser encaminhados previamente para análise jurídica, como requer o parágrafo único do artigo 38 da Lei nº 8.666/93.
Notas:
Acórdão do TCU nº 5.014/2010-2ª Câmara
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