O Direito é o pilar supremo de uma sociedade organizada. É necessário estabelecer regras de convívio para o bem-estar público. Essas regras, além de pautar as relações interpessoais, devem versar sobre as diversas atividades profissionais, entre as quais a de engenheiro, de extrema importância hodiernamente. Os produtos dessa área de conhecimento são quase que onipresentes. Nas cidades, estamos cercados de edificações e dificilmente encontraremos algum espaço que não tenha sido tocado pela engenharia civil. A engenharia mecânica é responsável pelo incessante trânsito de automóveis ao nosso redor. As máquinas com as quais lidamos a todo momento – algumas trazemos no bolso! – carregam crédito da engenharia elétrica. Nesse contexto, faz-se imprescindível a normatização dos serviços de engenharia.
São vários os órgãos responsáveis pela regulamentação da atividade de engenharia. Algumas agências podem ser citadas, com destaque para a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), que centraliza a normatização. Além das especificações nacionais, há inúmeras normas internacionais, que regem padrões universais, no intuito de uniformizar instalações que são utilizadas em todo o mundo. Essas regras têm caráter de lei quando em âmbito judicial, pois são elas que definem se a execução ou manutenção de serviços foi adequada, assim como se houve falha na construção ou utilização de equipamentos. Nesse ponto, nota-se a importância da colaboração entre Direito e Engenharia não apenas no campo de elaboração de normas, mas também, em momento posterior, para avaliar sua correta aplicação. Descumprir normas técnicas pode levar a condenações penais. Pareceres técnicos vêm sendo decisivos em sentenças judiciais nos últimos anos.
Quanto a esse aspecto, uma questão bastante relevante é a definição de quem deve ser o responsável pela análise dos fatos. Quando há questões relacionadas à engenharia em algum processo legal, a competência do profissional perito somente em Direito é insuficiente para julgá-lo. O advogado consegue, sem dúvida, destrinchar os aspectos jurídicos, mas lhe falta a parte técnica. O engenheiro tem o conhecimento técnico, é capaz de fornecer um relatório minucioso de requisitos dos serviços envolvidos, porém não tem embasamento para analisar os fatos sob o prisma jurídico, fundamentar culpa ou dolo.
É clara a necessidade de um profissional apto para julgar um potencial crime cometido durante o exercício de atividade na área de engenharia. Na Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP), o professor e engenheiro eletricista Pedro Luís Próspero Sanchez desenvolveu, com um grupo de pesquisadores, estudos para aproximar o Direito e a Engenharia(1). Além de ter introduzido disciplinas de pós-graduação que integram essas áreas, como Tópicos em Direito Tecnológico e Ciência Forense aplicada a Sistemas de Informação, Pedro defende a criação de varas judiciais especializadas para o tratamento de matérias técnicas. Iniciativas como essa trazem expectativa de geração de profissionais adequados para a perícia judicial.
Uma questão que poderia ser levantada sobre o assunto é: existe real demanda por esses peritos? A resposta é simples e evidente: sim! O número de mortes em construções, no Brasil, é assustador. Em outras instalações industriais, os acidentes são frequentemente relacionados a decisões tomadas visando produtividade, em detrimento da segurança dos trabalhadores.
No dia 16 de março deste ano, uma sexta-feira, o caldeireiro Valdir Silva de Melo, 37 anos, foi eletrocutado na fábrica de cimento Nassau, em Nossa Senhora do Socorro – SE(2). Segundo a família do falecido, houve negligência da empresa, que falhou por não assegurar o desligamento dos equipamentos durante a manutenção. Os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores na Indústria de Cimento, Cal, Gesso e Cerâmica do Estado de Sergipe endossam a afirmação, e o presidente Heribaldo Rodrigues Campo denuncia: “Sabemos que a fábrica possui vários procedimentos de segurança, mas quando a empresa fica parada para a manutenção dos equipamentos, eles descumprem as medidas de segurança para não baixar a produção” (3).
Infelizmente, a situação descrita não é um caso isolado. A insuficiência de fiscalização, inspeção e punição se torna incentivo para a continuada prática desses atos delitivos.
Não se pode falar em ausência de medidas por parte das agências reguladoras e órgãos competentes. Existe o interesse na proteção do cidadão. O Código do Consumidor combate práticas abusivas e, em seu artigo 39, inciso VIII, veda a colocação no mercado de qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas vigentes. No âmbito da Engenharia Elétrica, podemos ver que ambas as principais normas da ABNT – NR10 e NBR5410 – primam pela segurança. A NR10 visa “garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores que, direta ou indiretamente, interajam em instalações elétricas e serviços com eletricidade” (4). Já a NBR5410 tem como fim “garantir a segurança de pessoas e animais, o funcionamento adequado da instalação e a conservação dos bens” (5).
Tanto os legisladores quanto os agentes normativos – em geral, engenheiros – têm se dedicado à resolução dos problemas expostos, porém suas iniciativas isoladas não surtem o efeito desejado. O que precisamos hoje é juntar os esforços das duas partes, Engenharia e Direito, objetivando a sinergia. Somente haverá significativa evolução quando conseguirmos unir essas áreas. Isso possibilitará a elaboração de regras eficientes, que sejam claras e concisas nos escopos técnico e legal, bem como uma apreciação mais uniforme e eficiente das demandas judiciais.
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