SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 O contexto histórico-evolutivo do instituto da lesão nas relações contratuais. 3 Notas Conclusivas. 4 Referências Bibliográficas.
RESUMO
Nada mais coerente que estudar as influências históricas de determinado instituto para compreendê-lo na atualidade. Este, portanto, é o objetivo primordial do presente artigo, a saber, visa analisar o contexto histórico-evolutivo do instituto da lesão nas relações contratuais, evitando a formulação futura de negócios jurídicos desequilibrados e desproporcionais, bem como disseminar os ideais da equidade, há muito almejados pela sociedade civilista.
PALAVRAS-CHAVE: Contexto histórico-evolutivo; Lesão; Contratos; Equidade; Civilistas.
1 INTRODUÇÃO
O presente artigo atenta para o contexto histórico-evolutivo do instituto da lesão nas relações contratuais, visa demonstrar, assim, a impossibilidade do estudo aprofundado sem que antes seja feito um apanhado histórico, sendo o ponto de partida, indiscutivelmente, a civilização Romana. Logo após, trata da Idade Média e as influências estrangeiras na formulação da legislação pátria vigente, da Idade Moderna e as suas contribuições, até que finaliza com as idéias da contemporaneidade. Posto isso, objetiva, a partir de um estudo comparativo e conciso da lesão contratual, evitar a formulação futura de negócios jurídicos desequilibrados e desproporcionais, bem como visa disseminar os ideais da equidade, há muito almejados pela sociedade civilista.
2 O CONTEXTO HISTÓRICO-EVOLUTIVO DO INSTITUTO DA LESÃO NAS RELAÇÕES CONTRATUAIS
Como já salientado, anteriormente, o Direito Romano foi utilizado como fonte primordial, que deu sustentáculo ao Direito Civil em várias épocas, perdurando suas influências até os dias atuais. Segundo PEREIRA (2001, p.23), o instituto da lesão surgiu no século III, com fundamento nas Leis Segunda e Oitava dos imperadores Diocleciano e Maximiliano, a partir da interpolação dos textos por Justiniano no século VI. Foram eles os primeiros a diferenciar “nitidamente as idéias de ius e fas, e de construir o corpo jurídico desprendido do preceito religioso”.
Nessa época, a civilização romana era dividida em três camadas sociais a dos abastados (potentes ou potentiores), a dos miseráveis (infini ou humiliores), e a média (mediocres). Eram as Leis Segunda e Oitava, que regiam as relações contratuais desse povo, versando os seus textos, principalmente, sobre os contratos de compra e venda. Como os abastados configuravam a classe de prestígio social, ela sobrepunha-se à classe dos miseráveis com o intento de comprar a vil preço suas propriedades. Nota-se, portanto, a necessidade de um instituto que pudesse sanar com essa desproporção, daí surge o instituto da lesão, ou a laesio enormis. Para constatar um contrato de compra e venda viciado era necessário, como pressuposto da lesão, que a coisa fosse vendida pela metade do preço que valia, pois era alegado que a pessoa que vendeu a coisa nesta condição (preço inferior à metade) tinha uma premente necessidade de sobrevivência, e que o comprador agiu de má-fé, com o objetivo de prejudicá-lo, restando para o vendedor a possibilidade de desfazimento do negócio ou o abatimento do preço.
Percebe-se, nesse caso, que é válida a rescindibilidade do contrato calçada na lesão, pois este é um instituto criado em razão e nos moldes da equidade. Ao contrário, ao comprador não caberia a rescisão contratual sob a justificativa do preço superior à metade, visto que ninguém é forçado a comprar por mais valor o que sabe valer menos, desde que, anteriormente, seja acordado entre as partes. Analisando esse exemplo e fazendo um paralelo com a legislação vigente, os compradores, atualmente, diferente do exposto no Direito Romano, têm o Código Civil, bem como a legislação especial, o CDC (Código de Defesa do Consumidor), como um instituto jurídico voltado a defender e “fazer valer” seus direitos, não sendo à toa o trocadilho de que “o cliente tem sempre razão”.
Na Idade Média, desenvolveu-se o que podemos chamar de Direito Canônico, visto que eram inegáveis as fortes influências da Igreja Católica impostas ao Direito Civil. Deveu-se a Santo Tomás de Aquino alicerçar o maior alargamento do campo de atuação da lesão enorme, com embasamento na teoria comutativa de Aristóteles. Deveu-se, também, aos canonistas a criação da laesio enormissima (lesão enormíssima), aplicar-se-ia esse tipo de lesão, segundo Caio Mário, quando:
“o vendedor era enganado além dos dois terços do valor da coisa, considerava-se que os princípios que regiam a lesão enorme eram insuficientes para atender a essa situação e imaginaram novos: a lesão enormíssima não apenas viciava o contrato, tornando-o rescindível, mas ia além, importando na sua existência com ato jurídico”. (PEREIRA, 2001, p. 45)
Quanto ao Direito comparado, várias foram as influências no instituto da lesão. Caio Mário sistematiza essas influências, agrupando-as em três escolas, em que a primeira mantém-se fiel ao padrão histórico e as pequenas variações que surjam não vem romper com o modelo estabelecido, denomina-se objetiva. A segunda é tida como abolicionista, insurgindo contra o conceito. A terceira é classificada como subjetiva, em que transforma uma exceção numa regra geral de interpretação da vontade nos atos bilaterais.
A noção de lesão no Direito pátrio é dada a partir das fortes influências do direito português, que foi alicerçado nos textos de Justiniano e nos ditames canônicos. Em linhas gerais, o direito pátrio vigia nos moldes das Ordenações Reais, compilações de leis e costumes portugueses, que englobavam as Ordenações Afonsinas, Manuelinas e Filipinas. Caio Mário cita MENDES (1869, p. 363) numa tentativa de mostrar que uma das maiores contribuições da doutrina portuguesa foi saber muito bem distinguir a ação de lesão da de nulidade, “presumindo nesta um contrato inválido, inábil a transferir o domínio, e naquela uma avença útil, sujeita a desfazimento posterior, evitável com o complemento do justo preço”.
3 NOTAS CONCLUSIVAS
Atualmente, o instituto da lesão, que sobreviveu à ação corrosiva dos séculos, encontra-se ampliado em nossos códigos, com a finalidade precípua de reprimir o delito de “usura real”, isto é, tem a preocupação de proteger o hipossuficiente da relação contratual. Conclui Caio Mário citando Orozimbo Nonato, que no instituto da lesão nos códigos modernos há uma conjugação de dois elementos essenciais: “o dolo de aproveitamento, e a obtenção de um lucro patrimonial maior da marca”, percebe-se, portanto, que o autor reafirma a necessidade do princípio da equidade, da repressão do aproveitamento excessivo, do respeito à comutatividade das prestações, pois só assim, ter-se-á uma relação contratual não lesiva a uma das partes.
O livro em questão apresenta aspectos de ordem lingüística enaltecíeis, vale-se de citações latinas, o que colabora para a concreção das idéias postas, bem como se utiliza de uma subdivisão em tópicos onde se permite perceber uma linha de pensamento conectada. Evidencia-se, aqui, portanto, a feliz atitude do autor ao trazer no primeiro capítulo um mergulho na história do instituto da lesão, pois tal postura dá sustentáculo à discussão, posto que é de grande relevância uma fundamentação calçada nos elementos histórico-evolutivos, sendo aporte, imprescindível, para a compreensão do presente, com vislumbrar do futuro. Traz, também, um Direito comparado, o que propicia melhor entendimento do instituto pátrio a partir de institutos estrangeiros.
Finalmente, cabe salientar que a maior contribuição do livro em questão é, indubitavelmente, o convite à reflexão acerca do instituto da lesão e sua aplicabilidade, transcorridos vários séculos. Sendo assim, este livro é recomendado a todos aqueles que discutem o Direito numa perspectiva de mudança de uma realidade social cada vez mais segregadora, trazendo aos alunos de direito e estudiosos da área a revitalização do princípio da equidade, bem como visa à limitação do campo de atuação do instituto da lesão.
4 REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Lesão nos Contratos. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
Precisa estar logado para fazer comentários.