RESUMO: O texto analisa decisão interlocutória no âmbito da Justiça do Trabalho que aplica multa de astreintes em valores excessivos, gerando um problema na execução.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2. Análise prática processual; 3. Astreinte; 3.1 Origem; 3.2 Conceito; 4. O termo “astreinte” e sua aplicabilidade subsidiária no processo trabalhista; 5. A sentença trabalhista e a obrigação de fazer com cominação de multa 6. O princípio da proporcionalidade; 7. O princípio da razoabilidade; 8. Conclusão; 9.Bibliografia.
Introdução
Este trabalho foi realizado a partir da analise de fato processual ocorrido no âmbito de um dos Tribunais Regionais do Trabalho, relacionado ao cumprimento da sentença de cognição de uma obrigação de fazer, inicialmente sem cominação de multa por astreinte e, posteriormente, aplicada a referida multa, por sentença interlocutória, em função da não satisfação total pela parte vencida da lide da obrigação de fazer prevista no texto sentencial.
O processo encontra-se numa cruzada jurídica quanto ao valor até então apurado a titulo de astreinte, atualmente, por volta de R$900.000,00 (novecentos mil reais), montante superior ao valor das parcelas apuradas no processo, em torno de R$90.000,00 (noventa mil reais).
De logo, temos a nítida impressão de que algo está errado. Não é possível que uma simples multa decorrente de uma obrigação de fazer, que se caracteriza a “astreinte”, pela anotação na carteira de trabalho e previdência social, ultrapasse em 900,00% do valor principal da condenação.
Outro fato que nos chama atenção é o decurso de tempo decorrido nessa questão. Cerca de quinze meses, até esta data, já se passaram sem que a secretaria da vara do trabalho tenha resolvido o problema da anotação na carteira do empregado, determinação esta constante da sentença de conhecimento, bem como, em recente despacho, o juízo manteve o valor da multa apurado.
Analisaremos, pois, a aplicação ou não aplicação de astreinte, a responsabilidade vertical do estado-juiz que, dotado da competência para efetuar as correções necessárias, não o fez até esta data, preferindo adotar uma postura agressiva em face do empregador, aplicando-lhe multa exacerbada de R$1.000,00 (um mil reais) por dia de descumprimento, e mais, reaplicando a mesma multa, em prol do empregado, cumulativamente, em face da obrigação do empregador de não ter fornecido certidão retificadora da baixa equivocada para efeito previdenciário.
O fato é que até onde vai o limite da responsabilidade da empresa e até onde poderia o juízo intervir para que o autor não pudesse passar por tantos dissabores, já que a CTPS do mesmo precisa ser anotada com a baixa da relação de trabalho, de forma correta e não da forma que ocorreu, causando sérios prejuízos futuros para o trabalhador, inclusive quando da sua aposentadoria, em decorrência dos erros cometidos no que se refere às anotações em sua CTPS.
Algumas perguntas precisam ser feitas e respondidas de forma concreta, para que possamos ter uma melhor percepção do problema. Por exemplo: quando o estado-juiz pode intervir para sanar as dificuldades apresentadas com uma simples anotação na CTPS, realizada de forma incorreta? É possível a aplicação de multa por descumprimento de obrigação de fazer em soma tão vultosa que ultrapasse dez vezes o valor da condenação? Como resolver este problema sem ferir o estado de direito e a sentença transitada em julgado? O que fazer para preservar o princípio da razoabilidade em função do excesso jurisdicional cometido?
Pois bem, passemos a análise aprofundada destas questões e do problema em sí, para que, ao final, possamos apresentar algumas soluções para resolver este impasse e promover algumas sugestões para que outras armadilhas desse tipo não venham ocorrer no judiciário trabalhista, fruto de pouca percepção na condução do processo, ocasionando prejuízos desnecessários às partes do litígio e, acima de tudo, promover a boa imagem do judiciário.
Análise prática processual
O processo foi distribuído no ano de 2005 e a primeira audiência foi designada para o mesmo ano e adiada sucessivamente, ficando os autos conclusos para julgamento em 2007. Decorridos cerca de dezessete meses entre a primeira audiência e a prolação da sentença transitada em julgado em 09 de abril de 2007, que, entre outras providências, determinava a baixa e anotações na carteira de trabalho do autor:
“Como a Reclamada não comprovou que tenha procedido a baixa na CTPS do Reclamante, determino que a primeira Acionada anote a data de despedida do Autor, conforme TRCT de fls. 32, cabendo tais registros à Secretaria da Vara, em caso de descumprimento.”
Na fase cognitiva o processo sofreu várias diligências. Opostos embargos de declaração por ambas as partes, em abril de 2007, com julgamento dos mesmos em maio de 2007 e, novamente, interpostos, por ambas as partes, recursos ordinários em junho de 2007, com julgamento em segunda instância do Tribunal Regional do Trabalho em setembro de 2008.
Tendo os autos baixados à primeira instância em setembro do mesmo ano, os cálculos foram apresentados pelo autor e a execução provisória teve início em outubro de 2008.
O Agravo de Instrumento foi baixado do Tribunal Regional do Trabalho em maio de 2009, enquanto se discutia matéria de cálculos nos autos principais, já em fase de embargos de declaração da decisão divulgada em abril de 2009, que determinava prazo de 10 dias para que a reclamada emitisse declaração em favor do reclamante, esclarecendo a baixa equivocada na CTPS determinada na sentença de cognição, com a consequente cominação de multa de R$1.000,00 (hum mil reais) por dia de descumprimento. Estes são os fatos.
Astreinte
O termo astreinte se origina do latim “astringere, de ad e stringere”, que significa apertar, pressionar, termo esse utilizado no Direito pátrio Francês.
Conceito
A Astreinte é a multa aplicada diariamente ao devedor por obrigação de fazer descumprida, de características puramente coercitivas que visa manutenção intacta da sentença transitada em julgado e sua permanência incólume no ordenamento jurídico.
Objetiva, portanto, com observação ao principio da coisa julgada, impor ao devedor o respeito ao comando sentencial no que se refere à condenação judicial, na obrigação de fazer ou de não fazer, a fim de constranger o vencido a cumprir a sentença e evitar o desnecessário retardamento em seu cumprimento.
O termo “astreinte” e sua aplicabilidade subsidiária no processo trabalhista
Com fulcro no princípio da subsidiariedade, o art. 769 da Consolidação das Leis do Trabalho permite ao estado-juiz a utilização subsidiária das regras do direito processual civil, quando caracterizada a omissão no instituto próprio. A CLT não trata da aplicação de multa por descumprimento de obrigação de fazer, astreinte, sendo, portanto, aplicável, na justiça do trabalho, subsidiariamente, o art. 461, § 4°, do CPC:
Art. 461 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ 4º - O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença ,impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
O art. 644 do CPC, buscando limitar a aplicação da astreinte, insere no seu paragrafo único, a possibilidade de o julgador proceder, de oficio, a regularização de tal multa, se esta ultrapassar os limites da proporcionalidade, podendo este juízo limitar o valor em decorrência de sua insuficiência ou de sua excessividade, adequando-a aos fatos concretos:
Art. 644 - A sentença relativa a obrigação de fazer ou não fazer cumpre-se de acordo com o art. 461, observando-se, subsidiariamente, o disposto neste Capítulo.
Parágrafo único - O valor da multa poderá ser modificado pelo juiz da execução, verificado que se tornou insuficiente ou excessivo.
Nessa esfera, não há, portanto, que se falar em julgamento ultra, intra ou extra petita, já que não subsiste afronta aos art’s. 128 e 460 do CPC, pela falta de pedido de indenização referente a não anotação na carteira de trabalho. O art. 461, § 4°, do CPC, transcrito, não exige do autor da lide o pedido específico da referida multa, podendo esta ser fixada, de oficio, pelo julgador na sentença, se assim julgar necessário, principalmente em função da natureza da obrigação de possível mora do empregador em cumpri-la, ocasionando prejuízos ao autor.
Leciona Marcos Vinicius Rios Gonçalves[1] que a multa constante do art. 461 do CPC, aplicada pelo juízo trabalhista, não constitui uma condenação decorrente da relação de trabalho propriamente dita e, portanto, não é parte integrante do julgamento dos pedidos da inicial, mas sua aplicação tem caráter mandamental no sentido de forçar o devedor ao cumprimento da sentença, sob pena do pagamento do quanto estipulado:
O art. 461 e seus parágrafos atribuem caráter mandamental às ações que tenham por objeto o cumprimento de obrigação de fazer e não fazer e de entregar coisa. Ao sentenciar, nesse tipo de ação, o juiz não se limita a proferir uma condenação, embora tais ações sejam condenatórias. Ele emite uma ordem na sentença: a de que o réu, nos prazos fixados, cumpra as obrigações de fazer, não fazer ou entregar a coisa.
A astreinte não tem correlação com o julgamento das parcelas de natureza estritamente trabalhista, tratando-se de cominação de oficio, preferencialmente com valor e tempo delimitados, de forma a pressionar o devedor ao cumprimento de determinada obrigação extra sentença de cognição, mas que implicará em prejuízos ao autor.
Não tem, portanto, natureza estritamente condenatória e sim mandamental, podendo, portanto, o juiz limitar seu valor a qualquer tempo se assim julga necessário, em função da onerosidade ou da não onerosidade por parte do devedor, com o cumprimento ou não cumprimento da obrigação, observando, para tanto, a proporcionalidade entre os prejuízos causados ao autor ao longo desse período estipulado para o cumprimento da obrigação.
A sentença trabalhista e a obrigação de fazer com cominação de multa
A aplicação de astreintes na Justiça do Trabalho é recente e nem sempre os julgadores utilizam este recurso oriundo do CPC, para coagir o empregador ao cumprimento de questões secundárias no processo do trabalho.
Tem sido uma praxe entre a maioria dos juízes do trabalho, a preferencia pela determinação de que a secretaria da vara faça as devidas anotações na CTPS do empregado, exercendo esse papel regulador, objetivando a minimização de problemas do empregado em relação aos órgãos oficiais de previdência social ou gestor do fundo de garantia, de forma que não possa vir a ser um problema na hora de aposentar-se ou resgatar os depósitos fundiários.
Daí, a aplicação de multa excessiva, no presente caso, não se sustenta, pois a excessividade é taxativa e, além de implicar no enriquecimento sem causa do empregado, ocasiona dificuldades de manutenção da empresa em honrar de seus compromissos com os demais credores ou na compra de equipamentos que venham a contribuir na melhoria do ambiente de trabalho, por exemplo.
A melhor solução, nesse caso, do ponto de vista lógico, jurídico e social, é pela limitação da referida multa por astreintes a um patamar proporcional ao dano causado, qual seja, a possibilidade de problemas junto ao órgão previdenciário quando da aposentadoria, em decorrência de inexatidão de informações existentes na carteira de trabalho que, por simples declaração do Poder Judiciário, poderá ser expedida, já que o fato ocorreu no cumprimento, ainda que inexato, de ordem judicial.
Verifica-se que o valor resultante da multa por astreintes ultrapassa as barreiras da proporcionalidade, na medida em que a soma dos salários do empregado até atingir a sua aposentadoria não corresponde a um terço do valor da multa aplicada. Dessa forma, não há sustentação jurídica plausível para que se mantenha a multa nos seus termos.
É aconselhável, e mais do que isso, é inexorável que o juiz proceda à limitação do valor da multa, de ofício, sob pena de incorrer na aplicação de medidas judiciais que extrapolam os limites principiológicos constitucionais da razoabilidade e da proporcionalidade ao dano provocado, além de descer o manto da dúvida das decisões do poder judiciário trabalhista.
Além do mais, há previsão legal para que o juiz assim proceda, bastando observar o parágrafo único do art. 644 do Código de Processo Civil que remete ao art. 641 do mesmo instituto, quanto ao cumprimento da obrigação de fazer, já exemplificado anteriormente.
O princípio da proporcionalidade
A aplicação do critério da proporcionalidade, segundo André Ramos Tavares[2], “sempre esteve presente nos diversos ramos do Direito, seja na aplicação da pena criminal, na noção de abuso do civilista ou, ainda, como meio de conter a discricionariedade do poder estatal no âmbito administrativo”.
Uma vez não observado o princípio da proporcionalidade, fica comprometido, também, o princípio da segurança jurídica, violado pelo estado-juiz, no caso em apreço. A sentença prolatada e transitada em julgado, não pode sofrer alterações de oficio, sob o manto de ferir direito líquido e certo. André Ramos Tavares[3] entende que a coisa julgada é o “colorário do princípio da segurança jurídica e estabilidade das relações sociais transportado para o campo jurídico.”[4]
Sob o manto da segurança jurídica, princípio que norteia a atuação do poder judiciário em qualquer sociedade organizada, jurídica e politicamente, não pode o estado-juiz colocar em risco a credibilidade do poder estatal, promovendo ou mantendo o erro jurídico sem a sua devida correção, que pode ocorrer de oficio, a qualquer tempo, resguardando assim a imutabilidade da sentença de cognição transitada em julgado.
O princípio da razoabilidade
O princípio da razoabilidade, não se encontra expressamente na Constituição Federal, mas implicitamente, se confunde com o princípio da proporcionalidade. O art. 5º, inc. LIV enquadra-se numa análise principiológica do devido processo legal, conforme entendem os doutrinadores.
Tornar a atuação do estado-juiz razoável é minimizar a possibilidade de ser questionável, de ser contraditado e possivelmente de ser reformado. Portanto, a razoabilidade deve ser observada nas decisões do judiciário, em todas as esferas, em todas as decisões, para que estas não possam sofrer grandes transformações no seu bojo, tornando a atividade jurisdicional objeto de descontentamento e de não confiabilidade perante o sistema jurídico estruturado.
Transigir é conduta aceita em qualquer sociedade organizada. Pois do erro advém a conduta correta esperada, o saneamento ao prejuízo gerado, muitas vezes sem a intenção de tê-lo cometido. Transigir pela segunda vez já nos leva para o campo da desconfiança gratuita, da temeridade do erro intencionalmente praticado com dolo, cujo fim é o de proporcionar situações jurídicas dificilmente resolvíveis, tanto do ponto de vista interno, quanto para com terceiros, com desafeto observável.
No presente caso, pela leitura das decisões nos autos relativas à aplicação das multas por astreinte, podemos verificar que não houve o devido cuidado do juiz em observar a sentença transitada em julgado, cuja determinação de que a secretaria da vara procedesse às anotações na CTPS do autor, já se encontrava ali presente, sem qualquer cominação de multa.
A observação literal do texto sentencial implica no seu acatamento, impossibilitando que o juiz que venha a atuar no mesmo processo promova decisão contrária ao texto original. Ao contrário, provoca uma dicotomia jurídica de difícil deslinde.
Divergências jurisprudenciais ainda subsistem na aplicação de astreinte. A decisão transcrita abaixo indica o grau de dificuldade de aplicação da referida multa por astreinte, entendendo o julgador que o fator temporal é inexpressivo em função de que a sentença perderá cedo ou tarde sua eficácia, com o seu cumprimento, não havendo, portanto, que se falar em limites. Não é verdade que limites não existem para a aplicação da astreinte.
O art. 644 do CPC, em verdade não estabelece limites, mas possibilita ao julgador uma interpretação hermenêutica, concreta, com observação dos princípios constitucionais da proporcionalidade, da razoabilidade, se assim entender o julgador, estar promovendo o enriquecimento sem causa ou onerando excessivamente o devedor em função de um procedimento de ordem pública, possivelmente sanável pelos órgãos auxiliares do juízo.
A decisão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, indica que a questão da limitação da multa não se impõe mais por conta da redação do art. 641 do CPC:
"Não há um teto para a multa pecuniária. Se é verdade que a limitação existia no estatuto processual civil anterior, frente ao que dispõe atualmente o art. 644 do CPC, não há mais porque um teto ou limitação para cominação em apreço. E nem poderia ser de outra forma, já que se limitada no tempo a dita multa, em dado momento a sentença prolatada pelo juiz tornar-se-ia ineficaz; e se tornaria inútil tudo quanto se realizara no processo que a fixou" (Ac. do 1º Gr.de Câms. Do TJSP de 31.10.89, nos Embs. Nº 62.801-1 Rel. Dês. Luis de Azevedo; RJTJSP 123/320).”
Contudo, ao contrário, as decisões do Tribunal Superior do Trabalho têm mostrado maior coerência fática e jurídica no que diz respeito a aplicação de astreintes na Justiça do Trabalho, atribuindo um caráter público, que visando o efetivo cumprimento da sentença de mérito, em caso de existência de obrigação de fazer pela parte perdedora da lide, têm admitido a observação dos limites traçados pelo art. 644, §§ 4º e 6º, do CPC, em conformidade com os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade, para evitar a desproporcionalidade entre a obrigação e o fato concreto, com vistas a evitar, inclusive, a enriquecimento sem causa, a exemplo da decisão a seguir:.
Ementa
Resumo: I) -astreintes- - Violação de Lei (arts. null412 do nullcc e null461, null§§ 3º e null6º, do nullcpc)-Falta de Prequestionamento - Aplicação da Súmula 298, I, do Tst.
Relator(a): Ives Gandra Martins Filho
Julgamento: 09/06/2009
Órgão Julgador: Subseção II Especializada em Dissídios Individuais,
Publicação: 19/06/2009
I) -ASTREINTES- - VIOLAÇÃO DE LEI (ARTS. 412 DO CC E 461, §§ 3º E 6º, DO CPC)- FALTA DE PREQUESTIONAMENTO - APLICAÇÃO DA SÚMULA 298, I, DO TST.
1. A decisão rescindenda condenou a Reclamada a reintegrar o Obreiro no emprego, por ser detentor da estabilidade decorrente de doença profissional, prevista no art. 118 da Lei 8.213/91, sob pena de multa diária de R$ 500,00, nos termos do art. 461, § 4º, do CPC. 2. – (...) Oportuno ressaltar que existe diferença essencial entre a cláusula penal e a -astreinte-, conforme pacificado na doutrina cível, (...) à luz da Orientação Jurisprudencial 54 da SBDI-1 do TST. 4. Ademais, verifica-se que o art. 461, § 6º, do CPC faculta ao juiz, de ofício, modificar o valor ou alterar a periodicidade da multa, caso verifique que se tornou insuficiente ou excessiva, daí por que se vislumbra que a Reclamada poderá pleitear a revisão da referida multa, tanto na fase cognitiva quanto na fase executória, considerando que tal matéria não faz coisa julgada material (apta a ensejar o corte rescisório, a teor do art. 485, -caput-, do CPC), mas tão-somente formal, do que resultaria a impossibilidade jurídica do pedido rescindente, no particular, nos termos do art. 267, VI, do CPC.
Há, na verdade, um sopesamento entre as decisões dos tribunais, em que o TJ tende a uma análise mais aberta no sentido de que cabe ao juiz a análise e aplicação da referida multa por astreinte, sem observar os limites que o art. 641 do CPC possibilita, enquanto que o TST prima pela observância dos limites do referido artigo, se o juiz achar necessário, conforme seja o caso concreto, podendo, limitar, tanto para mais quanto para amenos a multa por astreinte.
Assim como este, há vários casos relacionados ao mesmo tema, registrados em todos os Tribunais Regionais do Trabalho no tocante à aplicação de astreintes, com Recursos Extraordinários transitando no TST, resultando em amplo material jurídico, suficientes para forma jurisprudência acerca do tema controverso, conforme alguns exemplos abaixo de decisões do TST.
Seguem alguns exemplos de acórdão proferidos pelo TST relacionados ao tema, para nos dar a nítida ideia de como anda o debate em torna de astreintes:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. 1. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO.ILEGITIMIDADE PASSIVA. (...) 3. ASTREINTES. Mostra-se plenamente razoável a fixação de cinco dias de prazo para o cumprimento da obrigação de -providenciar junto ao Plano de Saúde Bradesco a inclusão da reclamante/embargada e de seus dependentes-, não havendo falar em violação do § 4º do art. 461 do CPC. Agravo de instrumento conhecido e não provido.( AIRR - 29740-82.2007.5.05.0134 , Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 24/11/2010, 8ª Turma, Data de Publicação: 26/11/2010)”(realce nosso)
NÚMERO ÚNICO: RR - 123000-30.2008.5.03.0137
PUBLICAÇÃO: DEJT - 03/12/2010
A C Ó R D Ã O
5ª Turma
EMP/gm
ISTO POSTO
ACORDAM os Ministros da Quinta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso de revista dos reclamados, por violação aos artigos 832 da CLT,458 do CPC e 93,IX, da CF/1988, quanto à negativa de prestação jurisdiciona, e, no mérito, dar-lhe provimento para determinar o retorno dos autos ao Regional de origem, para que se pronuncie acerca dos pontos suscitados pelo Reclamado em seus Embargos de Declaração, nomeadamente quanto(...), III) dos critérios para fixação da multa diária como medida coercitiva ao cumprimento da decisão judicial no que se refere à anotação em CTPS; (...) Brasília, 24 de novembro de 2010- (MP 2.200-2/2001),EMMANOEL PEREIRA- Ministro Relator(realce nosso).
Assim, podemos perceber que os resultados e as consequências das decisões do TST de recursos que tratam da aplicação exacerbada da multa por astreintes, têm sido no sentido da necessária observação e aplicabilidade do art. 641 do CPC.
A maior contribuição que estes casos têm proporcionado à jurisprudência emanada do TST tem sido no sentido de propiciar uma maior consolidação e uniformização em torna do tema, quanto ao reconhecimento de sua natureza mandamental e portanto, fora do rol dos pedidos julgados na sentença de cognição, para ser uma medida jurídica, de oficio, como medida coercitiva do juiz para salvaguardar o cumprimento da sentença prolatada, por parte do devedor, numa prevenção de cumprimento imediato para fugir ao pagamento por uma obrigação perfeitamente exigível.
Portanto, a jurisprudência recente produzida pelo TST não obsta qualquer impedimento na aplicação da multa por astreinte, se assim for necessário e o caso concreto o exigir, em função da possibilidade do desrespeito da decisão judicial, garantindo, assim, a manutenção do princípio da garantia e da ordem jurídica no ordenamento jurídico pátrio. Todavia, a mesma jurisprudência, observa a aplicação do art. 641 do CPC, como fator limitador da referida multa, no intuito de impedir o enriquecimento sem causa, iniciado justamente pelo próprio juízo trabalhista, o que geraria consequências jurídicas de difícil resolução.
No campo doutrinário, a exemplo do que pensa Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior[5], o que diz respeito ao princípio da efetividade, observa o mesmo que “as astreintes revelam-se importante mecanismo na obtenção da efetividade dos meios executórios, posto que impõe ao devedor um temor que o faz, via de regra, optar por honrar a sua obrigação ao invés de continuar inadimplente e experimentar o agravamento de sua condição com a incidência da multa diária”.
Contudo, em contrapartida, afirma, ainda, Luiz Guilherme da Costa Wagner Junior[6] que “as astreintes não são fim último na execução, revelando-se, ao revés, importante instrumento a buscar a materialização do princípio da efetividade, uma vez que (...) o que se pretende com a execução é justamente que seja a obrigação adimplida na forma em que fora pactuada ou definida por sentença.”
Nesse sentido, tomando como uma análise textual dos dois aspecto transcritos, pode afirmar, em duas instâncias, que as astreintes podem servir de relevante importância na efetividade da sentença, mas podem, também não são partes integrantes da analise processual no bojo da ação trabalhista, posicionando-se fora do texto sentencial para ser uma decisão de oficio do juiz que passa a aplica-las se assim lhe for conveniente com o fim de exercer uma certa coerção ao devedor no cumprimento da sentença.
Além, disso, podemos, também, invocar a necessária observação do julgador dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, para evitar a transgressão dos limites constitucionais traçados, como forma de colocar limites na sua atuação jurisdicionaria e do livre convencimento.
Resta, neste diapasão, indagar acerca do por que da aplicação de multa excessiva, no presente caso, visto que a solução para o caso já se encontrava no texto sentencial? A resposta plausível é de que houve, num primeiro momento, a inobservância, por parte do julgador, do texto sentencial, que já delineava a solução de forma simples e precisa. Contudo, a reaplicação de forma cumulativa da mesma multa, no mesmo valor de R$1.000,00 (um mil reais) por dia, cumulativa com a primeira, o que nos leva a uma análise mais profunda e menos aceitável do ponto de vista jurídico e do papel que exerce o julgador como aplicador da lei e de dirimir conflitos sociais, na busca da harmonia e da paz nas relações de trabalho.
Primeiramente, podia ele, de oficio, limitar o valor da multa aplicada, nos termos do art. 641 do CPC e, não o fazendo, aplicou nova multa, cumulativamente, no mesmo valor diário antes aplicado. E mais, nova decisão de um terceiro julgador, manteve a multa, ainda que pudesse delimita-las, com o fundamento nos artigos indicados do CPC, não o fazendo, mantêm-se a antinomia jurídica em torno do tema aqui trazido para discussão, pelo menos nesse caso específico.
Conclusão
Da análise dos fatos aqui discorridos, podemos tecer algumas considerações importantes e concluir que, em primeira instância, a sentença de cognição teve seu texto violado pelo estado-juiz que a prolatou, pois efetivamente o texto legal determinou a realização das anotações da CTPS pela secretaria da vara do trabalho, em caso de descumprimento pelo empregador.
Uma decisão interlocutória não pode desconsiderar o texto sentencial e decidir diferentemente deste, estipulando multa por astreinte por obrigação de fazer, quando já determinava a sentença de cognição outra providência para sanar tal obrigação, atribuindo à secretaria da vara a sua executividade.
O estabelecimento de multa por astreinte no valor diário de R$1.000,00 (hum mil reais) pode se tornar excessivamente desproporcional ao valor da condenação, como de fato ocorreu no presente caso, promovendo o estado-juiz o enriquecimento ilícito do empregado, fato jurídico esse combatido pelo próprio poder judiciário trabalhista nas suas várias decisões tornadas públicas.
Pior, ainda, é a interpretação equivocada das normas que instituem o fato jurídico trazido à tona, pois a escusa de aplicação do artigo 641, §4º do CPC, implica numa desídia jurídica de suma importância e relevância, para a prática apropriada e segura do poder discricionário do estado-juiz, na sua prestação jurisdicional, à luz do sistema jurídico nacional.
Não pode o poder judiciário, exigir de terceiros, o respeito à coisa julgada e promover, ele próprio, o desrespeito de uma decisão prolatada e transitada em julgado, decidindo contrariamente e com flagrantes prejuízos, tanto material para o empregador, quanto jurídico e moral para a instituição trabalhista julgadora, além da livre promoção do ilícito enriquecimento sem causa do empregado.
BIBLIOGRAFIA
Gonçalves, Marcos Vinicius Rios – Novo curso de processual civil, volume l: teoria geral e processo de conhecimento, 1ª parte, 7 ed. - São Paulo, Saraiva, 2010.
Machado, Antonio Cláudio da Costa – Código de processo Civil Interpretado: artigo por artigo, parágrafo por parágrafo – 7. ed. Rev. E atual.- Barueri, SP: Mamole, 2008.
Tavares, André Ramos – Curso de direito constitucional – 3. ed. Rev. e atual. - São Paulo: Saraiva, 2008.
Wagner Júnior, Luiz Guilherme da Costa – Processo Civil – curso completo – 4. ed. Revista e atual. - Belo Horizonte: Del Rey, 2010.
Leite, Carlos Henrique Bezerra – Curso de direito processual do trabalho – 4. ed.- São Paulo: LTr, 2006
http://aplicacao2.tst.jus.br/consultaunificada2/, dia 05/12/2010, 16h37min
[1] Gonçalves, Marcos Vinicius Rios – Novo curso de processual civil, volume l: teoria geral e processo de conhecimento, 1ª parte, 7 ed. - São Paulo, Saraiva, 2010. P.118.
[2] Tavares, André Ramos – Curso de direito constitucional, p. 657-71.
[3] Tavares, André Ramos – Curso de direito constitucional, p.???
[4] Tavares, André Ramos – Curso de direito constitucional, p. 654-5.
[5] Wagner Júnior, Luiz Guilherme da Costa – Processo Civil – curso completo – 4. ed. Revista e atual. - Belo Horizonte: Del Rey, 2010, p. 560.
[6] Wagner Júnior, Luiz Guilherme da Costa – Processo Civil – curso completo, p. 560.
Graduado em Letras Vernáculas pela Universidade Federal da Bahia - UFBA, em 1988; graduado em Direito pelo Instituto de Educação Superior Unyahna, Pós-graduado em Administração Pública, com aprofundamento em Recurso Humanos, pela Universidade Estadual de Feira de Santana - UEFS-Ba, em 1994; Pós-graduado em "Total Quality", pela Fundação de Ensino do Estado da Bahia e pelo CETEAD, em 1996, Pós-graduado em Direito Constitucional do Trabalho, pela Universidade Federal da Bahia - UFBA, em 2010.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Osvaldo Araujo dos. Os limites de aplicabilidade de astreinte na esfera trabalhista e a observância dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 abr 2012, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28473/os-limites-de-aplicabilidade-de-astreinte-na-esfera-trabalhista-e-a-observancia-dos-principios-da-razoabilidade-e-da-proporcionalidade. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
Por: HAROLDO JOSE CRUZ DE SOUZA JUNIOR
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