O presente artigo jurídico justifica-se pela relevância do tema no âmbito da Administração Pública em razão do direito adquirido estar presente nas relações jurídicas existentes entre o Poder Público e os seus agentes públicos ou os administrados.
O direito adquirido no direito administrativo é tema bastante recorrente no direito pátrio e objeto de diversos questionamentos judiciais nas cortes superiores, principalmente no Supremo Tribunal Federal, através de julgamentos de grande repercussão nacional que envolvem a máquina pública.
A Constituição Federal, em seu art. 5º, XXXVI, afirma que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Estes institutos surgiram da necessidade de impedir a retroatividade das leis, obstando os seus efeitos onde há uma situação jurídica consolidada, tudo em prol da segurança jurídica, pois fere mortalmente o equilíbrio moral e material do indivíduo se, após a incorporação de um direito em seu patrimônio, houver a abrupta modificação do mesmo. Deste modo, o direito adquirido é um dos institutos que irá limitar a retroatividade a lei, conferindo à sociedade uma segurança jurídica em suas relações.
Vale destacar que não há conceituação legal definidora do significado relativo ao conceito de direito adquirido, sendo que o alcance de seu conceito surge através das decisões que o Poder Judiciário lhe concede no julgamento dos casos concretos. Assim, será de grande valia neste trabalho a análise de algumas posições consolidadas na doutrina e na jurisprudência pátria no que tange ao tema.
O presente estudo tem como escopo a análise da interferência do direito adquirido no âmbito do direito administrativo, de que forma este instituto será aplicado nas relações públicas e como poderemos demonstrar, evolutivamente, a abrangência deste direito fundamental no caso concreto dentro da Administração Pública.
As teorias jurídicas modernas sempre procuraram realçar a crise conflituosa entre os princípios da legalidade e da estabilidade das relações jurídicas. Se, de um lado, não se pode relegar o postulado de observância dos atos e condutas aos parâmetros estabelecidos na lei, de outro é preciso evitar que situações jurídicas permaneçam por todo o tempo em nível de instabilidade, o que, evidentemente, provoca incerteza e receios entre os indivíduos.
É precisamente para atender tais situações de instabilidades provocadas pela edição de leis supervenientes que surgiu a noção de direito adquirido. Ou seja, a função deste instituto não é a de impedir a retroatividade da lei, mas a de assegurar a sobrevivência da lei antiga para reger estas situações. O que a teoria do direito adquirido veio a cumprir, como instrumento de proteção contra a incidência da lei nova, foi precisamente a garantia da incolumidade, perante os posteriores regramentos, a direitos que, nascidos em dada época e cuja fruição se protrairá, ingressarão eventualmente no tempo de novas leis.
Em suma, conforme o Mestre Celso Antônio Bandeira de Mello, “o direito adquirido é uma blindagem. É o encasulamento de um direito que segue e seguirá sempre involucrado pela lei do tempo de sua constituição, de tal sorte que estará, a qualquer época, protegido por aquela mesma lei e, por isso, infenso a novas disposições legais que poderiam afetá-lo.”
Resta claro, portanto, admitir que o direito adquirido juntamente com os demais institutos (irretroatividade da lei, coisa julgada, prescrição, decadência, preclusão e ato jurídico perfeito) são as manifestações explícitas e concretas do princípio da segurança jurídica.
Assim, observando o que tutela o direito adquirido, cabe à Administração adotar algumas soluções para mitigar os efeitos das mudanças provocadas através de atos normativos novos ou mesmo quando da edição de leis supervenientes. E são estas soluções que pretendemos discutir conclusivamente, nos diversos casos concretos que serão apresentados neste trabalho. Senão vejamos alguns.
Podemos citar as seguintes teorias que tratam do assunto ora estudado, como: ciclos de formação defendidos pelo Ministro Celso de Mello quando do julgamento do RE 322.348-AgR/SC, e a proporcionalidade do direito adquirido defendida pelo ilustre professor Celso Antônio Bandeira de Mello na sua obra Curso de Direito Administrativo. Nesse sentido em várias oportunidades poderemos averiguar de que forma a Administração deve atuar quanto ao direito adquirido no âmbito das suas relações jurídicas.
Vale colacionar o que leciona Carlyle Popp (in Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 29, n. 113, p. 88, jan./mar. 1992) a respeito da necessidade de observância por parte da Administração Pública: “o respeito ao direito adquirido, com a conseqüente proibição da retroatividade da norma legal, é um verdadeiro instrumento de paz social, impeditivo do arbítrio e do abuso de poder por parte do detentor deste.” Destarte, cabe ao Poder Público buscar esse respeito nas diversas ocasiões jurídicas existentes entre o público e o privado.
Nesse sentido, Reinaldo Porchat, Da Retroatividade das Leis Civis, São Paulo, Duprat, 1909, invocou, no início deste século, SAVIGNY, para conceituar a entidade em exame, versando:
“Direito adquirido são conseqüências de fatos jurídicos passados, mas conseqüências ainda não realizadas, que ainda não se tornaram de todo efetivas. Direito adquirido é, pois, todo direito fundado sobre um fato jurídico que já sucedeu, mas que ainda não foi feito valer...”
Visando complementar esse conceito acima trazido, iremos nos valer de GABBA quando este fala que:
“É direito adquirido todo direito a) que é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo em virtude da lei do tempo em que esse fato foi realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tivesse apresentado antes da existência de uma nova lei sobre o mesmo objeto; e b) que, nos termos da lei sob o império da qual se deu o fato de que se originou, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.”
Já o legislador brasileiro, com base nos doutrinadores mais modernos, traduziu a nova sistemática do direito adquirido, por meio do art. 6º, §2º, da Lei de Introdução ao Código Civil, da seguinte forma: “Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo de exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem.”
O esforço intenso em assentar um conceito uniforme sobre o direito adquirido pelos operadores do direito se justifica pelo fato de que necessitamos indicar ou criar novos critérios que melhor correspondam às necessidades práticas expostas, principalmente, dentro da Administração Pública.
O assunto traz uma preocupação e nos revela que o exame do conceito de direito adquirido, através dos tempos, não pode ser feito sem se enfocar o seu relacionamento com o da teoria da irretroatividade da lei, porque essa entidade jurídica e aquela visam a solucionar os problemas enfrentados pela força que deve ter a eficácia da norma positiva, não só na projeção de sua essência, como no aspecto temporal.
Os problemas, na atualidade, vividos pelo Estado, especialmente a sua luta para ter diminuído o seu tamanho, estão induzindo os governantes a proporem modificações em vários setores do serviço público, com destaque, nas relações que mantêm com os particulares.
Esses fatos estão exigindo, pela insegurança que criam para os administrados, a necessidade de atualização do conceito de direito adquirido quando em confronto com novas disposições postas na Nova Carta ou mesmo no ordenamento jurídico como um todo.
Impõe-se ao Estado e as suas relações jurídicas a obrigação de dar uma maior conotação à segurança jurídica e não se permitir que, por causa de fenômenos oriundos de má gestão administrativa pública, seja imposta diminuição dos efeitos gerados por direitos que, através dos anos, se incorporaram ao patrimônio dos particulares ou brevemente o farão, com base em legislação legítima, eficaz e efetiva.
O direito na Era Contemporânea, de categoria fundamental ou não, está exigindo que sobre ele recaia uma visão com abrangência total dos fenômenos que o cercam.
Não se pode afastar, como fator influente para a sua interpenetração, o fato de que a sociedade contemporânea se encontra, de modo acelerado, cercada por uma intensidade de acontecimentos com reflexos econômicos, políticos, sociais e jurídicos que produzem efeitos concretos de larga repercussão nas relações jurídicas.
Impõe-se, em consequência, que a necessidade de segurança jurídica nas relações do particular com o Poder Público há de ser cada vez mais fortalecida para manutenção da paz social.
Desse modo, o conceito de direito adquirido nas relações jurídicas do administrado com o Estado tem necessidade de evoluir para não apenas proteger a ação do Estado contra o cidadão, mas para também mediante esse novo parâmetro trazer mais certeza e estabilidade ao Estado.
Nesse sentido, cumpre dizer que, sob o paradigma do Estado Democrático de Direito, a matriz positiva invoca não apenas a observância estrita da garantia no sentido de não olvidá-la, mas também a normatividade que, vocacionadamente, busque a segurança justa, a sociedade de equilíbrio, sem os sobressaltos do direito cambiante e incerto, porém determinantemente construtivo de um status permanente de segurança partilhada, o que tem de ver com a igualdade na segurança por meio de padrões de reciprocidade e de ampliação da responsabilidade coletiva.
Por fim, há de se atentar no fato de que o determinismo do passado não pode mais prevalecer, e isso traz novos elementos para a avaliação da segurança jurídica que se desafia na abertura para o presente e para o futuro, especialmente para que se preserve a sintonia entre os planos de abstração e concreticidade.
Referências Bibliográficas
CARVALHO FILHO, José Santos. Manual de Direito Administrativo. 21. ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.
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GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 35. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2009.
POPP, Carlyle. in Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 29, n. 113, p. 88, jan./mar. 1992.
PORCHAT, Reinaldo. Da Retroatividade das Leis Civil. São Paulo, Duprat, 1909.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 322.348-AgR/SC, julgado em 13 de novembro de 2002. Ministro Celso de Mello (relator), Disponível em http://www.stf.gov.br> e DJE: 12.11.2002.
Bacharel em Direito pela Universidade de Fortaleza - UNIFOR, Pós-Graduado em Direito Público na Universidade de Brasília - UnB. Foi Coordenador Jurídico da União dos Vereadores do Estado do Ceará - UVC. Atualmente é Procurador Federal da AGU, ocupou o cargo de Coordenador-Geral da CGF - Coordenação-Geral de Assistência Jurídica à Regularização Fundiária na Amazônia Legal da Procuradoria Federal Especializada do INCRA. E hoje ocupa o cargo comissionado de Procurador-Chefe Substituto da Procuradoria Federal da Agência Espacial Brasileira - AEB.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PORTELA, Bruno Monteiro. Considerações sobre o Direito Adquirido no âmbito do Direito Administrativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 abr 2012, 08:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28579/consideracoes-sobre-o-direito-adquirido-no-ambito-do-direito-administrativo. Acesso em: 22 nov 2024.
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