RESUMO: O presente artigo se destina a estudar a existente relação entre o Direito Constitucional, o Meio Ambiente e alguns dos mecanismos existentes para a proteção ambiental no Brasil, através da análise dos diversos artigos da Constituição Federal de 1988. O meio ambiente equilibrado é um direito fundamental de todos, e incumbe ao Poder Público e à coletividade a sua defesa. A utilização de impostos extrafiscais é um importante artifício para desestimular condutas degradantes ao meio ambiente, buscando-se atingir o desenvolvimento sustentável. A metodologia utilizada para o desenvolvimento do presente ensaio baseou-se em pesquisa bibliográfica sobre o tema, teses, periódicos, congressos, além do indispensável material fornecido durante todo o curso de especialização.
Palavras-chave: Direitos Fundamentais, Meio Ambiente, Impostos Extrafiscais, Desenvolvimento Sustentável.
ABSTRACT: This article is intended to study the existing relationship between the Constitutional Law, Environment and some of the existing mechanisms for environmental protection in Brazil, through the analysis of several articles of the Constitution of 1988. The balanced environment is a fundamental right of everyone, and it is for the Government and the community to his defense. The use of tax is an important extrafiscal mechanism to discourage conduct degrading to the environment, seeking to achieve sustainable development. The methodology used for the development of this test was based on literature on the subject, theses, journals, conferences, besides the essential material provided throughout the course of specialization.
Keywords: Fundamental Rights, Environment, Taxes Extrafiscal, Sustainable Development.
INTRODUÇÃO
O tema proposto é de extrema relevância atualmente, pois a Constituição Federal de 1988 elencou diversos instrumentos para a proteção do meio ambiente no país. A atual constituição foi a primeira a tratar de forma específica da questão ambiental, com a ressalva da Constituição de 1946, que protegia o direito à saúde, bem como, estabelecia a competência da União para legislar sobre água, florestas, caça e pesca.
Em 1972, a Declaração de Estocolmo fixou 26 importantes princípios em defesa do meio ambiente, que, conforme SILVA (2003, p.59-60), influíram na elaboração do capítulo do meio ambiente da atual Constituição brasileira, em especial seu primeiro princípio, que estabelece que:
O Homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida adequada em um meio cuja qualidade lhe permite levar uma vida digna e gozar de bem-estar e tem a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presentes e futuras. A este respeito as políticas que promovam ou perpetuem o apartheid, a segregação racial, a discriminação, a opressão colonial e outras formas de opressão e de dominação estrangeira continuam condenadas e devem ser eliminadas.
O primeiro capítulo trará breves linhas sobre os direitos fundamentais, analisando o Título II da Constituição Federal e algumas caracterísicas dos direitos e garantias fundamentais, bem como, sua importante relação com o princípio da dignidade da pessoa humana. O segundo capítulo compreenderá a conceituação de meio ambiente, através da análise da legislação e doutrina, além do estudo dos “tipos” de meio ambiente.
O terceiro capítulo abordará o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e a necessidade da preservação ambiental, além de demonstrar algumas formas de degradação do meio ambiente. O quarto capítulo analisará a relação existente entre o artigo 225 da Constituição Federal e os princípios da precaução e do meio ambiente ecologicamente equilibrado, com a finalidade de se atingir o desenvolvimento sustentável.
Por fim, o quinto capítulo fará uma breve exposição de quais impostos são empregados no país com finalidade de preservação ambiental, além de apresentar alguns exemplos bem sucedidos de utilização da extrafiscalidade.
PROBLEMA DE PESQUISA
O presente estudo analisará a necessidade da proteção ambiental para a efetiva realização do desenvolvimento sustentável.
Questionar-se-á o papel do Poder Público na defesa do meio ambiente, e quais mecanismos podem ser utilizados para assegurar a proteção ambiental, além de verificar como a relação entre os Direitos Humanos e a manutenção das condições ambientais poderá melhorar a qualidade de vida das pessoas.
Analisar-se-á também, a correlação entre os princípios ambientais mais relevantes e os artigos da Constituição Federal de 1988.
OBJETIVO
Compreender a relação entre os direitos fundamentais e a proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado é o que se busca com o presente ensaio.
Analisar os impostos vigentes aplicáveis na defesa do meio ambiente para a efetivação do desenvolvimento sustentável.
Refletir sobre os princípios ambientais presentes na Carta Magna, especialmente sobre os Princípios da Precaução e do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado.
METODOLOGIA
Foram utilizadas as importantes lições das aulas de Especialização em Direito Constitucional dessa Instituição, bem como, os conhecimentos obtidos junto às etapas já vencidas do Curso de Especialização em Gestão Ambiental pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Podemos dizer que a natureza da pesquisa é qualitativa, pois buscamos estudar e compreender como a aplicação do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pode contribuir para a preservação ambiental.
A metodologia utilizada na pesquisa será exploratória, apoiando-se em levantamento bilbiográfico, de legislação, de teses e de artigos científicos sobre o importante tema abordado.
REFERENCIAL TEÓRICO
Inicialmente cumpre ressaltar que a proteção do meio ambiente encontra respaldo além da Carta de 1988, em leis infraconstitucionais, em legislação alienígena, e em vasta jurisprudência e em importantes doutrinas sobre o tema.
Entretanto, as nossas Constituições anteriores nunca se preocuparam efetivamente com a proteção do meio ambiente, tal qual a Constituição de 1988, conforme nos ensina Alexandre de Moraes ao relembrar as brilhantes lições de Édis Milaré:
Marco histórico de inegável valor, dado que as Constituições que precederam a de 1988 jamais se preocuparam da proteção do meio ambiente de forma específica e global. Nelas sequer uma vez foi empregada a expressão ‘meio ambiente’, a revelar total despreocupação com o próprio espaço em que vivemos. (MORAES, 2002, p. 678)
Com a inscrição do art.225 na Constituição Federal de 1988, o meio ambiente passou a ser um bem jurídico efetivamente tutelado no plano constitucional. Visto que todas as normas jurídicas de proteção ao meio ambiente, anteriores à Carta Magna atual, amparavam-se no direito à saúde para encontrar fundamento constitucional de validade ‘ no entendimento que somente em um meio equilibrado poder-se-ia alcançar o bem jurídico saúde’. (SOUZA, 2009).
No tocante à proteção constitucional do meio ambiente, vejamos que a Constituição Federal de 1988 reservou um capítulo específico sobre o tema, sendo que o art. 225 possui seis parágrafos, vejamos:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
§ 2º - Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.
§ 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.
§ 4º - A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-Grossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.
§ 5º - São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
§ 6º - As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.[1]
Relevante lição doutrinária é trazida sobre o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado, senão vejamos:
Ressalte-se que a sadia qualidade de vida não está explicitamente inserida no art.5º da CF, no entanto, trata-se de um direito fundamental a ser alcançado pelo Poder Público e pela coletividade. Cuida-se de um direito ou interesse difuso, que deve ser protegido para que “todos” possam usufruí-lo. Assim, os recursos naturais devem ser racionalmente utilizados para a subsistência do homem, em primeiro lugar, e das demais espécies, em segundo. (SIRVINSKAS, 2003, p. 43).
Segue ainda o autor afirmando sobre a responsabilidade de preservação do meio ambiente:
A responsabilidade pela preservação do meio ambiente não é somente do Poder Público, mas também da coletividade. Todo cidadão tem o dever de preservar os recursos naturais por meio dos instrumentos colocados a sua disposição pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional. (SIRVINSKAS, 2003, p.43).
O direito à manutenção do meio ambiente equilibrado enquadra-se nos chamados direitos fundamentais de terceira dimensão, ou seja:
O surgimento de direitos ligados à fraternidade (ou solidariedade) teve como causa a constatação da necessidade de atenuar as diferenças entre as nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, por meio da colaboração de países ricos com os países pobres. (NOVELINO, 2010, p. 356)
Observemos a lição do professor Marcelo Novelino (2010, p. 356) ao citar BONAVIDES:
Dentre os direitos integrantes desta dimensão, Paulo Bonavides destaca os relacionados ao desenvolvimento (ou progresso), ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.
Conforme salienta LENZA (2011, p. 1087): “o preservacionismo ambiental caracteriza-se como direito humano de terceira dimensão, estando o ser humano inserido na coletividade e, assim, titular de direitos de solidariedade”.
O autor faz ainda uma inter-relação entre o direito ao meio ambiente equilibrado e o direito ao desenvolvimento, concluindo que este último deve observar a questão ambiental. Relembra também que o art. 170, caput, e VI, estabelece a ordem econômica, que é fundada na valorização do trabalho humano e na livre-iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros princípios, o da defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado de acordo com o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. (LENZA, 2011).
No tocante ao desenvolvimento econômico, vejamos o que diz SCHWANKA: “o desenvolvimento sustentável econômico-social deve ser o interesse comum a ser perseguido pelo Poder Público e pela coletividade na busca da preservação e da melhoria ambiental.” [2]
Por fim, após visitarmos algumas idéias dos autores acima, trago à reflexão um trecho do brilhante pensamento de Cleucio Nunes sobre a importância da preservação do meio ambiente como direito fundamental:
O sentido da vida – ou a razão de se viver – não é apenas desfrutar do que hoje existe, mas semear a nova vida. Por isso não é justo, nem ético, nem moral destruírem-se as bases materiais de existência das gerações venturas, que a geração de hoje encarregou-se de constituir. (...) Portanto, a Constituição Federal, no artigo 225, nada mais fez do que impor a aplicação de determinadas restrições à exploração do meio ambiente para obter, no futuro, o efeito que ora se deseja: a continuidade da vida em bases ideais de existência, ao menos como hoje é encontrada. (NUNES, 2005, p.42).
I. BREVES NOÇÕES DE DIREITOS FUNDAMENTAIS
Cumpre ressaltar no presente artigo que a Constituição Federal de 1988 destinou capítulo especial ao estudo dos Direitos Fundamentais em nosso país, ou seja, o Título II denominado “Dos direitos e garantias fundamentais”. Além de que, a Carta Constitucional mencionou a expressão “direitos humanos” em diversas partes de seu texto, referindo-se aos tratados e convenções internacionais. Vejamos a seguir parte do texto constitucional:
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
(...)
II - prevalência dos direitos humanos.
Art. 5º (...)
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
V-A as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo; (...)
Tais direitos não foram esquecidos nem no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, que trouxe um importante comando em seu artigo 7º, no qual: “o Brasil propugnará pela formação de um tribunal internacional dos direitos humanos” [3].
Dessa forma, os direitos fundamentais constituem-se nos direitos positivados no plano ou na ordem jurídica constitucional, já os direitos humanos são aqueles positivados e reconhecidos pela ordem jurídica internacional.
Os direitos fundamentais outrora não tinham reconhecidos seu aspecto vinculante e obrigatório, possuindo apenas valor moral e sendo aceitos como “simples promessas” ou “meras declarações solenes”. (NOVELINO, 2009).
Dessa perspectiva, com o transcurso do tempo e a evolução normativa os direitos fundamentais passaram a ser adotados. Nesse sentido afirma o professor Marcelo Novelino:
Após a fase inicial de carência normativa, a obrigatoriedade e vinculação dos direitos acabaram reconhecidas, sendo atualmente considerados normas positivas constitucionais. Operou-se o deslocamento da doutrina dos “direitos fundamentais dentro da reserva da lei” para a doutrina da “reserva da lei dentro dos direitos fundamentais”. (2009, p. 352-53)
Segue o autor, com esteio em CANOTILHO (2000), afiançando que: “hoje, além do reconhecimento como direito atual, isto é, com “força normativa independente do ato de transformação legislativa”, a Constituição brasileira de 1988 estabelece que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. (CF, art. 5º, §1º)”.
Sobre a natureza jurídica das normas que disciplinam os direitos e garantias fundamentais, o professor Alexandre de Morais (2002) também se posiciona pela aplicabilidade e eficácia imediatas das normas que refletem os direitos fundamentais democráticos e individuais.
Algumas características dos direitos fundamentais recordadas por NOVELINO (2009) merecem ser apontadas, tais como: a universalidade, a imprescritibilidade, a inalienabilidade, a irrenunciabilidade, a relatividade ou limitabilidade e a historicidade.
No tocante à universalidade, importante lição é colacionada:
A vinculação ao valor liberdade e, sobretudo, à dignidade humana conduz à sua universalidade. A existência de um núcleo mínimo de proteção à dignidade da pessoa humana deve estar presente em qualquer sociedade, ainda que os aspectos culturais devam ser respeitados. (NOVELINO, 2009, p.353).
Os direitos fundamentais não podem ser atingidos pela prescrição, o que decorre de sua imprescritibilidade. Além de que tais direitos não possuem caráter patrimonial, haja vista que não podem ser negociados ou transferidos por serem inalienáveis. A irrenunciabilidade dos direitos fundamentais consiste na não adbicação do núcleo substancial desses direitos.
É importante ressaltar, conforme Canotilho (2000) apud Novelino (2009, p. 354) que: “o não exercício ou o uso negativo de um direito (não participar de uma manifestação, não se filiar a um partido político, não interpor um recurso...) não significa uma renúncia por parte de seu titular”.
O princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas, segundo nos ensina MORAES (2002), consiste no fato dos direitos e garantias fundamentais não serem ilimitados, haja vista que, deparam-se com outros limites estabelecidos pela Constituição Federal para os demais direitos.
Nesse sentido afirma Novelino (2009, p.354): “por encontrarem limitações em outros direitos constitucionalmente consagrados, os direitos fundamentais não podem ser considerados absolutos, tendo em vista a necessidade de convivência das liberdades públicas (relatividade ou limitabilidade)”.
Devido ao momento histórico os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem o que decorre da historicidade. José Afonso da Silva (1997) apud Novelino (2009, p.354) ressalta que: “a possibilidade de alteração de seu sentido e conteúdo com o passar do tempo afasta a fundamentação jusnaturalista.”
No tocante à classificação dos direitos fundamentais em gerações ou dimensões, observa-se que a Revolução Francesa do século XVIII, que proclamou os princípios universais de “liberdade, igualdade e fraternidade”, foi um ponto primordial de influência para tal categorização. Atualmente, há autores que vislumbram a existência de até cinco dimensões de direitos fundamentais, sendo que há consenso doutrinário na classificação de duas primeiras dimensões.
Podemos destacar o posicionamento do Ministro Celso de Mello demonstrado por MORAES (2002, p.59):
Enquanto os direitos de primeira geração (direitos civis e políticos)- que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou formais – realçam o princípio da liberdade e os direitos de segunda geração (direitos econômicos, sociais e culturais) – que se identificam com as liberdades positivas, reais ou concretas – acentuam o princípio da igualdade, os direitos de terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva atribuídos genericamente a todas as formações sociais, consagram o princípio da solidariedade e constituem um momento importante no processo de desenvolvimento, expansão e reconhecimento dos direitos humanos, caracterizados enquanto valores fundamentais indisponíveis, pena nota essencial inexauribilidade.
Dessa forma, podemos classificar como direitos fundamentais de primeira dimensão aqueles direitos relacionados à liberdade, ou seja, os direitos e garantias individuais e políticos, cujos titulares são os indivíduos, possuindo um caráter negativo (dever de abstenção), sendo que são opostos principalmente ao Estado.
Os direitos fundamentais de segunda dimensão são aqueles de titularidade coletiva e que possuem um caráter positivo. Tais direitos relacionam-se com o princípio da igualdade, representados pelos direitos sociais, econômicos e culturais.
Já os direitos fundamentais de terceira dimensão estão ligados aos direitos de solidariedade ou fraternidade, e conforme destaca Paulo Bonavides apud Novelino (2009, p.356), são os direitos “relacionados ao desenvolvimento (ou progresso), ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.” O direito ao meio ambiente equilibrado também é classificado por Alexandre de Moraes (2002) com apoio em decisão do Supremo Tribunal Federal como de terceira geração.
Os direitos fundamentais de terceira dimensão são caracterizados como direitos transindividuais, cuja titularidade é de pessoas indeterminadas. Vejamos o que dispõe a Lei nº. 8.078 de 11 de setembro de 1990 em seu artigo 81, parágrafo único, incisos I e II:
I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;
II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;
Em relação aos direitos fundamentais de quarta dimensão, o professor Marcelo Novelino (2009, p.356) acredita que tal dimensão possa ser associada à pluralidade. “São direitos como a democracia, a informação e o pluralismo, os quais foram introduzidos no âmbito jurídico em razão da globalização política. É Interessante destacar ainda, que Paulo Bonavides (1996) apud Novelino (2009) acredita que o direito à paz seja classificado atualmente como de quinta dimensão.
ROTHENBURG (2009, p. 16) formula uma crítica à classificação histórica dos direitos fundamentais, acima exposta, tendo em vista a igualdade formal (direito individual de primeira dimensão) e a igualdade material (direito social de segunda dimensão), vejamos:
Pode-se sacar aqui a crítica feita à classificação histórica dos direitos fundamentais em “gerações”: ela sugere uma substituição, quando o que ocorre é antes um processo contínuo de agregação. As diversas óticas (liberal e social, individual e coletiva, defensiva e prestacional) prestam-se a enfocar qualquer direito fundamental. Ao tratar dos direitos sociais, José Adércio Leite Sampaio resume a ópera: “a inexistência de condições materiais mínimas conduz à impossibilidade de efetivação das liberdades clássicas, sendo mais certo falar de uma ‘complementaridade tensa’ do que em contradição necessária... Aparecem, assim, os direitos sociais como uma síntese entre liberdade e igualdade ou como forma
imprescindível de afirmação de uma ‘liberdade igual’ e de garantia da realização efetiva do princípio democrático”.
Dessa perspectiva, observa o autor que o Poder Público, no caso da igualdade, atua como sujeito passivo, que deve proporcionar os direitos fundamentais a todos, bem como, em relação à liberdade tal Poder tem função de garantidor em face de violações, ou mesmo no tocante aos direitos sociais o Poder Público deve agir “negativamente”, ou seja, defendendo tais direitos.
Assim, Walter Claudius Rothenburg (2009, p. 17), acredita que:
Preocupações contemporâneas (como as relativas ao ambiente ecologicamente equilibrado) podem ser expressas por meio de normas gerais (art. 225 da CF brasileira: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado (...) “e exigir abstenção (na verdade, simples garantia contra violações de terceiros) por parte do Poder Público, aproximando-se da igualdade formal – típica formulação “liberal”, de “1.ª geração”. Enquanto preocupações antigas (como o direito de representação política) podem ser expressas por meio de tratamentos jurídicos diferenciados (por exemplo: reserva de vagas a deficientes ou índios nas listas eleitorais) e reclamar uma atuação mais incisiva do Poder Público, aproximando-se da igualdade material — típica formulação “social”, de “2.ª geração”.
Os titulares dos direitos fundamentais, sujeitos ativos, podem reclamar os direitos “liberais” ou “sociais” tanto individual ou coletivamente. Dessa forma, “os direitos trabalhistas, típicos direitos 'sociais', bem como o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado, podem ser reivindicados individualmente, ao passo que direitos como o de associação e de convicção religiosa, típicos direitos 'liberais', podem ser reivindicados coletivamente.” (ROTHENBURG, 2009, p. 17).
A Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo1º, inciso III, que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado brasileiro. Nesse sentido, conforme NOVELINO (2009, p.370): “a dignidade é o fundamento, a origem e o ponto comum entre os direitos fundamentais, os quais são imprescindíveis para uma vida digna.” Segue o autor afirmando que: “no entanto, nem todos derivam da dignidade humana com a mesma intensidade: enquanto a vida, a liberdade e a igualdade decorrem de forma direta (derivação de 1º grau), outros são apenas derivações indiretas (derivação de 2º grau)”.
O princípio da dignidade humana é protegido pelo artigo 1º da Declaração Universal de Direitos Humanos que foi proclamada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948 e assinada pelo Brasil nessa mesma data. Ou seja:
“Artigo 1º- Todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade.”[4]
Flávia Piovesan com espeque na lição de Ingo Sarlet apresenta o conceito de dignidade humana:
Tem-se por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos. (PIOVESAN, 2002, p. 20).
Dessa forma, é imprescindível o reconhecimento e respeito aos direitos fundamentais em qualquer sociedade, além do que, com a preservação de tais direitos, será também respeitada a dignidade da pessoa humana, que é a base vital de qualquer cidadão.
II. CONCEITO DE MEIO AMBIENTE
Em relação à palavra “meio ambiente”, há autores que apontam certa redundância no uso da terminologia, haja vista que o significado da palavra “ambiente” (lugar, recinto, âmbito que nos cerca) já englobaria a palavra “meio”. O professor José Afonso da Silva reconhece que no Brasil ocorre tal prática linguística, entretanto:
A necessidade de reforçar o sentido significante de determinados termos, em expressões compostas, é uma prática que deriva do fato de o termo reforçado ter sofrido enfraquecimento no sentido a destacar, ou, então, porque sua expressividade é mais ampla ou mais difusa, de sorte a não satisfazer mais, psicologicamente, a idéia que a linguagem quer expressar. Esse fenômeno influencia o legislador, que sente a imperiosa necessidade de dar aos textos legislativos a maior precisão significativa possível; daí por que a legislação brasileira, incluindo normas constitucionais, também vem empregando a expressão ‘meio ambiente’, em vez de ‘ambiente’ apenas.
Após essa elucidação terminológica, vejamos como conceitua “meio ambiente” o mestre SILVA (2003, p.20):
O meio ambiente é, assim, a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas. A integração busca assumir uma concepção unitária do ambiente, compreensiva dos recuros naturais e culturais.
Nas décadas de setenta e oitenta ocorreram mudanças paradigmáticas na tutela do meio ambiente, e, principalmente, na década de oitenta, houve uma mudança significativa na percepção sobre o que é meio ambiente. Isso se deu ao fato da criação da Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981[5], a qual instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente.
O conceito de meio ambiente como objeto específico de proteção encontra-se elencado no inciso I do artigo 3º da referida lei, vejamos: “meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”
Urge mencionar a opinião de Sirvinskas (2003, p. 28) sobre a conceituação do artigo supracitado: “Registre-se que o conceito legal de meio ambiente não é adequado, pois não abrange de maneira ampla todos os bens jurídicos protegidos. É um conceito restrito ao meio ambiente natural.”
Nesse sentido, vejamos o que pensam Antônio Cesar L. Carvalho e José Lima Santana:
(...) apesar de a promulgação da Carta Magna ter ocorrido em 88, ou seja, sete (7) anos após a edição da Lei 6.938/81, onde restou conceituada a expressão “meio ambiente”, o legislador constituinte apesar das incontáveis inovações carreadas para o bojo da CF em termos de matéria de caráter ambiental, optou por recepcionar a conceituação pioneira inserta na norma infraconstitucional. (CARVALHO e SANTANA, 2010, p. 180).
Dessa forma, há de se demonstrar a divisão mais usada pela doutrina em relação ao meio ambiente:
§ Meio ambiente natural ou físico: refere-se àquele meio ambiente do inciso I do artigo 3º da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (já demonstrado acima); como também ao que dispõe o artigo 225, caput, e §1º, I e VII da Constituição Federal de 1988, constituído pelo “solo, água, ar atmosférico, energia, flora, fauna, qual seja, a correlação entre os seres vivos e o meio em que vivem” (LENZA, 2011, p. 1088).
§ Meio ambiente artificial ou humano: constitui naquele elencado nos artigos 225, caput¸ 5º XXIII e 182 da Constituição Federal de 1988, consistindo no espaço urbano construído, edificações (espaço urbano fechado) e também equipamentos públicos, tais como, as ruas, espaços livres, parques, praças (espaço urbano aberto). (LENZA, 2011).
§ Meio ambiente do trabalho: é aquele elencado nos artigos 196 e s. e 7º da Constituição Federal de 1988, caracterizando-se pelo local onde o trabalhador exerce sua atividade; além do que prevê a Carta Magna em seu artigo 200, VIII, ao qual compete ao Sistema Único de Saúde, colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. (LENZA, 2011).
§ Meio ambiente cultural: consiste no meio catalogado pelos artigos 225, caput, 215 e 216 da Constituição Federal de 1988, refletindo a história e a cultura de um povo, as suas raízes e identidade, sendo integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico e turístico. (LENZA, 2011).
Em relação ao meio ambiente cultural, importante lição é trazida por Silva (2003, p.22): “Quer dizer, por aí, que o meio ecológico, natural, se transforma em meio ambiente, cultural, como vida humana objetivada, na medida em que se lhe reconhece um valor que, assim, lhe dá configuração de um bem de fruição humana coletiva”.
Nesse sentido, continua o autor com esteio em Martín Rock:
A concepção cultural dos bens ambientais tem a importância de refletir seu sentido humano, seu valor coletivo e a visão unitária do meio ambiente em todos os seus aspectos, mas pode trazer o risco de perdermos o sentido da Natureza como natura, o risco de cairmos num ambientalismo abstrato, formal, que só entende preservável a realidade conhecida, deslembrando da matéria puramente de natureza ecológica, a Natureza, digamos bruta, ainda sem referência valorativa, salvo por mero pensamento abstrato. Não nos olvidemos de que a Natureza, com suas leis estáveis, há de ser sempre um ponto de referência – lembra Martín Rock, que acrescenta que a Natureza constitui um valor só por si. (SILVA, 2003, p. 23).
Completa também, Cleucio Santos Nunes (2005, p. 16) que: “meio ambiente seria sempre meio ambiente cultural, pois que produto da ação humana. Mesmo o meio ambiente tido por natural é cultural na medida em que serve ao homem.”
Entretanto, segue o autor esclarecendo que ao se falar em meio ambiente, essa expressão engloba todas as suas acepções, contudo, ao “meio ambiente natural” é que se outorga maior relevância, haja vista que as condutas humanas degradadoras ferem principalmente tal meio, do qual o homem depende para viver. (NUNES, 2005).
É importante ressaltar o posicionamento de SOUZA (2009, p. 77), em relação aos “tipos” de meio ambiente: “A conjugação desses ‘meios’ é que forma nosso objeto de atenção: o meio ambiente, exigindo a todo e a cada um dos seus elementos (material, artificial, cultural e laboral) especial atenção do Estado e de toda população.”
No ano de 1972 ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, celebrada em Estocolmo, que definiu o meio ambiente da seguinte forma: "meio ambiente é o conjunto de componentes físicos, químicos, biológicos e sociais capazes de causar efeitos diretos ou indiretos, em um prazo curto ou longo, sobre os seres vivos e as atividades humanas."[6]
Em 1998, posteriormente à Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, com a promulgação da Constituição Federal, foi reservado um capítulo próprio para a proteção ambiental, ou seja, o Capítulo VI, intitulado “DO MEIO AMBIENTE”.
O preceito do artigo 225 da Carta Magna consagra o meio ambiente com um direito fundamental, essencial para a sadia qualidade de vida: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”[7]
Imprescindível trazer à baila as lições de Sirvinskas (2003), à medida que demonstra a correlação existente na Carta Magna entre os artigos 5º e 225, no tocante à proteção do direito à vida como princípio fundamental, além da proteção da integridade física, saúde e qualidade de vida que nos garante um meio ambiente equilibrado.
Desta feita, indaga o autor: “O que é meio ambiente ecologicamente equilibrado de uso comum do povo, mas essencial à vida humana? É aquele assegurado pelo respeito à dignidade humana. Esse princípio está arrolado expressamente no art.1º, III, da CF.” (SIRVINSKAS, 2003, p. 31).
Relevante aspecto que influencia o meio ambiente é o desenvolvimento econômico, que, tem sido utilizado pela cultura ocidental como um meio de se obter lucro através do dinheiro, com a aplicação de novas tecnologias a fim de substituir o que nos é fornecido pela natureza, entretanto há um equívoco em se pensar que a melhor ou pior qualidade de vida relaciona-se com a quantidade de dinheiro auferido. (SILVA, 2003).
Dessa perspectiva, depreende-se a irretocável lição do professor José Afonso da Silva (2003, p.25):
Os diversos modelos de desenvolvimento que foram aplicados no Brasil, acompanhados de declarações de autoridades governamentais de que os países pobres não devem investir em proteção ambiental (“Nós temos ainda muito o que poluir...”), foram responsáveis por uma série infinita de alterações introduzidas na Natureza, algumas delas praticamente irreversíveis, uma vez que implicaram o desaparecimento de espécies animais e vegetais não raro únicas em todo o mundo. Modelos de desenvolvimento importados de países com características físicas e humanas diferentes das do Brasil, aqui aplicados sem levar em consideração as diferenças físicas, biológicas e sócio-culturais.
Segue o autor justificando o porquê da existência de tantas diferenças entre as populações mais e menos favorecidas, haja vista a importação do modelo de desenvolvimento acima explanado, o que acarretou em profundos desequilíbrios sociais. Aludindo, com espeque em HANSSEN que:
As diferenças se devem, em parte, a modelos de desenvolvimento que privilegiam determinadas formas de produção em detrimento de outras e que, ainda por cima, visam a eliminar as chamadas diferenças regionais, o que provoca, na realidade, uma intensificação na descaracterização das peculiaridades físicas, econômicas e sócio-culturais das diferentes regiões brasileiras.
A Lei nº. 6.938 de 1981, em seu artigo 4º, inciso I, estabele que: “A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”. Dessa forma, o que se pretende com tal dispositivo é a conciliação do desenvolvimento econômico com o equilíbrio ecológico, o que se caracteriza como desenvolvimento sustentável.
Pode-se buscar o conceito de desenvolvimento sustentável no Princípio cinco da Declaração firmada em 1992 na cidade do Rio de Janeiro (ECO 92) através da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento:
Princípio 5: Para todos os Estados e todos os indivíduos, como requisito indispensável para o desenvolvimento sustentável, irão cooperar na tarefa essencial de erradicar a pobreza, a fim de reduzir as disparidades de padrões de vida e melhor atender às necessidades da maioria da população do mundo.[8]
Em relação à preservação do meio ambiente, nos ensina Pedro Lenza (2011, p.1087) que: “o preservacionismo ambiental caracteriza-se como direito humano de terceira dimensão, estando o ser humano inserido na coletividade e, assim, titular dos direitos de solidariedade”.
Coaduna-se com essas reflexões BONAVIDES (1996) apud NOVELINO (2010, p. 356), quando ressalta que:
O surgimento de direitos ligados à fraternidade (ou solidariedade) teve como causa a constatação da necessidade de atenuar as diferenças entre as nações desenvolvidas e subdesenvolvidas, por meio da colaboração de países ricos com os países pobres. Dentre os direitos integrantes desta dimensão, Paulo Bonavides destaca os relacionados ao desenvolvimento (ou progresso), ao meio ambiente, à autodeterminação dos povos, bem como o direito de propriedade sobre o patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação.
A partir dessas acepções, verificamos que o meio ambiente, conforme artigo 225 da Constituição Federal de 1988 é um bem de todos, indistintamente, e que sua preservação incumbe tanto ao Poder Público como à coletividade, haja vista que o agravo ao meio ambiente prejudicará sobremaneira a manutenção da vida saudável de todos os seres.
III. O DIREITO FUNDAMENTAL À MANUTENÇÃO DO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE EQUILIBRADO
O direito à manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado decorre da previsão expressa do artigo 225, caput da Constituição Federal de 1988, haja vista que este direito fundamental foi também adotado pela Declaração do Meio Ambiente, realizada pela Organização das Nações Unidas na cidade de Estocolmo em 1972.
Nas palavras de MILARÉ (2005) apud CARVALHO e SANTANA (2010, p.180):
A Constituição de 1988 pode muito bem ser denominada “verde”, tal o destaque (em boa hora) que dá à proteção do meio ambiente. Na verdade, o Texto Supremo captou com indisputável oportunidade o que está na alma nacional – a consciência de que é preciso aprender a conviver hamoniosamente com a natureza -, traduzindo em vários dispositivos aquilo que pode ser considerado um dos sistemas mais abrangentes e atuais do mundo sobre tutela do meio ambiente.
A esse respeito, demonstra o mestre José Afonso da Silva (2003, p.59), que: “a proteção e melhora do meio ambiente é uma questão fundamental que afeta o bem-estar dos povos e o desenvolvimento econômico do mundo inteiro; é um desejo urgente dos povos de todo o mundo e um dever de todos os governos”.
Entretanto, assevera o autor que: “para chegar a essa meta será mister que cidadãos e comunidade, empresas e instituições em todos os planos aceitem as responsabilidades que lhes incumbem e que todos eles participem equitativamente do labor comum”. (SILVA, 2003, p.59)
Para que o ser humano desfrute do meio equilibrado, necessária se faz a manutenção da qualidade ambiental, ou seja, a qualidade de vida digna para os seres. Conforme as lições de Luiz Sirvinskas abalizado em Édis Milaré:
Essa qualidade de vida está relacionada com a atividade contínua e ininterrupta das funções essenciais do meio ambiente. Abrange nela o ar, a água, o solo e tudo aquilo que é fundamental para a sobrevivência do homem na Terra. Tais recursos devem ser adequados para as presentes e futuras gerações. A qualidade ambiental também é “empregada para caracterizar as condições do ambiente segundo um conjunto de normas e padrões ambientais preestabelecidos. A qualidade ambiental é utilizada como valor referencial para o processo de controle ambiental.” (SIRVINSKAS, 2003, p.121-122).
Conforme nos ensina o grande mestre José Afonso da Silva (2003, p. 46): “as Constituições Brasileiras anteriores à de 1988 nada traziam especificamente sobre a proteção do meio ambiente natural”. Segue o autor recordando sobre as constituições:
Das mais recentes, desde 1946, apenas se extraía orientação protecionista do preceito sobre a proteção da saúde e sobre a competência da União para legislar sobre água, florestas, caça e pesca, que possibilitavam a elaboração de leis protetoras como o Código Florestal e os Códigos da Saúde Pública, da Água e de Pesca. (SILVA, 2003. p.46).
A Constituição Federal de 1988, “Lei Maior” de nosso país foi a primeira a tratar de forma explícita do assunto ambiental, preocupando-se sobremaneira com a questão do meio ambiente, que, além de dedicar um capítulo específico para tratar do tema (Capítulo VI), elencou o meio ambiente em diversos artigos, vejamos partes do texto constitucional:
Art. 5º, LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência; (grifo nosso)
II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
Art.23- É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
III - proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos;
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (grifo nosso)
VII - preservar as florestas, a fauna e a flora;
Art. 24 - Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição; (grifo nosso)
VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;
VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico; (grifo nosso)
Art. 91. O Conselho de Defesa Nacional é órgão de consulta do Presidente da República nos assuntos relacionados com a soberania nacional e a defesa do Estado democrático, e dele participam como membros natos:
§ 1º - Compete ao Conselho de Defesa Nacional:
III - propor os critérios e condições de utilização de áreas indispensáveis à segurança do território nacional e opinar sobre seu efetivo uso, especialmente na faixa de fronteira e nas relacionadas com a preservação e a exploração dos recursos naturais de qualquer tipo;
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos; (grifo nosso)
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação. (grifo nosso)
Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 3º - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros. (grifo nosso)
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (grifo nosso)
Art. 200. Ao sistema único de saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei:
VIII - colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho. (grifo nosso)
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 3º - Compete à lei federal:
II - estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. (grifo nosso)
Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.
§ 1º - São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.
As regras mencionadas acima, conforme o professor Alexandre de Moraes (2002) podem ser divididas em quatro grupos, quais sejam: regras específicas (CF, Capítulo VI), regra de garantia (CF, art.5º, LXXIII), regras de competência (CF, art.23, III, VI, VII; art. 24, VI, VII, VIII e art. 129, III), e regras gerais (CF, 170, VI; 174, §3º; 186, II; 200, VIII; 216, V e 231, §1º).
Segue demonstrando o autor que tais regras são imprescindíveis à manutenção do meio ecologicamente equilibrado, como bem preceitua a Suprema Corte Nacional: “prerrogativa jurídica de titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder atribuído não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas, num sentido verdadeiramente mais abrangente, à própria coletividade social” (MORAES, 2002, p. 680).
A razão “da tutela jurídica do meio ambiente manifesta-se a partir do momento em que sua degradação passa a ameaçar não só o bem-estar, mas a qualidade da vida humana, se não a própria sobrevivência do ser humano.” (SILVA, 2003, p.28)
Para que possamos proteger o meio ambiente, é necessário que conheçamos os fatores que o afetam negativamente, ou seja, que o degradam, sendo que a poluição é um exemplo disto. A Lei nº 6.938 de 1981 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente nos oferece o conceito de poluição em seu artigo 3º, inciso III e alíneas, vejamos:
Art. 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
(...)
III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
c) afetem desfavoravelmente a biota;
d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;
Nesse sentido, afirma Sirvinskas (2003, p.122), que: “trata-se de um conceito abrangente, incluindo a proteção do homem, do patrimônio público e privado, do entretenimento, da flora e da fauna, do patrimônio cultural, artístico, arqueológico e natural e da qualidade de vida nos centros urbanos”.
Vale ressaltar o que pensa o professor José Afonso da Silva sobre a poluição:
Poluição sempre existiu e sempre existirá, mas para ser considerada como tal, a modificação ambiental deve influir de maneira nociva ou inconveniente, direta ou indiretamente, na vida, na saúde, na segurança e no bem-estar da população, nas atividades sociais e econômicas da comunidade, na biota ou nas condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente. (2003, p.31-32)
A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente em seu artigo 3º inciso IV informa também o conceito de poluidor, ou seja: “IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.”
Para que se efetive a preservação do meio ambiente é preciso nos apoiar nas importantes lições trazidas pelo mestre José Afonso da Silva (2003, p.33):
A crescente intensidade desses desastres ecológicos despertou a consciência ambientalista ou a consciência ecológica por toda parte, até com certo exagero; mas exagero produtivo, porque chamou a atenção das autoridades para o problema da degradação e destruição do meio ambiente, natural e cultural, de forma sufocante. Daí proveio a necessidade da proteção jurídica do meio ambiente, com o combate pela lei de todas as formas de perturbação da qualidade do meio ambiente e do equilibrio ecológico, de onde foi surgindo uma legislação ambiental em todos os países.
Dessa perspectiva, entendemos que seja necessário despertar a consciência de preservação ambiental na coletividade, cabendo ao Poder Público esse mister, além de seu dever constitucional de proteção do meio ambiente. Nesse sentido vejamos a brilhante lição de Daniel Sarmento (2003, p.27):
Os deveres de proteção podem, por outro lado, ser inferidos caso a caso em relação a
inúmeros direitos fundamentais explicitados ao longo do texto magno. Por exemplo, em relação ao direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, previsto no art. 225 do Estatuto Constitucional, a presença do dever de proteção é cristalina e se evidencia pela leitura das diversas tarefas, cometidas ao Estado nos incisos do artigo em questão. Da leitura dos mencionados preceitos, torna-se evidente que cabe o Estado não apenas abster-se de violar esse direito fundamental transindividual, mas sobretudo protegê-lo ativamente, coibindo as condutas ambientalmente lesivas perpetradas por particulares.
Assim, o preceito traduzido no artigo 225 da Carta Magna convoca não somente o poluidor a proteger e/ou reparar o meio que foi degradado, mas também, o Poder Público e toda a coletividade, pois é necessária a manutenção do meio ecologicamente equilibrado no presente, para que se alcance o desenvolvimento sustentável para as presentes e futuras gerações.
Portanto, conforme as palavras de Clecio Santos Nunes (2005, p.42): “a Constituição Federal, no artigo 225, nada mais fez do que impor a aplicação de determinadas restrições à exploração do meio ambiente para obter, no futuro, o efeito que ora se deseja: a continuidade da vida em bases ideais de existência, ao menos como hoje é encontrada.”
IV. O ARTIGO 225 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E O PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO
A Constituição Federal em seu artigo 225, caput, estabelece o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, além de, como anteriormente aludido, incumbe à coletividade e ao Poder Público o dever de proteger o ambiente para as futuras e presentes gerações. Disso decorre a adoção do Princípio da Precaução pela Carta Magna no artigo supramencionado.
O referido princípio encontra-se agasalhado desde 1972, quando da Conferência das Nações Unidas em Estocolmo. Além de verificarmos importante referência à Precaução no princípio quinze da Declaração firmada em 1992 na cidade do Rio de Janeiro (ECO 92) através da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento:
Princípio 15 - Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.
E conforme nos ensina Édis Milaré (1998): “(...) a incerteza científica milita em favor do ambiente, carregando-se ao interessado o ônus de provar que as intervenções pretendidas não trarão conseqüências indesejadas ao meio considerado.”
Dessa forma, deve adotar o Poder Público, uma política de educação ambiental, na qual se invista em conscientização ecológica, além do que, o mesmo Poder deve fazer aplicar os mecanismos protecionistas do meio, quais sejam: o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) a fim de que se efetive o desenvolvimento sustentável.
Sobre o Estudo de Impacto Ambiental vejamos o que diz MILARÉ (1998):
O estudo de impacto ambiental, previsto no art. 225, § 1º, IV, da CF, bem como a preocupação do legislador em “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”, manifestada no mesmo artigo, inciso V, são exemplos típicos deste direcionamento preventivo.
Podemos inferir com FIORILLO (2010, p. 113), que:
A efetiva prevenção do dano deve-se também ao papel exercido pelo Estado na punição correta do poluidor, pois, dessa forma, ela passa a ser um estimulante negativo contra a prática de agressões ao meio ambiente. Não se deve perder de vista ainda que incentivos fiscais conferidos às atividades que atuem em parceria com o meio ambiente, bem como maiores benefícios às que utilizem tecnologias limpas também são instrumentos a serem explorados na efetivação do princípio da precaução.
Obsevamos o dever de proteger o meio ambiente de forma cristalina na Constituição Federal de 1988, como também, a adoção do princípio da precaução pela referida Carta Magna. Assim, o legislador constitucional repartiu essa incumbência entre os entes federados, ou seja, a União, Estados, Distrito Federal e os Municípios, além da responsabilidade já conferida ao Poder Público e coletividade. (CARVALHO e SANTANA, 2010).
Além do princípio da precaução, cogente mencionar que o artigo 225 da Carta Magna reflete também o “Princípio do Meio Ambiente Ecologicamente Equilibrado”, nomenclatura própria de Édis Milaré. Nesse sentido, leciona o autor sobre o referido princípio: “é, sem dúvida, o princípio transcendental de todo o ordenamento jurídico ambiental, ostentando, a nosso ver, o status de verdadeira cláusula pétrea.” (MILARÉ, 1998).
Coaduna-se com essas reflexões o posicionamento de CARVALHO e SANTANA sobre o meio ambiente equilibrado:
O princípio do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado cunhado a partir do art. 225, caput, da CF, por certo possui status de direito fundamental do Homem. O legislador constitucional ao estabelecer que o ambiente ecologicamente equilibrado é essencial à sadia qualidade de vida, consigna indiretamente e através de outras palavras que, para se ter resguardada a dignidade humana e até mesmo, em um momento futuro, a possibilidade ou até mesmo a certeza de subsistência da espécie humana (direito à vida), o homem depende desta condição do meio ambiente.(2010, p.186).
Sobre a necessidade de preservação dos bens ambientais contida na Constituição, nos ensina FIORILLO (2010, p. 115): que “o comando constitucional determina claramente a necessidade de preservar os bens ambientais evidentemente em harmonia com os fundamentos (art.1º da CF) bem como objetivos (art. 3º da CF) explicitados com princípios constitucionais destinados a interpretar o direito ambiental constitucional brasileiro.
Dessa forma, o princípio do meio ambiente ecologicamente equilibrado, é, sem dúvida o mais relevante princípio ambiental da nossa Constituição, e conforme a brilhante lição de Milaré (1998): “o reconhecimento do direito a um meio ambiente sadio configura-se, na verdade, como extensão do direito à vida, quer sob o enfoque da própria existência física e saúde dos seres humanos, quer quanto ao aspecto da dignidade desta existência - a qualidade de vida -, que faz com que valha a pena viver.”
V. OS IMPOSTOS EXTRAFISCAIS NA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE
Insta mencionar previamente alguns conceitos de tributo, função fiscal e extrafiscal neste capítulo. Ruy Barbosa Nogueira ensina que “os tributos (...) são as receitas derivadas que o Estado recolhe do patrimônio dos indivíduos, baseado no seu poder fiscal (poder de tributar, às vezes consorciado com o poder de regular), mas disciplinado por normas de direito público que constituem o direito tributário.” (NOGUEIRA, 1995 apud SABBAG, 2010, p.333).
Há que se mencionar que o tributo é prestação pecuniária instituída em lei, o que denota a ocorrência do princípio da legalidade para a instituição de tributos. Além da obrigação de ser observado o inciso II do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, que estabelece que: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” [9].
Nesse sentido, ressaltamos o posicionamento de SOUZA (2009, p.28):
Nos tributos não se verifica qualquer manifestação volitiva a compor o laço obrigacional, tampouco a ocorrência de ato ilícito que pudesse ensejar a aplicação de multa ou a obrigação de recompor patrimônio, tem-se, sim, expressa disposição legal que determina a conduta exigida pelo Estado, exigência essa que se dá em observância ao princípio da legalidade inscrito no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, que dispõe que somente poderá ocorrer o surgimento de direitos e deveres correlatos com a expressa previsão legal.
Consoante o conceito previsto no artigo 3º do Código Tributário Nacional, temos que: “tributo é prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”[10].
Dessa forma, podemos inferir com as lições de SOUZA (2009, p.29), que tributo é: “(1) toda obrigação que tem por objeto a entrega de dinheiro ao Estado, (2) independente da vontade do particular, (3) por fato que não constitui sanção por ato ilícito, (4) expressamente previsto em lei.”
Necessária também se faz apresentar a classificação dos tributos quanto à função, conforme preleciona Hugo de Brito Machado:
1ª) Função Fiscal, quando seu objetivo principal é a arrecadação de recursos financeiros para o Estado; 2ª) Função Extrafiscal, quando seu objetivo principal é a interferência no domínio econômico, buscando um efeito diverso da simples arrecadação de recursos financeiros; 3ª) Função Parafiscal, quando seu objetivo é a arrecadação de recuros para o custeio de atividades que, em princípio, não integram funções próprias do Estado, mas que este as desenvolve através de entidades específicas. (MACHADO, 1998 apud FILHO, 2006).
Ainda nesta esteira da função dos tributos, NUNES (2005) acredita que os mesmos são exigidos para cumprir duas funções políticas. Ou seja, a primeira, que é mais conservadora serve para custear as despesas estatais (as despesas administrativas); já a segunda caracteriza-se pela intervenção do Estado na economia, a fim promover o desenvolvimento econômico de determinados setores, bem como, adaptar os comportamentos individuais do sujeito passivo, a fim de buscar o desenvolvimento coletivo sustentável.
Em função disso, depreendemos que os tributos ambientais possuem duas finalidades, a fiscal e a extrafiscal. A primeira tem o escopo de arrecadar capital para possíveis investimentos em defesa do meio ambiente, já a segunda, que mais importa para o presente estudo, não tem caráter arrecadatório, tem a função de adequar a conduta humana a fim de se obter o desenvolvimento sustentável.
O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 em seu parágrafo terceiro ao prever que: “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” consagrou o Princípio Ambiental do Poluidor-Pagador.
Conforme as lições de DERANI apud SOUZA (2009, p.109), depreendemos que:
O princípio do poluidor-pagador (Verursacherprinzip) visa à internalização dos custos relativos externos de deterioração ambiental. Tal traria como consequência um maior cuidado em relação ao potencial poluidor da produção, na busca de uma satisfatória qualidade do meio ambiente. Pela aplicação do princípio, impõem-se ao “sujeito econômico” (produtor, consumidor, transportador), que nesta relação pode causar um problema ambiental, arcar com os custos da diminuição ou afastamento do dano.
Dessa forma, com esteio em MILARÉ (2008), entendemos que o princípio do poluidor-pagador traduz a vocação redistributiva do Direito Ambiental, à medida que faz com que o poluidor arque com os custos da poluição. Assim, quem degrada o ambiente é responsável pela reparação do dano ou pela manutenção da qualidade ambiental.
Tal preceito está estampado no Princípio dezesseis da Conferência das Nações Unidas, realizada no Rio de Janeiro no ano de 1992 (ECO-92), vejamos:
As autoridades nacionais deverão esforçar-se por promover a internalização dos custos ambientais e a utilização de instrumentos econômicos, tendo em conta o princípio de que o poluidor deverá, em princípio, suportar o custo da poluição, com o devido respeito pelo interesse público e sem distorcer o comércio e investimento internacionais.
Por meio de tal princípio, os agentes econômicos devem considerar os custos externos da produção, a fim de internalizá-los, dessa forma, os impostos podem contribuir com a redução nas bases de cálculo, alteração de alíquotas, concessão de isenções, etc, o que poderá auxiliar no estímulo de condutas que sejam mais benéficas ao meio ambiente.
A tributação ecológica possui caráter regulatório, conforme nos ensina FERRAZ (2001) apud SOUZA (2009, p.136-137): “os tributos ecologicamente orientados, são aqueles que influenciam na decisão econômica de modo a tornar mais interessante a opção ecologicamente mais adequada”.
Nesse sentido, corrobora com essas reflexões a professora Regina Helena Costa:
A tributação ambiental pode ser singelamente conceituada como o emprego de instrumentos tributários para gerar os recursos necessários à prestação de serviços públicos de natureza ambiental (aspecto fiscal ou arrecadatório), bem como para orientar o comportamento dos contribuintes à proteção do meio ambiente (aspecto extrafiscal ou regulatório). (COSTA, 2005 apud SOUZA, 2009, p.136)
Além dos tributos em que a Constituição Federal de 1988 já atribuiu expressamente caráter extrafiscal, conforme já mencionado anteriormente, há entendimento de que outros tributos também possam ser utilizados com o viés preservacionista, baseando-se nos artigos 225 e 170, inciso VI da Carta Magna, havendo, portanto, não vedação constitucional para esse fim. (SOUZA, 2009).
Nessa esteira, Claudia Dias Soares apud Souza (2009, p.140-141), “distingue os tributos ambientais em dois grupos: ‘em sentido próprio’, que visam a alteração dos comportamentos; e os tributos ambientais ‘em sentido impróprio’, que visam a captação de receitas para projetos de defesa ecológica”.
De fato, a União possui a maior parcela da competência para a instituição de impostos, e esse tipo de tributo é o mais adequado para satisfazer as exigências extrafiscais com o fito de promover comportamentos mais adequados à obtenção do desenvolvimento sustentável. Para tanto, os impostos podem ter suas alíquotas graduadas, além de modificações na base de cálculo e isenções. Observemos abaixo os didáticos exemplos elencados pelo professor Jorge Henrique de Oliveira Souza:
(i) Quanto à alíquota: a produção de determinado produto (v.g. tomate) e sua circulação poderão ter as alíquotas diferenciadas se produzido com agrotóxico ou por tecnologia “orgânica” (inofensivo ao meio ambiente); ou ainda, produtos cujas embalagens sejam bio-degradáveis terão alíquotas inferiores a aos produtos cujas embalagens não ostentam essa qualidade; a produção de combustíveis de menor impacto ambiental e os produtos que utilizam combustíveis de maior impacto ambiental;
(ii) Quanto à base de cálculo: pode o legislador permitir a dedução dos valores em investimentos ambientais, quer na produção (v.g.aquisição de filtros não poluentes ou estações de tratamento de resíduos) quer na recuperação e preservação ambiental (v.g. destinação de áreas para preservação ambiental);
(iii) Quanto às isenções: é possível sua concessão para atividades – serviços – de tratamento de resíduos, entre tantas outras hipóteses. Os exemplos são vários para o alcance da finalidade defesa do meio ambiente.
Outro mecanismo que pode ser adotado nos impostos para atingir os fins preservacionistas é a utilização do princípio da seletividade. Conforme nos ensina o professor Sabbag: “o Princípio Constitucional da Seletividade trata-se de um princípio orientador e não impositivo, quanto ao ICMS. Pauta-se pela estipulação de alíquotas diferenciadas para certos produtos e/ou serviços, para mais ou para menos, vom base na seletividade, em função da essencialidade.” (SABBAG, 2009, p.952)
Observemos o texto constitucional sobre o ICMS seletivo:
“Art. 155 (...)
§2º. O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:
III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;”
Sobre o princípio da seletividade ensina-nos ALIOMAR BALEEIRO (2001) apud SOUZA (2009, P.144-145):
A palavra [essencialidade] (...) refere-se à adequação do produto à vida do maior número dos habitantes do país. As mercadorias essenciais à existência civilizada deles devem ser tratadas mais suavemente ao passo que as maiores alíquotas devem ser reservadas aos produtos de consumo restrito, isto é, o supérfluo das classes de maior poder aquisitivo. Geralmente são os artigos mais raros e, por isso, mais caros. Do ponto de vista econômico, a norma inspira-se na utilidade marginal. Do ponto de vista político, reflete tendências democráticas e até mesmo socialistas do mundo contemporâneo no qual os países civilizados seguem orientação idêntica.
Em relação à seletividade do IPI, Sabbag (2009, p.1006), conceitua como: “técnica de incidência de alíquotas, cuja variação dar-se-á em função da essencialidade do produto. Os produtos de primeira necessidade devem ter baixa tributação, e os produtos supérfluos devem receber tributação mais elevada.” Segue o mestre, informando que: “tal disciplinamento vem ao encontro dos valores prestigiados pela Constituição Federal, como a proteção à família, a valorização do trabalho etc.”
Conclui o autor, que dizendo que a seletividade: “É instrumento idôneo a frenar o consumo de produtos indesejáveis, alcançando metas de redistribuição de rendas e maior aproximação da justiça fiscal. A imposição de alíquotas mais elevadas ocorrerá na razão inversa da essencialidade dos produtos”. (SABBAG, 2009, p.1006)
A Constituição Federal de 1988 prevê a seletividade do IPI em seu artigo 153, §3º, inciso I:
“Art. 153 (...)
§ 3º - O imposto previsto no inciso IV:
I - será seletivo, em função da essencialidade do produto.”
Em razão de tais mecanismos, conforme Souza (2009) é possível haver incentivos fiscais, a fim de equilibrar a competição no mercado, haja vista que as empresas que investem no meio ambiente, terão maiores custos.
O texto constitucional elenca, respectivamente, no artigo 153, incisos I, II, IV e V os impostos de importação (II), exportação (IE), produtos industrializados (IPI) e o imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguros (IOF). Sendo imperioso informar que o Poder Executivo tem a faculdade (atendidas as condições e os limites legais) de alterar as alíquotas de tais impostos, conforme prevê o §1º do artigo 153. Observa-se assim, que os referidos impostos possuem extrafiscalidade.
Sobre o tema, acrescenta Sabbag (2009, p.990): “... poderoso instrumento financeiro empregado pelo Estado a fim de estimular ou inibir condutas, tendo em vista a consecuçãode finalidades não meramente arrecadatórias”. Informa ainda o autor que: “os impostos mencioados – II, IE, IPI e o IOF – atrelam-se à ordenação das relações econômico-sociais, servindo para a intervenção em dados conjunturais e estruturais da economia”.
Relativamente ao Imposto de Importação (II), tendo em vista as diretrizer ambientais dos artigos 170, VI e 225 da Carta Magna, para a quantificação do imposto a ser pago, deve-se considerar o potencial poluidor de cada produto importado. (SOUZA, 2009).
Outra importante lição sobre os potenciais danos ao meio ambiente provocados pelos produtos importados nos é apresentada por SOUZA (2009, p.148-149):
A União, competente para instituir o imposto de importação, deve levar em conta, a nosso sentir, no momento da fixação das alíquotas de cada produto importado, não apenas o potencial poluidor decorrente da utilização desse produto (resíduos, sua decomposição, embalagens, possibilidade de reaproveitamento), o qual traz impacto para os ecossistemas nacionais, mas ponderar também em que condições são produzidos esses produtos, dado que praticamente todos os impostos ambientais atingem, de alguma forma, em maior ou menor escala, todo o planeta Terra.
O Imposto de Renda (IR) é previsto no artigo 153, inciso III, da Constituição Federal: “Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: III - renda e proventos de qualquer natureza”. E, foi o primeiro imposto no país a ser utilizado com função ambiental.
Segundo Souza (2009, p.150): “por intermédio da Lei nº 5.106/66[11] foi permitida a dedução da base de cálculo do imposto a ser pago pelas pessoas físicas e jurídicas os valores empregados em florestamento e reflorestamento de áreas”.
Vejamos o que dipõe o artigo 1º da referida lei: “Art 1º As importâncias empregadas em florestamento e reflorestamento poderão ser abatidas ou descontadas nas declarações de rendimento das pessoas físicas e jurídicas, residentes ou domiciliados no Brasil, atendidas as condições estabelecidas na presente lei.”
É possível que se utilize o Imposto de Renda em diversas situações de extrafiscalidade ambiental, nesse sentido pontua CARRAZZA (2005) apud SOUZA (2009, p.154):
De fato, viria ao encontro da idéia de preservação ambiental lei que permitisse fossem deduzidas da base de cálculo do IR as despesas da pessoa jurídica com o tratamento do lixo industrial, com a conservação de imóveis revestidos de vegetação arbórea (declarada de preservação permanente ou perpétua, nos termos do art. 6º do Código Florestal) e com aquisições de equipamentos e máquinas que impedem a contaminação de rios ou da atmosfera (catalisadores, filtros etc), de produtos ecologicamente corretos (por exemplo, biodegradáveis), de materiais fabricados com a reciclagem de resíduos industriais ou que não causam danos à camada de ozônio, de bens não-descartáveis (copos de vidro, talheres de metal), de dínamos (no lugar de pilhas comuns, que, lançadas no meio ambiente, acabam por degradá-lo). No mesmo sentido, andaria bem a legislação do IR acaso permitisse deduções de despesas com a preservação do meio ambiente, urbanização de bairros, recuperação de águas poluídas, conservação de bens de valor histórico, artístico ou cultural e manutenção de praças, parques e jardins públicos.
No ano de 2010, o Poder Público deu um importante passo na defesa do meio ambiente, criando a Lei nº 12.305[12], que instituiu a Política Nacional dos Resíduos Sólidos. Referida lei, em seu artigo 44, permitiu que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituíssem incentivos fiscais, financeiros ou creditícios, respeitadas as limitações da Lei de Responsabilidade fiscal a:
I - indústrias e entidades dedicadas à reutilização, ao tratamento e à reciclagem de resíduos sólidos produzidos no território nacional;
II - projetos relacionados à responsabilidade pelo ciclo de vida dos produtos, prioritariamente em parceria com cooperativas ou outras formas de associação de catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis formadas por pessoas físicas de baixa renda;
III - empresas dedicadas à limpeza urbana e a atividades a ela relacionadas.
Outro imposto que pode ser utilizado com o viés extrafiscal, é o Imposto sobre produtos industrializados (IPI) que está elencado no texto constitucional no inciso IV do artigo 153, sendo que tal imposto “será seletivo, em função da essencialidade do produto” (inciso I), bem como, “será não-cumulativo, conpensando-se o que for devido em cada operação com o montante cobrado nas anteriores” (inciso II).
Vale lembrar que o Decreto Federal nº 755[13] de 19 de fevereiro de 1993, alterou as alíquotas do IPI em relação aos veículos movidos à alcool, haja vista que tal combustível é menos prejudicial ao meio ambiente em relação à gasolina.
Conforme inferimos do artigo 225 da Constituição Federal de 1988, em relação ao IPI, a variação de suas alíquotas deve observar o impacto ambiental provocado pelo produto industrializado, não somente na essencialidade desse produto. (SOUZA, 2009).
O Imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) é previsto pela Constituição Federal no artigo 153, inciso VI, sendo que o mesmo “será progressivo e terá alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedadades improdutivas” (§3º, inciso I). Tal imposto também é previsto no artigo 29 do Código Tributário Nacional.
É importante ressaltar que a propriedade rural deve cumprir a sua função social, conforme prevê a Constituição Federal em seu artigo 186, inciso II: “a função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos: II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente”.
A Lei nº 5.868 de 12 de dezembro de 1972[14] em seu artigo 5º, incisos I e II previu a isenção do imposto em estudo para: “I - as áreas de preservação permanente onde existam florestas formadas ou em formação;” e para: “II - as áreas reflorestadas com essências nativas.”
Ainda em relação à extrafiscalidade do Imposto Territorial Rural, Cleucio Santos Nunes (2005, p.171) nos ensina relevante lição:
A disciplina da extrafiscalidade do ITR para fins ambientais atualmente é feita pelo artigo 10, §1º, I, d, e II, e alíneas da Lei 9.393, de 19 de dezembro de 1996. A base de cálculo do imposto é determinada pela devida equação entre o VTN (que significa valor da área juntamente com seus acessórios, admitidas algumas exclusões) e o VTNt (definido como valor da terra nua tributável). Dentre as exclusões admitidas pela lei na apuração do VTN, encontram-se: i)as florestas plantadas, as áreas de preservação permanente e de reserva legal, previstas no Código Florestal; ii) as de interesse ecológico para a proteção dos ecossistemas, assim declaradas por órgão competente; iii) as comprovadamente imprestáveis, mas de interesse ecológico; e iv) as áreas sob regime de servidão florestal. Os valores relativos a tais itens poderão ser excluídos do VTN.
Por essas considerações, acreditamos ser o ITR um importante instrumento que pode ser utilizado com vistas à obtenção da sustentabilidade defendida pela Constituição Federal em seu artigo 225 e incisos.
Outro imposto, que, segundo SOUZA (2009, p.165) acredita ser passível de tributação extrafiscal é o ITD (Imposto de Transmissão por Doação), previsto no artigo 155, inciso I da Constituição Federal. Esclarece o autor, que é possível a desoneração fiscal do ITD nos casos de “doações vinculadas a fundos, públicos ou privados, ou instituições que empregarão esses valores, títulos e bens, em finalidades ambientais.”
A Constituição Federal de 1998, em seu artigo 155 estabelece ser de competência dos Estados e do Distrito Federal a instituição de impostos sobre: “I - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior,” ou seja, o ICMS.
Em relação à sigla ICMS, nos ensina Souza (2009, p.165), que ela engloba pelo menos cinco outros impostos:
São eles: o imposto sobre operações mercantis (operações relativas à circulação de mercadorias); o imposto sobre serviço de transporte interestadual e intermunicipal; o imposto sobre a prestação de serviços de comunicação; o imposto sobre produção, importação, circulação, distribuição ou consumo de lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos e de energia elétrica; e o imposto sobre a extração, circulação, distribuição ou consumo de minerais.
Conforme o artigo 155, §2º, incisos I e II, tem-se que o ICMS caracteriza-se pela não-cumulatividade e seletividade, que poderá ser utilizada com fins preservacionistas. Vejamos o texto constitucional abaixo:
Art. 155 (...)
§ 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: (...)
I - será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;
II - a isenção ou não-incidência, salvo determinação em contrário da legislação:
a) não implicará crédito para compensação com o montante devido nas operações ou prestações seguintes;
b) acarretará a anulação do crédito relativo às operações anteriores;
III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;
Nessa esteira, a seletividade do ICMS permite que se conceda benefícios fiscais àqueles produtos que foram produzidos com menor impacto ao meio ambiente em detrimento daqueles cuja produção restou mais prejudicial em termos ambientais.
CARRAZA (2002) apud SOUZA (2009) reconhece:
A necessidade do princípio da seletividade ser utilizado para gradação de alíquotas dos produtos essenciais. Assim, dessa forma, acreditamos que o ICMS sobre operações mercantis, distinguindo os produtos que não provocam impacto ambiental, quer no seu processo produtivo, quer na sua comercialização/transporte ou no seu consumo final, pode ser utilizado como instrumento de alcance de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, pela aplicação do princípio da essencialidade.
Coaduna-se com essas reflexões MAGANHINI (2007) com apoio em SCAFF e TUPIASSU (2005), quando menciona a utilização do ICMS ecológico em alguns estados brasileiros, ou seja:
Alguns estados – como, por exemplo, Paraná, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia, São Paulo, Tocantins e Pernambuco – adotam o ICMS Ecológico, que tem por finalidade a busca de alternativas para o financiamento público em municípios cujas restrições ao uso do solo são fortes empecilhos ao desenvolvimento de atividades econômicas clássicas. Não configura a criação de um novo tributo ou o aumento da carga tributária dos contribuintes, mas sim a adoção de critérios ambientalmente relevantes para a repartição das receitas normalmente obtidas, pelo fato de que não há vinculação do seu fato gerador com as atividades ambientais. Deverá respeitar os limites constitucionais de distrituição da receita tributária e os critérios definidos em lei.
O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) está previsto no inciso III do artigo 155 da Constituição Federal de 1988, sendo que o fato gerador é a propriedade de veículo automotor. Ainda no artigo 155, os incisos I e II do § 6º estabelecem que o IPVA terá alíquotas mínimas fixadas pelo Senado Federal, bem como, que tal imposto poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização do veículo. Conforme Souza (2009, p. 174): “... esse novo acréscimo constitucional permite o estabelecimento da progressividade fiscal para o IPVA – tomando por base a destinação do veículo e sua utilização”.
O artigo 145 da Constituição Federal permite que ocorra o aumento progressivo das alíquotas do IPVA, bem como, os artigos 170, inciso VI e 225 do mesmo diploma, podem servir de base para a fixação do critério do estabelecimento das alíquotas, tendo em vista o grau de poluição do combustível utilizado pelo veículo. (SOUZA, 2009).
Como exemplo, podemos citar a Lei nº 948[15], de 26 de dezembro de 1985, do estado do Rio de Janeiro, que tributou os veículos movidos a álcool em 2% e os veículos movidos à gasolina em 3%. Dessa feita, sabemos que os veículos movidos à gasolina, ou mesmo a diesel, possuem um grau maior de poluentes, assim, tais veículos devem tolerar uma carga tributária mais elevada, com o fito de estimular o uso de formas de energias que gerem menos impactos para o meio ambiente.
Os estudos desses autores vêm ao encontro de nossos anseios, no sentido de mostrar que o uso dos impostos extrafiscais com funções preservacionistas é perfeitamente possível, haja vista que a manutenção do meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito de todos, bem como, é dever do Estado não só utilizar os tributos com viés extrafiscal, mas também aperfeiçoar a legislação existente para interligar todas as áreas do Direito objetivando a preservação ambiental.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o crescente desenvolvimento da economia em nosso país e o aumento desordenado das cidades, o meio ambiente foi fatalmente atingido, em face da estrutura precária do Estado e da população, e as riquezas naturais de outrora, que eram abundantes, hoje são raras.
A Constituição da República Federativa do Brasil assevera em seu art. 225 que: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”
O meio ambiente saudável é um direito de todos e decorre do direito fundamental à vida (artigo 5º, caput, da Constituição Federal de 1988), portanto é de extrema relevância que o Poder Público se invista de meios capazes de intervir, minimizar ou proibir condutas lesivas ao meio ambiente.
Com o presente estudo, podemos compreender a importância da preservação do meio ambiente para a continuidade da vida, bem como, a estreita relação existente entre os Direitos Constitucional, Tributário e Ambiental.
Apontamos também alguns mecanismos tributários aptos à defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado, demonstrando a viabilidade de sua utilização em inúmeras situações como meio de preservação ambiental.
Dessa forma, é necessário que ocorra uma inversão de valores em nossa sociedade, ou seja, o meio ambiente deve ser colocado em primeiro plano, e só após deve-se pensar no fator econômico, sob pena de exterminação dos seres vivos.
A Constituição Federal de 1988 inovou ao reservar um capítulo próprio destinado ao meio ambiente, elevando-o a “um bem da vida”, que deve ser preservado como direito fundamental. Conseqüentemente, a defesa do meio ambiente equilibrado é garantia da manutenção da própria vida, que é o mais importante dos direitos fundamentais, pois sem ele não teríamos os demais direitos.
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[8] BRASIL. Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/documentos/convs/decl_rio92.pdf>. Acesso em: 26 mai. 2011.
[9] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado,
1998. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 29 jun. 2011.
[10] BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional e institui normas gerais de direito tributário aplicáveis à União, Estados e Municípios. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 25 out. 1966. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/l5172.htm>. Acesso em: 25 jun. 2011.
[11] BRASIL. Lei nº 5.106, de 02 de setembro de 1966. Dispõe sobre os incentivos fiscais concedidos a empreendimentos florestais. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 set. 1966. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6938compilada.htm>. Acesso em: 22 jun. 2011.
[12]BRASIL. Lei nº 12.305, de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos; altera a Lei no 9.605, de 12 de fevereiro de 1998; e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 02 ago. 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12305.htm>. Acesso em: 15 jun. 2011.
[13] BRASIL. Decreto nº 755 de 19 de fevereiro de 1993. Reduz as alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados incidente sobre os veículos automotores que enumera. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 fev. 1993. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/D0755.htm> e <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/anexo/and755-93.pdf>. Acesso em: 25 mai. 2011.
[14] BRASIL. Lei nº 5.868, de 12 de dezembro de 1972. Cria o Sistema Nacional de Cadastro Rural, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12 dez. 1972. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5868.htm>. Acesso em: 20 jun. 2011.
[15] RIO DE JANEIRO. Lei nº958 de 26 de dezembro de 1985. Institui O Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores e dá outras providências. Disponível em: <http://www.alerj.rj.gov.br/processo2.htm>. Acesso em: 30 jun. 2011.
Oficiala de Apoio Judicial do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Público pela FADIPA/Anamages; Especialista em Direito Constitucional (UNIDERP); Especialista em Direito Tributário (UNIDERP); Especialista em Gestão do Meio Ambiente: Educação, Direito e Análise Ambiental pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ARAUJO, Juliana Vieira de. A defesa do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2012, 08:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/28933/a-defesa-do-direito-fundamental-ao-meio-ambiente-ecologicamente-equilibrado. Acesso em: 22 nov 2024.
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