RESUMO: O artigo suscita que a História do Direito comete um equivoco em conceituar ordenamentos jurídicos que não foram positivados ou pouco complexos como arcaicos ou primitivos,e que esta conceitualização traz consigo um grau de pré conceito, e deformidade de entendimento, asseverando que a temática principal de tal disciplina deve ser a interação entre direito e sociedade, e como esta reflete na criação daquele, buscando e demonstrando que a complexidade de um sistema jurídico está diretamente ligado a complexidade das relações sócias desenvolvidas em uma sociedade e por esta com outros grupos ou sociedades.
Palavras-chaves: sociedade, complexidade, História, Direito, relações sociais, transformação, recíproca, mudança, eficiência, lei.
1.Introdução
O Direito e a História vivem em regime de mútua influência, por isso que se consagra o estudo da História do Direito como disciplina basilar na grade curricular dos cursos de direito, pois a história do direito é a própria história da sociedade, e perceber as mudanças ocorridas no Direito ao longo do tempo, é perceber as mudanças que ocorreram na sociedade, ou seja, a história está intimamente ligada ao direito. É por essas e outras razões que se faz necessário analisar essa disciplina como sendo de fundamental importância para a formação dos bacharéis em direito. O certo é que o Direito vive impregnado de fatos históricos, e com esses estabelece uma relação dialética, portanto para uma compreensão do Direito exige-se o conhecimento das condições sociais existentes à época em que foi elaborado.
A História do Direito tem fundamental importância para o estudo e compreensão da ciência jurídica, pois, visa compreender o processo de evolução e constante transformação das civilizações humanas no decorrer da história dos diversos povos e consequentemente das diversas culturas, do ponto de vista jurídico, assim sendo o direito pode ser definido com o a ciência do conviver.
É necessário que a história do direito, paralelamente à análise da legislação antiga, proceda à investigação nos documentos históricos da mesma época, sendo que esta pesquisa deve recorrer a todas as fontes jurídicas possíveis, como contratos, sentenças judiciais, obras doutrinárias, e também às fontes não-jurídicas, propriamente ditas, como livros, cartas e outros documentos, pois já foi explicitado o Direito é fruto da sociedade, assim sendo as produções sociais servem como elementos para contar a História do Direito de uma época ou período.
O direito nasce junto com a civilização, ou seja, a partir do momento que houve um agrupamento de seres humanos vivendo num mesmo espaço surge o direito, assim sendo o direito depende das relações humanas, sendo que estas são reguladas por este.
2.Desenvolvimento
A rigor, não há que se falar em história do direito, com um caráter generalista ou universalizante, o termo a ser utilizado deve ser histórias dos direitos, pois cada forma do direito manifestar apresenta uma história, é que bastante diferente e singular em casa sociedade, revelando e refletindo as estruturas basilares de uma sociedade. Tendo como base de estudo da história do direito sócio-antropológica e mesmo historiográfica, o que encontramos são tradições culturais inerentes e próprias de cada sociedade que informam práticas rituais de resolução de conflitos, e de regulamentação das relações entre pessoas e estas com os elementos básicos da estrutura social, não importando, num primeiro momento, se estes são formais ou informais, codificadas ou não, escritas ou não.
Não existe uma história universal, existem histórias dos diferentes povos ou civilizações que vivem na Terra, cada povo tem uma forma de contar a sua história, e uma forma de contar a história dos outros pontos, portando seguindo a lógica de que a história do direito é ligada a história das civilizações, pode-se afirmar que não existe uma história do direito, mas algumas vertentes que abordam as diferentes histórias do direito.
Pode limitar-se a uma ordem nacional ou regional, abrangendo o direito de um conjunto de povos identificados pela mesma linguagem ou tradições culturais. Desta maneira, estudar a história desse direito ficaria mais fácil, pois existiriam elementos similares para possibilitariam um estudo mais aprofundado. Pode-se abordar a história do direito através de correntes de pensamentos ou idéias, como no caso história do Direito Romano e suas instituições, do Direito português, do brasileiro, da common-law, ou se estender ao plano mundial.
É sabido que segundo a tradição européia continental, a história do Direito Romano e de suas instituições tem grande importância, sendo essa perceptível também no direito latino americano, no entanto no direito norte americano a tradição anglo-americana do common-law é mais sentida, já nos povos de tradição islâmica, a influência das histórias do direito anteriormente citadas, tem pouco ou nenhuma relevância, prevalecendo nesses povos uma história do direito muito ligada a história religião, ligação esta que é perfeitamente plausível, já que tanto a religião como o direito tem seu nascedouro nas relações humanas.
A comparação entre as influências que as diferentes escolas do direito tem em cada sociedade ou região, serve para como exemplo inicial para idéia central do presente artigo, que é demonstrar que não se pode chamar determinado ordenamento jurídico de arcaico, incompleto ou atrasado, pois cada ordenamento jurídico é fruto da sociedade que o criou ou adotou, assim sendo ele é o mais adequado para resolver os conflitos e regular as relações naquela sociedade e naquele momento. É um erro realizar uma analise histórica de um ordenamento jurídico tomando como base uma sociedade posterior ou anterior àquela na qual o ordenamento era vigente, e aceito, pois cada grupo social produz as leis que mais convém naquele momento histórico, não devendo este ser interpretada a luz de outro momento, sem que essa interpretação resulte numa conceituação errônea, e preconceituosa.
O direito, não como ciência, mais sim como fruto das interações entre homens surge no momento que dois sujeitos entrem em contato, e este gera entre eles regras de convivência, estas são a semente do direito, pois não há de se pensar em ciência jurídica, direito, costume, sem ter como substrato básico as relações entre homens.
Por mais que a expressão direito arcaico ou sociedade arcaica venha conceituar uma sociedade onde as relações familiares são a base social, a palavra arcaica, usada para caracterizar qualquer coisa, adquire uma conotação pejorativa, levando a crer que trata-se de algo atrasado, pouco desenvolvido, no entanto para abordar o desenvolvimento ou não de uma sociedade e do seu sistema normativo faz mister um ponto de referência, que servirá para a comparação, porém comparar uma sociedade de vinte séculos atrás com a contemporânea, e depois taxar a passada como arcaica é incorrer num erro gravíssimo, pois aquela sociedade poderia ser desenvolvida ou evoluída para sua época, se comparada a seus pares.
Definir um sistema jurídico como arcaico ou moderno deve passar pela reflexão e estudo acerca da eficiência daquele sistema para sociedade que o criou e o utilizava, portanto um sistema arcaico é aquele que no período em que foi criado, e na sociedade que foi criado não obteve eficiência, nem efetividade, não cumprindo o papel básico de qualquer ordenamento jurídico que é regular as relações sociais do seu tempo.
Evidente que existiram ordenamentos jurídicos passados que tiveram sua vida estendida, pois instituições e regramentos por eles criados são adotados e servem com referência as legislações mais atuais.
A lei se define como direito positivo encarnado na linguagem e dotado de poder absoluto. O direito do povo é anterior à lei, é o seu conteúdo, lhe conferindo eficácia e eficiência. A lei é o órgão do direito do povo. Savigny diz que o objeto de ocupação do jurista é a convicção comum do povo, ou seja, o “espírito do povo”, fonte originária do direito, que dá o sentido histórico ao direito, demonstrado como direito e sociedade evoluem juntos numa relação mutua de influência e transformação, um refletindo o anseio do outro.
O posicionamento adotado por Savigny é reforçado pelas idéias de Ronaldo Leite Pedrosa que assevera o seguinte:
“Destaco que o direito não é apenas um conjunto de regras. É muito mais do que isso. As regras, escritas (leis), são um dos instrumentos de aplicação e atuação do direito, que se vale de outros componentes em sua configuração. Temos assim, ao lado das leis, a doutrina, a jurisprudência, os costumes, os princípios gerais, que, somados, compõem o conceito de Direito. E esses elementos, em conjunto, aplicados, buscam atingir o ideal supremo, que é a obtenção da justiça.”
Saber como um ordenamento jurídico surgiu é um trabalho por demais complexo, ainda mais nas civilizações que não dominavam a escrita, e, portanto não deixarem elementos escritos que possam ser referendados como marco inicial do Direito, nestas. No entanto é de fácil dedução que qualquer agrupamento humano, por mais simplório que fosse, possuía regras de convivência tanto entre os seus membros, como deste com membros de outros grupos. Mesmo no grupo onde a regra geral era de que o mais forte detinha o direito, havia um regramento que condenava as relações existentes, refletindo que o direito ou um ordenamento jurídico é algo isolado, muito pelo contrário, mantendo uma relação complexa com outras ciências é com vários elementos de que compõem o corpo social, esse posicionamento coaduna com as palavras de Wolkmer, que afirma:
“Trata-se de pensar a historicidade do direito, no que se refere à sua evolução histórica, suas idéias e suas instituições, a partir de uma reinterpretação das fontes do passado sob o viés da interdisciplinaridade (social, econômico e político) e de uma reordenação metodológica, em que o fenômeno jurídico seja descrito sob uma perspectiva desmistificadora.”
Na relação entre o Direito e a História há duas questões primarias que devem ser encaradas, antes que se busque mais afundo a origem do Direito, a primeira, consiste em conceituar o Direito, tarefa que se afigura quase impossível diante das várias definições do que seria o Direito, a doutrina dominante não chegou a um denominador comum, conceituando-o como norma, como faculdade de agir, como ramo do conhecimento, como ciência, como ideal de justiça, no entanto a definição que mais coaduna com a origem do Direito é a que o define como norma de controle das relações; a segunda questão, que é de simples resolução, consiste na indagação de que seria possível estudar o direito sem conhecer as suas origens? É evidente que para se estudar o Direito faz mister conhecer sua origem e evolução, assim é possível compreender o estagio atual, no entanto não se pode incorrer no erro comum de pensar o Direito apenas como norma positivada ou codificada, a origem primordial, do Direito, está nas relações humanas, sejam elas mais ou menos complexa, quando um sujeito cumprimenta outro na rua, ali está o Direito numa das suas acepções , assim sendo Direito não é apenas norma escrita, é sim qualquer regra de convívio que pauta a relação entre indivíduos.
Contudo, com o crescimento dos grupos sociais e maior interação destes, a regras de origem familiar, e mais especificamente patriarcal surgem como pilar fundamental do direito, portanto a origem dos ordenamentos jurídicos são as relações entre os indivíduos, sendo mais ou menos complexos a depender da complexidade das interações sociais que ocorriam, afirmação essa que encontra sustentação na asserção feita por Antônio Carlos Wolkmer “Certamente que cada povo e cada organização social dispõem de um sistema jurídico que traduz a especialidade de um grau de evolução e complexidade.”(WOLKMER, 1989,p.02).
Portanto um ordenamento jurídico não deve ser chamado de arcaico, por não dispor acerca de relações complexas ou por não ter uma complexidade no seu conteúdo, pois ele é reflexo de uma sociedade, por isso não poderia refletir ou prevê algo que socialmente não existia, e não há de se imaginar um conjunto de leis que não seja consubstanciado nas relações sociais, pois o direito antes de tudo é norma para regular a relação entre os indivíduos, e destes com os elementos naturais.
3. Considerações finais
Ante todo p exposto percebe que o a história do direito deve abarcar como fonte de informação não só as leis escritas, ou ordenamento jurídicos que tiverem uma positivação, nem mesmo deve fazer um certo juízo de valor a respeito dos ordenamentos ou das leis mais antigas, estas foram reflexo do seu tempo e da complexidade que a sociedade que as gerou ou adotou atingiu, portanto foram soluções e regramentos para as relações destas, assim sendo não deve sofrer uma valoração, mas sim, serem estudadas com o afã de se buscar as relações sociais inerentes a todo o direito.
Portanto a História do Direito deve encarregar-se de “ler” o direito percebendo e correlacionando suas transformações as mudanças da sociedade, e de elementos formadores, e como estes elementos interferem e influenciam o mundo jurídico, buscando perceber se os ordenamentos passados foram suficientes, ou melhor, se as premissas postas por estes ordenamentos contemplavam a complexidade de suas sociedades.
4. Referências
AGUIAR, Renan; MACIEL, José Fábio Rodrigues. História do Direito. (Coleção Roteiros Jurídicos). São Paulo: Saraiva, 2007.
AZEVEDO, Luis Carlos de. Introdução à História do Direito. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
CASTRO, Flávia Lages de Castro. História do Direito Geral e Brasil. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
IHERING, Rudolf Von, Tradução João de Vasconcelos. A luta pelo Direito: Texto Integral.1 º Edição, São Paulo: Martin Claret, 2009.
NASCIMENTO, Walter Vieira do. Lições de História do Direito. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
PEDROSA, Ronaldo Leite. Direito em História. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
ROUSSEAU, Jean-Jacques: O contrato Social (Título original Le Contrat Social revisado por Antonio Carlos Marquês) trad. Pietro Nasseti 20° ed. São Paulo -SP Martin Claret, 2001.
WOLKMER, Antonio Carlos (Organizador). Fundamentos de História do Direito. 3. ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2006.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GARRIDO, Rafael Adeodato. História do Direito: erros conceituais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2012, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29146/historia-do-direito-erros-conceituais. Acesso em: 26 dez 2024.
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