RESUMO: O presente artigo visa subsidiar o aprofundamento e disseminar o conhecimento acerca do benefício previdenciário auxílio-reclusão. Através de estudos doutrinários e legislativos analisou-se o conceito de auxílio-reclusão, seus requisitos e seus efeitos sociais antes e após a edição da Emenda Constitucional n.º 20/1998, quando inovou o legislador constituinte derivado incluindo o requisito baixa renda para sua concessão. Após uma breve análise social dos efeitos perversos da alteração constitucional, passou-se a verificar a constitucionalidade material da Emenda Constitucional n.º 20/1998 no tocante a inclusão do requisito baixa renda no auxílio-reclusão. Os estudos demonstram que a inclusão do requisito baixa renda excluiu milhares de dependentes dos segurados do RGPS do direito ao recebimento do auxílio-reclusão culminando na inconstitucionalidade material da inclusão do requisito “baixa renda” para a concessão do referido benefício haja vista flagrante afronta ao princípio da isonomia e por ser medida tendente a abolir direito e garantia social, ponto nodal de nossa Constituição amplamente protegido pelo art. 60, §4º, IV da nossa Constituição da República.
Palavras-chaves: Previdenciário; Auxílio-Reclusão; Inconstitucionalidade.
SUMÁRIO: Introdução; 1. Do conceito de auxílio-reclusão; 2. Dos requisitos para a concessão do auxílio reclusão; 2.1. Da prisão ; 2.2. Da qualidade de segurado do instituidor; 2.2. Da qualidade de segurado do instituidor; 2.4. Da ausência de remuneração paga pelo empregador ou gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço; 2.5. Da baixa renda; 3. Da inconstitucionalidade do requisito baixa renda; 4. Conclusões; Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A Constituição da República de 1988 estabeleceu no bojo do art. 201 o direito social à previdência garantindo-se aos segurados do Regime Geral de Previdência Social o direito ao auxílio reclusão, CR/88, art. 201, IV.
A Lei 8.213 de 24 de julho de 1991 disciplinou o benefício em questão em seu art. 80, condicionando o direito ao recebimento do benefício a três pressupostos: ao recolhimento do segurado à prisão; não recebimento de remuneração a cargo de empregador; não estar o segurado em gozo dos benefícios de auxílio-doença, aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Após o advento da Emenda Constitucional n.º 20/1998 e a edição do Regulamento da Previdência Social, Decreto 3.048 de 06 de maio de 1999, acrescentou-se aos requisitos apresentados pela Lei 8.213/99 o requisito baixa renda, a ser verificado pelo valor da última contribuição previdenciária do segurado que não poderá apresentar salário de contribuição superior a R$915,05 (novecentos e quinze reais e cinco centavos) nos termos da Portaria Interministerial MPS/MF n.º 2, art. 5º.
Entretanto, em sentido distinto ao desiderato constitucional, fixou-se o valor mensal do benefício em 100% do valor do salário de benefício através da média dos 80% maiores salários de contribuição do período contributivo, obtidos através da análise das contribuições após a vigência do Plano Real, julho de 1994.
Assim, não importando o valor do salário de benefício estabeleceu-se como parâmetro de aferição do conceito de “baixa renda”, citado na CR/88, art. 201, IV, a análise do valor da última contribuição do segurado.
Através da análise da doutrina, jurisprudência e do corpo jurídico pátrio pretende-se perquirir se o critério de verificação da renda adotado para a concessão do auxílio reclusão produz efetiva inclusão social consoante objetivou a Constituição da República de 1988.
Analisar-se-á ainda a constitucionalidade material da alteração trazida pela Emenda Constitucional n.º 20/1998, que ao incluir o requisito baixa renda para o recebimento de auxílio-reclusão excluiu relevante direito social de milhares de dependentes dos segurados presos.
A pesquisa se justifica visto que é corriqueiro o indeferimento do benefício de auxílio reclusão a segurados reconhecidamente pobres, cujo histórico previdenciário demonstra que a maioria das contribuições previdenciária é inferior ao limite fixado pelo Ministério de Previdência Social.
Lado outro, também é frequente em âmbito administrativo e judicial o deferimento de benefícios de auxílio reclusão com salários de benefício bem acima do limite fixado pela portaria visto que o valor do benefício será verificado através da média dos 80% maiores salários de contribuição após julho de 1994, não estando limitado ao valor da última contribuição realizada.
Iniciemos, pois, por conceituar o instituto objeto da presente análise.
1. DO CONCEITO DE AUXÍLIO RECLUSÃO
Auxílio reclusão é benefício previdenciário destinado a amparar a família do segurado preso que não receber remuneração de seu empregador, nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
Diferentemente dos benefícios assistenciais o recebimento de auxílio-reclusão pressupõe previa contribuição previdenciária ao Regime Geral de Previdência Social.
É destinado a amparar a família do segurado que receberá o benefício enquanto o segurado permanecer recluso, ou seja, o beneficiário é o dependente do segurado e não o próprio segurado.
Mozart Victor Russomano destaca com brilhante clareza as razões da criação do instituto em nosso ordenamento jurídico:
O criminoso, recolhido à prisão, por mais deprimente e dolorosa que seja sua posição, fica sob a responsabilidade do Estado. Mas, seus familiares perdem o apoio econômico que o segurado lhes dava e, muitas vezes, como se fossem os verdadeiros culpados, sofrem a condenação injusta de gravíssimas dificuldades.
Inspirado por essas ideias, desde o início da década de 1930, isto é, no dealbar da fase de criação, no Brasil, dos Institutos de Aposentadoria e Pensões, nosso legislador teve o cuidado de enfrentar o problema e atribuir ao sistema de Previdência Social o ônus de amparar naquela contingência, os dependentes do segurado detento ou recluso. (RUSSOMANO, 1997, p. 214)
O conceito do instituto manteve-se nos termos apresentados até 1998, quando entrou em vigência a Emenda Constitucional n.º 20 que, não obstante os desideratos do benefício, incluiu em nosso ordenamento o requisito “baixa renda” para o recebimento de auxílio-reclusão.
Porém, antes de apresentar o último elemento a compor o conceito e a estrutura do Auxílio-reclusão passa-se a análise da evolução constitucional e legislativa do benefício no Brasil, até por que, consoante se mencionou o último elemento nem sempre compôs a estrutura do auxílio-reclusão.
A chamada “Lei orgânica da Previdência social” estabelecida pela Lei n.º 3.807 de 26 de agosto de 1960 foi à primeira norma nacional a instituir o auxílio-reclusão em nosso ordenamento jurídico. No bojo de seu art. 43 previa a concessão de auxílio-reclusão aos beneficiários do segurado recluso ou detento, que não percebesse remuneração paga pela empresa. A norma ainda estabelecia o período de carência de 12 contribuições mensais para a concessão do benefício.
A “Consolidação das Leis Previdenciárias” aprovada pelo Decreto n.º 77.077, publicado em 24 de janeiro de 1976 manteve o benefício com as mesmas características, definindo-o no art. 63.
Reestruturada a “Consolidação das Leis Previdenciárias” pelo Decreto n.º 89.312, de 23 de janeiro de 1984, nenhuma alteração foi realizada no benefício de auxílio-reclusão, que, com redação semelhante às anteriores, foi normatizado pelo art. 45.
Porém, não obstante a instituição do benefício ter ocorrido em 1960 somente com a Constituição da República de 1988 o instituto alcançou patamar constitucional.
O art. 201 da Constituição da República de 1988 previa, originalmente:
Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte, incluídos os resultantes de acidentes do trabalho, velhice e reclusão;
II – ajuda à manutenção dos dependentes do segurado de baixa renda;
III – Proteção à maternidade, especialmente à gestante;
IV – Proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
V – Pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no §5º e no art. 202.
Finalmente, em 24 de julho de 1991 foi publicada a Lei 8.213 que com o desiderato de normatizar o plano de benefícios da previdência social, fez expressa referência ao auxílio-reclusão em seu art. 80, estabelecendo que o auxílio-reclusão seria devido nas mesmas condições da pensão por morte aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não perceber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou de abono de permanência em serviço.
A alteração legislativa instituída pela Lei 8.213/91 manteve a tradição normativa que o precedeu, relacionando o referido benefício juntamente com a pensão por morte, dentre os benefícios devidos aos dependentes do segurado. Entretanto, importante avanço ocorreu com a supressão do período de carência para a concessão do benefício, não sendo exigido o mínimo de 12 contribuições mensais como outrora.
Todavia, em 15 de dezembro de 1998 foi introduzida no ordenamento jurídico brasileiro a Emenda Constitucional n.º 20 que trouxe significativa alteração nas regras de concessão do auxílio-reclusão inserindo o requisito “baixa renda” para o deferimento do benefício previdenciário aos dependentes do segurado. Eis o último elemento a compor o conceito e estrutura do auxílio-reclusão.
Após a edição da Emenda Constitucional n.º 20 a redação do Art. 201 passou a ser a seguinte:
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, obsevados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I – cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
II – proteção à maternidade, especialmente à gestante;
III – proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;
IV – salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;
V – pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no §2º.
Incluído o requisito “baixa renda” a Constituição não tratou de conceituar o termo atribuindo ao legislador infraconstitucional a competência para fazê-lo. Entretanto o art. 13 da Emenda Constitucional n.º 20 estabeleceu parâmetro para a concessão do benefício previdenciário, que, a época, permitia a concessão do auxílio-reclusão para a família cujo segurado auferisse renda bruta mensal igual ou inferior a R$360,00 (trezentos e sessenta reais), que até a publicação da lei que conceituasse “baixa renda”, seria corrigido pelos mesmos índices aplicados aos benefícios do regime geral de previdência social.
Silente a legislação a cerca da definição de “baixa renda” as atualizações do valor inicialmente apresentado pela Emenda Constitucional continuam em vigor. Em 06 de janeiro de 2012 o Ministério da Previdência Social através da Portaria Interministerial MPS/MF n.º 2, art. 5º, atualizou o limite do último salário de contribuição para concessão de auxílio-reclusão para R$915,05 (novecentos e quinze reais e cinco centavos).
A regulamentação das disposições da Lei 8.213/91 foi delegada ao Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999, o chamado RPS, Regulamento da Previdência Social, e as Instruções Normativas emitidas pelo Ministério da Previdência Social, cujo conteúdo evidenciam os requisitos para deferimento do auxílio-reclusão, cuja análise do conceito ora estudado tratou de evidenciar.
Entretanto, quanto ao quesito “baixa renda” os problemas da aludida reforma previdenciária são evidentes. Fábio Zambitte Ibrahim na festejada obra Curso de Direito Previdenciário, ressalta:
A alteração constitucional foi de extrema infelicidade, pois exclui a proteção de diversos dependentes, cujos segurados estão fora do limite de baixa renda. Esta distinção, para o auxílio-reclusão, não tem razão de ser, pois tais dependentes poderão enfrentar situação difícil, com a perda da remuneração do segurado. (IBRAHIM, 2010, p. 701)
Wladimir Novaes Martinez também comenta a limitação do auxílio-reclusão após a Emenda Constitucional n.º 20/98 e a inclusão do requisito “baixa renda”:
Altera-se significativamente o auxílio-reclusão, passando a ser direito do mesmo trabalhador que faz jus ao salário-família: segurado de baixa renda. A modificação do benefício, para pior, é incompreensível e discriminatória, convindo suscitar a impropriedade em face de outros postulados fundamentais da Lei Maior. (MARTINEZ, 1999, p.117)
Foco de controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais o presente trabalho visa perquirir a constitucionalidade do quesito “baixa renda”.
2. DOS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO AUXÍLIO RECLUSÃO
Requisitos são condições exigidas por lei para que o benefício seja concedido ao segurado ou, no caso do auxílio-reclusão e pensão por morte, a seus dependentes.
São requisitos para a concessão de auxílio-reclusão: a prisão, a qualidade de segurado do instituidor do benefício, a qualidade de dependente do beneficiário, a ausência de remuneração paga pelo empregador ou gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço e ser o segurado de baixa renda.
Passemos, pois, a análise dos requisitos para a concessão do auxílio-reclusão para os dependentes do segurado do RGPS:
2.1. Da prisão
Conforme o próprio nome evidencia o auxílio-reclusão será devido ao segurado preso nos regimes fechado e semiaberto, conforme estabelece o RPS (Dec. 3048/99) art. 119, §5º. Sendo assim, não faz jus ao benefício o segurado que cumpre pena sob o regime aberto.
Entretanto, o direito ao deferimento de auxílio-reclusão também guarnece a família do segurado em prisão provisória, conforme estabelece a Instrução Normativa n.º 45/2010, art. 331, §1º.
O adolescente entre 16 e 18 anos que cometer ato infracional e for submetido a medida socioeducativa restritiva de liberdade também poderá ser instituidor do benefício para seus dependentes. IN n.º 45, art. 331, §2º.
Outro ponto relevante para o deferimento do benefício aos dependentes do segurado recluso é a vedação a sua concessão após a soltura do segurado determinada pelo Dec. 3.048/99, art. 119.
2.2. Da qualidade de segurado do instituidor
Consoante já mencionado o benefício de auxílio-reclusão é um benefício previdenciário, e não assistencial. Desta forma prescinde de contribuição previdenciária por parte do segurado instituidor do benefício. Sendo assim, para ser deferido o benefício de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado é necessário que o segurado tenha qualidade de segurado quando da reclusão.
Em regra a qualidade de segurado é mantida enquanto o segurado efetuar contribuições para a previdência. Cessadas as contribuições o segurado entrará no chamado período de graça, no qual manterá a qualidade de segurado independentemente de contribuições durante 12 (doze) meses, que poderá ser estendido para 24 (vinte e quatro) meses caso o segurado já tenha realizado mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais a previdência social. Lei 8.213/91, art. 15, II, §1º.
Tais períodos de graça, 12 ou 24 meses, serão acrescidos ainda de mais 12 meses para o segurado desempregado que comprove esta condição pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
Tal regra não se aplica ao segurado facultativo cujo período de graça será sempre de 6 (seis) meses. Lei 8.213/91, art. 15, VI.
A qualidade de segurado será mantida ainda, independentemente de tempo durante o gozo de benefícios previdenciários, por até 12 (doze) meses após cessar a segregação compulsória, ou após o livramento do segurado retido ou recluso, por até 3 (três) meses após o licenciamento do segurado incorporado as forças armadas para prestar serviço militar.
A qualidade de segurado será perdida a partir do dia seguinte ao do término do prazo para recolhimento da contribuição previdenciária do mês seguinte ao término do período de graça do segurado conforme determina o §4º do art. 15 da Lei 8.213/91.
Explica-se: Tendo efetuado o segurado 10 contribuições mensais a previdência social e cessado as contribuições em janeiro de 2012 manterá a qualidade de segurado até janeiro de 2013. Porém, efetuada a contribuição referente ao mês de fevereiro de 2013 não ocorrerá a perda da qualidade de segurado. A contribuição referente ao mês de fevereiro de 2013 deverá ser realizada até o dia 15 (quinze) do mês seguinte, ou seja, até março de 2013. Desta forma a qualidade de segurado será perdida em 16 de março de 2013.
Sendo assim, recluso o segurado somente será deferido benefício previdenciário de auxílio-reclusão a seus dependentes caso exista qualidade de segurado do instituidor do benefício.
2.3. Da qualidade de dependente dos beneficiários
Demonstrada a qualidade de segurado do instituidor do benefício, é requisito ainda a qualidade de dependente dos beneficiários que se habilitarem ao recebimento do auxílio reclusão.
Para fins de didática dividiremos os dependentes do segurado em classes, os dependentes de primeira classe excluem o direito ao recebimento do benefício dos dependentes de segunda classe e estes excluem o direito dos dependentes de terceira classe.
Os dependentes de primeira classe são reconhecidos pela legislação previdenciária como dependentes do segurado independentemente de comprovação de dependência econômica, são estes o cônjuge ou o(a) companheiro(a) e os filhos não emancipados, menores de 21 (vinte e um) anos ou de qualquer idade quando inválidos ou portadores de deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, desde que declarada esta condição judicialmente.
Os dependentes de segunda classe são os pais do segurado que deverão comprovar a dependência econômica entre estes e o instituidor do benefício. Ressalte-se, novamente, que existindo dependentes de primeira classe os pais não serão contemplados com o benefício, nem ao menos para dividi-lo.
Os dependentes de terceira classe são os irmãos não emancipados e menores de 21 anos do segurado ou, de qualquer idade quando inválidos ou portadores de doença mental ou intelectual que os tornem absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente.
Novamente quanto aos segurados de terceira classe é necessária a comprovação da dependência econômica entre o instituidor do benefício e o dependente, restando ainda excluído do direito ao benefício na hipótese de existir dependentes de primeira e segunda classes.
O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado, entretanto, tal equiparação não exclui a necessidade de comprovação da dependência econômica.
2.4. Da ausência de remuneração paga pelo empregador ou gozo de auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço
Para o deferimento de auxílio-reclusão ao dependentes do segurado é necessário ainda que o segurado seja privado de sua remuneração paga por seu empregador.
Sendo assim, havendo a manutenção do pagamento de salário pela empresa a qual estava ou está vinculado o instituidor, os dependentes do segurado não receberão o benefício previdenciário, pois o segurado não foi privado de sua remuneração em virtude da prisão.
Entretanto, não impede a concessão de auxílio-reclusão o exercício de atividade remunerada pelo segurado recluso em cumprimento de pena, mesmo que efetue contribuições previdenciárias na condição de segurado facultativo nos termos estabelecidos pelo Dec. 3.048/99, art. 116, § 6º.
Decorre ainda do conceito a impossibilidade de deferimento do benefício previdenciário de auxílio-reclusão aos dependentes do segurado quando o instituidor receber auxílio-doença, aposentadoria ou abono de permanência em serviço. A vedação se deve, conforme explica Fabio Zambitte Ibrahim, pois “o segurado continuará recebendo tais benefícios, mesmo com sua prisão. Por mais grave que tenha sido o crime, não há, necessariamente, perda do benefício pelo segurado”.
2.5. Da baixa renda
Conforme retro mencionado a Emenda Constitucional n.º 20/98 modificou o art. 201 da Constituição da Repúbica de 1988, incluindo o requisito de baixa renda para o deferimento de auxílio-reclusão ao segurado.
Entretanto a redação incluída na Constituição não definiu o que seria baixa renda. Porém, o art. 13 da referida Emenda Constitucional n.º 20/98 determinou a necessidade de lei que disciplinasse o acesso ao auxílio-reclusão, e criou parâmetro provisório para deferimento do benefício previdenciário, estabelecendo o limite de “renda bruta mensal igual ou inferior a R$360,00 (trezentos e sessenta reais)”, valor este que vem sendo atualizado pelo Ministério da Previdência Social. Atualmente a Portaria Interministerial MPS/MF n.º 2, art. 5º, atualizou o limite do último salário de contribuição máximo para concessão de auxílio-reclusão para R$915,05 (novecentos e quinze reais e cinco centavos).
Em respeito ao direito adquirido tal requisito somente foi exigido para aqueles que foram presos após o advento da Emenda, entretanto, diversos foram os protestos pela injustiça trazida pela alteração no benefício.
Importante demonstrar que o valor a ser apurado para verificação do quesito baixa renda será somente o último salário de contribuição do segurado e não uma média de contribuições, o que obviamente seria mais coerente.
Utilizando-se dos parâmetros atuais para deferimento do benefício, um trabalhador cujo último salário de contribuição foi de R$1.000,00 (hum mil reais), em caso de prisão não deixará para seus dependentes o auxílio-reclusão, mesmo possuindo dependente cujo sustento dependa exclusivamente de sua renda.
Lásaro Cândido Cunha manifesta entendimento similar, veja-se:
A limitação imposta pela Emenda produz distorções flagrantes, as quais somente por ignorância ou má-fé não foram percebidas pelo legislador. Com efeito, se um determinado trabalhador que percebe renda fruto de seu trabalho em valor superior a R$360,00, mesmo que por apenas centavos, em caso de ser preso, inclusive injustamente, perderá imediatamente a fonte de renda e os dependentes (filhos menores, por exemplo) não terão o benefício do auxílio-reclusão. A injustiça salta aos olhos. (CUNHA, 1999, p.68)
Em meio a tantas vozes clamando pelo benefício em casos onde a renda do segurado ultrapassava o referido valor, começou a se formar na jurisprudência corrente que defendia interpretação de que o limite de renda se referia a renda dos dependentes e não a renda do segurado instituidor do benefício (preso).
O fundamento era de que a proteção do Estado era para os dependentes desamparados em virtude da prisão do segurado, sendo equivocada a interpretação dada pelo art. 116 do RPS.
A força desta corrente jurisprudencial foi tamanha que a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região editou o enunciado n.5, segundo o qual “para fins de concessão do auxílio-reclusão, o conceito de renda bruta mensal se refere à renda auferida pelos dependentes e não a do segurado recluso”. Entendimento também acompanhado por diversos julgamentos do Tribunal Regional da 4ª Região.
Entretanto tal posicionamento não se convalidou.
Na verdade, o regulamento não extrapolou a Constituição Federal, mas explicitou a vontade do legislador constituinte derivado. Com efeito, em que pese a redação ambígua do art. 13 da Emenda, o inc. IV do art. 201 da Constituição é claro ao afirmar que o benefício é devido aos dependentes dos segurados de baixa renda, portanto, a baixa renda se refere aos ganhos do segurado, e não aos dos seus dependentes. Caso contrário, o dispositivo não aludiria aos dependentes dos segurados de baixa renda, mas aos dependentes de baixa renda do segurado. Não há dúvida, pois, que a qualificação de baixa renda se refere aos segurados e não aos dependentes, tendo em vista que aqueles são os que de fato estão vinculados ao sistema previdenciário. (REVISTA CEJ, 2009, p.67)
A questão restou pacificada após julgamento pelo STF no Recurso Extraordinário n.º 587.365-0, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski:
Previdenciário. Constitucional. Recurso extraordinário. Auxílio-reclusão. Art. 201, IV, da Constituição da Republica. Limitação do universo dos contemplados pelo auxílio-reclusão. Benefício restrito aos segurados presos de baixa renda. Restrição introduzida pela EC 20/1998. Seletividade fundada na renda do segurado preso. Recurso extraordinário provido. I – Segundo decorre do art. 201, IV, da Constituição, a renda do segurado preso é que deve ser utilizada como parâmetro para a concessão do benefício e não a de seus dependentes. II – Tal compreensão se extrai da redação dada ao referido dispositivo pela EC 20/1998, que restringiu o universo daqueles alcançados pelo auxílio-reclusão, a qual adotou o critério da seletividade para apurar a efetiva necessidade dos beneficiários. III – Diante disso, o art. 116 do Decreto nº 3.048/1999 não padece do vício da inconstitucionalidade. IV – Recurso extraordinário conhecido e provido. Brasília, 7 de maio de 2009. Guaraci de Sousa Vieira – Coordenador de acórdãos. Primeira Turma. Sessão Ordinária. Ata da 11ª (décima primeira) Sessão Ordinária da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, realizada em 28 de abril de 2009. Presidência do Ministro Carlos Ayres Britto. Presentes a Sessão os Ministros Marco Aurélio, Ricardo Lewandowski, a Ministra Cármem Lúcia e o Ministro Menezes Direito. Subprocurador-Geral da República, Dr. Paulo de Tarso Braz Lucas. Coordenador, Ricardo Dias Duarte. Abriu-se a Sessão às quatorze horas, sendo lida e aprovada a Ata da Sessão anterior. Julgamentos. (STF – RE 587.365-0 – Rel. Min. Ricardo Lewandowski – Dje 08.05.2009)
Consoante se verificou a jurisprudência caminhou no sentido de atribuir a norma interpretação de que a baixa renda deveria ser a dos dependentes, o que evidentemente não decorre da redação constitucional. Entretanto, consoante se passará a demonstrar a constitucionalidade material da inclusão do requisito baixa renda é o ponto polêmico da alteração constitucional introduzida pela EC 20/1998 ao qual se passará a analisar.
3. DA INCONSTITUCIONALIDADE DO REQUISITO BAIXA RENDA
O poder constituinte originário tem poder ilimitado e desvinculado ao ordenamento constitucional que o precedeu
Entretanto, o poder constituinte derivado reformador, próprio das constituições rígidas, é subordinado às diretrizes e bases do ordenamento jurídico constitucional precedente estando limitado a suas disposições e mandamentos.
No bojo do art. 60, §4º o legislador constituinte originário criou limites à inovação constitucional derivada vedando expressamente no inciso IV a edição de Emendas Constitucionais tendentes a abolir os direitos e garantias individuais.
Os direitos e garantias fundamentais foram previstos, principalmente, mas não exclusivamente, no Título II da Constituição da República de 1988, abrangendo no Capítulo II os “Direitos Sociais”, dentre os quais se encontra garantido o direito a previdência social.
A Constituição da República reconheceu assim o direito fundamental do indivíduo à previdência social para garantia de uma vida digna.
Todavia os direitos e garantias fundamentais não se limitam aqueles apresentados nos arts. 6º a 11 de nossa Constituição, mas todos os direitos materialmente correlatos, mesmo que presentes em outros títulos de nossa Constituição devem ser consideradas cláusulas pétreas.
Neste passo, o art. 201 com a redação anterior a Emenda Constitucional n.º 20/1998 era fonte inequívoca de direito social, ou seja, de garantia individual dos dependentes do segurado ao auxílio-reclusão independentemente da verificação da renda do segurado.
E por ser materialmente fonte de direito e garantia individual deve ser tida como cláusula pétrea, cujo art. 60, §4º, IV da Constituição da Republica impede a “deliberação de proposta de Emenda Constitucional tendente a abolir”.
Pelo exposto a alteração constitucional trazida pela Emenda Constitucional n.º 20/1998, excluiu o direito ao benefício de auxílio-reclusão de milhares de dependentes cuja renda do instituidor ultrapassa o limite estabelecido, merecendo assim ser declarada materialmente inconstitucional, pois a inovação trazida pela Emenda Constitucional n.º 20/1998 criou uma evidente discriminação entre os dependentes do segurados do RGPS, pois enquanto alguns dependentes tem sua inserção social garantida pelo gozo do benefício previdenciário outros, vêm-se completamente excluídos socialmente, passando por sérias dificuldades financeiras após a prisão do provedor da família.
Lado outro as regras do benefício são totalmente contraditórias a aplicação do requisito baixa renda.
A Lei 8.213/91 determina no bojo do art. 80 que o auxílio-reclusão obedecerá às mesmas regras de concessão e cálculo do valor do benefício que a pensão por morte.
Assim, verificado que o último salário de contribuição do segurado foi inferior ao valor estabelecido pela portaria interministerial do MPS, atualmente, R$915,05 (novecentos e quinze reais e cinco centavos), o benefício será pago no valor de 100% da média aritmética simples dos 80% maiores salários de contribuição do segurado, limitando-se o benefício ao teto previdenciário.
Desta forma o benefício poderá ser pago a segurados cujo histórico de contribuições demonstra uma qualidade de vida muito superior ao estabelecido pela portaria.
Lado outro, um segurado que sempre auferiu renda abaixo dos limites estabelecidos pela portaria, mas que, por exemplo, tenha realizado muitas horas extras no mês de sua prisão e tenha elevado seu salário além do referido limite, pela redação da lei terá seus dependentes excluídos do direito ao benefício.
O salário de benefício deste segurado provavelmente estaria a baixo do valor estabelecido como critério de baixa renda, entretanto, pela incipiente regra de concessão do benefício os dependentes deste segurado restariam abandonados pela previdência social.
A injustiça, discriminação e quebra de isonomia é evidente e novamente evidencia a inconstitucionalidade da alteração trazida pela Emenda Constitucional n.º 20/1998.
Foi proposta pelo Ministério Público Federal de São Paulo Ação Civil Pública com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade neste trabalho apresentada, processo n.º 2004.61.83.005626-4, cuja liminar, indeferida em primeira instância, foi reformada por meio de agravo de instrumento (n.º 2005.03.00.002473-5).
Com a referida decisão determinou-se que o INSS efetuasse, em âmbito nacional, o pagamento do auxílio-reclusão aos dependentes dos segurados, independentemente de qualquer fator determinante da renda do segurado desde que preenchidos os demais requisitos legais.
Entretanto, na Reclamação n.º 3.237-0/SP, o relator Ministro Joaquim Barbosa suspendeu os efeitos da decisão proferida no agravo.
A Ação Civil Pública foi julgada procedente em primeira instância, reformada em segunda e, atualmente, está pendente de julgamento de Recurso Especial e Extraordinário já interpostos pelo Ministério Público Federal.
O fundamento defendido pelo INSS é o mesmo já utilizado pelo STF para manter o requisito renda, o princípio da seletividade. Entretanto, conforme se tentou demonstrar neste estudo este não é o melhor entendimento acerca do tema, pois no conflito entre o princípio da seletividade e o princípio da isonomia este deve prevalecer.
Destarte é imprescindível a declaração de inconstitucionalidade do requisito “baixa renda”, o que obrigará o legislativo a instituir outro critério para promover o princípio da seletividade na concessão do benefício, ou, o que seria de melhor senso, limitar o valor do benefício estendendo-o a todos os dependentes dos segurados presos do RGPS.
4. CONCLUSÕES
Conclui-se do presente estudo que o requisito baixa renda para deferimento do benefício previdenciário auxílio-reclusão instituído pela Emenda Constitucional n.º 20/1998, é materialmente inconstitucional visto que aboliu direito fundamental de milhares de dependentes de segurados, incorrendo em desrespeito ao Art. 60, §4º, IV da Constituição da República de 1988 que veda a edição de Emenda Constitucional tendente a abolir direitos e garantias individuais.
Desta forma, o requisito “baixa renda” para o recebimento de auxílio-reclusão pelos dependentes do segurado recluso do RGPS deve ser declarado inconstitucional, pois o princípio da isonomia deve se sobrepor ao princípio da seletividade, não sendo razoável, nem ao menos justificável, a supressão de direito e a discriminação perpetrada pelo legislador constituinte derivado.
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Advogado, Bacharel em Direito pela Universidade Puc-Minas, Pós-graduado em direito Previdenciário pela Universidade Cândido Mendes - RJ.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Matheus Alves. Auxílio-reclusão: Inclusão e exclusão social de dependentes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jun 2012, 08:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29470/auxilio-reclusao-inclusao-e-exclusao-social-de-dependentes. Acesso em: 22 nov 2024.
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