A primeira característica destacada pela doutrina em relação ao princípio da moralidade é a dificuldade em sua conceituação. Com efeito, não se acha formulação verbal precisa do princípio da moralidade. Tanto é assim que MARÇAL JUSTEN FILHO chega a afirmar que:
O princípio da moralidade é, por assim dizer, um princípio jurídico “em branco”, o que significa que seu conteúdo não se exaure em comandos concretos e definidos, explícita ou implicitamente previstos no Direito legislado.
A primeira questão que o princípio da moralidade traz à tona é de que forma a violação de uma norma moral, que não corresponda simultaneamente à violação de uma norma jurídica, pode ter efeito jurídico.
Por outro lado, se a conduta imoral é também ilícita, a sanção aplicável decorre não da violação da Moral, mas do Direito. Por outro lado, admitir-se a Moral como fonte de direitos e deveres parece confrontar o princípio da legalidade. Aliás, a distinção elementar entre Moral e Direito, traz a tona os pares unilateralidade-bilateralidade e incoercibilidade-coercibilidade, que põem em evidência a ausência de efeito sancionatório da violação da norma moral.
Além disso, quando se tenta evidenciar aplicação do princípio da moralidade aos casos concretos muitas vezes é possível enxergar a incidência de outros princípios, como o da impessoalidade ou da proporcionalidade, o que reduziria também o interesse prático nesse princípio. Diante disso chega a afirmar SÉRGIO ANDRÉ ROCHA que:
Pode-se asseverar, portanto, que em nenhum caso se terá situação em que violado, de forma independente, o princípio da moralidade, sendo certo, por outro lado, que sempre que violados outros princípios aquele também poderá ser tido como violado.
(...) Nessa ordem de idéias nota-se que a noção de moralidade, a despeito de se encontrar expressa na Constituição Federal, é prescindível em termos jurídicos positivos, carecendo de aplicabilidade prática. Em nenhuma hipótese, ato praticado pela autoridade administrativa com respeito aos princípios da legalidade, impessoalidade e proporcionalidade poderá ser objeto de contestação por imoral.
Alguns doutrinadores defendem que a moralidade que se tem em vista seria uma moral jurídica, não se confundindo com a moral comum. A moral teria, então, um conteúdo jurídico por compreender “valores ou preceitos morais jurisdicizados”. Essa moralidade administrativa corresponderia ao conjunto de regras de “boa administração”, extraídas da “disciplina interior da Administração”.
LÚCIA VALLE FIGUEIREDO procura delimitar o conteúdo desse princípio, considerando a existência de padrões ou standards de comportamento moralmente correto: “o princípio da moralidade deverá corresponder ao conjunto de regras de conduta da administração que, em determinado ordenamento jurídico, são considerados ‘standards’ comportamentais que a sociedade deseja e espera”. Tal concepção se aproxima da noção de boa-fé objetiva, como observa HELY LOPES MEIRELLES. A boa-fé objetiva impõe que “cada pessoa deve ajustar a própria conduta, ‘obrando como obraria um homem reto: com honestidade, lealdade, probidade”.
Nesse contexto, merece realce o fato de que a boa-fé objetiva leva em conta apenas o aspecto externo da conduta, diferentemente da boa-fé subjetiva que considera a intenção do agente. Do mesmo modo, a moralidade administrativa é conhecida pelo comportamento manifesto do agente público. Em razão disso, pode-se dizer até que a violação ao princípio da moralidade pode ser dolosa ou culposa. Do ponto de vista jurídico, então, a moralidade da conduta seria aferida pela sua compatibilidade com os padrões de comportamento que se espera encontrar em um administrador público que desempenha sua função com retidão, sem levar em conta aspectos psicológicos.
É importante perceber que esses padrões éticos devem ser seguidos pelo administrador público não apenas para atender o interesse público. Ao lidar com o administrado, deve também cuidar de proceder de forma leal. Não pode jamais usar de astúcia para dificultar o exercício dos seus direitos.
Por outro lado, vale registrar que o princípio da moralidade não autoriza o agente público a agir contrariamente à lei, a pretexto de atender convicções morais particulares. Na verdade, o princípio da moralidade é um critério que amplia o controle da legalidade do ato administrativo e não que o restringe. Importa em que a atuação da Administração deve ser moral, além de legal.
O Código de Ética Profissional do Servidor Público Civil do Poder Executivo Federal (Decreto nº. 1.171, de 22 de junho de 1994) reconhece explicitamente a necessidade de que a conduta do servidor público seja orientada pelas normas morais. Segundo desse Código o servidor público deve “ter consciência de que seu trabalho é regido por princípios éticos” (item II) e que não pode “jamais desprezar o elemento ético de sua conduta” (item XIV, f). Esse código relaciona uma série de regras que muito se aproximam da idéia de padrões de boa conduta mencionada acima. Tais modelos de conduta ideal podem servir de baliza para a aferição da moralidade administrativa em cada caso concreto.
Está previsto no art. 37, caput, da Constituição, e é reconhecido pela Lei nº 9.784/99, no caput do art. 2º, bem como no inciso IV do parágrafo único desse artigo, quando estabelece como critério que deve pautar a atuação da Administração Pública nos processos administrativos a observância de “padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé”.
Pode ser observado também no art. 4º, incisos II e III, que atribui ao particular o dever de “proceder com lealdade, urbanidade e boa-fé” e de “não agir de modo temerário”. Por outro lado, o art. 3º, inciso I, confere-lhe o direito de “ser tratado com respeito pelas autoridades e servidores” e o dever das autoridades e servidores de “facilitar o exercício de seus direitos e o cumprimento de suas obrigações”. Na fase de instrução, o princípio da moralidade fundamenta a proibição do art. 38, §2º, de serem produzidas de provas ilícitas, impertinentes, desnecessárias ou protelatórias.
Segundo EGON BROCKMANN MOREIRA o princípio da moralidade está relacionado com os princípios de boa-fé e com o princípio da imparcialidade. Com relação ao princípio ao princípio da imparcialidade definido como “certeza prévia da não-vinculação da atividade instrutória e decisória em favor de qualquer uma das partes envolvidas no processo administrativo (particulares ou Administração)”. A decisão deve ser resultado da convicção formada ao longo dos debates e das provas realizados no processo. Deve ser conseqüência do processo, já que a razão de ser dele é exatamente favorecer uma decisão correta e justa. Muito embora a Administração seja quase sempre interessada, a autoridade responsável pelo processo deve conduzir o processo administrativo com isenção, garantido aos particulares o uso de seus direitos e faculdades processuais e apreciando suas alegações e provas no julgamento do caso.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 9ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 32ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 18ª Ed. São Paulo: Malheiros, 2005.
MOREIRA, Egon Brockmann. Processo administrativo: Princípios Constitucionais e a Lei 9.784/1999. 2ª Ed. Malheiros: São Paulo, 2000.
ROCHA, Sérgio André. Processo administrativo fiscal: controle administrativo do lançamento tributário. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
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