Muito embora as sociedades limitadas sejam constituídas para a persecução de fins lícitos, por vezes, as mesmas podem direcionar suas atuações para a prática de condutas abusivas ou fraudulentas. Torna-se a pessoa jurídica manipulável por sócios ou administradores inescrupulosos, buscando a consumação de fraudes ou abusos do direito, cometidos através da personalidade jurídica da sociedade que lhes serve de anteparo.
Em razão disso, foi criada a chamada Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, a qual autoriza o afastamento da autonomia patrimonial do ente coletivo, para que a mesma não corresponda à limitação da responsabilidade dos integrantes da sociedade. Tal limitação, obviamente, não poderia servir ao locupletamento injusto dos sócios, em detrimento de credores com interesses legítimos.
A princípio, o CDC, em seu artigo 28, previu a possibilidade de desconsideração, com base nos seguintes fundamentos legais: abuso de direito, excesso de poder, infração da Lei, fato/ato ilícito, violação do Estatuto ou Contrato Social, e falência, estado de insolvência e encerramento ou inatividade por má administração. O Código Civil, em seu artigo 50, passou também a regular a matéria na órbita das relações privadas de natureza civil.
Já no âmbito tributário, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa encontra-se prevista no artigo 135 do CTN, viabilizando o redirecionamento das execuções fiscais tributárias contra os representantes das empresas, in verbis:
“Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:
I- As pessoas referidas no artigo anterior;
II- Os mandatários, prepostos e empregados;
III- Os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.”
Destaque-se que não basta a condição de sócio da empresa limitada para ser responsabilizado. O Código Tributário fala apenas em diretores, gerentes ou representantes. Mas não é só. É preciso também que o débito exequendo resulte de ato praticado com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.
E estabelecer exatamente essas diretrizes constitui questão extremamente difícil, que ainda carece de alguns esclarecimentos, principalmente em razão do considerável número de casos colocados em julgamento pelo Poder Judiciário nos dias atuais.
Tanto a doutrina, quanto a jurisprudência pátria vêm se posicionando no sentido de autorizar a inclusão dos gerentes no polo passivo das execuções fiscais somente quando comprovado que estes agiram com excesso de poderes ou contrariamente à lei ou estatutos sociais, conforme previsto no artigo 135 do CTN e já explanado. Para tanto, basta que a sociedade tenha encerrado irregularmente suas atividades. Na prática, basta a não localização da sociedade no endereço constante do registro na Junta Comercial, o que configura situação de dissolução irregular.
Assim, deixando a sociedade de operar, sem ter havido sua regular liquidação, os sócios-gerentes, diretores e administradores respondem pelas dívidas tributárias desta. Há, nesses casos, uma presunção de que tais pessoas se apropriaram dos bens pertencentes à sociedade.
Vejamos alguns julgamentos nesse sentido:
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. SOCIEDADE POR QUOTAS DE RESPONSABILIDADE LIMITADA. CERTIDÃO DO OFICIAL DE JUSTIÇA. INDÍCIO DE DISSOLUÇÃO IRREGULAR. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO PARA O SÓCIO-GERENTE. POSSIBILIDADE.
I - Discute-se se a certidão expedida pelo oficial de justiça atestando que a empresa executada não mais funciona no endereço constante dos assentamentos da junta comercial presta-se como indício de dissolução irregular da sociedade capaz de ensejar o redirecionamento do executivo fiscal a seus sócios-gerentes. Trata-se, assim, de discussão acerca de valoração de prova, ficando afastado o óbice sumular nº 7 deste STJ na hipótese.
II - Este Superior Tribunal de Justiça já exarou entendimento no sentido de que "presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixa de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, comercial e tributário, cabendo a responsabilização do sócio-gerente, o qual pode provar não ter agido com dolo, culpa, fraude ou excesso de poder, ou ainda, que efetivamente não tenha ocorrido a dissolução irregular" (REsp nº 841.855/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 30.08.2006).
III - Esta Primeira Turma adotou igual entendimento quando apreciou o REsp nº 738.502/SC, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 14.11.2005, ressaltando-se para o fato de que "consta dos autos certidão lavrada por Oficial de Justiça (fl. 47 verso), informando que, ao comparecer ao local de funcionamento da empresa executada, foi comunicado de que a mesma encerrara as atividades no local há mais de ano, o que indica a dissolução irregular da sociedade, a autorizar o redirecionamento da execução " (sublinhou-se).
IV - De se destacar, ainda, que "...no momento processual em que se busca apenas o redirecionamento da execução contra os sócios, não há que se exigir prova inequívoca ou cabal da dissolução irregular da sociedade. Nessa fase, a presença de indícios de que a empresa encerrou irregularmente suas atividades é suficiente para determinar o redirecionamento, embora não o seja para a responsabilização final dos sócios, questão esta que será objeto de discussão aprofundada nos embargos do devedor. (...) Como bem salientou o Ministro Teori Albino Zavascki no AgRg no REsp 643.918/PR, DJU de 16.05.06, saber se o executado é efetivamente devedor ou responsável pela dívida é tema pertencente ao domínio do direito material, disciplinado, fundamentalmente, no Código Tributário Nacional (art. 135), devendo ser enfrentado e decidido, se for o caso, pelas vias cognitivas próprias, especialmente a dos embargos à execução (REsp nº 868.472/RS, Rel. Min. CASTRO MEIRA, DJ de 12.12.2006).
V - Recurso especial provido”[1].
Por outro lado, cumpre frisar que se deve conceder tratamento diverso ao redirecionamento da execução fiscal no caso de os nomes dos corresponsáveis constarem da Certidão de Dívida Ativa que instrui a ação. Nesta hipótese, o redirecionamento é automático, não necessitando o exequente comprovar a ocorrência de uma das situações do artigo 135 do CTN. Isto, porque, se presume que a Administração Pública, no âmbito administrativo, apurou suas respectivas responsabilidades. Em tais casos, cabe ao executado comprovar que não se caracterizou quaisquer das hipóteses legais de redirecionamento da execução.
Esse, aliás, é o entendimento do C. STJ, in verbis:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO À SISTEMÁTICA PREVISTA NO ART. 543-C DO CPC. EXECUÇÃO FISCAL. INCLUSÃO DOS REPRESENTANTES DA PESSOA JURÍDICA, CUJOS NOMES CONSTAM DA CDA, NO PÓLO PASSIVO DA EXECUÇÃO FISCAL. POSSIBILIDADE. MATÉRIA DE DEFESA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. INVIABILIDADE. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
1. A orientação da Primeira Seção desta Corte firmou-se no sentido de que, se a execução foi ajuizada apenas contra a pessoa jurídica, mas o nome do sócio consta da CDA, a ele incumbe o ônus da prova de que não ficou caracterizada nenhuma das circunstâncias previstas no art. 135 do CTN, ou seja, não houve a prática de atos "com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos".
2. Por outro lado, é certo que, malgrado serem os embargos à execução o meio de defesa próprio da execução fiscal, a orientação desta Corte firmou-se no sentido de admitir a exceção de pré-executividade nas situações em que não se faz necessária dilação probatória ou em que as questões possam ser conhecidas de ofício pelo magistrado, como as condições da ação, os pressupostos processuais, a decadência, a prescrição, entre outras.
3. Contudo, no caso concreto, como bem observado pelas instâncias ordinárias, o exame da responsabilidade dos representantes da empresa executada requer dilação probatória, razão pela qual a matéria de defesa deve ser aduzida na via própria (embargos à execução), e não por meio do incidente em comento.
4. Recurso especial desprovido. Acórdão sujeito à sistemática prevista no art. 543-C do CPC, c/c a Resolução 8/2008 - Presidência/STJ.
Por fim, apenas para demonstrar como o tema é inquietante e merece maior aprofundamento – o que não se justifica, por ora, neste artigo, cabe lembrar também a controvérsia existente acerca da responsabilidade do ex-sócio da sociedade, que exercia gerência à época do vencimento dos tributos.
Apesar de o C. STJ firmar seu entendimento na possibilidade de redirecionamento da execução somente em face dos sócios que administravam a empresa à época da dissolução irregular[2], ainda não foi colocado um ponto final na questão, que ainda permite várias discussões nos Tribunais brasileiros.
REFERÊNCIAS:
KOURY, Suzy Elizabeth Cavalcante. A desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) e os grupos de empresas. Rio de Janeiro: Forense, 1998.
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros, 2004.
REQUIÃO, Rubens. Abuso de direito e fraude através da personalidade jurídica. RT 410, p. 12-24, dez/69.
Procuradora Federal. Especialista em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARINHO, Cláudia Gaspar Pompeo. O redirecionamento da execução fiscal contra os sócios da sociedade limitada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2012, 08:33. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29781/o-redirecionamento-da-execucao-fiscal-contra-os-socios-da-sociedade-limitada. Acesso em: 22 nov 2024.
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