1. Introdução.
Os infratores ambientais não respeitam período eleitoral. Empreendem suas práticas infracionais movidos por sua ambição e desrespeito ao meio ambiente, pouco importando se tratar de período de sazonalidade eleitoral ou não.
Para a sociedade, de outro lado, o período eleitoral se reveste de período particularmente importante, porquanto é nele que se exerce o direito democrático e republicano do sufrágio universal.
Justamente nesse período, portanto, é que as condutas dos cidadãos estão sujeitas e sujeitam outros eleitores num jogo em que comportamentos adversos podem influenciar, impropriamente, as eleições.
O desafio que se coloca é o de conciliar as atividades fiscalizatórias de modo que haja harmonia entre as sutilezas eleitorais e os rigores fiscalizatórios na proteção ambiental.
Em outras palavras, a questão que se coloca é a convivência entre o princípio democrático expresso pelo equilíbrio eleitoral e o princípio da prevenção na tutela ambiental.
2. Considerações sobre a Lei das Normas para as Eleições – Lei nº 9.504/1997
A Lei das Normas para as Eleições – Lei nº 9.504/1997 – estabelece as condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral. O seu art. 73 enumera um conjunto de situações proibidas aos servidores públicos e, nesse conjunto, ganha destaque para o caso ora discutido o §10º do referido dispositivo, confira-se:
Das Condutas Vedadas aos Agentes Públicos em Campanhas Eleitorais
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
I - ceder ou usar, em benefício de candidato, partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, ressalvada a realização de convenção partidária;
II - usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que integram;
III - ceder servidor público ou empregado da administração direta ou indireta federal, estadual ou municipal do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, para comitês de campanha eleitoral de candidato, partido político ou coligação, durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;
IV - fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, partido político ou coligação, de distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;
V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;
VI - nos três meses que antecedem o pleito:
a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Estados e Municípios, e dos Estados aos Municípios, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obrigação formal preexistente para execução de obra ou serviço em andamento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situações de emergência e de calamidade pública;
b) com exceção da propaganda de produtos e serviços que tenham concorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, salvo em caso de grave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;
c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tratar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções de governo;
VII - realizar, em ano de eleição, antes do prazo fixado no inciso anterior, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos nos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição.
VIII - fazer, na circunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido no art. 7º desta Lei e até a posse dos eleitos.
(...)
§ 10. No ano em que se realizar eleição, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior, casos em que o Ministério Público poderá promover o acompanhamento de sua execução financeira e administrativa. (Incluído pela Lei nº 11.300, de 2006)
(...)
À luz do § 10 do art. 73 da Lei das Normas para as Eleições, portanto, fica proibida a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, exceto nos casos de calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior.
3. Lei de Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98
A Lei de Crimes Ambientais – Lei nº 9.605/98 determina o apenamento administrativo ou criminal pelas condutas infracionais ao meio ambiente.
Ante tal comando da lei, não se poderia esperar consequência distinta daquela definida pelo art. 25 da Lei de Crimes Ambientais para os bens apreendidos, quando do cometimento da infração: a apreensão, o perdimento e a destinação. Confira-se:
CAPÍTULO III
DA APREENSÃO DO PRODUTO E DO INSTRUMENTO DE INFRAÇÃO
ADMINISTRATIVA OU DE CRIME
Art. 25. Verificada a infração, serão apreendidos seus produtos e instrumentos, lavrando-se os respectivos autos.
§ 1º Os animais serão libertados em seu habitat ou entregues a jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas, desde que fiquem sob a responsabilidade de técnicos habilitados.
§ 2º Tratando-se de produtos perecíveis ou madeiras, serão estes avaliados e doados a instituições científicas, hospitalares, penais e outras com fins beneficentes.
§ 3° Os produtos e subprodutos da fauna não perecíveis serão destruídos ou doados a instituições científicas, culturais ou educacionais.
§ 4º Os instrumentos utilizados na prática da infração serão vendidos, garantida a sua descaracterização por meio da reciclagem.
A pergunta que se impõe, nesse momento, é se a destinação decorrente da apreensão administrativa ou criminal com fundamento no art. 25 da Lei de Crimes Ambientais está alcançada pelas restrições do §10 do art. 73.
4. O Que se Extrai dos Acórdãos do Tribunal Superior Eleitoral?
Em consulta realizada pelo Ibama, o Tribunal Superior Eleitoral exarou o acórdão nº 100.080, na relatoria do Ministro Marco Aurélio, que, após não adotar a orientação de sua assessoria, entendeu pela total incidência do §10 do art. 73 às doações a serem procedidas pelo Ibama.
Esclareça-se, no entanto, que o entendimento de que nas doações ambientais incide a restrição imposta pelo §10 do art. 73 não impede a absoluta impossibilidade de doação de bens pelos órgãos de fiscalização em anos eleitorais. Isso porque, o próprio §10 traz consigo exceções, uma das quais se relaciona com a possibilidade de doação a programas sociais já autorizados em lei e já em execução orçamentária no ano anterior.
Portanto, se o programa Fome Zero preenche tais requisitos, eles podem receber doações oriundas de fiscalizações ambientais. Isso tudo para se evitar o desperdício de toneladas de alimentos apreendidos cujo destino seria o lixo, caso inexistisse esse permissivo na lei.
Em reforço às ponderações ora expendidas, merece menção recente precedente do Tribunal Superior Eleitoral em acórdão da relatoria da Ministra Nancy Andrighi, no qual se entendeu pela ausência de afronta ao §10 do art. 73 da Lei das Normas para as Eleições (Lei nº 9.504/97). Veja-se (inteiro teor em anexo[1]):
2. O art. 73, IV, da Lei 9.504/97 veda a distribuição gratuita de bens e serviços de caráter social, custeados ou subvencionados pelo Poder Público, realizada com o intuito de beneficiar candidatos, partidos políticos e coligações.
3. Na espécie, apesar da inequívoca implementação, na gestão do prefeito Jorge Abissamra, de programa social de distribuição de carteiras estudantis a alunos de escolas públicas e privadas do Município de Ferraz de Vasconcelos/SP entre maio e julho de 2010, o conjunto probatório dos autos revela que Elaine Aparecida Belloni Abissamra - candidata ao cargo de deputado federal nas Eleições 2010 - não possuiu ligação com essa ação, tampouco teve sua candidatura beneficiada.
4. O art. 73, § 10, Lei 9.504/97, no que se aplica ao caso concreto, obsta a doação de bens, valores ou benefícios pela administração pública no ano da eleição, salvo quanto a programas sociais autorizados em lei e em execução orçamentária no exercício anterior.
5. O programa de distribuição de carteiras de estudante, embora previsto nas Leis Municipais 2.774/2006 e 2.778/2007, não teve execução orçamentária em 2009 - ano imediatamente anterior à eleição - o que caracterizaria, em tese, a conduta vedada do mencionado dispositivo legal.
6. Contudo, conforme já destacado, não há relação entre Elaine Aparecida Belloni Abissamra e o programa social em comento, tampouco o favorecimento à sua candidatura, de modo que o bem jurídico tutelado no art. 73 da Lei 9.504/97 - igualdade de oportunidades entre candidatos e partidos no contexto da proibição do uso da máquina administrativa para fins eleitorais - não foi violado.
7. Recurso ordinário interposto pelo Ministério Público a que se nega provimento.
8. Recurso especial eleitoral interposto por Jorge Abissamra provido para afastar a multa pecuniária que lhe foi imposta.
(14269-66.2010.626.0000 RO - Recurso Ordinário nº 1426966 - São Paulo/SP Acórdão de 22/03/2012 Relator(a) Min. FÁTIMA NANCY ANDRIGHI Publicação: DJE - Diário de justiça eletrônico, Tomo 079, Data 27/04/2012, Página 207)
Tal precedente não afasta os rigores do §10 do art. 73, que, por força da consulta do Ibama geradora do acórdão TSE nº 100.080.
No entanto, revela a existência de interpretação do TSE, no sentido de que o bem jurídico tutelado pelo já citado §10 do art. 73 da Lei nº 9.504/97 é a garantia da igualdade entre os candidatos, o que vai ao encontro da possibilidade de transferência de bens para outros entes públicos, quando isso não vier a gerar a potencialidade de desbalanço eleitoral entre os candidatos.
Por fim, é de se registrar que a consulta ao TSE consignou a incidência do tantas vezes citado §10 do art. 73 da Lei nº 9.504/9, ainda que os bens derivem de apreensão ambiental. Nessa premissa, portanto, se afigura possível a doação pelo órgão apenas nas exceções reproduzidas no acórdão nº 100.080 de relatoria do Min. Marco Aurélio, quais sejam, calamidade pública, estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior. Neste último caso, se os programas vinculados à estratégia Fome Zero efetivamente preencherem os requisitos exigidos pelo §10 (programa social autorizado em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior), afigura-se possível seu repasse por parte do Instituto aos responsáveis pelo referido Programa.
Isso porque, como a finalidade e o bem jurídico tutelado pelo art. 73 dizem com a garantia da igualdade entre os candidatos nas eleições (vide precedente recente do TSE acima citado), o dispositivo em discussão não se presta a vedar o repasse a entidades cujas atividades estejam devidamente enquadradas nas exceções do §10 do art. 73 da Lei nº 9.504/97, de outro modo, estar-se-ia a estabelecer uma restrição descompassada com seu bem jurídico tutelado.
5. Conclusões
Por todo o exposto, acredita-se que a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral já dá sinais de reconhecer o efetivo desbalanço (e não presumido) entre os candidatos como causa legítima para aplicação de eventuais penalidades eleitorais, o que importa em maiores possibilidades de atuação para as fiscalizações ambientais em proteção do meio ambiente.
6. Referências Bibliográficas
Brasil. Lei nº 9.504, de 30 setembro de 1997.
Brasil. Lei nº 9.605, de 12 fevereiro de 1998.
[1] Excerto do voto da relatora:
De fato, este Tribunal, no julgamento do AgR-Respe 36.026/BA4 e em outras oportunidades5, definiu que "para a configuração da conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei n o 9.504197 não é preciso demonstrar caráter eleitoreiro ou promoção pessoal do agente público, bastando a prática do ato ilícito".
Todavia, os precedentes citados diferem do caso concreto em importante aspecto, pois neles o agente público que incorreu no referido dispositivo era o chefe do Poder Executivo Municipal, o qual disputava a reeleição.
Consequentemente, ainda que naquelas hipóteses a distribuição gratuita de bens e serviços sociais pelo agente público - o própriocandidato - não tivesse caráter eleitoreiro ou não objetivasse sua promoção pessoal, a possibilidade de obtenção de benefício eleitoral com a prática da conduta era inegável e poderia afetar o equilíbrio de forças na eleição. Ademais, este Tribunal consignou expressamente que as normas disciplinadoras das condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral visam coibir a utilização da máquina administrativa para beneficiar determinada candidatura em detrimento das demais. Destaco: ( ... ) 2. A disciplina das condutas vedadas aos agentes públicos em campanha eleitoral visa coibir a utilização da máquina administrativa em benefício de determinada candidatura, o que não se verifica na espécie. Na espécie, o candidato compareceu à inauguração de obra promovida pelo seu adversário político, mas não auferiu vantagem político-eleitoral com o evento. Não incide, por isso, a sanção prevista no art. 77, parágrafo único, da Lei 9.504197. (...) (REspe 6469-84/SP, de minha relatoria, DJe de 24.8.2011) (sem destaque no original). Esse entendimento foi reafirmado recentemente no julgamento da CTA 1531-691DF, cujo questionamento envolvia especificamente a aplicação do art. 73, § 10, da Lei 9.504197. Confira-se: (Trecho do voto) Pois bem, a Interpretação teleológica do preceito revela a impossibilidade de a máquina administrativa ser manipulada com vistas a conquistar simpatizantes a certa candidatura. De início, benefícios concernentes à dívida ativa do Município não podem, ainda que previstos em lei, ser implementados no ano das eleições. O mesmo se diga, no citado período, quanto à iniciativa de projeto de lei objetivando tal fim. Repita-se que o dispositivo legal referido visa a evitar o uso da máquina no que apresenta, sem dúvida alguma, efeitos nefastos em relação ao equilíbrio que deve prevalecer na disputa eleitoral. (CTA 1531-691DF, Rei. Mm. Marco Aurélio, DJe de 28.10.2011)
(sem destaques no original).
Em suma, o bem jurídico tutelado no art. 73 da Lei 9.504197 - igualdade de oportunidades entre candidatos e partidos no contexto da proibição do uso da máquina administrativa para fins eleitorais - não foi violado no caso concreto, pois a continuidade do programa social iniciado e sem execução orçamentária em 2009 não beneficiou a candidatura de Elaine Aparecida Belloni Abissamra ao cargo de deputado federal nas Eleições 2010. Nesse ínterim, não é plausível punir-se na seara eleitoral conduta desprovida dessa conotação e, portanto, sem o condão de beneficiar candidatos, partidos ou coligações, sob risco de ampliar-se indevidamente a finalidade da lei. Por fim, a título de complemento, ressalte-se que, além da inexistência de relação de Elaine Aparecida Belioni Abissamra com o programa social de distribuição de carteiras de estudante, a referida candidata concorreu a cargo diverso do atualmente ocupado por Jorge Abissamra, inclusive sob o aspecto de circunscrição.
III - Conclusão.
A análise do conjunto probatório dos autos demonstra que Elaine Aparecida BelIoni Abissamra e Jorge Abissamra não praticaram as condutas vedadas do art. 73, IV e § 10, da Lei 9.504197, motivo pelo qual o acórdão recorrido deve ser reformado no que concerne à aplicação da multa pecuniária.
Procurador Federal/AGU/PGF.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Carlos Vitor Andrade. Da Possibilidade de Doação de Bens Apreendidos em Operações Fiscalizatórias Ambientais em Ano Eleitoral Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2012, 09:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29821/da-possibilidade-de-doacao-de-bens-apreendidos-em-operacoes-fiscalizatorias-ambientais-em-ano-eleitoral. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
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