1. AB INITIO
Esta crônica não ter caráter, conteúdo ou forma de ensaio teórico ou artigo empírico, em verdade, constitui-se numa reflexão cujo objetivo é estabelecer provocações para aqueles que se habituaram à reprodução acrítica de postulados, dogmas e interpretações dos fenômenos jurídicos nacionais, sem qualquer mister mais arrojado, ou paradigmático. São apenas reflexões que assomam a consciência de juristas calados e enfraquecidos por uma formação positiva, talqualmente à brasileira.
2. UMA CRÔNICA SOBRE O DIREITO, O DESENVOLVIMENTO E A PESQUISA NO BRASIL
A pergunta formulada no título da presente crônica é perturbadora, sobremaneira para aqueles que ainda tentam compreender o Direito como um ramo da “Ciência”, autônomo ou social, cujo objeto de estudo compõe-se das normas jurídicas e dos meios de composição dos conflitos, utilizados ou incentivados pelo Estado; ou que, de forma também simplista, na linha de PAULO DOURADO DE GUSMÃO, compõe-se em ramo do conhecimento que se debruça sobre um "conjunto de normas executáveis coercitivamente, reconhecidas ou estabelecidas e aplicadas por órgãos institucionalizados"; ou, na do sempre lembrado e pouco estudado no Brasil, mas muito criticado, HANS KELSEN, para quem trata-se de Ciência que estuda "um conjunto de regras que possui o tipo de unidade que entendemos por sistema jurídico".
Talvez assista razão, mais uma vez, a IMMANUEL KANT para quem os juristas ainda procuram uma definição do seu conceito de Direito. O que, hodiernamente, tem se revelado deveras um paradigma de ambiguidade. Nessa senda, STAMLER e DEL VECCHIO obtemperam que não se poderia reconhecer o Direito entre os demais ramos científicos, se não existir um critério científico do próprio Direito, indispensável para dissociar o fenômeno jurídico dos demais fenômenos históricos.
O fato é que, a despeito do esforço da filosofia do Direito em, hodiernamente, reconhecê-lo como “Ciência”- ainda que não sem muita crítica endógena, inclusive -, pouco se produziu nesse sentido na América Latina e, em especial, no Brasil.
Pior é pensar que, em se tratando de “desenvolvimento”, então palavra-chave na política latino-americana e caribenha, o Direito é ferramenta de homogeneização e diminuição das diferenças ínsitas ao sistema capitalista, portanto, um vetor inafastável do debate do desenvolvimento nacional, ou do planejamento do Brasil para as próximas décadas, inobstante se ele não sabe o que “é”, como poderá dizer o que “deve ser”.
De fato, “O importante não é o que fizeram de nós, mas o que nós próprios faremos com aquilo que fizeram de nós” (SARTRE), assim, se é ciência, como admitir validade ao conhecimento produzido pelo Direito na América Latina e no Caribe se ele não é fruto de pesquisa?
Perceba-se, não falo “objeto de pesquisa”, porquanto inelutavelmente objeto ele é, a questão é: Ele é fruto?
Essa pergunta nos leva a outras, p.ex., admitindo que o Direito é uma Ciência, dentro do que a epistemologia moderna considera como tal, qual tipo de pesquisa estamos realizando em Direito? Ou, qual a relação estabelecida pela “doutrina nacional” e o método científico?
Sem pretender esgotar a questão ou apresentar uma resposta concludente, é cediço o fato de que a imensa maioria das pesquisas realizadas em Direito são bibliográficas e disciplinares, com a palavra nossos mestrandos e doutorandos.
Enfim, falamos e revivemos muita bibliografia na tentativa de construção de teorias de médio alcance (MERTON), quando, em verdade, nos acomodamos com as de mínimo alcance, fruto muitas vezes da autoridade política de nosso doutrinador, sobretudo se ministro, juiz, advogado et alli , pois o nosso “cientista virou um mito. E todo mito é perigoso, porque ele induz o comportamento e inibe o pensamento. Este é um dos resultados engraçados (e trágicos) da ciência” (ALVES, 1989, p.07).
Ademais, sofremos de uma incapacidade histórica, e sempre latente, de dialogar com outras searas do conhecimento humano, como o pensamento social ou econômico brasileiros (verbi gratia: GILBERTO FREIRE, ROBERTO DA MATTA, FRANCISCO OLIVEIRA, FLORESTAN FERNANDES, SÉRGIO BUARQUE, CELSO FURTADO, CAIO PRADO, MILTON SANTOS, ROBERTO CAMPOS, INÁCIO RANGEL, TANIA BACELAR, JOSÉ ELI DA VEIGA entre muitos, e injustamente omitidos, outros), a despeito de também ser cediço entre nós que a visão disciplinar é insuficiente ou incapaz de dar ao pesquisador uma visão mais aquilatada de seu objeto de estudo, mormente, no campo das ciências sociais aplicadas, da qual tenta ou tentou apartar-se o Direito.
Nessa senda, também desprezamos o senso-comum, e, portanto, entramos na contramão das melhores percepções sobre a ciência no mundo atual, que, cada vez mais, tem reconhecido valor ao relacionamento imbricado entre si e o “Senso Comum”.
Em verdade, sempre me parecera ofensiva a expressão “doutrinador”, ao contrário sempre me parecera mais dotada de credibilidade a expressão “pesquisador”. O culto ao doutrinador revela uma face passiva e dependente do jurista em formação no Brasil.
No Direito, ainda mais do que em outras áreas do conhecimento humano, há uma verdadeira mitificação dos nossos “cientistas”, talvez porque nunca tenhamos lido sobre filosofia da ciência, sequer RUBEM ALVES.
Essa mitificação é tão aguda que nós não os chamamos de pesquisadores, mas sim de doutrinadores, intocáveis, ilibados e responsáveis pela chama do conhecimento, a despeito de não serem “prometeus acorrentados”.
Inobstante, se os chamássemos de pesquisadores, uma segunda pergunta lhes seria endereçada, qual seja: onde estão as suas pesquisas? Talvez muitos não se apressassem em apresentá-las, preferindo ser chamados de doutrinadores mesmo, e pronto.
Tenho uma hipótese de pesquisa, isso mesmo, juristas também podem estabelecer hipóteses de pesquisa, a saber: a imensa maioria das pesquisas realizadas em nível de pós-graduação estrictu senso em Direito no Brasil são bibliográficas ou, no máximo, documentais, de caráter qualitativo, multidisciplinares, mas não, efetivamente, interdisciplinares ou transdisciplinares (PIAGET), inclusive, em algumas “ilhas de excelência” brasileiras.
Por que a pesquisa de campo incomoda tanto os juristas? Tenho outra hipótese, essa sem rigor científico, tanto quanto a suso proposta: o jurista tem medo de constatar que muito do que se discute na academia não tem tanta relevância quanto achamos que tem!
Bem, se nessa crônica discutimos direito e desenvolvimento, é certo que não haverá contribuição do direito para o desenvolvimento nacional enquanto não despertarmos para a pesquisa de campo, mormente com enfoque local ou regional, além da simplesmente bibliográfica ou “argumentativa” (de soslaio, essa modalidade a epistemologia não conhece, entretanto, nós a inventamos, assim como inventamos uma “Sociologia do Direito”, uma “Filosofia do Direito”, deveriam, quiçá os biólogos criarem uma “Filosofia da Biologia” ou uma “Sociologia da Biologia”), outrossim, buscarmos uma visão interdisciplinar com base noutras pesquisas sociais com forte marco exploratório que buscaram explicar o Brasil por ele mesmo, sob pena de continuarmos criando nossos problemas para inventar ou vender, aliás “alienar”, as soluções, ou, quem sabe, importá-las do direito italiano ou alemão, como sapatos italianos apertados ou frouxos, p.ex., em que hora cortamos o bico, hora recheamos com algodão, para que caibam em nossos pés.
Dessarte, continuamos propondo a construção de muitos códigos ou normas jurídicas, interpretando-as, sem amparo em pesquisas, em estudos que atentem para a realidade brasileira, inclusive regional, alteramos nossas leis amparados muitas vezes em discursos de autoridade (doutrina) que tem, muitas vezes, visão míope sobre o Brasil, isso quando não legislamos apenas com base em interesses políticos antidemocráticos.
3.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo deste curto texto que, paradoxalmente, ousou suscitar ideias não muito curtas, sob a influência do paradigma da complexidade (MORIN), portanto, quebrando a regra de que não se pode inovar nas considerações finais, mas tentando fechar o que não tem fecho, pode-se, apenas por hora, obtemperar que o positivismo clássico não sofrera, aparentemente, qualquer abalo no Brasil, continua jovem e se reproduzindo, pois, parece que “se existe uma classe especializada em pensar de maneira correta (os cientistas), os outros indivíduos são liberados da obrigação de pensar e podem simplesmente fazer o que os cientistas mandam (ALVES, 1989, p.08).
Daí, de vez em quando, precisarmos ler um pouco mais de HARVEY, KHUN ou mesmo o nosso RUBEM ALVES, ao invés de [...], você sabe [...], seu doutrinador favorito, afinal ele pensa por você e pelo país.
REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. Filosofia da Ciência: Introdução ao jogo e suas regras. Brasília: Brasiliense, 1989.
MALABOU, C.. ¿ Qué hacer con nuestro cerebro?. Madrid: Tiempo al Tiempo, 2007
MARCUS, G. La azarosa construcción de la mente humana. Barcelona: Planeta, 2011.
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual da Paraíba, Especialista em Direito Processual Civil e Direito Tributário pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL), Mestrando em Desenvolvimento pela UEPB/UFCG, professor das disciplinas de Direito Processual Civil e Teoria Geral do Processo do Centro de Ensino Superior Reinaldo Ramos (CESREI), professor da Disciplina de Direito Processual Civil e Juizados Especiais da UNESC Faculdades, professor do Lexus Cursos Jurídicos, ex-professor do Meritus e de diversos outros cursinhos preparatórios para concursos e para o Exame da OAB . Advogado Militante, civilista, palestrante em eventos jurídicos nacionais e internacionais, doutorando em Direito pela Universidad Catolica Argentina/ARG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIRA, Daniel Ferreira de. Por que não chamamos nossos autores de "pesquisadores", como o fazem as demais ciências sociais, mas de "doutrinadores"? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jul 2012, 07:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/29908/por-que-nao-chamamos-nossos-autores-de-quot-pesquisadores-quot-como-o-fazem-as-demais-ciencias-sociais-mas-de-quot-doutrinadores-quot. Acesso em: 22 nov 2024.
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