É recorrente a discussão na doutrina acerca da natureza jurídica da prescrição e da decadência. É comum a afirmação de que a prescrição gera a perda do exercício do direito, ao passo que a decadência gera a perda do próprio direito material.
A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXIX, dispõe sobre a prescrição em matéria trabalhista nos seguintes termos:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(...)
XXIX - ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 28, de 25/05/2000)
Analisando este dispositivo, em cotejo com a afirmação de que a prescrição fulmina apenas o exercício do direito, poder-se-ia chegar à conclusão de que as prescrições bienal e quinquenal são, na verdade, prazos decadenciais.
Isto porque, findado um contrato de trabalho, o empregado terá dois anos para pleitear o que entender de direito na Justiça, de modo que, passado esse prazo sem a devida provocação jurisdicional, o obreiro não terá outra medida judicial para requerer o que julga ser seu por direito.
Deste modo, como após o decurso desse prazo não haverá outra forma de se requerer judicialmente o pretendido, haveria, na verdade, uma perda do direito. Em outras palavras, seria um prazo decadencial.
Um exemplo que reforça esta tese é o do prazo prescricional do cheque. Nos termos dos art. 47 e 59 da Lei 7.357/85, o cheque pode ser executado no prazo de seis meses, a contar de sua emissão. Todavia, ainda que prescrito, existe nova possibilidade de se conferir força executiva ao título, por meio de ação monitória. Neste caso, a prescrição não exaure as oportunidades de amparo legal ao credor, como ocorre com a prescrição bienal e quinquenal trabalhistas.
Primeiramente, cabe expor como a Doutrina mais aceita conceitua os institutos da prescrição e da decadência.
Câmara Leal ensina que “prescrição é a extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso.”
Por sua vez, decadência é conceituada pelo saudoso jurista Nelson Nery Júnior como "causa extintiva de direito pelo seu não exercício no prazo estipulado pela lei".
Assim, percebe-se claramente que o instituto da prescrição se perfaz na perda do direito do interessado de acionar o judiciário para requerer o direito pretenso. A decadência, por outro lado, se traduz na perda do próprio direito material.
Mas o fato é que, com a prescrição, o Estado deixa de intervir de modo a resguardar o direito do interessado, mas a pretensão do detentor do direito não se extingue.
A pretensão, que poderia ser definida como o poder exigir de outrem, mesmo que extrajudicialmente, uma prestação, não nasce do direito subjetivo diretamente, mas de seu vencimento ou de qualquer fato que gere sua exigibilidade.
Destaca Humberto Theodoro Júnior que “sempre que a parte não tiver pretensão a exercer contra o demandado (porque este não tem obrigação de realizar qualquer prestação em favor do autor), o caso não será de prescrição, mas de decadência. É o que se passa com as ações constitutivas e declaratórias, porque nas primeiras se exerce um direito potestativo, e nas últimas, apenas se busca a certeza acerca da existência ou inexistência de uma relação jurídica. Vale dizer: em nenhuma delas o autor reclama prestação (ação ou omissão) do réu, não havendo pretensão para justificar a prescrição.”
O doutrinador continua lecionando que, para haver prescrição, é necessário que:
a) exista o direito material da parte a uma prestação a ser cumprida, a seu tempo, por meio de ação ou omissão do devedor;
b) ocorra a violação desse direito material por parte do obrigado, configurando o inadimplemento da prestação devida;
c) surja, então, a pretensão, como conseqüência da violação do direito subjetivo, isto é, nasça o poder de exigir a prestação pelas vias judiciais;
d) se verifique a inércia do titular da pretensão em fazê-la exercitar durante o prazo extintivo fixado em lei.
É fato que, com o esgotamento dos meios jurídicos coercitivos para a satisfação do direito material, resta ao obrigado um mero dever de consciência. Mas, ainda que tenha cunho estritamente moral, a obrigação do devedor de saldar sua dívida, ou satisfazer o direito do credor, persiste, mesmo após a prescrição.
A comprovação de que o direito material permanece vivo, mesmo com a ocorrência da prescrição, podem ser legalmente aferida, nos termos do artigo 882 do Código Civil:
Art. 882. Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível.
Portanto, a inexigibilidade por meio jurisdicional de um direito subjetivo não pressupõe necessariamente perda do direito material, assim como não significa perda da pretensão do detentor do direito, mas apenas a perda da possibilidade de ter a tutela do Estado garantindo determinada pretensão por meio do exercício do direito de ação.
Desse modo, a questão levantada inicialmente, qual seja, de que as prescrições bienal e quinquenal trabalhistas seriam, na verdade, prazos decadenciais, não caminha ao encontro da melhor doutrina, já que o direito à ação poderia ser considerado prescrito, mas o direito referente aos créditos se manteria preservado.
Podem existir posicionamentos diversos a esse respeito, valendo-se de questões práticas de não mais se ter disponível a tutela Estatal para a execução de uma dívida, haja vista que, de fato, são raros os casos em que um devedor se vê compelido moralmente a pagar uma dívida prescrita.
De toda sorte, o que colocamos em discussão aqui são os aspectos teóricos, onde a perda do exercício do direito de ação é causa da prescrição, jamais da decadência.
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