RESUMO: Este trabalho apresenta a visão de um jurista acerca da inconsistência da criminologia tradicional, bem como a utilização do método técnico-jurídico para o seu estudo e a discriminação da justiça penal. Foi abordado através de uma visão crítica os principais aspectos do crime e do criminoso sob o enfoque de uma sociedade politicamente organizada, tendo suas definições oriundas da lei que deriva de um processo político. Foi utilizada a metodologia explicativa, pois enfocou conceitos, análise e exemplos de outros autores procurando obter o caráter de objetividade e riqueza de dados. O presente artigo tem como objetivo provocar profundas e instigantes discussões sobre a realidade jurídico-social brasileira.
PALAVRAS CHAVE: Crime, criminoso, sociedade, pena, político.
1 INTRODUÇÃO
O crime e o criminoso são enfocados como uma forma de rebeldia ao sistema político que é inerente à sociedade são caracterizados a partir de uma discriminação do que se opõe ao sistema vigente, ou seja, o que for de encontro a lei; estão vinculados ao desrespeito do preceito penal e à parcelas inferiores da sociedade. O Direito Penal, mediante a sua aplicação impossibilita a implementação de um objetivo baseado na ressocialização do criminoso. Com as atuais regras do direito penal, encobre-se o princípio da dignidade da pessoa humana quando esta vai de encontro ao que está previsto em lei, isto é, o que não está inserido no sistema político social, não é considerado legal, ocasionando uma ação punitiva, tentando reenquadrar esse indivíduo ao convívio em sociedade, através de ações que nem sempre são consideradas adequadas.
2 O CRIME E O CRIMINOSO
O crime é considerado um fenômeno natural e tem o seu estudo específico fundamentado na Criminologia, cujo ramo do conhecimento enfoca o delito, investigando-o através das ciências naturais. A partir de meados do século atual, foram evidenciados resultados discrepantes em pesquisas, devido a relação estatística entre o número de crimes registrados e o número real de crimes acontecidos, favorecendo a brecha denominada “cifra negra da criminalidade”.
Caracteriza-se como criminoso o indivíduo condenado pela justiça, sobretudo se for recolhido à prisão, reservando-se a margem da sociedade como delinqüente, porém, vale ressaltar que da prática do delito à condenação há m caminho definido pelas seguintes etapas: a) ser o fato relacionado à polícia; b) se relatado, ser registrado; c) se registrado, ser investigado; d) se investigado, gerar um inquérito; e) se existente o inquérito, dar origem a uma denúncia por parte do promotor; f) se denunciado, redundar em condenação pelo juiz; g) se, havendo condenação e expedido o conseqüente mandado de prisão, a polícia efetivamente o executa.
Grande parte dos crimes não chega à ciência da polícia, alguns por não serem considerados de relevante valor social, outros por serem delitos cometidos por familiares e encobertos por outros da família, alargando a escala da cifra negra e dificultando o cálculo de estimativas. Algumas vezes, a notícia de um fato punível chega ao conhecimento da delegacia, mas o agente responsável pelo recolhimento das informações não realiza o registro no livro impedindo que o ilícito ingresse nas cifras oficiais. Com essa atitude, visa-se economia de trabalho e de gastos por parte dos servidores da polícia. Porém, o mero registro não representa a condução do caso para a resolução, verificando-se a ausência de investigação de alguns delitos, sobretudo contra o patrimônio, os quais só serão solucionados por questão de sorte. Por outro lado, há o impasse entre a investigação e possível instauração de inquérito a todos os casos, pois se isto ocorresse haveria uma sobrecarga absurda do sistema, implicando numa paralisação do judiciário devido ao montante de inquéritos requerendo uma solução.
Muitos dos inquéritos instaurados terminam sem a elucidação da autoria pela polícia, por inexistência de elementos tornando-se inviável processar o criminoso. Instaurada a ação penal pela denúncia, o processo seguirá até ma decisão do Juiz, havendo predomínio de absolvição sobre a condenação do réu. Condenado o ré a uma pena prisional que não caiba recurso, é expedida uma ordem ou mandado de prisão pelo Juiz, determinando à polícia a efetuação da captura do condenado, todavia, há uma grande parcela de mandados aguardando o cumprimento, ou seja, a população prisional é ínfima relacionando-se a que deveria existir.
Para Francesco Carrara “O crime é um ente jurídico”, caracterizando o Direito Penal clássico com a utilização do método baseado nas ciências jurídicas e no dever ser. Segundo Raphael Garófalo, “crime é a violação dos sentimentos altruísticos fundamentais da piedade e probidade, na medida média em que se encontram na humanidade civilizada por meio de ações nocivas à coletividade”. Lombroso analisa o crime como mal e sua investigação seria por meio do corpo dos seus portadores, que são os criminosos, baseia-se nas características físicas do indivíduo e no ser.
A justiça criminal, representada pelo legislador, polícia, ministério público e administração penitenciária encontra-se interligada possibilitando o desencadeamento da desigualdade no sistema penal e manutenção do sistema social, econômico e político da classe dominante. No sistema penal, existe uma desigualdade, favorecendo as classes economicamente superiores, defendendo-a de todo e qualquer problema devido ao seu poder valorativo ascendente em relação às demais, ou seja, as pessoas que pertencem às classes menos favorecidas, geralmente são punidas pelos erros, enquanto as que não possuem poder aquisitivo elevado são punidas por suas condutas.
O Direito Penal está ligado ao modo de produção capitalista, favorecendo os interesses necessidades das classes dominantes, impondo as relações de opressão e desigualdade em que fundamenta o seu poder de classe. Os criminosos que possuem elevada classe social, com os chamados “colarinhos-brancos”, não são atingidos pelo sistema discriminatório e, sim são favorecidos, pois estes crimes são esquecidos ou até nem sequer citados mediante a dominação de classes, implicando na seleção de pessoas e, não de ações, gerando imunidade aos que possuem elevada classe social.
Segundo o autor, as causas do crime podem ser identificadas tendo por base a legislação e a atividade do mecanismo de repressão penal; a primeira relaciona-se ao fato de que as leis possuem brechas que beneficiam os criminosos, sobretudo os que possuem classe social mais elevada e, a segunda impossibilita a recondução do criminoso à sociedade.
O ingresso de um delito na ordem forma situa-se na área policial, a formalização completa da rotulação do criminoso ocorre pelo judiciário e com o cumprimento do mandado de prisão, a operação volta ao campo da polícia e o conseguinte encarceramento do condenado. A existência de quatro fatores apontam o destino de um delito/delinqüente, dificultando que o mesmo direcione-se ao caminho da cifra negra: a) maior visibilidade da infração; b) adequação do autor ao estereótipo do criminoso construído pela ideologia prevalente; c)incapacidade do agente quanto a beneficiar-se da corrupção ou da prevaricação; d) vulnerabilidade do agente quanto a ser submetido a violências e arbitrariedades.
Inicialmente o delito ingressa na fase policial, a qual caracteriza-se pelo modo como a infração chegou ao conhecimento da polícia que pode ser por: os agentes vêem o delito ou são alertados por alguém que lhes transmita a notícia a respeito e a fase judicial que é ocupada pelo topo da magistratura, seguida do Ministério Público. Os promotores e magistrados estão nas camadas superiores da sociedade, enquanto os policiais trabalham diretamente com as camadas mais baixas. Os primeiros são privilegiados com recompensas, altos salários, status, proteção institucional quanto aos seus atos enquanto os segundos são menos favorecidos, lidando diretamente com a perseguição de delinqüentes.
O novo sistema penal levou os juízes a julgar coisas que lhes foge a competência, ou seja, crimes, transferindo o poder de julgar a outras instãncias que não são as dos juízes da infração. As instãncias que são as pequenas justiças e juízes paralelos se multiplicaram em torno do julgamento principal, isto é, devido a uma série de outros profissionais, inclusive de outras áreas, não cabe ao juiz a decisão pricipal e aplicação de duras sanções.
Diante do exposto, o autor julga idéia equívoca a vizualização do crime como uma doença e o criminoso como um doente, o que pode gerar duas conseqüências: de que a sociedade para ser perfeita precisa curar os seus desviantes e a autorização do Estado para se apropriar demaneira ilimitada dos indivíduos que agirem contra as normas opressoras.
Segundo CABETTE, a "Criminologia Radical" insere um matiz socialista ao estudo do fenômeno da delinqüência, apresentando a "luta de classes" como fator determinante de todo o modelo político - criminal e conformadora de concepções e ideologias enraizadas ao conhecimento criminológico tradicional. Há uma distinção entre objetivos ideológicos aparentes (repressão da criminalidade, controle e redução do crime e ressocialização do criminoso) e os objetivos reais ocultos do sistema punitivo (reprodução das relações de produção e da massa criminalizada), mostrando uma diferente administração da criminalidade com base na separação entre a criminalidade das classes dominantes e das classes dominadas.
De acordo com BARATTA, o Direito Penal apresentaria uma tendência a "privilegiar os interesses das classes dominantes, e a imunizar do processo de criminalização comportamentos socialmente danosos típicos de indivíduos a elas pertencentes, e ligados funcionalmente à existência da acumulação capitalista, e tende a dirigir o processo de criminalização, principalmente, para formas de desvio típicas das classes subalternas". Esse tratamento diferencial da criminalidade conforme a sua afinidade com as classes dominante e dominada, ocorre tanto na fase de "criminalização primária", como na de "criminalização secundária".
3 CONCLUSÃO
Houve uma maior compreensão acerca do sistema penal vigente, sobretudo no Brasil, onde há grande prevalência das classes dominantes, através da imposição de poderes abstratos, mas que tornam-se concretos a medida que são aplicados de maneira arbitrária, principalmente aos que estão em uma classe social desprivilegiada. Dessa forma, o Direito Penal deixa escapar a sua visão muitos delitos, seja por influência, por conveniência ou mesmo por prevalecer quem possuir maior poder aquisitivo. Salienta-se também os crimes que não chegam ao conhecimento da polícia, não são registrados, nem investigados ou não geram inquérito, ou quando conseguem passar por todas as fases, no final são engavetados por falta de provas, levando a um aumento da cifra negra do crime. No mais tocante, observa-se a progressiva desvalorização de classes sociais desprivilegiadas e a ascensão da seleta sociedade dos poderosos, deixando o crime e o criminoso inserido sempre na primeira e tornando cada vez mais difícil alcançar o principal propósito do sistema que é a ressocialização do delinqüente.
REFERÊNCIAS
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos. 2a. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1999.
CABETTE, Eduardo Luiz Santos. As estatísticas criminais sob um enfoque criminológico crítico. 2007. Disponível em: jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp. Acesso em: 18 jun. 2008.
THOMPSON, Augusto. Quem são os Criminosos? O Crime e o Criminoso: Entes Políticos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris. 2007.
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