RESUMO: A argumentação é realidade cotidiana dos operadores jurídicos, sendo instrumento utilizado pelos obreiros do direito para convencer e defender suas teses. Atualmente, há necessidade da argumentação jurídica ser estudada por um aspecto científico em sua forma, tendo como análise principal o conteúdo substancial do argumento, com observância da moral, diante dos desafios constantes no Estado Constitucional de Direito e da exigência de opinião crítica por parte dos jurista na aplicação da justiça social. Nesta abordagem, a leitura da teoria sobre argumentação jurídica em Atienza pode trazer contribuições importantes, uma vez que o jusfilósofo aborda aspectos formais, materiais e programáticos de uma argumentação em consonância com a realidade jurídica do Estado Constitucional de Direito. O objetivo da pesquisa é identificar possíveis contribuições da teoria da argumentação jurídica
Palavras-chaves: 1.Argumentação Jurídica. 2. Pós-positivismo. 3. Estado Constitucional de Direito.
1. INTRODUÇÃO:
A Sociedade atual se depara com assuntos novos e desafiadores, com reflexos diretos no Direito, sendo exigido do operador jurídico uma posição crítica e valorativa sobre os fatos da vida.
O ordenamento jurídico, diferente de outrora, pauta-se pelo respeito as garantias e direitos individuais e sociais, classificando-se como Estado Constitucional de Direito, de modo que na aplicação da lei, não deve estar presente apenas o requisito formal, mas também o substancial, objetivando alcançar a almejada justiça social.
Os advogados, juízes e promotores, durante sua formação na academia, são ensinados a aplicar a lei, mas poucos são desafiados a assumirem um papel argumentativo, edificado em premissas científicas, para o desenvolvimento de uma argumentação com valoração do conteúdo.
A função atual do jurista é de interpretação da lei, abandou-se aquela velha visão do positivismo, que exigia apenas o respeito as normas elaboradas pelo legislador, para se assumir uma atuação mais dinâmica (pós-positivista), frente a realidade atual, priorizando o aspecto valorativo da lei. Assim, o juiz ao se deparar com a aplicação de uma norma que não atinge um objetivo justo, mesmo havendo adequação da situação fática a premissa da redação legal, deve utilizar de outro caminho para atingir uma solução equitativa.
Novas discussões, de importância vital para a geração atual e futura, exigem do operador jurídico uma posição de cientista, com juízo crítico, e não apenas de mero expectador do movimento legiferante.
Assim, há a necessidade de se estudar a argumentação jurídica não apenas com um enfoque no cotidiano dos juristas, mas sim como uma teoria que ofereça ao obreiro do direito base científica e sistemática, alcançando um resultado material (conteúdo) em consonância com premissas do Estado Constitucional de Direito – tais como direitos sociais e individuais, controle de constitucionalidade, aplicação dos princípios constitucionais explícitos e implícitos etc.
Nesse sentindo, são nos ensinamentos de Manuel Antienza que se encontra uma teoria de argumentação jurídica edificada na doutrina do pós-positivismo, dando enfoque a valoração do conteúdo moral da argumentação e não apenas de sua sistemática formal.
Trata-se de um autor comprometido com a justiça social e direitos humanos, enfocados num caráter científico e não meramente emotivo, sendo um dos jusfilósofo com campo próprio de trabalho voltado para o estudo da argumentação jurídica.
Sabe-se que o direito não consegue se separar da argumentação, chegando a ser considerado por muitos a arte do convencimento, de modo que é de extrema importância trabalhar a argumentação jurídica por um enfoque que esteja relacionado a aplicação de um direito que atinja as necessidades sociais e não apenas teórico-dogmáticas.
Diante da importância que tem a argumentação jurídica para o Direito, a presente pesquisa tem como objetivo estudar a teoria da argumentação jurídica segundo os ensinamentos de Manuel Atienza, tendo em vista a sua precisa adequação na compreensão e análise dos novos desafios enfrentados pelos obreiros do direito.
No Estado Constitucional de Direito, o jurista deve assumir um papel de argumentador crítico e não apenas de aplicador da lei, sendo necessário a utilização da argumentação jurídica por um enfoque preferencialmente substancial em relação ao seu conteúdo, e não meramente formal, mas com observância ao caráter sistemático e científico.
A argumentação jurídica apresenta-se como o instrumento do jurista para a defesa de sua tese, devendo estar em consonância com a efetivação da justiça social e da aplicabilidade substancial da norma do Estado de Direito Cosntitucional.
Assim, vivenciamos atualmente uma realidade jurídica onde prevalece a efetivação dos direitos individuais e sociais sobre o texto expresso da lei, devendo a argumentação jurídica explorar o seu caráter substancial para vencer as lacunas, proibições e omissões de um ordenamento jurídico injusto.
Amadurecido que está a compreensão de Estado Social de Direito, tendo em vista a necessidade histórica de se garantir a igualdade material do indivíduo e os direitos sociais, o ordenamento jurídico ocidental se depara com novos desafios, ante o surgimento de direitos que transcendem a esfera do previsível e se projetam de maneira incerta para as gerações futuras.[1]
Acompanhando a evolução das teorias do modelo jurídico, desde o jusnaturalismo até o positivismo, evidencia-se a presença da argumentação como fonte de busca e meio de se demonstrar o conhecimento, utilizando-se da retórica como caminho comum para tais finalidades, o que leva nos leva a pensar sobre a necessidade de se construir um modelo de argumentação jurídica mais apropriado aos desafios inovadores deste século
Discussões inéditas e novas vertentes jurídicas, como o o fenômeno do pós-positivismo[2], tem levado os cultores do direito a trabalhar a argumentação jurídica por outras ângulos, sendo inovador o estudo de Manuel Atienza, um dos mais destacados jusfilosóficos sobre o tema, que dividiu a argumentação jurídica em três categorias distintas: formal, material e pragmática.[3]
Inicialmente, para Atienza, as concepções jurídicas estão ligadas a noção de problema, de modo que deve se partir para a identificação das situações problemas, apresentando as soluções devidas, antes de se fazer o uso das três concepções argumentativas.[4]
Na concepção argumentativa formal, prevalecerá a lógica dedutiva, objetivando concluir o caminho entre as premissas e as conclusões, tratando-se em regra de esquemas argumentativos, sem relação com a realidade e expressão crítica do conteúdo, funcionando como forma do operador jurídico interpretar, analisar e construir, de forma estrutural, seu argumento.[5]
No sentindo da concepção argumentativa material, o núcleo será o conteúdo do problema, analisado de forma crítica e comprometida com a verdade de sua conclusão. Não se trata apenas de prática argumentativa jurídica, mas sim de objeto edificado em um teoria de argumentação, que obedece a critérios científicos de forma geral e sistemática, de elementos materiais, estudando a classe dos argumentos – sendo sem si teoria das boas razões.[6]
Para o autor, a justificação de uma decisão jurídica não encontra fundamento na estrutura e nos efeitos, mas sim nas boas razões fornecidas pelo Magistrado que o levaram a decidir naquele sentido.[7]
Destarte, apenas pela concepção material é que a aplicação da lei pode se afastar do caráter positivista – formal – , aplicando o elemento valorativo da norma (pós-positivismo), obedecendo as exigências e necessidades do Estado Constitucional de Direito.
Por último, na concepção programática, a atenção se concentra nos efeitos que a argumentação causa, de modo que o orador ultrapassa sua esfera subjetiva individual e tentar persuadir o outro sobre a sua tese, objetivando convencê-lo sobre o seu ponto de vista.[8]
O direito é indissociável da argumentação, pois está é responsável por tecer argumentos para a criação, interpretação ou aplicação da ciência jurídica, seja no plano dogmático, legislativo ou judicial.[9]
Por meio dos meios de informação, em tempo real, a sociedade é informada dos movimentos que ocorrem no âmbito do poder judiciário e legislativo, agindo na forma de fiscais do ordenamento estatal, cobrando soluções justas aos problemas ali discutidos.
Atienza constrói sua teoria da argumentação com observância ao Estado Constitucional do Direito, a função norteadora dos direitos fundamentais e a efetividade da justiça social, contemplando que a “submissão completa do poder ao Direito, à razão: a força da razão, frente à razão da força”.[10]
Também observa o teórico que o fortalecimento da Democracia tem como efeito o aumento da participação de vários segmentos da sociedade no meio político, provocando intensas discussões jurídicas, por um diálogo racional argumentativo, sobre matérias que estão presentes no cotidiano.[11] Como exemplo, podemos citar a própria opinião sobre o tema Democracia, colhida entre a população que reside na América Latina, em que 56% dos entrevistados considerava mais importante ter um regime que assegurasse direitos básicos do que estarem sendo governado por um sistema democrático.[12]
Desse modo, o operador jurídico é provocado a se manisfestar sobre temas, que a priori, como no exemplo, parecem ser um retrocesso histórico, mas que na realidade necessitam serem decantados por uma teoria da argumentação que seja capaz de chegar a uma conclusão científica, em consonância com direitos sociais e individuais.
Segundo Atienza, a argumentação jurídica pode ser dividida em três campos de atuação: a produção de normas jurídicas, a aplicação das normas jurídicas e a dogmática jurídica. Cabendo um maior interesse no segundo campo de atuação, pois é aquela presente no cotidiano do obreiro do direito, realizada pelo Magistrado.[13]
Os cursos jurídicos são responsáveis por formarem aplicadores da lei, mas falham em desenvolver no estudante uma opinião critica valorativa, capaz de torná-lo bom argumentador.[14] O juiz, promotor de justiça e advogado, ao se deparem com os desafios no seu cotiado, devem estar prontos para desenvolverem argumentos que muitas vezes fogem as regras habituais, necessitando que utilizem um técnica de argumentação capaz de preencher os objetivos visados, mas que resultem em conclusões justas sob o manto do Estado Constitucional de Direito.
REFERÊNCIAS
ATIENZA, Manuel. El derecho como argumentación.Barcelona: Ariel, 2006.
ATIENZA, Manuel. Razões do direito: teorias da argumentação jurídica. 3. ed. Tradução de Maria Cristina Guimarães Cupertino. São Paulo: Landy, 2003.
BRAATZ, Tatiani Heckert.É preciso argumentar? Reflexões sobre a argumentação jurídica e a teoria de Manuel Atienza. Revista Jurídica FURB: Blumenau, 2007.
CRUZ, Paulo Márcio; ROESLER, Claudia Rosane org. Direito e Argumentação no Pensamento de Manoel Atienza. Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2007.
[1] Como exemplo temos aqueles que permeiam o campo da bioética, meio ambiente e o futuro do planeta.
[2] Segundo Atieza sobre o pós-positivismo: Um fenômeno bastante curioso, quando alguém vê com uma perspectiva atual a contraposição clássica entre positivismo e jusnaturalismo, é a tendência a não se falar nem de positivismo nem de jusnaturalismo, ou seja, hoje ninguém é um positivista em sentindo estrito, ao estilo de Kelsen. Há uma necessidade de agregar qualitativos à expressão “positivismo”. Temos, por isso, positivistas inclusivos e excludentes, positivistas axiológicos, positivistas críticos, neopositivistas ou pós-positivistas. E, do lado do direito natural, há uma certa tendência a evitar o nome, pois me parece que os autores que de alguma forma estão nesta tradição sendo conscientes dos inconvenientes que acarreta usar o termo “Direito Natural” procuram evitá-lo usando outros termos como o de “Hermenêutica jurídica”.
Creio que estas mudanças terminológicas são o sintoma de uma mudança verdadeiramente de fundo. Em minha opinião, assim como o tempo histórico do Direito Natural se concluiu há muito tempo com o fenômeno da positivação do Direito, o positivismo jurídico (mais recentemente) concluiu também o seu ciclo, com consequência das constitucionalização de nossos direitos.
Nesse sentindo, pós-positivismo me parece uma denominação preferível às outras, porque surge a idéia de um processo e de uma fase do mesmo posterior à da positivismo. Porém, de todas as formas, não me parece que seja de todo adequada para referir-se à concepção do Direito na qual se poderia situar autores Dworkin, Alexy ou Nino e na qual eu também me situo.
Para referir-se a isto nos últimos tempos se está usando a expressão “constitucionalismo' ou “paradigma constitucionalista”. Não se trata, naturalmente, de reduzir a teoria do Direito à teoria do Direito Constitucional, mas sim de considerar que estamos vivendo dentro de um paradigma de Direito que se caracteriza pelo papel fundamental atribuído à Constituição, sobretudo porque a validade das normas, em especial das normas legisladas, depende se sua adequação à Constituição, e não unicamente a critérios formais e procedimentais, se não também a critérios materiais. Junto a isto, tem também grande importância a existência dos tribunais constitucionais (chamados assim ou de outra maneira) que fazem um papel de controle de constitucionalidade das leis.
Prefiro esta última expressão, não porque a de “positivismo jurídico” me pareça confusa (o é, mas se poderia procurar esclarecê-la), senão porque me parece que para ir mais além do positivismo jurídico se necessita tomar em consideração também outras tradições não-positivistas ou antipositivistas e isto não fica refletido com o rótulo de “pós-positivismo”.
CRUZ, Paulo Márcio; ROESLER, Claudia Rosane org. Direito e Argumentação no Pensamento de Manoel Atienza, p.46-47.
[3] ATIENZA, Manuel. El derecho como argumentación.
[4] ATIENZA, Manuel. El derecho como argumentación.
[5] ATIENZA, Manuel. Razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino.
[6] ATIENZA, Manuel. Razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino.
[7] ATIENZA, Manuel. Razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino.
[8] ATIENZA, Manuel. Razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino.
[9] ATIENZA, Manuel. Razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino.
[10] ATIENZA, Manuel. El derecho como argumentación, p.70.
[11] BRAATZ, Tatiani Heckert.É preciso argumentar? Reflexões sobre a argumentação jurídica e a teoria de Manuel Atienza.
[12] CRUZ, Paulo Márcio; ROESLER, Claudia Rosane org. Direito e Argumentação no Pensamento de Manoel Atienza.
[13] ATIENZA, Manuel. Razões do direito: teorias da argumentação jurídica. Trad. Maria Cristina Guimarães Cupertino.
[14] BRAATZ, Tatiani Heckert.É preciso argumentar? Reflexões sobre a argumentação jurídica e a teoria de Manuel Atienza.
Acadêmico do Curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHEIRO, Raphael Fernando. A argumentação jurídica no pensamento de Manuel Atienza Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 set 2012, 07:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30804/a-argumentacao-juridica-no-pensamento-de-manuel-atienza. Acesso em: 22 nov 2024.
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