Passar-se-á a breve estudo acerca dos limites impostos à Administração no que tange às alterações contratuais, abordando a disciplina constitucional aplicável ao tema, bem como a legislação de regência e a mais atualizada jurisprudência do Tribunal de Contas da União.
Imagine-se uma situação em que a Administração pretenda promover o aumento do valor de um contrato administrativo, em valor superior ao limite de 25% estabelecido na Lei de Licitações e Contratos Administrativos, sob o argumento de que a revisão do projeto implicaria em alterações qualitativas, e não quantitativas.
Há quem sustente que a revisão, com base no argumento de que as alterações seriam eminentemente qualitativas, não se sujeitaria à limitação referida.
Mesmo admitindo-se a hipótese de a alteração contratual refletir apenas alterações qualitativas, estas sujeitam-se a limites. Adentra-se, pois, efetivamente, em breve estudo acerca dos limites impostos às alterações contratuais unilaterais.
Nas alterações unilaterais quantitativas, previstas no art. 65, I, b, da lei nº 8.666/93, a referência aos limites é expressa, uma vez que os contratos podem ser alterados unilateralmente “quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei.” Estão eles previstos no § 1º do referido artigo. Assim, em relação às alterações unilaterais quantitativas, não se tem dúvida sobre a incidência dos limites legais.
Nas alterações unilaterais qualitativas, consubstanciadas no art. 65, I, a, da aludida Lei, não há referência expressa a esses limites, asseverando que os contratos podem ser alterados “quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos.”
Mesmo que se entenda que não se pode extrair as restrições diretamente do art. 65, I, a, tendo em vista a falta de referência aos limites máximos de acréscimo e supressão de valor, é inequívoco que a inexistência de limitações às alterações qualitativas não se compatibiliza com o arcabouço normativo que rege a atividade pública em um Estado Democrático de Direito.
Nesse sentido, a prestigiada doutrina de Lucas Rocha Furtado, segundo a qual:
“Entendemos, assim, que é correta a tese de que as alterações unilaterais qualitativas estão sujeitas aos mesmos limites escolhidos pelo legislador para as alterações unilaterais quantitativas, previstos no art. 65, § 1º, da Lei nº 8.666/93, não obstante a falta de referência a eles no art. 65, I, a. Fundamentamo-nos na necessidade de previsão de limites objetivos e claros em Lei, no princípio da proporcionalidade e no respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da Lei 8.666/93.”[1]
O próprio autor, no entanto, alerta que isso não significa que, na busca da realização do interesse público, a Administração não possa, em caráter excepcional, ultrapassar referidos limites.
Seguindo essa linha de raciocínio, a Corte de Contas da União firmou entendimento no sentido de que as alterações qualitativas têm como limites aqueles estabelecidos no § 1º do art. 65 da Lei 8.666/93, exceto em circunstâncias excepcionais, devidamente fundamentadas, o que restou assentado na Decisão Plenária nº 215/1999, que segue reproduzida a seguir:
“O Tribunal Pleno, diante das razões expostas pelo Relator, DECIDE:
8.1. com fundamento no art. 1º, inciso XVII, § 2º da Lei nº 8.443/92, e no art. 216, inciso II, do Regimento Interno deste Tribunal, responder à Consulta formulada pelo ex-Ministro de Estado de Estado do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal, Gustavo Krause Gonçalves Sobrinho, nos seguintes termos:
a) tanto as alterações contratuais quantitativas - que modificam a dimensão do objeto - quanto as unilaterais qualitativas - que mantêm intangível o objeto, em natureza e em dimensão, estão sujeitas aos limites preestabelecidos nos §§ 1º e 2º do art. 65 da Lei nº 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, prescrito no art. 58, I, da mesma Lei, do princípio da proporcionalidade e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei;
b) nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, é facultado à Administração ultrapassar os limites aludidos no item anterior, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que satisfeitos cumulativamente os seguintes pressupostos:
I - não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;
II - não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;
III - decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;
IV - não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;
V - ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;
VI - demonstrar-se - na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais mencionados na alínea "a", supra - que as conseqüências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável ao interesse público primário (interesse coletivo) a ser atendido pela obra ou serviço, ou seja gravíssimas a esse interesse; inclusive quanto à sua urgência e emergência;
8.2. encaminhar à autoridade consulente cópia do inteiro teor desta Decisão, bem como dos Relatórios e Votos que a fundamentaram;
8.3. determinar o arquivamento do presente processo.”
Seguindo essa vertente de idéias, entendemos que, além de bilaterais e qualitativas, tais alterações devam ser excepcionalíssimas, no sentido de que sejam realizadas quando a outra alternativa – a rescisão do contrato, seguida de nova licitação e contratação – significar sacrifício insuportável do interesse coletivo a ser atendido pela obra ou serviço. Parece-nos ser este o pensamento que mais se coaduna com a exigência constitucional do procedimento licitatório e com o princípio da isonomia.
Em nossa ótica, a Decisão nº 215/99 não consagrou a falta de limites para as alterações qualitativas, mas sim o contrário, a submissão aos limites estabelecidos em lei, assim como aos dogmas que regem a Administração Pública e, especialmente, ao princípio da proporcionalidade.
É fundamental que se note a excepcionalidade de que deve se revestir a situação para ensejar alterações à míngua de limites preestabelecidos, sob pena de se criar muita insegurança e sérios riscos para o patrimônio público. Esta excepcionalidade, não devemos esquecer, não pode ser confundida com uma necessidade decorrente de projetos malfeitos, ou de conveniências outras da Administração.
Percebe-se no posicionamento aqui perfilhado nítida preocupação com os princípios da segurança jurídica, da isonomia e da obrigatoriedade de se realizar licitação, o que acaba por conferir maior transparência aos contratos administrativos e, por conseqüência, maior proteção ao erário público.
A hipótese em estudo demanda especial reverência ao interesse público primário, que deve ser privilegiado, de maneira incondicional, em detrimento do interesse público secundário.
Conclui-se, portanto, que alterações contratuais que extrapolem o limite legal de 25%, não encontram respaldo jurídico, merecendo, assim ser duramente rechaçadas pelos órgãos da Advocacia Pública que exerçam a atividade de assessoramento e consultoria jurídica dos órgãos estatais.
Não nos olvidemos que está inserido entre os misteres do advogado público o dever de zelar pela legalidade dos atos da Administração, assim como pelo absoluto respeito à Constituição, de maneira a evitar ofensas à ordem jurídica e lesões ao interesse público, o que finda por exigir que a atuação preventiva desse profissional seja destemida e bastante rigorosa.
[1] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2007, p. 443.
Procurador Federal. Bacharel em Direito pela UFC. Especialista em Direito Processual Civil. Ex-Procurador do Estado de Goiás.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Gustavo Leonardo Maia. Os limites impostos à Administração Pública na celebração de aditivos contratuais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2012, 07:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/30924/os-limites-impostos-a-administracao-publica-na-celebracao-de-aditivos-contratuais. Acesso em: 22 nov 2024.
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