Environmental competence: need to set of the tasks of federal spheres in environmental licensing
Sumário: 1. Introdução; 2. Competência legislativa ambiental; 3. Competência comum; 4. Competência nos licenciamentos ambientais; 5. Necessidade de fixação dos critérios da distribuição de competência; 6. Conclusão; Bibliografia.
Abstract: The purpose of this study is the analysis of the need to divide of the tasks of federal spheres within the joint competence of environmental licensing front of competence conflicts.
Palavras-chave: Competência; Licenciamento Ambiental.
Keywords: competence, environmental licensing.
O presente artigo tem como escopo o estudo da forma de divisão da competência material à luz do modelo federativo pátrio, em matéria ambiental, apontando os eventuais conflitos e possíveis soluções, no sentido de garantir a efetiva proteção ambiental sem prejudicar o desenvolvimento sustentável do País, abordando como principal objeto de conflito o licenciamento ambiental, instrumento preventivo de tutela do Meio Ambiente.
A Constituição Federal atribui competência comum à União, Estados, Municípios e Distrito Federal na tutela do Meio Ambiente, conforme o art. 23, III, VI e XI da Carta Maior.
Diante dessa divisão revelou-se existir extrema dificuldade em separar a competência de cada ente nos casos concretos, sendo o ápice dessa problemática o licenciamento ambiental, vez que, em tese, estariam todos os entes legitimados à sua realização, gerando um ambiente de disputa de poder entre os órgãos ambientais.
Dessa maneira, pretendemos abordar, de forma sintética, o modelo de repartição de competência adotado pela Constituição, a legislação infraconstitucional e a competência material na realização do licenciamento ambiental.
Ainda, devemos apontar conflitos materiais e legislativos entre os entes para licenciar as atividades causadoras de degradação ambiental e apresentar proposta de solução, de modo a evitar a indevida multiplicidade de licenciamentos.
Desse modo, pretendemos verificar os posicionamentos doutrinários e da jurisprudência a respeito da matéria, bem como indicar as soluções encontradas em casos de grande repercussão.
A competência para legislar em matéria ambiental, em regra geral, é concorrente, cabendo à União editar normas gerais e aos Estados e Municípios legislarem de forma suplementar, adequando o instrumento às peculiaridades locais, por força do art. 24, VI, VII, VIII, § 2º, e art. 30, I, II e IX da Constituição da República.
Embora a Constituição Federal tenha delimitado a competência legislativa ambiental de modo concorrente, faz-se necessário notar que o meio ambiente tem conceito abrangente, e, por vezes, acaba adentrando em matérias de competência exclusiva da União, o que acaba por gerar conflitos de competência.
Um exemplo típico dessa situação é a competência de legislar sobre minas, embora esteja abrangida pela competência ambiental faz parte da competência legislativa privativa da União.
O STF, tem entendido que, nestes casos, a competência privativa se sobrepõe à concorrente, devendo, nessa toada, a lei estadual ou municipal se limitar às disposições da lei federal, não podendo aplicar a regra da proteção mínima da lei Federal.
Conforme salienta Paulo Bessa Antunes “é possível se afirmar que a competência privativa exerce um direito de preempção sobre a competência concorrente e mesmo a comum, sempre que entre elas se identifique um ponto de contato”.[1]
O artigo 24 da CF, em seus incisos, estabelece as matérias de competência concorrente entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Em se tratando da competência dos Estados, a competência concorrente estabelece que o Estado, com fundamento no artigo 24, parágrafo 1º, e os municípios, embasados no artigo 30, II ambos da CF, atuarão de forma supletiva, de modo que, União editará normas de caráter geral.
Quanto aos municípios José Afonso da Silva assevera que:
“A questão já não é tão clara em relação aos municípios. Pode-se dizer, no entanto, que sua competência suplementar na matéria é também reconhecida, de fato, dá-se-lhes competência para promover o adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (art. 30, VIII). Outorga-se-lhes a competência para a Política de Desenvolvimento Urbano e estabelecimento de Plano Diretor (art. 182), e ainda a competência para promover a proteção do patrimônio histórico cultural local, observadas a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual”[2]
E conclui:
“Quer isso dizer que não se recusa aos Municípios competência para ordenar a proteção do meio ambiente, natural e cultural. Logo, é plausível reconhecer, igualmente, que na norma do art. 30, II, entra também a competência para suplementar a legislação federal e a estadual da matéria”.[3]
Neste passo, quando se trata de direito ambiental, deve ser entendido que, quando os Estados, Distrito Federal e Municípios legislam supletivamente, o fazem sob o fundamento da “prevalência da norma mais restritiva”, ou seja, a lei federal se torna um parâmetro mínimo de proteção do direito ambiental.
Esse entendimento deve apenas observar a regra da invasão da competência privativa da União que se sobrepõe à competência concorrente.
A distribuição de competência administrativa, prevista pela Constituição Federal de 1988, é dividida em competência material exclusiva e competência material comum. A primeira diz respeito àquelas que estão incumbidas, de forma restrita, a um ente, excluindo os exercício pelos demais. Já a competência material comum, tem sua decorrência do sistema federativo cooperativo, pois, estabelece que atividade poderá ser exercida por todos os entes.
Tratando-se de matéria ambiental, a Constituição determina que a competência será comum, atribuindo aos entes federativos o dever de atuar cumulativamente e de forma cooperada para defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, conforme assevera o art. 225 da Constituição.
Todavia, exsurge da competência comum o empecilho dos entes não conjugarem os esforços necessários à tutela ambiental ou que os sobreponham dificultando, por exemplo, a realização de empreendimentos “vítimas” de licenciamentos múltiplos, pois nela não existe critério eficiente e objetivo para sua distribuição, bem como, ainda, não foram positivados instrumentos de cooperação eficazes.
Nota-se que, a fixação da competência comum sem delimitar a atuação de cada ente, acaba criando um paradoxo de modo que, ao mesmo tempo que todos têm competência também nenhum a tem. Nas palavras de Paulo de Bessa Antunes:
“A competência comum é uma verdadeira ‘armadilha’, visto que, na prática, a atribuição de todos acaba se transformando na atribuição de ninguém. Ademais, a competência comum não é complementada pela indispensável fonte de recursos para sua implementação, gerando uma dependência de Estados e municípios em relação ao poder federal”.
Nesta toada, não se pode olvidar que, como bem assevera o ilustre mestre Paulo Affonso Leme Machado:
“Leis infraconstitucionais não podem repartir ou atribuir competências, a não ser que a própria CF tenha previsto essa situação, como o fez expressamente no art. 22, parágrafo único, quando previu que a competência comum estabelecendo normas de cooperação será objeto de lei complementar”.[4]
E complementa:
“O arcabouço do país tem que estar estruturado na lei maior que é a Constituição. Se leis ordinárias, se decretos, portarias ou resoluções, por mais bem intencionados que sejam, começarem a criar direitos e obrigações para entes federados, subvertem-se totalmente os fundamentos da Federação”.[5]
Corroborando com tal entendimento, Paulo de Bessa Antunes esclarece:
“Um adequado equacionamento das dificuldades geradas pela repartição de competências em matéria ambiental é fundamental para que a proteção do meio ambiente possa, verdadeiramente, acontecer de forma efetiva e dentro dos limites da ordem jurídica democrática. É importante consignar que a proteção do meio ambiente, considerada em si mesma, não é necessariamente democrática, ainda que o Direito Ambiental, tal como concebido modernamente, tenha uma origem democrática. É perfeitamente possível que se protege o meo ambiente com métodos ditatoriais, como foi o caso de Juan Balanguer na República Dominicana; o grande desafio para nossa sociedade é proteger o meio ambiente em um regime democrático”[6]
Se existe a doutrina propõe haver vedação quanto a possibilidade de fixação por meio de lei infraconstitucional com mais razão não poderia ser estabelecida por meio de resolução. Como exemplo desta virtual afronta, Paulo Affonso Leme Machado[7] aponta a resolução 237 do CONAMA que busca, mesmo que sem lei complementar que sirva de base legal, entre outras coisas, fixar competência em matéria de licenciamento ambiental.
Como bem salienta Celso Antônio Pacheco Fiorillo, na ausência da lei complementar que regule tal distribuição a responsabilidade é comum e solidária entre todos os entes federados, a saber:
“Em relação à lei complementar mencionada no dispositivo, deve ser dito que, enquanto não elaborada a responsabilidade pela proteção do meio ambiente é comum e solidária a todos os entes da federação”.[8]
Todavia, quanto a esse aspecto, Heline Sivini Ferreira observa que:
“Muito embora se entenda que a edição de uma lei complementar não constitui pressuposto para que os entes federativos atuem, o estabelecimento de critérios que definam a forma como a competência administrativa comum deverá ser exercida é essencial deverá ser exercida é essencial para dissipar dúvidas e dirimir conflitos. Isso porque, apesar do texto constitucional fazer referência à colaboração entre os entes federativos – o que sugere que entre eles não deve haver hierarquia -, percebe-se que, na prática, há inúmeros problemas relacionados à matéria”[9]
Por outro lado, o artigo 8º, da Lei 6.938/81, em seu inciso I determine que compete ao CONAMA “estabelecer, mediante proposta do IBAMA, normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, a ser concedido pelos Estados e supervisionado pelo IBAMA”, apesar de não ser expresso que se permitiu a este órgão a possibilidade de distribuir competência para os entes federativos licenciarem, fundamenta a legalidade da Resolução 237 do CONAMA.
Porém, por virtual ofensa à Constituição Federal tal fundamentação acaba sendo afastada, retornando-se ao ponto de partida, qual seja, total falta de norma que fixe distribuição de competência o que culmina em um conflito.
O parágrafo único do artigo 23 da CF dispõe que “Lei Complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional”.
Sendo assim, revela-se premente a necessidade da lei complementar estabelecer mecanismos de cooperação entre as esferas federativas na busca do desenvolvimento sustentável, primado do direito ambiental, que não pode restar refém da abstenção ou da atuação superlativa e concomitante dos entes federados.
Neste passo, podemos concluir que, embora a fixação de competência comum para matéria ambiental seja um avanço quanto ao tema federalismo, ainda sofre com a falta de uma melhor delimitação, gerando conflitos e, por vezes, atuações negativas ou sobrepostas e conflitantes dos entes.
O licenciamento ambiental é um dos mais importantes instrumentos de tutela preventiva do Meio Ambiente, pois atesta a viabilidade do empreendimento sob o aspecto dos princípios do Direito Ambiental, em especial do Desenvolvimento Sustentável, devendo existir um resultado positivo no custo-benefício entre o desenvolvimento trazido pela atividade a ser desempenhada e a possível degradação ambiental, além das medidas necessárias de preservação e compensação ambiental.
O art. 1º, I, da Resolução CONAMA n. 237/97 o define como:
“Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso”.
Assim, por meio do licenciamento ambiental pode-se verificar, previamente, se a atividade licenciada condiz com o Princípio do Desenvolvimento Sustentável e obrigar o poluidor a tomar as medidas de prevenção necessárias para minorar a degradação ambiental a ser causada, bem como a respeitar todas as normas para obter as licenças ambientais.
Observa-se que, quanto ao tema licenciamento, a competência material é comum (art. 23, da CF) e a legislativa é concorrente (art. 24, da CF), podendo a União, o Estado, os Municípios e o Distrito Federal o exercerem e criarem normas sobre o licenciamento.
Cumpre ressaltar que, a competência para licenciar tem gerado grandes dúvidas e conflitos entre os empreendedores e o Poder Público, e também entre os entes da Administração, diante do aparente conflito entre a Constituição Federal, a Lei n. 6.938/81 e a Resolução CONAMA n. 237/97.
Tal entendimento é ecoado pela doutrina conforme explicita Maria Luiza Machado Granziera, a saber:
“A competência para licenciar empreendimentos tem constituído, nos ultimos anos, um grande foco de dúvidas e conflitos, quer entre empreendedores e Poder Público, quer entre os próprios Entes Federados. A questão refere-se à Constituiçao Federal, à Lei 6.938/81 e à resolução CONAMA número 237 do Conoama”.[10]
Nesse passo, o art. 10 da Lei n. 6.938/81[11] determina que o licenciamento incumbe ao órgão estadual competente e, em caráter supletivo, ao IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis.
“Art. 10 - A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, considerados efetiva e potencialmente poluidores, bem como os capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, dependerão de prévio licenciamento de órgão estadual competente, integrante do Sistema Nacional do Meio Ambiente - SISNAMA, e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, em caráter supletivo, sem prejuízo de outras licenças exigíveis.”
Por seu turno, a Resolução CONAMA n. 237/97, nos arts. 4º, 5º e 6º, estabelece quais são os empreendimentos e atividades a serem licenciados, respectivamente, pelo IBAMA, pelos órgãos estaduais e municipais. Ainda, no art. 7º prevê que “os empreendimentos e atividades serão licenciados em um único nível de competência, conforme estabelecido nos artigos anteriores”.
Desta feita, conforme ensina Paulo Affonso Leme Machado[12]:
“A lei federal ordinária não pode retirar dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios poderes que constitucionalmente lhes são atribuídos. Assim, é de se entender que o art. 10 da Lei 6.938/1981 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente) não estabeleceu licenças ambientais exclusivas do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e de Recursos Naturais Renováveis, porque somente uma lei complementar poderia fazê-lo (art. 23, parágrafo único, da CF); e nem a Resolução CONAMA – 237/1997 poderia estabelecer um licenciamento único Enquanto não se elaborar essa lei complementar estabelecendo normas para cooperação entre essas pessoas jurídicas, é válido sustentar que todos os entes federativos, ao mesmo tempo, têm competência e interesse de intervir nos licenciamentos ambientais”.
Portanto, a falta dessa legislação implica em entraves consubstanciados na atuação conflitante e não cooperativa dos entes federativos.
Diante dessa problemática faz-se necessário verificar soluções, no sentido de uma atuação articulada, coordenada e com cooperação dos entes, racionalizando recursos públicos e com a eficiência exigida pelo princípio insculpido no art. 37, caput, da Constituição Federal.
Assim, com regras claras, constitucionais, sem ofensa ao pacto federativo sobre a divisão de competências e com a atuação coordenada de todos os entes do SISNAMA envolvidos no licenciamento, os procedimentos evitariam longas discussões judiciais ou administrativas, que impedem a prática das atividades a serem licenciadas, com ofensa ao Princípio do Desenvolvimento Sustentável e dos objetivos da República e da Ordem Econômica (art. 3º e 170, da CF).
O Projeto de Lei Complementar nº. 12-B, que, dentre outras coisas, busca delimitar as competências para realizar o licenciamento ambiental nos artigos 7º, XIV, 8º, XIV e XV, e 9º, XIV, também utiliza os critérios do tipo de atividade e da localização do empreendimento para definir a competência do licenciamento ambiental, a saber:
“Art. 7º São ações administrativas da União:
XIV – promover o licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades:
a) localizados ou desenvolvidos conjuntamente no Brasil e em país limítrofe;
b) localizados ou desenvolvidos no mar territorial, na plataforma continental ou na zona econômica exclusiva;
c) localizados ou desenvolvidos em terras indígenas;
d) localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pela União, exceto em Áreas de Proteção Ambiental – APAs;
e) localizados ou desenvolvidos em 2 (dois) ou mais Estados;
f) de caráter militar, excetuando-se do licenciamento ambiental, nos termos de ato do Poder Executivo,
aqueles previstos no preparo e emprego das Forças Armadas, conforme disposto na Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999;
g) destinados a pesquisar, lavrar, produzir, beneficiar, transportar, armazenar e dispor material radioativo, em qualquer estágio, ou que utilizem energia nuclear em qualquer de suas formas e aplicações, mediante parecer da Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN; ou
h) que atendam tipologia estabelecida por ato do Poder Executivo, a partir de proposição da Comissão Tripartite Nacional, assegurada a participação de um membro do Conselho Nacional de Meio Ambiente – CONAMA, e considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade ou empreendimento;
Art. 8º São ações administrativas dos Estados:
XIV – promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental, ressalvado o disposto nos arts. 7º e 9º;
XV – promover o licenciamento ambiental de atividades ou empreendimentos localizados ou desenvolvidos em unidades de conservação instituídas pelo Estado, exceto em Áreas de Proteção Ambiental - APAs;
Art. 9º São ações administrativas dos Municípios:
XIV – observadas as atribuições dos demais entes federativos previstas nesta Lei Complementar, promover o licenciamento ambiental das atividades ou empreendimentos:
a) que causem ou possam causar impacto ambiental de âmbito local, conforme tipologia definida pelos respectivos Conselhos Estaduais de Meio Ambiente, considerados os critérios de porte, potencial poluidor e natureza da atividade; ou
b) localizados em unidades de conservação instituídas pelo Município, exceto em Áreas de Proteção Ambiental – APAs;”
Esses critérios, todavia, mantém, grosso modo, os da aludida Resolução CONAMA 237/97, não solucionando os conflitos dela decorrentes, ora em análise.
O STJ vem adotando o critério de Competência para o licenciamento ambiental pela extensão do dano, afastando a fixação pela titularidade do bem, que entende ser difusa, a saber:
“ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESASSOREAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO IBAMA. INTERESSE NACIONAL.
1. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento.
2. O confronto entre o direito ao desenvolvimento e os princípios do direito ambiental deve receber solução em prol do último, haja vista a finalidade que este tem de preservar a qualidade da vida humana na face da terra. O seu objetivo central é proteger patrimônio pertencente às presentes e futuras gerações.
3. Não merece relevo a discussão sobre ser o Rio Itajaí-Açu estadual ou federal. A conservação do meio ambiente não se prende a situações geográficas ou referências históricas, extrapolando os limites impostos pelo homem. A natureza desconhece fronteiras políticas. Os bens ambientais são transnacionais. A preocupação que motiva a presente causa não é unicamente o rio, mas, principalmente, o mar territorial afetado. O impacto será considerável sobre o ecossistema marinho, o qual receberá milhões de toneladas de detritos.
4. Está diretamente afetada pelas obras de dragagem do Rio Itajaí-Açu toda a zona costeira e o mar territorial, impondo-se a participação do IBAMA e a necessidade de prévios EIA/RIMA. A atividade do órgão estadual, in casu, a FATMA, é supletiva. Somente o estudo e o acompanhamento aprofundado da questão, através dos órgãos ambientais públicos e privados, poderá aferir quais os contornos do impacto causado pelas dragagens no rio, pelo depósito dos detritos no mar, bem como, sobre as correntes marítimas, sobre a orla litorânea, sobre os mangues, sobre as praias, e, enfim, sobre o homem que vive e depende do rio, do mar e do mangue nessa região.
5. Recursos especiais improvidos.”
(REsp nº588022/SC, Rel. Min. José Delgado, j. em 17/02/2004)
No recurso especial em análise o Superior Tribunal de Justiça manteve decisão do TRF 4 sobre a competência do IBAMA (União) em realizar o licenciamento ambiental de empreendimento do Rio Itajaí-Açu. O referido aresto afastou a discussão sobre a propriedade do rio e considerou o mar territorial como bem ambiental que pode ser atingido, fixando a competência do órgão federal.
Ainda, merece destaque que os bens ambientais foram reconhecidos como transnacionais, podendo a atividade causar danos além das fronteiras estabelecidas pela humanidade.
Demais disso, o STJ não afastou a possibilidade do licenciamento múltiplo, que teria respaldo na competência comum dos entes federados na proteção do meio ambiente, porém cabe-nos assinalar que multiplicidade de licenciamentos tende a dificultar a instalação e realização das atividades, pois, como pondera Paulo de Bessa Antunes[13], podem surgir diversos conflitos de entendimento entre os órgãos dos entes federados, impedindo a concessão múltipla das licenças.
Ainda, merece nota a possibilidade de um ente federado realizar licenciamento suplementar quando outro for inepto, permanecer inerte, omisso ou expedir licença ambiental sem os requisitos imprescindíveis para a efetiva proteção ambiental.
No julgamento do TRF3 região, sobre o licenciamento do Rodoanel Mário Covas, proferiu-se a seguinte decisão:
“Decisão liminar – Licenciamento Rodoanel Mário Covas (TRF-3ª Região, 6ª Turma, AI nº.2003.03.00.070460-9, Rel. Consuelo Yoshida, DJU de 23/01/04, Seção 2, fls. 112 e 113).
Há, pois, na situação examinada, interesses de âmbitos nacional e regional a serem tutelados pelo IBAMA, e que coexistem e podem estar em conflito com interesses estaduais e locais no que concerne à defesa da Mata Atlântica, como um todo, e em particular, da Reserva da Biosfera citada.
Os impactos do empreendimento globalmente considerado em relação aos interesses nacionais e regionais ameaçados são diversos e não se confundem com os impactos do mesmo empreendimento ou de trechos dele na Região Metropolitana da Grande São Paulo, nas unidades de conservação estaduais, entre outros bens e interesses do Estado de São Paulo; nem se confundem com os impactos em relação aos interesses locais dos diferentes municípios individualmente considerados.
É inegável, com efeito, que interesses de âmbitos estadual e local estão em jogo e os impactos do Rodoanel Mário Covas em relação a eles também devem ser considerados, o que torna inafastável a competência e o interesse da Secretaria do Meio Ambiente de São Paulo para o licenciamento, nos termos do disposto no art. 5º, inc. I, da Resolução CONAMA nº 237/97.
Sob este ótica, não é despiciendo nem superfetação o duplo ou múltiplo licenciamento, quando couber, ou o licenciamento ambiental complexo, que alcança resultados práticos equivalentes àquele.”
Na decisão proferida pelo TRF ponderou-se que o empreendimento atinge interesse nacional, estadual e local, sendo possível a multiplicidade de licenciamentos.
Vê-se que o impacto da obra e do funcionamento do equipamento tem repercussão na atuação das três esferas administrativas.
Cumpre ressaltar que a participação dos órgãos das três esferas, no exercício da competência comum, tem respaldo no Princípio da Participação. Todavia, permitir licenciamento múltiplo poderia causar um grande prejuízo ao empreendedor.
Destarte, não nos parece ser a melhor solução para evitar conflitos em casos dessa magnitude. A realização do licenciamento, por apenas uma esfera, tende a otimizar o procedimento de licenciamento ambiental, mas não se pode afastar a possibilidade de participação das demais esferas em cooperação, que podem fornecer, por exemplo, equipamentos, técnicos e pareceres, tal como fora pactuado no Termo de Ajustamento que encerrou a lide objeto da decisão em comento.
Apesar de boa parte da doutrina refutar a Resolução CONAMA 237/97 deve-se ressaltar que ela fixa a competência de um único ente federado para realizar o licenciamento ambiental (art. 7º), porém, os critérios de distribuição, por si só, como aventado algures, podem ocasionar conflitos.
Assim, alvitra-se a distribuição de atribuições, por meio de lei complementar, conforme a extensão da degradação ambiental que pode ser local, regional ou nacional, fixando-se, respectivamente, a competência dos Municípios, dos Estados e da União, na mesma linha do quanto decidido no comentado acordão do REsp nº588022/SC, Rel. Min. José Delgado, j. em 17/02/2004, bem como a fixação de mecanismos de cooperação das demais esferas com o ente responsável.
Conforme visto anteriormente, buscamos identificar como os entes federados harmonizam suas competências legislativas concorrentes e administrativas comuns, na proteção do Meio Ambiente, para a realização do licenciamento ambiental sem ofender o pacto federativo insculpido na Constituição Federal.
Em se tratando de competência comum administrativa, diante do fato da inexistência da lei complementar que a regulamente, indicamos que parte da doutrina entende que sua delimitação, por meio de resoluções, configuraria ofensa à Constituição Federal, visto que esta em seu art. 23, parágrafo único impõe que tal medida seja realizada por lei complementar.
Assim sendo, a Resolução CONAMA 237, no que tange à distribuição de competência deve ser afastada para esta parcela doutrinária, subsistindo, consequentemente, a possibilidade da existência de múltiplos licenciamentos do mesmo empreendimento, decorrente de uma norma de eficácia plena (art. 23, da CF).
Ao diagnosticarmos os conflitos federativos que surgem em relação ao licenciamento ambiental, em especial quando a atividade causadora de degradação atinge interesses que envolvem as três esferas da Administração Direta ou quando o ente local é omisso ou realiza procedimento insuficiente para a proteção do Meio Ambiente, notamos que a falta da legislação que distribua a competência e institua mecanismos de cooperação acaba por gerar grande confusão sobre a possibilidade de multiplicidade de licenciamento.
Destarte, embora a doutrina entenda ser cabível a propositura de múltiplos licenciamentos, entendemos não ser o melhor rumo, visto que criaria maiores prejuízos, sem uma resposta eficaz, entendemos que a melhor saída é estabelecer um licenciamento por um único ente, observando que a distribuição que se propugna o projeto 12- B apenas ratifica o estabelecido na Resolução CONAMA 237 e não soluciona os empecilhos aventados.
Propõe-se, assim, que a distribuição de atribuições, por meio de lei complementar, ocorra conforme a extensão da degradação ambiental, que pode ser local, regional ou nacional, fixando-se, respectivamente, a competência dos Municípios, dos Estados e da União, na mesma linha do quanto decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp nº588022/SC, Rel. Min. José Delgado. Deve, ainda, a lei complementar estabelecer mecanismos de cooperação entre as esferas federativas que poderiam fornecer ao ente licenciador, por exemplo, equipamentos, técnicos e pareceres, em consonância com o princípio da participação.
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[1] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.81
[2] SILVA, Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo, Malheiros, 2010. Ed. 8ª. P. 79-80
[3] Ob cit. P. 80
[4] Machado, Affonso Leme. São Paulo, Malheiros. 2008, p. 115
[5] Ob cit. P. 115
[6] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p.80
[7] Idem.
[8] Fiorillo, Celso Antonio Pachego, Curso de direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva,2011, p.211
[9]I. Canotilho, José Joaquim Gomes,II. Leite, José Rubens Morato. Direito Ambiental, São Paulo, Saraiva, 2010, p.240
[10] Granziera, Maria Luiza Machado, São Paulo, Atlas, 2011, p. 415
[12] In Direito ambiental brasileiro. 16 ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 273.
[13] Direito ambiental. 12 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 80.
Procurador do Estado de São Paulo. Mestre e Doutorando em Direitos Difusos e Coletivos pela PUC/SP. Especialista em Direito Constitucional pela PUCSP/COGEAE.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Fábio André Uema. Competência ambiental: necessidade de fixação das atribuições das esferas federativas no licenciamento ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 set 2012, 07:28. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31368/competencia-ambiental-necessidade-de-fixacao-das-atribuicoes-das-esferas-federativas-no-licenciamento-ambiental. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: gabriel de moraes sousa
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