RESUMO
Este artigo traz uma breve explanação visando averiguar se o decreto de infrações administrativas ambientais (Decreto nº 6.514/08), que regulamentou a lei de crimes ambientais (Lei nº 9.605/98) constitui um exemplo de decreto autônomo.
Com base em doutrinadores e na análise da Constituição Federal buscou-se elencar alguns tipos de decretos, destacando-se a figura dos decretos autônomos e regulamentares.
Palavras-chave: Decreto nº 6.514/08; Direito Ambiental; decreto autônomo.
INTRODUÇÃO
Os decretos constituem importante componente na seara legal, seja pela sua função eminentemente exteriorizadora da vontade do chefe do Poder Executivo, seja pela função regularizadora.
Assim, apresentamos três capítulos, figurando no primeiro a figura dos decretos na Constituição Federal, seguido pelos demais capítulos sintéticos acerca dos decretos regulamentares e autônomos, com a conclusão, neste último, acerca do posicionamento do Decreto nº 6.514/08 como um exemplo de decreto autônomo.
1 A FIGURA DOS DECRETOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Podemos encontrar diversas modalidades de Decretos na Constituição Federal, destacando-se o Decreto Legislativo, de competência do Congresso Nacional, constituindo-se instrumento essencial para o cumprimento de suas funções.
Conforme assevera Alexandre de Moraes:
Decreto legislativo é espécie normativa destinada a veicular as matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, previstas, basicamente, no art. 49 da Constituição Federal. Além destas matérias, também é de competência do decreto legislativo a regulamentação exigida no art. 62, da citada Carta (EC nº 32/01).
Assim, os decretos legislativos constituem, igualmente às demais espécies previstas no art. 59 da Constituição Federal, atos normativos primários veiculadores da competência exclusiva do Congresso Nacional, cujo procedimento não é tratado pela Constituição Federal, cabendo ao próprio Congresso discipliná-lo.[1]
O Poder Executivo, na pessoa do Presidente da República, também se utiliza dos Decretos para exteriorizar suas decisões, em diversas ocasiões.
Nestes termos, destacam-se os Decretos Regulamentares e Autônomos, destinados, respectivamente, a regulamentar leis que o requerem e a fixar normas concernentes à Administração Federal.
Temos, ainda, os Decretos Interventivos, que são a manifestação do Presidente em casos de intervenção federal, conforme artigo 84, X, da Carta Magna.
Também de competência do Poder Executivo, temos os Decretos de Estado de Defesa e de Sitio.
2 OS DECRETOS REGULAMENTARES
Conforme a breve síntese antecedente, os Decretos constituem importante ferramenta utilizada pelos Poderes Executivo e Legislativo para cumprir suas funções.
Tendo em vista o escopo do presente trabalho, destacamos o Decreto Regulamentar, voltado ao exercício do poder regulamentar do Presidente da República, conforme ensina Alexandre de Moraes:
Em relação ao poder regulamentar do Presidente da República, a Constituição Federal, em seu art. 84, inciso IV, prevê que lhe compete, privativamente, expedir decretos e regulamentos para fiel executação da lei.
Os regulamentos, portanto, são normas expedidas privativamente pelo Presidente da República, cuja finalidade precípua é facilitar a execução das leis, removendo eventuais obstáculos práticos que podem surgir em sua aplicação e se exteriorizam por meio de decreto[...][2]
Acerca do tema, é importante lembrar as palavras de Pontes de Miranda, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello:
“Se o Poder Legislativo deixa ao Poder Executivo fazer lei, delega; o poder regulamentar é o que se exerce sem criação de regras jurídicas que alterem as existentes e sem alteração da própria lei regulamentada. [...] Nem o Poder Executivo pode alterar regras jurídicas constantes de lei, a pretexto de editar decretos para a sua fiel execução, ou regulamentos concernentes a elas, nem tal atribuição pode provir de permissão ou imposição legal de alterar regras legais, ou estendê-las, ou limitá-las”.[3]
Ou seja, quando a lei requerer regulamento para sua aplicação, cabe ao Presidente da República expedi-lo, para tanto, lançando mão do Decreto competente.
3 OS DECRETOS AUTÔNOMOS
O Decreto Autônomo apresenta previsão na Constituição Federal, em seu artigo 84, inciso VI (alterado pela EC 32/2001), destinando-se, especificamente, à organização da administração pública federal.
Trata-se de reserva constitucional ao Poder Executivo, para regular matérias não sujeitas a lei específica, não sendo, pois, cabível, quando houver reserva legal.
Certo é que a elaboração de Decretos Autônomos deve estar restrita aos ditames constitucionais, especificamente o referido artigo 84, VI, sob pena de afronta ao princípio da legalidade. Segue exemplo de jurisprudência:
PROCESSUAL CIVIL – MANDADO DE SEGURANÇA – COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE ÁGUAS – ATO ADMINISTRATIVO BASEADO EM DECRETO ESTADUAL AUTÔNOMO CONFLITANTE COM LEIS ESTADUAL E FEDERAL – INVALIDADE. 1. O ordenamento jurídico nacional não permite a edição de Decretos autônomos, salvo nos casos do inciso VI do artigo 84 da Constituição Federal/88. 2. O Decreto Estadual em comento veicula restrições inexistentes nas leis regulamentadas, o que invalida as restrições apresentadas. 3. Ainda que houvesse lei estadual restringindo a perfuração e captação de águas em poços artesianos, sua validade restaria afastada com base na competência da UNIÃO para legislar sobre águas - artigo 22, inciso IV, da Constituição Federal/88. Agravo regimental improvido.[4]
Assim, Alexandre de Moraes defende sua existência na ordem jurídica constitucional, conforme expõe:
A partir a EC nº 32/01, o texto constitucional brasileiro passou a admitir – sem margens para dúvidas – os “decretos autônomos” do Chefe do Executivo, com a finalidade de organização da Administração Pública, pois o art. 84, VI, da CF permite ao Presidente dispor, mediante decreto, sobre a organização da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, por equipará-lo aos demais atos normativos primários, inclusive lei, e, consequentemente, afirmar seu absoluto respeito ao princípio da reserva legal.[5]
Na mesma linha, Pedro Lenza:
Apesar de grande parte da doutrina manifestar-se pela inexistência de acolhida constitucional dos regulamentos autônomos, o STF não desconhece essa realidade e admite, inclusive, o controle por ADI genérica, na hipótese de decreto autônomo revestido de indiscutível conteúdo normativo.[6]
Em sentido contrário destaca-se José Afonso da Silva:
O sistema constitucional brasileiro não admite o chamado regulamento independente ou autônomo, fora o regulamento de organização que a doutrina, às vezes, também considera um tipo de autônomo; agora, em face do inc. VI do art. 84, não pode ser considerado autônomo, porque se prevê que seja expedido “na forma da lei”; fica, pois, sujeito a uma reserva relativa da lei.[7]
Da leitura do Decreto de infrações administrativas ambientais (Decreto nº 6.514/08), extrai-se de seu preâmbulo o embasamento ao artigo acima citado, mais especificamente ao artigo 84, VI, “a”, da Constituição Federal, o qual visa autoriza o Presidente da República a editar Decreto sobre organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento nem criação ou extinção de órgãos públicos.
Ou seja, para sua elaboração, o Poder Executivo usou de suas atribuições contidas no artigo 84, IV e VI, “a”, da Constituição Federal, conforme preâmbulo:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso das atribuições que lhe confere o art. 84, incisos IV e VI, alínea “a”, da Constituição, e tendo em vista o disposto no Capítulo VI da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, e nas Leis nºs 9.784, de 29 de janeiro de 1999, 8.005, de 22 de março de 1990, 9.873, de 23 de novembro de 1999, e 6.938, de 31 de agosto de 1981, (grifos nossos)[8]
No caso em tela, a menção ao referido artigo 84, VI, “a”, visou a regulação do processo administrativo para apuração de infrações ambientais, valendo-se, pois, o Presidente da República, de um único Decreto para regulamentar a Lei nº 9.605/98, e para criar o procedimento específico, extrapolando o poder regulamentar constitucionalmente estatuído.
CONCLUSÃO
Do exposto conclui-se que os decretos autônomos constituem uma modalidade normativa insculpida na Constituição Federal, em seu artigo 84, VI, legitimando o chefe do executivo a adotar tal medida nos casos ali especificados.
Ocorre, todavia, que o exercício de tal legitimidade não pode ser aplicada indiscriminadamente, extrapolando o poder normativo concedido, originando decretos abusivos, como o caso em tela, qual seja, o Decreto nº 6.514/08.
[1] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 690.
[2] Ibidem, p. 470.
[3] MIRANDA apud MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 28. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 358.
[4] SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. AgRg no RMS 27679 / RS, Relator Ministro HUMBERTO MARTINS. Publicado em 21 de outubro de 2009. Acesso em 31 de outubro de 2011.
[5] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 471.
[6] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 595.
[7] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 426.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Marcelo Viana de. O Decreto nº 6.514/08 como um exemplo de decreto autônomo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 out 2012, 07:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/31771/o-decreto-no-6-514-08-como-um-exemplo-de-decreto-autonomo. Acesso em: 22 nov 2024.
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