Sumário: 1. Introdução; 2. Prova do cumprimento de carência para aposentadoria; 3. Conclusão; 4. Referências.
1. Introdução
O tema é controverso. Ao tempo em que é alvo de severas críticas, também encontra defensores tenazes. A maleabilização dos requisitos de concessão de benefícios previdenciários a segurados especiais, quando a demanda já superou a fase administrativa, e está no âmbito judicial, consiste, para os críticos, em facilitação desarrazoada, amparada no assistencialismo, mesmo não se tratando de benefício de natureza assistencial. Uma expressão do chamado princípio do "coitadinho".
Já para seus defensores, a flexibilização representa uma adequação da lei à realidade social, uma veia de execução do princípio da igualdade material. A condições são impostas pela lei, mas cabe ao aplicador a subsunção do fato à norma, com a necessária sensibilidade para além de cumprir a lei, encontrar uma solução justa para o conflito.
Abordaremos nessas breves linhas as formas como a jurisprudência pátria vem minorando as exigências da lei, principalmente por meio da aplicação do princípio da livre apreciação da prova.
Enfim, trata-se de assistencialismo exacerbado ou de aplicação do princípio constitucional da isonomia?
2. Prova do cumprimento de carência para aposentadoria
A definição de segurado especial está contida, dentre outros dispositivos, no art. 11, VII, da Lei Geral de Benefícios - Lei 8.213/91, que estabelece, in verbis:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
[...]
VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:
a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:
1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
Essa categoria de segurados obrigatórios faz jus à aposentadoria por idade, aos 60 anos para homens e 55 para mulheres. Os requisitos são os elencados nos artigos 48 e 143 da Lei 8.213/91. A carência exigida, que é de 180 contribuições, é substituída pela comprovação do exercício da atividade rural por período igual ao número de meses correspondente à carência do benefício. É uma benesse da lei, sendo certo que se desejar, o segurado especial também poderá contribuir facultativamente com o sistema.
A celeuma aparece nos momentos da aferição do preenchimento da carência, conditio sine qua non à obtenção do benefício, da produção da prova e de sua valoração em juízo. A rigor, a lei exige a comprovação dos 180 meses de trabalho rural. Para pessoas campesinas e de baixo grau de instrução é deveras difícil a reunião de documentos por esse vasto período, e muitos só se preocupam em adquiri-los quando completam a idade necessária. Dessa forma, não conseguem fazer prova de todo o período, não apresentando nenhum documento dentre os elencados no art. 106 da Lei 8.213, ou apenas documentação recente, que atesta o labor agrícola nos últimos dois ou três anos.
A alternativa acaba sendo o manejo de outros meios de prova, notadamente a testemunhal. Entretanto, o entendimento consolidado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, esposado na Súmula 149, veda a prova exclusivamente testemunhal, para fins de concessão de benefícios, in verbis:
STJ Súmula nº 149:
Prova Testemunhal - Atividade Rurícola - Benefício Previdenciário
"A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário."
A lei estabelece quais os documentos aptos à prova do período de carência do segurado especial. Dispõe, acerca da comprovação da atividade rural, in verbis:
Art. 106. A comprovação do exercício de atividade rural será feita, alternativamente, por meio de:
I – contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II – contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III – declaração fundamentada de sindicato que represente o trabalhador rural ou, quando for o caso, de sindicato ou colônia de pescadores, desde que homologada pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS;
IV – comprovante de cadastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V – bloco de notas do produtor rural;
VI – notas fiscais de entrada de mercadorias, de que trata o § 7o do art. 30 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, emitidas pela empresa adquirente da produção, com indicação do nome do segurado como vendedor;
VII – documentos fiscais relativos a entrega de produção rural à cooperativa agrícola, entreposto de pescado ou outros, com indicação do segurado como vendedor ou consignante;
VIII – comprovantes de recolhimento de contribuição à Previdência Social decorrentes da comercialização da produção;
IX – cópia da declaração de imposto de renda, com indicação de renda proveniente da comercialização de produção rural; ou
X – licença de ocupação ou permissão outorgada pelo Incra.
A despeito dos dispositivos citados, a jurisprudência tem construído entendimentos que reduzem o grau de exigência da lei, seja considerando a não exaustividade do rol do art. 106; a não descaracterização do regime de economia familiar pelo exercício de trabalho urbano de um de seus membros; ou a desnecessidade de comprovação de todo o período de carência, conforme se observa dos arestos colacionados:
STJ - AgRg no REsp 1218286 PR 2010/0195798-4 - Julgamento:15/02/2011
[...]
II - O rol de documentos hábeis à comprovação do exercício de atividade rural, inscrito no art. 106, parágrafo único da Lei 8.213/91, é meramente exemplificativo, e não taxativo, sendo admissíveis, portanto, outros documentos além dos previstos no mencionado dispositivo.(grifo nosso)
STJ - AgRg nos EDcl no REsp 1132360 PR 2009/0061937-0 - Julgamento: 04/11/2010
[...]
IV - Este Superior Tribunal de Justiça considera que o exercício de atividade remunerada por um dos membros da família, mesmo que urbana, não descaracteriza a condição de segurado especial dos demais.(grifo nosso)
STJ - AgRg no AREsp 146600 GO 2012/0032566-3 - Julgamento:11/09/2012
[...]
1. É firme o entendimento desta Corte de que para o reconhecimento do labor rural não se exige que a prova material abranja todo o período de carência, desde que haja prova testemunhal apta a ampliara eficácia probatória dos documentos, como no caso dos autos.(grifo nosso)
3. Conclusão
Preferimos entender a flexibilização dos requisitos legais de concessão da aposentadoria dos segurados especiais, e dos benefícios previdenciários como um todo, como uma forma de efetivação do princípio constitucional da igualdade material. Nesse sentido parecem caminhar também o legislador que, ao elaborar a Lei 11.718/08, facilitou a caracterização do trabalhador como segurado especial, bem como o Poder Executivo, que por meio do verbete nº 32 da Advocacia Geral da União sumulou a aplicação do "início de prova material".
4. Referências
KERTZMAN, Ivan. Curso Prático de Direito Previdenciário. 6ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009.
TAVARES, Marcelo Leonardo. Direito Previdenciário. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.
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