SUMÁRIO: I. Introdução. II. Regime jurídico aplicável. III. Disposições comuns aos regimes especiais de administração. IV. Regimes especiais de administração em espécie. V. Efeitos da decretação da intervenção e da liquidação extrajudicial. VI. Aspectos gerais relacionados à liquidação extrajudicial das entidades fechadas. VII. Conclusões.
I. Introdução:
O presente trabalho tem como propósito discorrer sobre o tratamento jurídico empregado aos regimes especiais de administração das Entidades Fechadas de Previdência Complementar – EFPC, institutos da Administração Especial, Intervenção e Liquidação Extrajudicial, sua natureza jurídica, o papel do órgão do Estado responsável por decretar esses regimes especiais perante as entidades fechadas, bem como a função e os limites dos gestores designados para serem responsáveis, temporariamente, por todo o processo de saneamento dos planos de benefícios por elas administrados ou, nos casos extremos de irregularidades verificadas no funcionamento dessas entidades fechadas e que possam resultar no não cumprimento dos compromissos previdenciários assumidos, atuar para preservar o patrimônio do plano de benefícios, de modo que os recursos garantidores existentes sejam primordialmente direcionados ao pagamento dos benefícios contratados.
O sistema de previdência complementar, delineado pelo artigo 202 da Constituição Federal, encontra-se caracterizado juridicamente como sendo serviço privado de interesse público[1], topologicamente situado como direito social constitucionalmente tutelado, com o colorido peculiar de uma forte atuação do Estado na atividade econômica através de entidade pública especialmente criada para tanto, a Superintendência Nacional de Previdência Complementar – PREVIC, autarquia federal de natureza especial, com competência para fiscalizar e supervisionar as atividades desenvolvidas pelas pessoas jurídicas operadoras do sistema.
Os regimes especiais de administração previstos na Lei Complementar nº 109/2001 surgem como uma poderosa ferramenta do poder de polícia administrativa sobre o segmento de previdência complementar, possibilidade essa amparada pelo art. 174 da Constituição Federal[2] ao permitir que os órgãos e entidades estatais atuem de forma a garantir o regular funcionamento da atividade previdenciária, praticando, caso necessário, atos de império sobre os atos de gestão da entidade ou sobre o próprio patrimônio representativo dos recursos destinados ao pagamento dos benefícios.
Celso Antônio Bandeira de Mello[3] ao, tecer comentários sobre o poder de polícia da Administração, pondera que “em todos os casos, necessariamente, a interferência estatal terá que estar volvida à satisfação dos fins dantes aludidos como sendo os caracterizadores do Estado brasileiro; e jamais – sob pena de nulidade – poderá expressar tendência ou diretriz antinômica ou gravosa àqueles valores”.
Esses valores constitucionais, dentre os quais o direito à previdência social, ensejam uma atuação diretiva do Estado sobre os interesses tutelados e, no caso da previdência complementar, uma atuação destinada a preservar os interesses dos destinatários da proteção social.
A atuação do órgão de fiscalização do sistema fechado de previdência complementar tem em vista, primordialmente, supervisionar o funcionamento das entidades fechadas e dos planos de benefícios por elas administrados, somente utilizando o poder administrativo de decretar os regimes especiais em situações pontuais e excepcionais, quando verificada a existência de irregularidades no funcionamento das entidades fechadas que impossibilitem a normal administração dos planos de benefícios, pondo em risco os recursos garantidores do plano de benefícios.
Estando às mãos do Estado outros meios que possibilitem trazer à normalidade o funcionamento das atividades exercidas pelas EFPC, a exemplo das penalidades fixadas no Decreto nº 4.942/2003, que regula o processo administrativo sancionador no âmbito da previdência complementar fechada, deve o Estado lançar mão das mesmas, somente se utilizando da decretação dos regimes especiais para as situações de desequilíbrio patrimonial que ocasionam déficit financeiro de improvável ou impossível equacionamento[4].
Não é demais realçar que a decretação do regime especial deve ser devidamente justificada, de modo a demonstrar os motivos que levaram o órgão de fiscalização a optar pela medida administrativa interventiva sobre o funcionamento da entidade fechada.
Se possível seja sintetizar qual seria o principal papel do Estado na fiscalização das EFPC, apontaríamos a proteção jurídica dos interesses dos participantes e assistidos quanto aos direitos e obrigações pactuados nos regulamentos dos planos de benefícios, princípio informador este que se encontra positivado na lei geral da previdência complementar (inciso VI do art. 3º Lei Complementar nº 109/2001).
Esse o traço marcante da atuação do Estado no segmento fechado de previdência complementar: coadjuvar traçando as políticas públicas de previdência complementar para o sistema (incluindo as ações de fomento) e exigindo das EFPC o cumprimento das respectivas normas jurídicas por ele produzidas; ou, em situações excepcionais que ponham em risco o recebimento dos benefícios contratados pelos participantes, tomar para si o papel de protagonista na gestão da entidade previdenciária, indicando temporariamente profissional que atuará como uma longa manus estatal, ficando responsável por administrar o patrimônio da entidade, na tentativa de trazer à normalidade aspectos ligados à governança, gestão patrimonial e equilíbrio financeiro-atuarial dos planos de benefícios, visando ao cumprimento dos compromissos previdenciários assumidos pela entidade no contrato previdenciário.
II. Regime jurídico aplicável:
A disciplina normativa básica dos regimes especiais de administração encontra-se delineada nos artigos 42 a 62 da Lei Complementar nº 109/2001, aplicando-se, subsidiariamente, os dispositivos da Lei nº 6.024/74 que dispõe sobre o regime de intervenção e liquidação das instituições financeiras[5].
Importante ressaltar que a relação hermenêutica existente entre a Lei Complementar nº 109/2001 e a Lei nº 6.024/74 é de subsidiariedade e não de especialidade. Ou seja, não seria o caso de lacuna no sistema normativo vigente pela ausência de norma jurídica para regular os regimes especiais de administração das EFPC, mas de aplicação subsidiária, complementar, entre um regime jurídico aplicável às entidades fechadas e aquele mais detalhista aplicável às instituições financeiras.
A aproximação do regramento normativo entre as entidades fechadas e as instituições financeiras justifica-se na medida que ambas se identificam quanto a natureza da atividade desenvolvida na administração de recursos de terceiros, que fazem aproximar os regimes jurídicos aplicáveis, embora divirjam quanto à finalidade lucrativa das atividades econômicas, a qual não se apresenta nas entidades fechadas de previdência complementar. As pessoas jurídicas que atuam nesses segmentos exercem atividades econômicas com forte atuação no mercado financeiro, possuindo o Estado papel fundamental na regulação e fiscalização por meio dos seus órgãos fiscalizador e regulador que, no caso das instituições financeiras, pertencem ao Banco Central do Brasil e ao Ministério da Fazenda, respectivamente.
Uma questão possível de ser aventada, já suscitada pela doutrina, seria questionar a aplicação subsidiária também das regras constantes na Lei nº 11.101/2005, que trata da recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, aos casos envolvendo a liquidação extrajudicial das EFPC.
O regime de execução concursal previsto pela lei de falências (Lei nº 11.101/2005) é plenamente aplicável às instituições financeiras, sem prejuízo da adoção dos institutos da intervenção e liquidação extrajudicial previstos pela Lei nº 6.024/74, como bem apontado por Fábio Ulhoa Coelho:
“Na forma prevista pela Lei n. 6.024, de 1974, as instituições financeiras estão sujeitas a um regime de execução concursal de natureza extrajudicial. Esse regime não exclui, em caráter absoluto, a falência dos comerciantes dessa categoria, que, em determinadas hipóteses, pode ser decretada. Assim, se a instituição financeira não estiver sob liquidação extrajudicial ou sob intervenção decretada pelo Banco Central, ela poderá, nas mesmas condições previstas para os demais exercentes de atividade mercantil, ter a sua falência decretada judicialmente. Quando houver impontualidade injustificada ou prática de ato de falência de sua parte, poderão os seus credores requerer a decretação da quebra. Além disso, estando sob o regime de liquidação extrajudicial ou intervenção, o Banco Central deve, nos casos delineados pela lei (LILE, arts. 21, b, e 12, d), autorizar o oferecimento de pedido judicial da falência da instituição, que será feito, respectivamente, pelo liquidante ou pelo interventor”[6].
Encontra-se em vigor dispositivo da LC 109/2001 que não admite, de forma expressa, a aplicação do regime jurídico da concordata ou da falência para as entidades fechadas.
Art. 47. As entidades fechadas não poderão solicitar concordata e não estão sujeitas a falência, mas somente a liquidação extrajudicial.
Não vislumbramos a aplicação dos institutos do direito comercial previstos na Lei nº 11.101/2005 às EFPC pelas seguintes razões.
A Lei nº 11.101/2005 que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária possui, em seu art. 2º, II, dispositivo negando eficácia do referido diploma normativo à “empresa pública, sociedade de economia mista, instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores” (grifamos).
De fato, as atividades desempenhadas pelas entidades fechadas de previdência social possuem algumas características que as diferenciam da atividade comercial das sociedades empresárias do Código Civil, cabendo destacar a ausência de finalidade lucrativa e a existência de regras próprias (lei especial) para a intervenção estatal nessas pessoas jurídicas de direito privado, o que permite concluirmos pela não aplicação da lei de falência às EFPC.
Outros atos normativos editados pelos órgãos regulador e fiscalizador do sistema fechado de previdência complementar também disciplinam situações que repercutem no funcionamento desses regimes especiais, a exemplo da Resolução CGPC nº 24/2007 e das Instruções SPC nº 16/2007 e nº 17/2007 que dispõem, respectivamente, sobre parâmetros para a fixação da remuneração dos administradores especiais, interventores e liquidantes, limites das despesas realizadas por estes gestores no exercício do regime especial e da obrigatoriedade da emissão de relatório mensal de informações e encaminhamento ao órgão fiscalizador.
III. Disposições comuns aos regimes especiais de administração:
A Lei nº 12.154/2009[7] outorgou poderes à PREVIC, na qualidade de órgão de fiscalização e supervisão do sistema, para decretar os regimes especiais e nomear os gestores responsáveis por executar tal tarefa.
Os gestores designados (administrador especial, interventor e liquidante) praticam atos de gestão administrativa em busca da recuperação da entidade, trazendo-a à normalidade administrativa, contábil e financeira.
A decretação dos regimes especiais tem por finalidade evitar o encerramento prematuro das atividades das EFPC, e objetiva, em última análise, garantir a higidez do sistema previdenciário, evitando prejuízos sistêmicos que afetem a credibilidade do regime de previdência complementar perante a sociedade.
Cabe ao órgão de fiscalização do sistema a nomeação do novo gestor, estabelecendo as condições, limites, alcance e período de duração em que será exercido o regime especial, delimitando os poderes de gestão da pessoa indicada, conferindo poderes de representação, ora para sanear plano de benefício específico (casos de administração especial), ora para sanar irregularidade verificada por sua área de fiscalização (intervenção), e ora para, nas situações extremas em que há inviabilidade de recuperação da EFPC ou pela ausência de condição para seu funcionamento, designar o liquidante para realizar o ativo e liquidar o passivo da entidade, estabelecendo o quadro geral de credores e preferências para pagamento dos débitos da entidade.
Por essas razões, são relacionados os seguintes poderes administrativos conferidos por lei ao órgão fiscalizador:
- decretar o regime especial;
- designar o administrador especial, interventor e liquidante, fixando os limites e as condições em que o regime será exercido;
- aprovar os atos de gestão que importem em oneração ou disposição do patrimônio das entidades;
- aprovar o plano de recuperação da entidade, no caso da intervenção; e
- encerrar, quando for o caso, o regime de liquidação com a aprovação das contas finais do liquidante e com a baixa nos devidos registros.
IV. Regimes especiais de administração em espécie:
Podemos conceituar os regimes especiais como o conjunto de atos administrativos de intervenção na ordem econômica praticados por pessoa designada pelo Estado, com a finalidade de resguardar o bom funcionamento das entidades de previdência complementar, os ativos garantidores e o pagamento dos benefícios contratados pelos participantes e assistidos.
Ressalte-se que a disciplina legal prevista na Lei Complementar nº 109/2001 abrange a aplicação das regras concernentes aos regimes especiais tanto no âmbito das entidades abertas, quanto nas fechadas.
Nossa análise, neste momento, manterá o foco nas entidades fechadas, delimitando-se o objeto de estudo para facilitar a compreensão da matéria, o que não impede a aplicação dos entendimentos ora firmados ao regime aplicável às entidades abertas, porquanto existente a identidade do regramento jurídico.
A depender das irregularidades verificadas nas entidades fechadas poderá a autoridade administrativa vir a decretar o regime de administração especial, intervenção ou liquidação extrajudicial.
Preliminarmente, antes de adentrar à disciplina jurídica dos regime especiais, impõe-se o registro para firmar a natureza administrativa (não jurisdicional, portanto, como é o caso da falência nas sociedades empresárias) desses regimes especiais, o que não impede, por óbvio, o controle a posteriori do Poder Judiciário em relação aos atos administrativos praticados durante o curso do regime especial.
A possibilidade da indicação de um administrador especial, com poderes próprios de intervenção e de liquidação extrajudicial, surge como a primeira hipótese conferida ao órgão fiscalizador, com o objetivo de sanear plano de benefícios específico, caso seja constatada a ocorrência de alguma das situações previstas nos artigos 44 e 48 da Lei Complementar nº 109/2001.
A natureza cautelar do regime de administração especial assemelha-se à designação do Diretor-Fiscal nas entidades abertas (art. 43 da LC 109), com a diferença deste último não possuir poderes de gestão, mas com poderes de propor ao órgão fiscalizador (no caso, a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP) a decretação da intervenção ou da liquidação extrajudicial.
A atuação do administrador especial difere do papel conferido ao interventor, por consistir medida administrativa cirúrgica destinada a sanear plano de benefício específico, enquanto na intervenção a atuação do gestor se realiza num aspecto mais amplo, abrangendo a atividade da entidade fechada como um todo, inclusive quanto ao plano de benefícios.
A intervenção consiste medida de natureza cautelar que pode ser decretada pelo órgão fiscalizador ou por requerimento justificado do patrocinador, do instituidor, dos órgãos estatutários ou em conjunto pela administração da entidade quando constatada a prática de má gestão da entidade, reiteradas violações à lei, irregularidades graves ou atos que comprometam sua solvência, mediante a nomeação de um interventor, que detém plenos poderes de administração e representação, e tem por missão resguardar os direitos dos participantes e promover a recuperação da entidade.
São hipóteses que justificam a decretação da administração especial e da intervenção:
LC 109/2001:
Art. 44. Para resguardar os direitos dos participantes e assistidos poderá ser decretada a intervenção na entidade de previdência complementar, desde que se verifique, isolada ou cumulativamente:
I - irregularidade ou insuficiência na constituição das reservas técnicas, provisões e fundos, ou na sua cobertura por ativos garantidores;
II - aplicação dos recursos das reservas técnicas, provisões e fundos de forma inadequada ou em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos competentes;
III - descumprimento de disposições estatutárias ou de obrigações previstas nos regulamentos dos planos de benefícios, convênios de adesão ou contratos dos planos coletivos de que trata o inciso II do art. 26 desta Lei Complementar;
IV - situação econômico-financeira insuficiente à preservação da liquidez e solvência de cada um dos planos de benefícios e da entidade no conjunto de suas atividades;
V - situação atuarial desequilibrada;
VI - outras anormalidades definidas em regulamento.
A legislação permite a decretação da administração especial e da intervenção se presentes um ou alguns dos motivos elencados no art. 44 da Lei Complementar nº 109/2001, associados ou não entre si.
Ressalte-se que a administração especial é o instituto destinado à um plano de benefícios específico administrado pela entidade, restando intocáveis os poderes de gestão administrativa do fundo de pensão em relação aos demais planos de benefícios porventura ofertados aos grupos de participantes (entidades multiplano).
Observa-se que a maioria dos incisos do citado dispositivo refere-se a situações em que há insuficiência de recursos garantidores para pagamentos dos benefícios ou má-gestão administrativa, seja pela inadequada execução da política de investimentos da entidade, situação bastante comum de desenquadramento às normas do Conselho Monetário Nacional (Resolução CMN nº 3.792/2009), seja por atuação dos dirigentes de modo contrário aos dispositivos estatutários que disciplinam as regras de governança interna da entidade fechada.
A atuação das pessoas designadas como gestores temporários da entidade objetiva garantir a solvência dos benefícios contratados, a manutenção da estabilidade das reservas técnicas e dos compromissos contratuais assumidos pela entidade.
Ao interventor são conferidos poderes de administração e representação da entidade fechada, havendo a necessidade de autorização do órgão de fiscalização quanto aos atos de gestão administrativa que importem em oneração ou disposição do patrimônio da entidade (parágrafo único, art. 45 LC 109).
Esses poderes de gestão permitem que o interventor reorganize a entidade sob o aspecto administrativo e financeiro, contratando ou demitindo funcionários da entidade, nos valores e limites fixados pelo órgão fiscalizador[8], como tem reconhecido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. ENTIDADE PRIVADA SOB INTERVENÇÃO. MODIFICAÇÃO DOS ESTATUTOS PELO INTERVENTOR. POSSIBILIDADE. ESTANDO A ENTIDADE DE PREVIDENCIA PRIVADA SOB REGIME DE INTERVENÇÃO, O INTERVENTOR PASSA A EXERCER, COM EXCLUSIVIDADE, OS ATOS DE GESTÃO E ADMINISTRAÇÃO, INCLUSIVE PARA PROPOR ALTERAÇÕES ESTATUTARIAS EM ORDEM A PROMOVER A RECUPERAÇÃO DA ENTIDADE. SEGURANÇA DENEGADA.
(STJ. MS 3964/DF. Relator Ministro CESAR ASFOR ROCHA. Órgão Julgador: S1 - PRIMEIRA SECAO. Data do Julgamento: 26/09/1995. Data da Publicação/Fonte: DJ 30/10/1995).
Após investir-se no encargo deve o interventor inventariar e arrecadar todos os documentos e bens da entidade, dando ciência aos ex-gestores, os quais farão os registros por escrito que julgarem necessários.
A intervenção perdurará pelo tempo necessário à recuperação da entidade, prevendo o art. 8º da Resolução CGPC Nº 24/2007 o prazo de até 180 dias, prorrogável a critério do órgão fiscalizador[9]. Por haver referência na norma reguladora da possibilidade de prorrogação do prazo de duração da intervenção, sem qualquer limitação quanto à possibilidade de várias prorrogações, deve-se entender que caberá ao órgão de fiscalização verificar, em cada caso concreto, qual será a duração da medida interventiva e prorrogá-la pelo tempo necessário à conclusão do regime especial.
Diversamente a regulamentação da matéria no âmbito das instituições financeiras, em que o art. 4º da Lei nº 6.024/74 expressamente prevê que o período da intervenção não excederá a seis meses, o qual, por decisão do Banco Central do Brasil, poderá ser prorrogado uma única vez, até o máximo de outros seis meses. O menor tempo de duração dos regimes especiais nas instituições financeiras justifica-se pelo maior universo de pessoas que podem ser atingidas nesse segmento, o que instauraria no mercado financeiro uma insegurança jurídica nociva para as relações bancárias e para o sistema como um todo.
O interventor ou administrador especial apresentará à PREVIC, ao final do regime especial, relatório com a situação da entidade ou do plano de benefícios, apresentando plano de recuperação ou proposta de liquidação extrajudicial, conforme o caso.
A intervenção cessará quando aprovado o plano de recuperação da entidade pelo órgão fiscalizador ou se decretada a sua liquidação extrajudicial.
A liquidação extrajudicial é o regime especial decretado pelo órgão fiscalizador quando constatada a inexistência de condições para o funcionamento da entidade ou a inviabilidade de sua recuperação, mediante a nomeação de liquidante com amplos poderes de representação, administração e liquidação, com a finalidade básica de organizar o quadro geral de credores, realizar o ativo e liquidar o passivo da entidade.
A liquidação extrajudicial geralmente é precedida da intervenção. Pode ser levantada a qualquer tempo, desde que constatados fatos supervenientes que viabilizem a recuperação da entidade de previdência complementar.
Entende-se por ausência de condição para funcionamento de entidade de previdência complementar o não atendimento às condições mínimas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
Consistem deveres básicos dos administradores dos regimes especiais:
a) gestão e representação da entidade, com a prudência própria daqueles que administram recursos de terceiros (princípio do homem prudente);
b) envio ao órgão fiscalizador de relatório mensal com informações circunstanciadas acerca do andamento dos trabalhos, de sua remuneração e de eventuais assistentes ou assessores contratados, bem como das respectivas despesas decorrentes do exercício do encargo (diárias, hospedagem, transporte e moradia); e
c) buscar, sempre que possível, a recuperação da entidade, reconduzindo-a à normalidade administrativa.
O administrador especial, interventor e liquidante nomeados receberão remuneração da entidade fechada, cujo valor será proporcional ao porte do plano ou planos de benefícios submetidos ao regime especial, ou ao porte da entidade fechada, no conjunto dos seus planos, quando tratar-se de intervenção ou liquidação extrajudicial. Os critérios da para fixação da remuneração estão definidos na Resolução CGPC nº 24/2007 e nas Instruções SPC nº 16/2007 e nº 17/2007.
A PREVIC atualiza com certa freqüência o valor máximo a ser pago aos gestores dos regimes especiais, regulamentação prevista no art. 3º da Resolução CGPC nº 24/2007. Caso o gestor designado seja servidor público, será considerada a soma das remunerações percebidas no órgão público cedente e na entidade fechada cessionária para os fins de conformação ao teto remuneratório fixado aos servidores públicos no inciso XI, art. 37 da Constituição Federal.
Os gestores também serão ressarcidos das despesas com hospedagem, alimentação e deslocamento, além de poderem contratar técnicos para auxiliar no encargo legal.
V. Efeitos da decretação da intervenção e da liquidação extrajudicial:
A Lei Complementar nº 109/2001 elenca alguns efeitos que são automáticos em razão da decretação da intervenção e da liquidação extrajudicial, alguns aplicáveis a ambos os regimes especiais, outros tão somente à liquidação extrajudicial.
Dentre os efeitos comuns da decretação da intervenção e da liquidação situam-se a perda do mandato dos administradores e dos membros dos conselhos estatutários das entidades (Diretoria Executiva, Conselho Deliberativo e Conselho Fiscal), sejam titulares ou suplentes e a indisponibilidade dos bens dos administradores, controladores e membros de conselhos estatutários das entidades de previdência complementar.
Há de se observar que após a decretação da intervenção ou da liquidação extrajudicial a apuração da responsabilidade dos antigos gestores da EFPC deve ser apurada mediante a instauração pelo órgão fiscalizador de inquérito administrativo, momento em que será conferida ampla defesa e o contraditório aos gestores investigados.
O inquérito administrativo será iniciado com a publicação de Portaria da PREVIC no Diário Oficial da União e concluído com o relatório elaborado pela Comissão de Inquérito, o qual será, ao final, submetido para aprovação ou não da Diretoria Colegiada da autarquia.
Os efeitos jurídicos automáticos possuem natureza cautelar e visam a evitar qualquer tipo de influência dos antigos gestores que participaram direta ou indiretamente das operações que resultaram na situação fática que engendrou a decretação da intervenção ou da liquidação extrajudicial.
A indisponibilidade dos bens dos administradores, controladores e membros de conselhos estatutários das entidades de previdência complementar visa impedir a alienação e oneração dos bens pertencentes a esses ex-gestores, até a apuração e liquidação final de suas responsabilidades.
Serão alcançados pela constrição administrativa os bens dos ex-gestores que atuaram na entidade nos 12 (doze) meses anteriores à decretação do regime especial, não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até a apuração e liquidação final de suas responsabilidades, bem como os bens desses mesmos ex-gestores que tenham sido adquirido por terceiros, desde que haja seguros elementos de convicção de alienação fraudulenta.
Não serão objeto da constrição administrativa os bens inalienáveis ou impenhoráveis, qualificados como tal pela legislação em vigor, e aqueles cujos contratos foram levados a registro público até doze meses antes da data de decretação do regime de intervenção ou liquidação extrajudicial.
Não será adotada a indisponibilidade de bens dos ex-gestores quando os motivos da decretação sejam totalmente desvinculados do exercício das atribuições dos ex-dirigentes perante a entidade fechada, situação esta que pode ser comprovada no curso do inquérito administrativo.
Podemos exemplificar a ausência do nexo causal entre a decretação do regime especial e participação dos ex-gestores nos casos em que ficou demonstrado que a depreciação dos recursos garantidores decorreu de aplicações realizadas no mercado financeiro que, embora tenham seguido os padrões de prudência e conformidade com a política de investimentos da entidade, tenham resultado em perdas significativas dos ativos financeiros, em razão de força maior, como ocorre nas crises sistêmicas do mercado financeiro.
Após a declaração da indisponibilidade dos bens deve o interventor ou o liquidante providenciar o registro do gravame dos bens nos órgãos competentes, fazenda a publicação do edital para conhecimento de terceiros[10].
Tal providência administrativa impedirá que os órgãos competentes para o registro realizem a transferência do patrimônio garantidor, mantendo os bens indisponíveis até a conclusão do inquérito administrativo.
Ao final do inquérito administrativo, aprovado o relatório final pelo órgão fiscalizador, duas as conclusões possíveis: a) o reconhecimento da inexistência de prejuízo à EFPC, o que proporcionará o arquivamento do processo no órgão fiscalizador; e b) verificada a existência de prejuízo, o órgão fiscalizador encaminhará o inquérito administrativo, com o respectivo relatório, ao órgão do Ministério Público competente para a apuração das responsabilidades civil e criminal dos responsáveis pela lesão ao patrimônio da EFPC e dos recursos garantidores do plano de benefícios.
O liquidante ou aqueles contra os quais foi decretada a indisponibilidade dos bens, sem que o relatório do inquérito administrativo tenha concluído pela existência de culpa, poderão solicitar ao órgão de fiscalização, se este assim não agiu de ofício, o levantamento do gravame perante os órgãos competentes, de forma a devolver a integralidade dos direitos inerentes à propriedade particular (uso, gozo e disposição sobre os bens, art. 1.228 do Código Civil).
Será mantida a indisponibilidade com relação às pessoas indiciadas no inquérito, após aprovação do respectivo relatório pelo órgão fiscalizador.
Situação recorrente que tem sido objeto de apreciação do órgão fiscalizador consiste na liberação dos bens dos gestores que não tiveram reconhecida sua responsabilidade nas irregularidades apuradas no inquérito administrativo, mas que o órgão de fiscalização, em razão do número de envolvidos e de indícios de práticas criminosas, por cautela, encaminha os autos para o Ministério Público, na forma do art. 64 da Lei Complementar nº 109/2001[11], para apuração da responsabilidade civil e criminal, incluindo o nome de investigados que, embora não tenham praticado infração administrativa, possam ter participado de alguma forma das irregularidades com repercussão nas demais esferas de responsabilização.
Com a remessa dos autos ao parquet, tem entendido o órgão de fiscalização que cumpriu sua função administrativa, cabendo ao Ministério Público avaliar sobre os desdobramentos da investigação administrativa, inclusive quanto à liberação dos bens dos ex-gestores da entidade.
Como o poder de decretar o regime especial foi conferido pela LC 109/2001 ao órgão de fiscalização, com maior razão também lhe é conferida a possibilidade de, no momento da análise do relatório final do inquérito administrativo, fazer constar a liberação dos bens daqueles ex-gestores que, comprovadamente, não participaram dos atos lesivos à entidade ou ao plano de benefícios por ela administrado.
Nessas situações, há de ser levada em conta a independência das esferas de responsabilização, devendo o órgão de fiscalização decidir, fundamentadamente, sobre a liberação ou não dos bens e em relação a quais investigados persistirá a constrição administrativa.
O envio dos autos do inquérito administrativo ao Ministério Público e a respectiva dúvida da PREVIC acerca dos poderes de liberação dos bens dos ex-gestores quando os autos já se encontrarem no parquet tem gerado discussões judiciais que trazem prejuízo à livre administração do patrimônio dos particulares que participaram da gestão da entidade.
O Tribunal Regional Federal da 2ª região, em pelo menos duas oportunidades, manifestou-se no sentido de ser atribuição do órgão fiscalizador apreciar os pedidos de liberação de bens, como observado nos julgados a seguir transcritos:
DIREITO ADMINISTRATIVO. ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. INTERVENÇÃO EXTRAJUDICIAL. INDISPONIBILIDADE DE BENS DOS ADMINISTRADORES E MEMBROS DOS CONSELHOS CONSULTIVOS E FISCAIS INDICIADOS. (...) Terminado o regime de intervenção em 2004, malgrado a revogação daquele diploma legal pela Lei Complementar nº 109, de 29/05/2001, tal previsão foi mantida, nos moldes do artigo 59. - No tocante à apuração e liquidação final das responsabilidades dos administradores faz-se necessária a remissão à Lei nº 6.024/74, nos moldes do art. 62 citado anteriormente, com especial atenção ao art. 46. - Finalizados os procedimentos administrativos concluiu o Ministério Público Estadual/RJ por não promover a persecução do Autor na esfera civil, penal ou administrativa. Cumpre considerar, ainda, a manifestação do órgão ministerial e da Secretaria de Previdência Complementar do MPS pela inexistência de óbice ao desbloqueio dos bens do Autor, porquanto encerrado o regime de intervenção do GASIUS, arquivados os correspondentes procedimentos administrativos e cumpridas as respectivas sanções administrativas aplicadas pela Comissão de Inquérito. - Nesse panorama e à luz dos ditames legais, a postura adotada pela Administração de manter indisponíveis os bens do Autor revela-se juridicamente insustentável, tendo em vista a inexistência de interesse ou conveniência para o resguardo dos bens e valores. - Irrepreensível, portanto, a r. sentença que, equacionando com absoluta propriedade a questão, julgou procedente, em parte, os pedidos para determinar a liberação integral dos bens do Autor. - No que se refere aos honorários advocatícios, contudo, o julgado merece reforma, afinal, julgado improcedente o pedido de pagamento de danos morais, a pretensão autoral foi acolhida em parte. Desta feita, entendo caracterizada a sucumbência recíproca e aplicável o preceito do artigo 21, caput, do CPC. - Remessa necessária não provida. Recurso parcialmente provido para estabelecer a compensação entre as partes dos ônus processuais. (TRF 2ª região. 7ª turma. PELRE 503845. Relator: Desembargador Federal Flavio de Oliveira Lucas. E-DJF2R - Data::03/06/2011).
ADMINISTRATIVO – ENTIDADE DE PREVIDÊNCIA PRIVADA – INTERVENÇÃO LEVADA A EFEITO PELO MPAS – INDISPONIBILIDADE DE BENS DOS AMINISTRADORES E MEMBROS DOS CONSELHOS DELIBERATIVOS, CONSULTIVOS, FISCAIS E ASSEMELHADOS – ART. 71 DA LEI Nº 6435/77 – CONSELHEIRO FISCAL NÃO INDICIADO PELA COMISSÃO DE INQUÉRITO – AUSÊNCIA DE IRREGULARIDADE NO EXERCÍCIO DE SUAS FUNÇÕES – DESFAZIMENTO DO ATO CONSTRITIVO – COMPETÊNCIA DO ÓRGÃO INTERVENTOR. I - Consoante o disposto no art. 71 da Lei nº 6.435/77, “os administradores e membros de conselhos deliberativos, consultivos, fiscais ou assemelhados, das entidades de previdência privada sob intervenção ou em liquidação extrajudicial, ficarão com todos os seus bens indisponíveis, não podendo, por qualquer forma, direta ou indireta, aliená-los ou onerá-los, até apuração e liquidação final de suas responsabilidades.” II – A indisponibilidade em questão é conseqüência imediata do decreto de intervenção, devendo servir como elemento assecuratório da efetividade dos trabalhos de investigação e fiscalização implementados pela Comissão de Inquérito. III - Uma vez constatada pela Comissão a ausência de quaisquer indícios de irregularidade de conduta do Autor quando do exercício de suas funções de Conselheiro Fiscal junto à instituição alvo da intervenção, e, por consectário lógico, deixando o mesmo de ser indiciado ao final do inquérito administrativo, é de rigor a liberação dos bens anteriormente declarados indisponíveis, dando-se efetividade, assim, à orientação que deflui da redação do art. 71 da Lei nº 6.435/77, parte final. IV – É do órgão interventor, e não do Ministério Público, a competência para determinar o desfazimento do ato que decreta a indisponibilidade dos bens das pessoas referenciadas no art. 71 da Lei nº 6.435/77. V - Apelação e remessa oficial desprovidas. (TRF 2ª região. 7ª turma. AC 200251010053123. Relator: Desembargador Federal Sergio Schwaitzer. DJU 08/03/2006. Página: 195).
Desse modo, entendemos que, embora o momento mais adequado para a avaliação sobre a liberação ou não dos bens seja quando da elaboração do relatório final da Comissão de Inquérito, se o órgão de fiscalização, por qualquer motivo, não tenha apreciado a questão, encaminhando os autos ao Ministério Público, se este não o fizer em prazo razoável, não diligenciando para proceder à responsabilização civil e criminal ou arquivamento dos autos, é possível à PREVIC decidir sobre a questão considerando que possui autorização legal para conduzir os regimes especiais no âmbito da previdência complementar fechada.
Outros efeitos específicos fixados pelo art. 49 da LC 109/2001 para as hipóteses de decretação da liquidação extrajudicial, e que atingem a órbita de interesses (direitos e obrigações) da entidade, dos participantes e de terceiros que de alguma forma se relacionam com a entidade de previdência complementar, são os seguintes:
a) suspensão das ações e execuções iniciadas sobre direitos e interesses relativos ao acervo da entidade liquidanda;
b) vencimento antecipado das obrigações da liquidanda;
c) não incidência de penalidades contratuais contra a entidade por obrigações vencidas em decorrência da decretação da liquidação extrajudicial;
d) não fluência de juros contra a liquidanda enquanto não integralmente pago o passivo;
e) interrupção da prescrição em relação às obrigações da entidade em liquidação;
f) suspensão de multa e juros em relação às dívidas da entidade;
g) inexigibilidade de penas pecuniárias por infrações de natureza administrativa; e
h) interrupção do pagamento à liquidanda das contribuições dos participantes e dos patrocinadores, relativas aos planos de benefícios.
São situações que dizem respeito diretamente à obrigação pecuniária que fará parte do passivo da entidade fechada e recebem tratamento especial da legislação, de modo a permitir um “congelamento” do passivo da entidade, permitindo o início dos trabalhos de levantamento dos valores devidos e pagamento dos credores, segundo a ordem preferencial.
A liquidação extrajudicial, se não afetar apenas um ou alguns planos de benefícios da entidade acarretará a extinção da pessoa jurídica pelo órgão fiscalizador.
VI. Aspectos gerais relacionados à liquidação extrajudicial das entidades fechadas:
As atribuições do liquidante envolvem a prática de atos próprios da execução concursal, dentre as quais: a) organizar o quadro geral de credores; b) realizar o ativo; e c) liquidar o passivo.
Esse o sentido do art. 50 da LC 109/2001:
Art. 50. O liquidante organizará o quadro geral de credores, realizará o ativo e liquidará o passivo.
§ 1º Os participantes, inclusive os assistidos, dos planos de benefícios ficam dispensados de se habilitarem a seus respectivos créditos, estejam estes sendo recebidos ou não.
§ 2º Os participantes, inclusive os assistidos, dos planos de benefícios terão privilégio especial sobre os ativos garantidores das reservas técnicas e, caso estes não sejam suficientes para a cobertura dos direitos respectivos, privilégio geral sobre as demais partes não vinculadas ao ativo.
§ 3º Os participantes que já estiverem recebendo benefícios, ou que já tiverem adquirido este direito antes de decretada a liquidação extrajudicial, terão preferência sobre os demais participantes.
§ 4º Os créditos referidos nos parágrafos anteriores deste artigo não têm preferência sobre os créditos de natureza trabalhista ou tributária.
Para as entidades abertas de previdência complementar os efeitos da decretação da liquidação incidem somente em relação às suas atividades de natureza previdenciária, já que tais entidades também podem possuir autorização estatal para executar outras atividades que não o fornecimento de produtos previdenciários.
Na formação da ordem de preferência dos credores, os créditos dos participantes e assistidos possuem preferência em relação a todos os demais créditos da massa, e, dentro dessa espécie de crédito, os créditos dos assistidos e dos elegíveis que já satisfizeram as condições para a concessão dos benefícios previstos no regulamento preferem aos créditos dos demais participantes do plano.
Por disposição legal, os créditos trabalhistas e tributários preferem a todos os demais. Os credores quirografários, aqueles que não possuem qualquer tipo de preferência especial ao pagamento, serão os últimos a verem seus créditos satisfeitos.
Podemos assim resumir o quadro de credores:
a) credor trabalhista ou tributário;
b) participantes e assistidos que já recebem benefício ou os elegíveis antes da decretação da liquidação;
c) participantes e assistidos;
d) credores quirografários.
Os participantes e assistidos dos planos de benefícios ficam dispensados de se habilitarem a seus respectivos créditos, estejam estes sendo recebidos ou não, tendo o privilégio especial sobre os ativos garantidores das reservas técnicas e, caso estes não sejam suficientes para a cobertura dos direitos respectivos, privilégio geral sobre as demais partes não vinculadas ao ativo.
A organização do quadro geral de credores e o estabelecimento da ordem de preferência em relação aqueles que primeiro terão os seus créditos satisfeitos impõe uma prévia reflexão sobre a natureza jurídica do patrimônio das entidades de previdência e dos seus planos de benefícios, e sobre o universo patrimonial sobre o qual recairá a satisfação das obrigações da entidade nos casos de liquidação extrajudicial.
A importância dessa questão exige a leitura atenta da redação do §2º, art. 50 da LC 109/2001 que estabelece a existência de privilégio especial dos créditos dos participantes e assistidos sobre os ativos garantidores das reservas técnicas e, caso estes não sejam suficientes para a cobertura dos direitos respectivos, privilégio geral sobre as demais partes não vinculadas ao ativo.
Uma questão que se nos afigura de extrema importância, e que tem levado a equívocos hermenêuticos principalmente na seara judicial, é o tema da independência patrimonial dos planos de benefícios, seja em relação ao patrimônio da entidade fechada, seja em relação à pluralidade de patrimônios quando presentes vários planos de benefícios administrados pela mesma entidade fechada.
As entidades fechadas de previdência complementar são constituídas sob a forma de fundações civis sem finalidade lucrativa.
Como bem discorrem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “as fundações são, no dizer de Gustavo Saad Diniz, organizações com patrimônio afetado por uma finalidade específica determinada pelo instituidor, com personalidade jurídica atribuída por lei” [12].
Embora somente a entidade fechada possua personalidade jurídica, várias delas, e essa é uma tendência atual considerando o custo de operação das EFPC, oferecem vários planos de benefícios de natureza contratual abrangendo vários grupos diferentes de participantes e assistidos, como é o caso das entidades qualificadas multiplano[13].
Os planos de benefícios, por não possuírem personalidade jurídica, mas tão somente Cadastro Nacional de Planos de Benefícios – CNPB (Resolução CGPC nº 14, de 01 de outubro de 2004) destinado à individualização dos patrimônios dos planos perante o órgão fiscalizador, estão, com freqüência, sujeitos ao risco de entendimentos jurisprudenciais que consideram os patrimônios dos planos de benefícios e da entidade fechada como sendo uma universalidade indivisível, sem realizar a separação dos respectivos patrimônios.
É princípio clássico do direito civil que a garantia do pagamento das obrigações do devedor está no patrimônio deste, e que o patrimônio das pessoas físicas que integram uma pessoa jurídica é distinto do patrimônio daquelas, e eventuais obrigações nascidas em face de um não se comunica ao outro.
Inegável a existência no nosso ordenamento jurídico de entes despersonalizados que podem figurar em relações jurídicas, a exemplo da massa falida, a herança vacante, a herança jacente e o espólio, inclusive com capacidade judiciária para figurar no pólo da relação processual em juízo.
A doutrina, inclusive, “vem incluindo outras figuras jurídicas na categoria de entidades despersonalizadas, como os grupos de consórcio e os grupos de convênio médico e eventuais fundos criados no mercado e capital – de ações, imobiliários ou de pensão[14]”.
Não se pretende com essa linha argumentativa professar a defesa da personalidade jurídica dos planos de benefícios, mas apenas chamar a atenção que a segregação de patrimônios e a responsabilização individualizada podem ocorrer mesmo em entes despersonalizados, não sendo uma novidade jurídica.
Sobre o tema, segue interessante abordagem de Sérgio de Andrea Ferreira[15]:
“Para que se tenha a compreensão exata dessa caracterização do processo de liquidação extrajudicial de uma EFPC e, como detalharemos, da diferença da situação jurídica dos participantes e assistidos, de um lado e, de outro, dos credores externos da EFPC, é mister atentar para o que o §2º do art. 50 da LC nº 109/01 se refere como “ativos garantidores das reservas técnicas” e “demais partes não vinculadas ao ativo”.
É que uma EFPC tem o que, juridicamente, se chama de: (a) um patrimônio geral; e (b) um ou mais patrimônios especiais ou separados.
(...)
Não se exige, na caracterização do patrimônio especial, uma administração separada, eis que pode ser a mesma pessoa a gestora do patrimônio geral e de um, ou mais, patrimônios especiais.
Neste passo, é pertinente lembrar que a Lei nº 6.435/77 foi editada em uma época na qual se confundiam EFPC e respectivo plano, porquanto para cada uma daquelas só havia, na sua quase totalidade, um único dos últimos, objeto do regulamento básico, o que a evolução do setor veio a alterar.
A EFPC é a estrutura organizacional que abriga Planos, e respectivos fundos garantidores, a eles finalisticamente afetados como patrimônios separados, em relação ao patrimônio geral da entidade, que é aquela parte não vinculada do ativo, na dicção do art. 67, §1º, da Lei nº 6.435/77 e do art. 50, §2º, da LC nº 109/01”.
Como bem definido no art. 202 da Constituição Federal, o regime de previdência privada é baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, sendo essas reservas os recursos que garantirão o pagamento dos benefícios.
Na passagem do citado art. 34, I, b da LC 109/2001 consta, expressamente, a separação do patrimônio dos planos de benefícios administrados pelas entidades multiplano. A mesma interpretação de separação patrimonial deve ser compreendida em relação às dívidas da entidade fechada e dos planos de benefícios que ela administra.
A lógica é bem simples: como os recursos garantidores decorrem da soma das contribuições dos próprios participantes, dos patrocinadores e dos resultados das aplicações financeiras realizadas no mercado financeiro, a estes devem ser totalmente revertidos o produto final dos recursos formados no período de acumulação.
Desse modo, existe o patrimônio da entidade fechada, pessoa jurídica com personalidade própria, e o patrimônio afetado ao pagamento de benefícios, segregado do patrimônio do ente que o administra[16].
Nessa linha de raciocínio, questiona-se qual seria o universo patrimonial sobre o qual recairá o pagamento dos credores nos casos de liquidação extrajudicial?
Cremos que a resposta mais adequada seria considerar, o que já prevê expressamente o §2º do art. 50 da LC 109/2001, no sentido de que o patrimônio de cada plano de benefício responda pelos créditos dos participantes e assistidos inscritos no plano de benefícios e, caso insuficientes os recursos para saldarem a totalidade dos débitos (leia-se, se os créditos dos participantes superarem o universo patrimonial do plano de benefícios), as demais partes não vinculadas ao ativo do plano de benefícios servirão como garantia do crédito dos participantes e assistidos.
Dessa forma, melhor será preservado o patrimônio destinado ao pagamento dos créditos dos participantes e assistidos.
Por fim, no encerramento do regime de liquidação há a necessidade de aprovação das contas finais do liquidante, com a baixa nos devidos registros, pelo órgão fiscalizador.
Na eventualidade da comprovação pelo liquidante da inexistência de ativos para satisfazer a possíveis créditos reclamados contra a entidade, deverá tal situação ser comunicada ao juízo competente e efetivados os devidos registros, para o encerramento do processo de liquidação.
Sendo insuficiente o patrimônio garantidor e finalizada a liquidação, deve ser encerrada a atividade da entidade fechada, com baixa no cartório de registro público e no cadastro nacional de pessoa jurídica da Receita Federal.
Segundo o disposto no art. 24 da Lei nº 6.024/74 os credores, no caso de não se conformarem com a prática de algum ato de gestão do liquidante, podem apresentar recurso administrativo no prazo de dez (10) dias, contados da data em que forem notificados da decisão. O recurso será dirigido à PREVIC e julgado pelo Diretor de Fiscalização, nos termos do inciso XV, art. 24 do Decreto nº 7075/2010.
VII. Conclusões:
As situações que ensejam a decretação dos regimes especiais de administração especial, intervenção e liquidação estão previstas na legislação como mecanismos de intervenção do Estado na ordem econômica, com vistas a, na medida do possível, trazer a entidade ou seu plano de benefícios à normalidade administrativa e financeira.
Os atos de gestão praticados pelo administrador especial, interventor e liquidante enquadram-se no conceito amplo de ato administrativo, passível de controle jurisdicional mediante mandado de segurança, consistindo a atividade desempenhada como um munus público remunerado pela própria entidade.
A condução dos regimes especiais pelos gestores designados deve se pautar nos princípios que regem a administração pública, devolvendo a atividade à entidade de previdência complementar sempre que possível sua recuperação ou do seu plano de benefícios.
Considerando que a própria razão de existir das entidades fechadas é ampliar a proteção social dos trabalhadores, devem os atos administrativos praticados no curso dos regimes especiais ter sempre em vista os interesses dos participantes e assistidos desse segmento previdenciário.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 28ª edição. São Paulo. Malheiros. 2011.
COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 15ª edição. São Paulo. Saraiva. 2004.
FARIAS, Cristiano Chaves de. E ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 9ª edição. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2011.
FERREIRA, Sérgio de Andréa. Caracterização jurídica do processo de liquidação extrajudicial de entidade de previdência complementar. In Revista de Direito da Procuradoria Geral da Superintendência de Seguros Privados. Volume 1. jan/dez. 2002. Rio de Janeiro.
MESSINA, Roberto Eiras. Independência patrimonial dos planos de benefícios das entidades fechadas de previdência complementar: uma realidade! In Fundos de Pensão Aspectos Jurídicos Fundamentais (coordenador Adacir Reis). São Paulo. ABRAPP/SINDAPP. 2009.
PULINO, Daniel. Previdência Complementar - Natureza jurídico-constitucional e seu desenvolvimento pelas entidades fechadas. São Paulo. Conceito Editorial. 2011.
[1] Por todos, sugere-se a leitura do livro do Procurador Federal Daniel Pulino (Previdência Complementar - Natureza jurídico-constitucional e seu desenvolvimento pelas entidades fechadas. São Paulo. Conceito Editorial. 2011. Pg. 222), quando bem define que "a atividade de previdência complementar, mesmo em sua modalidade fechada, deve ser incluída no domínio das atividades econômicas em sentido estrito - ou seja, no conjunto total de relações econômicas de produção de bens ou prestação de serviços, pelos agentes econômicos privados, orientados à satisfação de necessidades humanas, não necessariamente (ainda que ordinariamente) em mercado, na busca de lucros".
[2] Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
[3] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 28ª edição. 2011. São Paulo. Malheiros. Página 802.
[4] O sistema de previdência complementar fechado possui previsão normativa de outros meios de composição consensual e administrativa (não-jurisdicional) dos conflitos de interesses previdenciários e que ganharam destaque nas normas do segmento, a exemplo da previsão de arbitragem no inciso VIII, art. 2º da Lei nº 12.154/2009 c/c art. 21, VI do Decreto nº 7.075/2010 e do termo de ajustamento de conduta do inciso VI, art. 22 do Decreto nº 7.075/2010.
[5] Nesse sentido, o art. 62 da LC 109/2001 ao afirmar que “aplicam-se à intervenção e à liquidação das entidades de previdência complementar, no que couber, os dispositivos da legislação sobre a intervenção e liquidação extrajudicial das instituições financeiras, cabendo ao órgão regulador e fiscalizador as funções atribuídas ao Banco Central do Brasil”.
[6] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. 15ª edição. São Paulo. Saraiva. 2004. Página 402.
[7] Art. 2º Compete à Previc: (...) I - proceder à fiscalização das atividades das entidades fechadas de previdência complementar e de suas operações; II - apurar e julgar infrações e aplicar as penalidades cabíveis; (...) VI - decretar intervenção e liquidação extrajudicial das entidades fechadas de previdência complementar, bem como nomear interventor ou liquidante, nos termos da lei;(grifamos)
[8] A Resolução CGPC nº 24/2007 e as Instruções SPC nº 16/2007 e nº 17/2007 dispõem, respectivamente, sobre parâmetros para a fixação da remuneração dos administradores especiais, interventores e liquidantes, limites das despesas realizadas por estes gestores no exercício do regime especial e da obrigatoriedade da emissão de relatório mensal de informações e encaminhamento ao órgão fiscalizador.
[9] Art. 8º Na decretação do regime especial de intervenção será estabelecido prazo de duração de até 180 (cento e oitenta) dias, prorrogável, excepcionalmente, a critério da Secretaria de Previdência Complementar, pelo prazo que esta estabelecer.
[10] LC 109/2001: Art. 60. O interventor ou o liquidante comunicará a indisponibilidade de bens aos órgãos competentes para os devidos registros e publicará edital para conhecimento de terceiros.
Parágrafo único. A autoridade que receber a comunicação ficará, relativamente a esses bens, impedida de:
I - fazer transcrições, inscrições ou averbações de documentos públicos ou particulares;
II - arquivar atos ou contratos que importem em transferência de cotas sociais, ações ou partes beneficiárias;
III - realizar ou registrar operações e títulos de qualquer natureza; e
IV - processar a transferência de propriedade de veículos automotores, aeronaves e embarcações.
[11] Art. 64. O órgão fiscalizador competente, o Banco Central do Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários ou a Secretaria da Receita Federal, constatando a existência de práticas irregulares ou indícios de crimes em entidades de previdência complementar, noticiará ao Ministério Público, enviando-lhe os documentos comprobatórios.
Parágrafo único. O sigilo de operações não poderá ser invocado como óbice à troca de informações entre os órgãos mencionados no caput, nem ao fornecimento de informações requisitadas pelo Ministério Público.
[12] FARIAS, Cristiano Chaves de. E ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 9ª edição. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2011. Página 389.
[13] LC 109/2001. Art. 34. As entidades fechadas podem ser qualificadas da seguinte forma, além de outras que possam ser definidas pelo órgão regulador e fiscalizador: I - de acordo com os planos que administram: a) de plano comum, quando administram plano ou conjunto de planos acessíveis ao universo de participantes; e b) com multiplano, quando administram plano ou conjunto de planos de benefícios para diversos grupos de participantes, com independência patrimonial; (...)
[14] FARIAS, Cristiano Chaves de. E ROSENVALD, Nelson. Direito civil: teoria geral. 9ª edição. Rio de Janeiro. Lumen Juris. 2011. Página 403.
[15] FERREIRA, Sérgio de Andréa. Caracterização jurídica do processo de liquidação extrajudicial de entidade de previdência complementar. In Revista de Direito da Procuradoria Geral da Superintendência de Seguros Privados. Volume 1. jan/dez. 2002. Rio de Janeiro. Página 19 a 56.
[16] Importante dar nota que por meio da Resolução CGPC nº 14/2004 foi criado o Cadastro Nacional de Planos de Benefícios, em que um número específico é dado a cada plano de benefícios administrado pela entidade fechada, com o propósito da segregação dos recursos.
Procurador Federal da Advocacia-Geral da União. Pós-Graduado em Direito Constitucional e Direito Previdenciário. Procurador-Chefe da Procuradoria Federal Especializada junto ao INSS em Alagoas (2007/2009). Conselheiro da Câmara de Recursos da Previdência Complementar. Atualmente ocupa o cargo de Coordenador de Estudos e Normas da Procuradoria Federal junto a Previc.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROS, Allan Luiz Oliveira. Aspectos jurídicos relacionados aos regimes de administração especial, intervenção e liquidação extrajudicial das entidades fechadas de previdência complementar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2012, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32849/aspectos-juridicos-relacionados-aos-regimes-de-administracao-especial-intervencao-e-liquidacao-extrajudicial-das-entidades-fechadas-de-previdencia-complementar. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: Maurício Sousa da Silva
Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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