Introdução
Assunto intrincado que permeia o procedimento licitatório é o limite da atuação da Comissão de Licitação ao realizar diligências e praticar pequenas correções nas propostas das licitantes.
É certo que no procedimento licitatório existe o dever de dispensar aos licitantes tratamento isonômico, aplicando sem subjetivismos as regras objetivas do edital. Todavia, os atos da Comissão de Licitação não podem alijar do certame propostas técnica e economicamente interessantes à Administração por conterem simples obscuridade ou incorreções.
A dificuldade reside em saber até que ponto se pode considerar como simples a falha na proposta da licitante, sem que com isto haja ofensa aos princípios do formalismo e da isonomia.
Sabe-se que a legislação de regência permite a realização de diligências, mas veda a inclusão de novos documentos. Outrossim, a jurisprudência dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União, por sua vez, combate o formalismo exagerado nos procedimentos licitatórios, apregoando que este não pode ser considerado um fim em si mesmo.
Dos Princípios da Isonomia, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e do formalismo moderado nas Licitações Públicas
Com assento constitucional e na Lei de Licitações Públicas, o princípio da isonomia constitui valor estruturante do procedimento licitatório. A bem da verdade, a igualdade afigura-se como elemento de existência da licitação. Vale dizer, não há que se falar em licitação sem falar em isonomia deferida pela Administração aos licitantes.
A igualdade de condições de participação nas licitações públicas e a vedação de tratamento discriminatório aos licitantes são vetores do princípio da isonomia.
Nesse diapasão, o professor Lucas Rocha Furtado[1], ao estudar o princípio da isonomia, então compreendido pelo princípio da impessoalidade, ensina que:
“A partir dessa perspectiva, o princípio da impessoalidade requer que a lei e a Administração Pública confiram aos licitantes tratamentos isonômicos, vale dizer, não discriminatório. Todos são iguais perante a lei e o Estado. Este é o preceito que se extrai da impessoalidade quando examinado sob a ótica da isonomia.
A isonomia, ou o dever que a Constituição impõe à Administração Pública de conferir tratamento não diferenciado entre os particulares, é que justifica a adoção de procedimentos como o concurso público para provimento de cargos ou empregos públicos ou a licitação para a contratação de obras, serviços, fornecimentos ou alienações. Esta é a razão pela qual a própria Lei nº 8.666/93 indica a isonomia como uma das finalidades da licitação.” (Curso de Licitações e Contratos Administrativos, p. 37).
De outro giro, o princípio da isonomia requer para a sua concretização regras objetivas, claras, certas e previamente estabelecidas. É que somente assim tanto a Administração Pública quanto os particulares saberão de antemão as permissões e proibições da competição.
A partir de regras bem postas se afastam subjetivismos e interpretações tendenciosas do Gestor Público. De igual modo, essas regras permitem aos licitantes a apresentação de propostas completas, expurgadas de erros.
Com isso, dessume-se outro valor importante ao cumprimento do princípio da isonomia, que é o princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Em razão deste princípio, os atores do procedimento licitatório, Administração Pública e particulares, estão inexoravelmente submetidos às regras contidas no Edital.
Tal postulado contribui para a concessão de tratamento igualitário aos licitantes, porquanto é no instrumento convocatório que estão contidas as regras estabelecidas. E, conforme visto, estas são indispensáveis para se garantir a isonomia aos particulares.
É nesse sentido o ensinamento da administrativista Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2], in verbis:
“Quando a Administração estabelece, no edital ou na carta-convite, as condições para participar da licitação e as cláusulas essenciais do futuro contrato, os interessados apresentarão suas propostas com base nesses elementos; ora, se for aceita proposta ou celebrado contrato com desrespeito às condições previamente estabelecidas, burlados estarão os princípios da licitação, em especial o da igualdade entre os licitantes, pois aquele que se prendeu aos termos do edital poderá ser prejudicado pela melhor proposta apresentada por outro licitante que os desrespeitou.” (Direito Administrativo, p. 381).
Outro importante vetor de promoção da isonomia na licitação pública, que também decorre do princípio da vinculação ao instrumento convocatório, é o princípio do julgamento objetivo.
As regras previamente postas devem ser autoaplicáveis, dispensando a emissão de juízos de valores do Gestor Público. Em outras palavras, o regulamento da licitação deve carrear em si regras de pronto entendimento, clarividentes por si só.
Assim, a tarefa da Administração Pública no trato com o particular frente a uma licitação deve ser a de tão somente fazer valer as regras do edital, sem a necessidade de se proceder a esforço exegético desmedido ou diligências não admitidas nas normas de regência.
Para a doutrina abalizada de Diogenes Gasparini[3], a conduta da Administração deve ser a de simples comparação entre as propostas das licitantes, com base em critérios objetivos fixados no edital e nos estritos termos das propostas. Veja-se na dicção do autor:
“Impõe-se que o julgamento das propostas se faça com base no critério indicado no ato convocatório e nos termos especificados das propostas. Por esse princípio, obriga-se a administração Pública a se ater ao critério fixado no ato de convocação e se evita subjetivismo no julgamento das propostas. Os interessados na licitação devem saber como serão julgadas as propostas. Logo, os critérios devem estar claramente estipulados no instrumento convocatório, sob pena de nulidade, conforme decisão, ainda oportuna, do extinto TFR (RDA,157:178). Isso, no entanto, não é tudo. De fato, os critérios de julgamento devem ser objetivos, como são o preço, o desconto, os prazos de entrega, de execução e de carência. O princípio do julgamento objetivo, previsto no art. 3º do Estatuto federal Licitatório, está substancialmente reafirmado nos arts. 44 e 45. [...] é critério objetivo aquele que não exige qualquer justificativa ou arrazoado de espécie alguma do julgador para indicar a proposta vencedora [...]”. (Direito Administrativo, p. 490/491).
Por outro lado, o processo administrativo licitatório é regido também pelo princípio do formalismo moderado.
O formalismo no âmbito dos processos administrativos constitui importante medida de segurança dos atos e contribui para garantir o cumprimento dos direitos do particular.
A Lei de Processo Administrativo Federal, de aplicação subsidiária ao processo de licitação (art. 69, da Lei nº 9.784/1999), prevê no art. 2º incisos VIII e IX o dever de observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos administrativos e que sejam adotadas somente as formas indispensáveis para esta garantia, in verbis:
Art. 2º Omissis
Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:
[...]
VIII – observância das formalidades essenciais à garantia dos direitos dos administrados;
IX - adoção de formas simples, suficientes para propiciar adequado grau de certeza, segurança e respeito aos direitos dos administrados;
Infere-se que a Lei nº 9.784/99 impôs à Administração Pública critérios de formalidades para a sua atuação, com o desiderato de preservar a segurança dos atos administrativos e dos direitos do particular. Contudo, essas formalidades não podem ser utilizadas como um fim em si mesmo, tampouco podem ser exigidas quando dispensáveis. Ao estudar esses critérios, o professor José dos Santos Carvalho Filho[4] leciona que:
“[...] De fato, há formalidades sem as quais se inviabiliza a defesa do direito do administrado. Por conseguinte, se forem postergadas, ofendido estará o próprio princípio do contraditório e ampla defesa. Assim, se formalidade dessa natureza for dispensada pelo administrador em certa fase do processo administrativo, a conseqüência será a invalidação dos atos subseqüentes que dependam da formalidade não cumprida. Urge, porém, adotar postura lógica em situações especiais, abandonando-se eventual excesso de formalismo. Se ocorre hipótese em que os atos posteriores não têm qualquer relação de dependência em confronto com a formalidade inobservada, não há por que desfazê-los; na verdade, o desfazimento seria incompatível com o princípio da economia procedimental, posto que desnecessário serem repetidos sem qualquer causa justificadora.
[...] Não se desconhece que no direito público é fundamental o princípio da solenidade dos atos, mas as formas têm que ser vistas como meio para alcançar determinado fim. Portanto, insistimos em que se tem por criticável qualquer exagero formal por parte do administrador. Se a forma simples é bastante para resguardar os direitos do interessado, não há nenhuma razão de torná-la complexa. Cuida-se, pois, de conciliar a segurança dos indivíduos com a simplicidade das formas.
A conjugação dos incisos VIII e IX do dispositivo em foco denuncia que, embora não possa o administrador abdicar das formas essenciais, pode empregar formas singelas quando suficientes para propiciar a devida informação aos administrados. Pode afirmar-se, assim, que o legislador adotou o princípio do formalismo moderado. (Grifo no original. Processo Administrativo Federal, 77).
Destarte, as formas do processo administrativo licitatório estabelecidas na Lei nº 8.666/93 devem ser observadas para garantia da isonomia, do julgamento objetivo e da vinculação ao edital.
É verdade que a forma, conforme visto, não deve ser galgada a um patamar absoluto, instransponível, que possui o condão de, por si só, inadmitir atos do particular ou invalidar atos da Administração Pública. Assim, uma vez observados os princípios licitatórios, mormente o da isonomia, atingindo o ato (do particular ou da Administração Pública) os fins a que se destinava, tem-se por incabível a sua inadmissão, sob pena de se adotar o formalismo exagerado.
Como se vê, o resguardo da isonomia no processo licitatório, e, por decorrência, dos princípios da vinculação ao edital, do julgamento objetivo e do formalismo moderado, inibe a ilegalidade e põe a salvaguarda a probidade e moralidade administrativa.
Posto isso, passa-se a ver o entendimento dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União em relação aos limites jurídicos de atuação das Comissões Permanente de Licitação.
A visão dos Tribunais Superiores e do Tribunal de Contas da União a respeito da possibilidade de alteração das propostas das licitantes.
A jurisprudência pátria tem caminhado no sentido de ser desarrazoada a inadmissão de proposta de licitante que contiver vícios irrelevantes para o julgamento do certame. É que tal medida demonstra-se ilegal, anti-isonômica e ofensiva à própria destinação da licitação que é a obtenção da proposta mais vantajosa.
Em outras palavras, simples falha formal da proposta comercial que não afete a igualdade das condições de participação não legitima a Administração Pública a proceder a desclassificação. Do contrário, estará havendo desclassificação irregular, por adotar formalidade exagerada, ofensiva à isonomia do certame.
O Supremo Tribunal Federal, em sede de recurso ordinário em mandado de segurança, negou provimento, para manter ato do Tribunal Superior Eleitoral, que não desclassificou proposta comercial que, por equívoco, deixou de apresentar em uma dada tabela a discriminação de preços unitários, in verbis:
“A Turma negou provimento a recurso ordinário em mandado de segurança em que se pretendia a desclassificação de proposta vencedora em licitação para aquisição de urnas eletrônicas para as eleições municipais do ano 2000, em virtude do descumprimento de exigência prevista no edital - falta de apresentação dos preços unitários de determinados componentes das urnas. A Turma manteve a decisão do Tribunal Superior Eleitoral que entendera que o descumprimento da citada exigência constituíra mera irregularidade formal, não caracterizando vício insanável de modo a desclassificar a proposta vencedora.” (STF, RMS 23.714-DF, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 5.9.2000. Grifou-se)
Nesse caso enfrentado pelo STF, o Edital exigia a completa composição dos preços unitários, o que não foi atendido pela licitante vencedora. Em razão disto, a licitante derrotada ingressou com mandado de segurança.
Ocorre que o STF, seguindo o pronunciamento da Procuradoria Geral da República, entendeu que os preços unitários poderiam ser aferidos a partir de outros elementos contidos na proposta, tornando, então, a ausência da tabela exigida pelo Edital não substancial, passível de saneamento.
Outro julgado que se colhe, agora do Superior Tribunal de Justiça, é o Mandado de Segurança 5418-DF, no qual ficou assentada injuridicidade de se desclassificar proposta comercial que tenha apenas grafado o valor em algarismo, sem a indicação por extenso. Vale a transcrição:
“O ‘valor’ da proposta ‘grafado’ somente em ‘algarismos’ - sem a indicação por extenso - constitui mera irregularidade de que não resultou prejuízo, insuficiente, por si só, para desclassificar o licitante. A ‘ratio legis’ que obriga, aos participantes, a oferecerem propostas claras e tão só a de propiciar o entendimento a administração e aos administrados. Se o valor da proposta, na hipótese, foi perfeitamente compreendido, em sua inteireza, pela comissão especial (e que se presume de alto nível intelectual e técnico), a ponto de, ao primeiro exame, classificar o consorcio impetrante, a ausência de consignação da quantia por ‘extenso’ constitui mera imperfeição, balda que não influenciou na ‘decisão’ do órgão julgador (comissão especial) que teve a idéia a percepção precisa e indiscutível do ‘quantum’ oferecido.
O formalismo no procedimento licitatório não significa que se possa desclassificar propostas eivadas de simples omissões ou defeitos irrelevantes.
(STJ, MS 5418/DF, Primeira Seção, Ministro Demócrito Reinaldo, Data de Julgamento, 25/03/1998, DJ 01/06/1998 p. 24. Grifou-se)
O caso enfrentado pelo e. STJ cuida de evidente apego ao formalismo, que põe em risco os demais princípios licitatórios. Conforme decisão, a clareza da proposta pode ser aferida pela análise de todos os documentos que a (proposta) compõem. Não sendo admitida rejeição de proposta que contenha simples falha, mas que no todo pode ser relevada.
Tem-se com isso que a correção da proposta – para ser idônea – deve visar tão somente coibir um rigor formal excessivo tendente a excluir o proponente da disputa, desde que não haja prejuízo para quaisquer das partes envolvidas no certame. Em suma, não se mostra possível efetuar correções na proposta em claro prejuízo para o proponente.[5]
O Tribunal Regional Federal da Primeira Região também enfrentou caso envolvendo a desclassificação de licitante em razão de erro aritmético. De acordo com o decisum, a desclassificação por mero erro aritmético configura formalismo exagerado lesivo ao princípio legalidade e à obtenção da proposta mais vantajosa para a Administração, in verbis:
ADMINISTRATIVO. LICITAÇÃO. INABILITAÇÃO DE LICITANTE POR DESCUMPRIMENTO DE EXIGÊNCIA EDITALÍCIA. EXCESSO DE FORMALISMO. ILEGALIDADE. 1. O excesso de formalismo não deve frustrar a participação da empresa impetrante no procedimento licitatório - à vista da sua própria finalidade - que é selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública. 2. Caso em que a inabilitação da licitante do procedimento licitatório decorreu da apresentação de proposta contendo valor mensal e omitindo o valor global, referente a um ano, o qual poderia ter sido apurado mediante simples operação aritmética, ainda mais quando o licitante já havia encaminhado planilha de custo por formulário eletrônico, contendo o preço mensal e anual, para se credenciar no certame. 3. Nega-se provimento ao recurso de apelação e à remessa oficial. (TRF, AMS 200334000374877).
De igual modo, é o entendimento externado pelo Tribunal Regional Federal da Terceira Região, veja-se:
EMENTA
Direito Administrativo. Direito Processual Civil. Nulidade da sentença. Pretensão afastada. Licitação. Empresa pública. Mandado de segurança. Possibilidade. Incidência da Súmula 333, do STJ. Correção de suposto erro aritmético. Demonstrado em sede de recurso administrativo que não havia o alegado erro em planilha. Desclassificação da proponente. Excessivo rigor. Invalidade. Objetivo essencial do certame. Busca da proposta mais vantajosa para a Administração Pública.
1. Não há falar em nulidade da sentença quando pacífico o entendimento de que o juiz, ao discorrer sobre a motivação do julgamento, não está obrigado a se manifestar sobre todos os pontos argüidos pelas partes, desde que resolva a lide de forma segura e suficiente.
2. Quanto à questão preliminar de inadequação da via eleita, uma vez que os atos praticados pela impetrada em sede de licitação e contratos administrativos seriam meros atos de gestão e não de autoridade, embora a sentença tenha deslindado a argüição de forma proficiente, retoma-se aqui o tema apenas para lembrar que o assunto encontra-se dirimido desde a edição da Súmula nº. 333, do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: "cabe mandado de segurança contra ato praticado em licitação promovida por sociedade de economia mista ou empresa pública."
3. É descabido pretender o exame de documentos acostados com as razões de apelação, conquanto se trata de pretensão incompatível com o procedimento do mandado de segurança, restando evidente a ocorrência de preclusão. Ademais, além de inoportuno o pleito, tais documentos se mostram manifestamente impertinentes no presente caso, uma vez que já existe nos autos cópia da mesma peça apresentada com o apelo.
4. No mérito da causa, trata-se de licitação na modalidade de convite, tipo menor preço, pelo regime de contratação de preço global, fixo e irreajustável, tendo como objeto a contratação de empresas para serviços técnicos especializados de levantamento cadastral e avaliação de benfeitorias existentes no aeroporto de São José dos Campos, sendo certo que a Comissão de Licitação desclassificou a impetrante porque a sua proposta seria inexeqüível, uma vez que continha erros aritméticos de multiplicação.
5. Na verdade, basta comparar a planilha constante da proposta inicial com aquela apresentada em sede de recurso administrativo, para verificar que na primeira o preço unitário é grafado com duas casas - centésimos de centavos - enquanto na segunda o preço unitário é grafado com três casas - milésimos de centavos -, porém, tanto numa quanto noutra, o preço final da proposta apresentada é de R$ 72.108,27. Portanto, bastaria a Comissão de Licitação dividir o preço total de cada item da proposta pela respectiva quantidade e teria verificado a operação de arredondamento, por desprezo da fração de milésimo de centavo, porém, sem repercussão no valor final da proposta.
6. Evidente que ao multiplicar as quantidades pelo preço unitário com centésimos de centavos a Comissão chegou a preço global menor e, com base nisso, desclassificou a proposta da impetrante, ao argumento de que seria inexeqüível, sem se dar conta que, no caso, isso não era relevante, pois a proposta encontra-se desdobrada item por item na descrição dos serviços objeto de licitação e, por óbvio, o valor a ser considerado é o final, ainda que de cada item, pois o somatório destes, leva ao preço global da proposta. Foram essas diferenças que ensejaram a desclassificação da licitante, ora apelada, pois ao somarem-se os números aproximados, sem os milésimos de centavos, chega-se ao valor de R$ 60.701,87, considerado insuficiente para a execução do serviço, contra o preço global de fato apresentado, na ordem de R$ 72.108,27.
7. O ato praticado pela autoridade impetrada, de obstar que prosseguisse participando das fases seguintes do certame, violou direito líquido e certo da impetrante, pois a ausência de nova análise de sua proposta, diante das circunstancias explicitadas em sede de recurso administrativo, implicou excessivo e desnecessário rigor e acabou por restringir a disputa, o que contraria o próprio sentido da licitação e seu objetivo essencial, que é o de selecionar concorrente capaz de oferecer proposta mais vantajosa para os interesses da Administração.
8. Apelação e remessa oficial a que se nega provimento.
Apelação/Reexame Necessário nº 0014549-38.2005.4.03.6105/SP (2005.61.05.014549-5/SP) 3ª Turma Apelante: Empresa Brasileira de Infra Estrutura Aeroportuária INFRAERO Adv.: Célia Regina Álvares Affonso e Outro Apelado: CTAGEO Engenharia e Geoprocessamento Ltda Relator: Des. Federal Carlos Muta Relator Conv.: Juiz Federal Valdeci dos Santos DJE nº 73, 26.04.2010
Caso bastante análogo ao versado foi enfrentado pelo Tribunal Regional Federal da Quinta Região (AG 200705000160929), que entendeu incabível a desclassificação da proposta que continha erro aritmético. Na espécie, a CEF em sede de concorrência pública desclassificou proposta com falha aritmética (a proponente equivocou-se ao somar os custos unitários para se chegar a o valor total da proposta).
Da mesma forma, o Tribunal de Contas da União possui um paradigma no qual se assenta que:
“o princípio do procedimento formal "não significa que a Administração deva ser ‘formalista’ a ponto de fazer exigências inúteis ou desnecessárias à licitação, como também não quer dizer que se deva anular o procedimento ou julgamento, ou inabilitar licitantes, ou desclassificar propostas diante de simples omissões ou irregularidades na documentação ou na proposta, desde que tais omissões ou irregularidades sejam irrelevantes e não causem prejuízos à Administração ou aos concorrentes”. (Decisão 570/1992 – Plenário)
Infere-se dessas decisões colhidas, que a jurisprudência pátria impõe o afastamento do formalismo exagerado, protegendo a isonomia do certame e propiciando a obtenção da proposta mais vantajosa pela Administração Pública[6].
De outro lado, realizando um raciocínio inverso, nas hipóteses em que a falha não for meramente formal, isto é, afetar a substância a proposta, não será permitido o saneamento da incorreção, sob o risco de se estar ferindo a isonomia entre os licitantes, a impessoalidade, a vinculação ao ato convocatório e o julgamento objetivo.
Da diligência admitida pelo artigo 43 parágrafo terceiro da Lei nº 8.666/93
A diligência estabelecida pelo legislador no art. 43, § 3º, da Lei nº 8.666/93, representa medida imprescindível à formação do juízo da Comissão, quando houver necessidade de aclaramento ou complemento da instrução do processo.
Com efeito, o complemento da instrução dos autos pela Comissão deve se ater tão-somente a elementos que esclareçam a proposta. Tais elementos devem ter o caráter exclusivamente acessório, e devem destinar-se apenas a esclarecer as informações já contidas na proposta. Portanto, não se admite, de maneira alguma, elementos que supram ausências substanciais da proposta.
Vale dizer, as informações consideradas centrais, essenciais e substanciais devem desde sempre já estar contidas na proposta. A diligência deve limitar-se a introduzir elementos que demonstrem a adequabilidade e correção da proposta apresentada, de modo a propiciar à autoridade condutora do certame a realização de julgamento consentâneo com os princípios reitores da licitação.
Conclusão
Os princípios e regras que regem o processo administrativo licitatório impelem à autoridade condutora do certame o dever de atuação isonômica, adstrita às regras do ato convocatório e extirpada de subjetivismos.
Com efeito, essa atuação pautada na isonomia deve ser conjugada com os princípios do formalismo moderado e da razoabilidade, de forma a assegurar a finalidade de obtenção da proposta mais vantajosa e a resguardar os direitos dos particulares.
Em outras palavras, os princípios basilares da licitação pública impõem à Administração o dever de franquear aos particulares igualdade de condições de participação. Com isso, as regras dispostas no ato convocatório, além de vincular todos os participantes do certame, devem conter postulados claros, certos e objetivos, de modo a permitir à autoridade condutora do certame a realização de julgamento objetivo com simples comparação das propostas.
Além disso, o princípio da formalidade moderada assegura que a forma não pode se tornar um fim em si mesmo. Desse modo, vícios exclusivamente de forma devem ser superados pela Comissão.
Sendo assim, à luz do entendimento jurisprudencial e da doutrina pátria, é lícito o saneamento do erro que recai sobre aspecto essencialmente secundário ou acessório da proposta. Somente nesta hipótese é que se admite a superação do vício, sob o propalado princípio do formalismo moderado e do postulado da razoabilidade.
De outro lado, recaindo o erro em elemento material da proposta, portanto, substancial, não se pode falar em mero erro formal a clamar pela superação. Neste caso, em apreço ao tratamento isonômico e aos princípios da vinculação ao edital e do julgamento objetivo, a medida é a desclassificação.
Nesse sentido, as decisões estudadas cuidaram de casos em que a falha verificada na proposta era estritamente formal. Vale dizer, o erro não teve o condão de afastar a licitante do certame, pois a proposta quando considerada no todo permitiu à autoridade condutora da licitação, a partir da colheita de simples esclarecimentos e realização de constatação, a admissão da licitante.
Em síntese, se a proposta fora formulada em desacordo com a lei ou edital, salvo na hipótese de correção que não ofenda o princípio do procedimento formal, o caso é de desclassificação pura e simples, e não de correção de ofício pela comissão.
Bibliografia
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo federal – Comentários à Lei nº 9.784, de 29.07.2009. 4ª ed. ver. e atual. – Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2009.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª ed.. Atlas. São Paulo, 2012.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Editora Fórum. Belo Horizonte, 2007.
__________, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010.
GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 13ª ed. rev. e atual. – Saraiva. São Paulo, 2008.
[1] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Licitações e Contratos Administrativos. Editora Fórum. Belo Horizonte, 2007.
[2] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª ed.. Atlas. São Paulo, 2012.
[3] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 13ª ed. rev. e atual. – Saraiva.
[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Processo Administrativo federal – Comentários à Lei nº 9.784, de 29.07.2009. 4ª ed. ver. e atual. – Lúmen Júris. Rio de Janeiro, 2009.
[5] No mesmo sentido, Lucas Rocha Furtado, em doutrina, destaca que “a desconformidade ensejadora da desclassificação de uma proposta deve ser substancial e lesiva à Administração ou aos licitantes” (FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2010, p. 509).
[6] Veja também:“ (...) O ordenamento jurídico regular da licitação não prestigia decisão assumida pela Comissão de Licitação que inabilita concorrente com base em circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, fazendo exigência sem conteúdo de repercussão para a configuração da habilitação jurídica, qualificação técnica, da capacidade econômico-financeira e da regularidade fiscal.” (Mandado de Segurança nº 5.779-DF)
“Não deve ser afastado candidato do certame licitatório, por meros detalhes formais. No particular, o ato administrativo deve ser vinculado ao princípio da razoabilidade, afastando-se de produzir efeitos sem caráter substancial.” (Mandado de Segurança nº 5.631-DF)
Advogado da União - AGU. Procurador-Seccional da União em Uberlândia. Mestre em Administração Pública pela FGV/EBAPE
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LOBATO, Marcelo Costa e Silva. Limites de atuação das Comissões de licitações públicas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2012, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32851/limites-de-atuacao-das-comissoes-de-licitacoes-publicas. Acesso em: 22 nov 2024.
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