A contagem diferenciada de tempo de serviço de servidor público foi prevista na Constituição Federal de 1988 (CF/88), originariamente, no § 1º do artigo 40, que fixava a necessidade de lei complementar para estabelecer exceções no caso de atividades penosas, insalubres ou perigosas. Com o advento da Emenda Constitucional (EC) nº 20/98, tal norma foi transposta para o § 4º do artigo 40, que previu a adoção de requisitos e critérios diferenciados para a aposentadoria de servidores no caso de “atividades exercidas exclusivamente sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”, conforme viesse a dispor lei complementar.
Posteriormente, a EC nº 47/2005 conferiu nova redação ao artigo 40, § 4º, da CF/88, passando a incluir, entre os servidores que podem gozar de regras diferenciadas de aposentadoria, os portadores de deficiência e os que exerçam atividades de risco, além da previsão original dos servidores cujas atividades sejam exercidas em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física. Afora estas hipóteses, como lembra Celso Antônio Bandeira de Mello, “a própria Constituição já estabelece que os requisitos de idade e tempo de contribuição serão reduzidos de cinco anos para os professores cujo tempo de efetivo exercício seja exclusivamente em funções de magistério na educação infantil, ou no ensino fundamental e médio”, consoante previsão do § 5º do mencionado artigo 40, na redação dada pela EC nº 20/98.
Apesar das sucessivas alterações no Texto Constitucional, contudo, o instrumento formal adequado para a concessão de requisitos e critérios diferenciados para a aposentadoria especial de servidor público continua sendo a lei complementar. Em virtude dessa exigência, José dos Santos Carvalho Filho pontua que “o art. 40, § 4º, da CF não é auto-aplicável, classificando-se como norma de eficácia limitada, na conhecida teoria de José Afonso da Silva: sua eficácia depende da edição da lei complementar mencionada no dispositivo”. Todavia, segundo destaca Fábio Zambitte Ibrahim, “Caso a regulamentação não seja produzida, os servidores que exerçam atividades nocivas poderão solicitar a aplicação analógica das regras do RGPS (arts. 57 e 58, Lei nº 8.213/91), haja vista expressa autorização constitucional (art. 40, § 12)”.
Atualmente, tal qual ocorre em diversas situações previstas na CF/88, há inércia do Poder Público para editar a lei complementar a que se refere o artigo 40, § 4º, o que tem impedido servidores que desempenham atividades de risco ou insalubres de exercer seu direito à aposentadoria especial. De fato, ante a ausência de lei complementar regulamentando o citado dispositivo, só possuiriam esse direito, atualmente, o professor, cujo direito encontra-se previsto na própria CF/88 (artigo 40, § 5º), e o servidor público policial, já que a Lei Complementar nº 51/1985, que prevê esse direito, foi recepcionada pelo atual ordenamento constitucional.
Todavia, diante dessa falta de regulamentação, houve decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que, na via do mandado de injunção, supriram a omissão legislativa, estendendo aos servidores públicos a regra do artigo 57, § 1º, da Lei nº 8.213/91, de forma a aplicar concretamente a norma constitucional à questão individual posta em juízo. É o caso dos julgamentos proferidos nos Mandados de Injunção nº 721/DF e 758/DF (ambos da relatoria do Ministro Marco Aurélio e julgados pelo Tribunal Pleno, respectivamente, em 30.08.2007 e 01.07.2008), nos quais o STF reconheceu o direito dos servidores à aposentadoria especial após 25 anos e, de forma mandamental, ordenou que lhes fosse aplicado o regime geral de previdência social (artigo 57 da Lei nº 8.213/91).
Com efeito, ao apreciar o referido Mandado de Injunção nº 721/DF, o STF, salientando o caráter mandamental e não meramente declaratório desse remédio constitucional, asseverou caber ao Judiciário, por força do disposto no artigo 5º, LXXI e seu § 1º, da CF/88, não apenas emitir certidão de omissão do Poder incumbido de regulamentar o direito a liberdades constitucionais e a prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, mas viabilizar, no caso concreto, o exercício desse direito, afastando as consequências da inércia do legislador.
Além disso, o STF também reconheceu a eficácia “erga omnes” das decisões proferidas nos citados mandados de injunção, afastando, com isso, eventuais efeitos meramente “inter pars”, conforme ementa a seguir reproduzida:
“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE INSALUBRE. SERVIDORA DISTRITAL. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA: MANDADOS DE INJUNÇÃO 721/DF E 758/DF. 1. Eventual alteração de regime funcional da ora agravada, bem como o fato de ter sido servidora distrital, não impedem a aplicação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Mandados de Injunção 721/DF e 758/DF), ainda que considerado o disposto no art. 40, § 1º, da Constituição da República, o qual, por si só, também não elidiria a incidência dos citados precedentes. 2. Os julgados citados na decisão recorrida, porque proferidos pelo Plenário desta Corte, nos autos do MI 721/DF e do MI 758/DF, todos da relatoria do Min. Marco Aurélio, pub. DJE 30.11.2007 e 26.09.2008, respectivamente, traduzem a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal sobre a matéria aqui discutida, o que faz incidir o disposto no art. 557, caput, do CPC, não havendo falar que os efeitos daquelas decisões somente seriam inter pars. 3. Agravo regimental improvido.”
(RE 238591 AgR, Relatora Min. Ellen Gracie, Segunda Turma, julgado em 13/04/2010, DJe 07-05-2010)
Desse modo, de acordo com o entendimento da doutrina e jurisprudência pátrias e, em especial, com a orientação traçada pelo STF, tem-se que o servidor público federal que exerce suas atividades funcionais exclusivamente sob condições especiais (prejudiciais à sua saúde) tem direito à contagem diferenciada de seu tempo de serviço e, consequentemente, pode requerer o benefício de aposentadoria especial.
Referências bibliográficas:
IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 15ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010.
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