SUMÁRIO: 1- INTRODUÇÃO. 2- GLOBALIZAÇÃO, MERCOSUL E O MEIO AMBIENTE. 3- DELITOS ECOLÓGICOS E O DIREITO PENAL. 4- A CRIMINALIZAÇÃO DAS EMPRESAS CAPITALISTAS E OS DELITOS ECOLÓGICOS TRANSNACIONAIS: A NOVA DOGMÁTICA PENAL. 5- O POLÊMICO CASO BOTNIA. 6- CONCLUSÃO. 7- REFERÊNCIAS.
RESUMO: No Mercosul devido a abundância dos recursos naturais, da fragilidade das instituições e dos incentivos governamentais, atraíram em grande escala as grandes empresas estrangeiras. Dentre as diversas pessoas jurídicas a que mais se destacou no panorama internacional foi a papeleira finlandesa Botnia, pois os ecologistas e a sociedade dos países envolvidos acusam a multinacional de crimes ecológicos de grandes proporções às margens do Rio Uruguai. Assim, Uma das grandes questões a serem discutidas neste trabalho acadêmico é saber até que ponto as grandes entidades econômicas podem ser criminalizadas por delitos ambientais transnacionais no Cone Sul.
Palavras-chave: Botnia. Crimes ecológicos. Cone Sul.
RESUMEN: En el Mercosur debido a la abundancia de recursos naturales, la debilidad de las instituciones y los incentivos del gobierno, han atraído a gran escala las grandes empresas extranjeras. Entre las diversas empresas que se destacaron en el ámbito internacional fue el papel finlandesa Botnia porque los ecologistas y la sociedad de los países involucrados acusan a la multinacional de los delitos ecológicos de grandes proporciones en las orillas del río Uruguay. Por lo tanto, uno de los temas principales que se tratan en este trabajo académico es hasta qué punto las entidades económicas más importantes pueden ser criminalizados por delito ambiental transnacional en el Cono Sur
Palabras clave: Botnia. Delitos ecológicos. Cono Sur
1- INTRODUÇÃO
Sem dúvida, uma das questões mais discutidas na atualidade é com relação à proteção ecológica, principalmente após o fortalecimento da globalização e as formações dos blocos econômicos.
Entre os criminalistas a responsabilização penal das empresas por delitos ecológicos não é tema pacífico e isso traz uma grande insegurança principalmente nos dias atuais em que as corporações estão se expandindo a procura de novos mercados consumidores e consequentemente acabam degradando o meio ambiente devido a falta de uma política econômica sustentável.
A motivação desta pesquisa é comprovar que casos verídicos como os danos ambientais da fábrica de celulose finlandesa Botnia as margens do Rio Uruguai, onde sua instalação visando o desenvolvimento econômico da região vem trazendo imensos prejuízos ambientais para a nação Argentina e para o Uruguai, bem como para o próprio Cone Sul.
Pelo exposto, demonstra-se a enorme necessidade em pesquisar sobre a responsabilização da pessoa jurídica por delitos ambientais nas relações de desenvolvimento econômico continental, mais especificamente no caso Botnia.
2- GLOBALIZAÇÃO, MERCOSUL E O MEIO AMBIENTE
O sistema Capitalista surgiu como uma forma de produção em que o lucro e o acúmulo de riquezas são as suas características básicas. As empresas são as entidades que mais bem representam esse modelo econômico, já que produz e faz circular os benefícios oriundos das relações comerciais.
A globalização veio como uma maneira do capitalismo interagir na busca do lucro em todos os lugares do mundo ao mesmo tempo. Uma sistemática perfeita para as entidades econômicas expandir seus propósitos mercantilistas. “La globalización, como proceso en pleno desarrollo, genera a su paso consecuencias que repercuten directamente en los distintos ámbitos en que se dan las relaciones sociales”. (PIZZOLO, 2002, p.28)
Em outro passo, os países necessitavam escoar cada vez mais os seus produtos e serviços, e agir isoladamente não fazia mais sentido, com isso os países começaram a realizar parcerias econômicas com a finalidade inicial de interação financeira e política. Fez surgir então os blocos econômicos, entes personalizados de enorme prestígio nas negociações comerciais. Nas diversas partes do mundo os blocos assumiram o caráter de transformar a economia, até então estagnada, em um processo macroeconômico lucrativo. Dentre os vários mercados comuns destacou-se aos longos dos anos a Comunidade Européia, o NAFTA, APEC, Pacto Andino e o Mercosul.
O Mercado Comum do Sul, criado em 1991, por meio do Tratado de Assunção, é hoje composto pela Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, têm como finalidade a integração entre as nações pactuantes ao passo que erradica as barreiras comerciais, aumenta a circulação de riquezas e padroniza as tarifas externas dos mais variados produtos, bem como estreita as relações diplomáticas e culturais. Nesse sentido conceitua o Mercosul da seguinte forma, Raúl Cervini e Tavares (2010, p.26):
O Mercosul é uma entidade intergovernamental dotada de personalidade jurídica. O Tratado de Assunção criou uma organização intergovernamental, na qual os Estados integrantes, a partir de um princípio da igualdade e norteados pela fórmula do consenso, dispõem e decidem acerca das distintas matérias contempladas no Tratado”. (destaque dos autores)
Assim, os países pactuantes do Cone Sul resolveram unir forças devido aos seus traços econômicos, geográficos, históricos e sociais estarem extremamente entrelaçados.
Inúmeros foram os objetivos determinados pelos países pactuantes, dentre estes a proteção ao meio ambiente. Expressão destacada no preâmbulo do Tratado de Assunção (1991):
Entendendo que esse objetivo deve ser alcançado mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramento das interconexões físicas, a coordenação de políticas macroeconômicas e a complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio. (destaque nosso)
A cadeia ambiental do Mercosul é riquíssima, já que é formada pela Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, os Bosques da Patagônia, o Aquífero Guarani e muitas outras macrorregiões de enorme valor ecológico. No entanto, por causa dessas imensas riquezas naturais, da fragilidade institucional e a potencialidade comercial, o Mercado Comum do Sul incorporou muitas empresas descompromissadas com a economia sustentável. As pessoas jurídicas na busca do lucro exacerbado passaram a degradar o meio ambiente mercosulino de uma maneira nunca vista anteriormente. “O meio ambiente não é um direito individual. Trata-se de um bem coletivo; a proteção ambiental é interesse e direito difuso; um bem universal fundamental da pessoa humana, considerado um novo direito de 3º geração, no contexto dos Direitos Humanos”. (MAIA NETO, 2008, p.268)
No Mercosul apenas o Brasil nos artigos 173 e 225 da Constituição Federal, corroborada pela Lei criminal ambiental de nº 9.605/98, prevê a imputação penal dos entes coletivos por crimes ecológicos, mas como exceção, pois a regra é Societas deliquere non potest. Na Argentina há uma previsão bem discreta e confusa na Lei de nº 24.051/94, que regula o uso dos resíduos perigosos, mais precisamente nos artigos 49 e 54. No Uruguai consta no projeto de lei de reforma do código penal menção a responsabilidade penal das pessoas jurídicas por crimes ambientais. No Paraguai não existe ato normativo vigente que estabeleça expressamente a referida criminalização. É dizer, o tema de responsabilidade penal dos entes coletivos por danos ecológicos ainda é muito precário nos países mercosulinos, embora sinalize nos últimos anos uma maior preocupação, a exemplo do que acontece com o Protocolo de Defesa da Concorrência, criado em 1996, na cidade Fortaleza, que aplica penalidades as pessoas jurídicas que desrespeitem a livre e harmônica circulação de riquezas e promovam a concorrência desleal entre os países pactuantes (artigos 2, 3, 27, 28 e 29). “A convergência do pensamento no que concerne à admissibilidade da responsabilidade da pessoa jurídica tende a atingir também a América do Sul”. (SHECAIRA, 1998, p. 46)
3- DELITOS ECOLÓGICOS E O DIREITO PENAL
No que se refere aos crimes ambientais subdivide-se em dois momentos distintos, porém interligados. O primeiro é com relação à ausência de uma norma penal em nível de Mercosul, e num segundo momento refere-se a falta de um Tribunal Judicante Transnacional.
Para que as empresas, ou qualquer outro indivíduo, seja punido por delito ambiental transfronteiriço é de suma importância a presença de uma legislação penal comunitária anterior que coíba o fato criminoso. Os países signatários do Tratado de Assunção se comprometeram a criar leis harmônicas entre si para a proteção dos bens jurídicos mercosulino (art. 1º). Não existe no momento legislação criminal harmonizada no âmbito do Cone Sul que responsabilize os agentes por danos ao meio ambiente, mas apenas Protocolos de caráter meramente administrativos e diplomáticos.
Segundo Haroldo Pabst (1998, p.124) a harmonização é um meio imprescindível e que merece um papel de destaque no processo de integração regional da América do Sul:
A nosso ver, ante a inevitibilidade da integração, a harmonização não deve, no entanto, ser um processo complementar, bem ao contrário, a harmonização deve iniciar-se antes da própria consolidação do mercado comum, como meio de facilitar essa consolidação e de atingir, com grandes vantagens para o próprio Mercosul, com antecedência esse objetivo. (destaque nosso)
Outra questão importante é sobre a resolução das lides ecológicas. As questões ambientais que por ventura aconteçam no âmbito do Cone Sul são decidas por Tribunais Administrativos, sem cunho tipicamente jurisdicional. Uma situação preocupante, pois embora os Tribunais ad hoc tenham a sua importância, a ausência de força judicante gera uma insegurança jurídica para o Mercado do Sul. Omissão institucional descabida diante da atual conjuntura do Bloco. “[…] Finalmente, y no menos importante, es la inexistencia aun hoy de un Tribunal jurisdiccional que interprete el derecho y dirima las controversias”. (SILVA GILLI, 2004, p.60)
Expressa Pedro Rosa (2001, p.590) sobre a temática:
Ante este ditame, cumpre advertimos que não deve ser vista no Tribunal Arbitral uma figura de “direito comunitário”, em seu sentido técnico. Não temos, aí, um verdadeiro órgão jurisdicional comum, fruto de significativa perda de soberania dos Estados-Membros de uma comunidade. Antes, o que tratamos é simplesmente de um Tribunal ad hoc, cuja única função é definir uma querela existente, em decisão tida por obrigatória através de acordo de natureza de direito internacional firmado. (destaque do autor)
Torna-se necessário hoje, portanto, a criação de instituições personalizadas e legislações penais comunitária que coíbam a agressão ao meio ambiente dos países membros do Mercosul. “Assim, ao direito penal comunitário incumbiria a proteção – mediante um sistema de reações penais – dos interesses comunitários fundamentais que se hierarquizam na qualidade de bens jurídicos equiparados com os interesses tutelados pelo ordenamento jurídico interno, em face de uma necessária harmonização”. (CERVINI e TAVARES, 2000, p.35)
Insta acentuar que as empresas quando causam danos ecológicos no momento em que desempenham atividades econômicas os efeitos são sentidos por todos, de forma difusa, inclusive por outras nações. Os resultados atravessam as fronteiras e prejudicam incalculáveis números de biomas, isso se chama macrocriminalidade ambiental, ou melhor, crimes de grandes proporções ecológicas, cujos resultados danosos são erga omnes.
Diante do crescimento desestruturado do Cone Sul e da inviabilidade das entidades e das normas administrativo-diplomáticas existentes, esses resultados danosos se tornam cada vez mais comuns, e o Direito Penal como ultima ratio precisa adotar medidas mais modernas e inovadoras para coibir os novos e graves acontecimentos oriundos da globalização e da integração dos mercados. A Ciência Criminal busca, portanto; separar, analisar e em seguida, por meios de leis, criminalizar os acontecimentos com maior evidência na sociedade.
4- A CRIMINALIZAÇÃO DAS EMPRESAS CAPITALISTAS E OS DELITOS ECOLÓGICOS TRANSNACIONAIS: A NOVA DOGMÁTICA PENAL
Grande controvérsia na seara penal é relacionada à responsabilização criminal das pessoas jurídicas que desempenham atividades econômicas. Há duas teorias básicas que analisa a questão, uma é a teoria da ficção (Societas deliquere non potest), também chamada de teoria da realidade, esse pensamento afirma que as entidades possuem existência irreal adquirida por meio de liberalidade do Estado, onde não possuem conduta delituosa por não trazerem consigo a vontade e consciência de realizarem condutas típicas. Dessa forma, o homem, é o único sujeito de direito e obrigações na órbita social e não se reconhece que a corporação seja sujeita ativa de delitos. Outra corrente denominada teoria da personalidade real (societas deliquere potest) admite que as entidades coletivas possuam uma existência indiscutível, diferente dos indivíduos que as compõem e caracterizada por finalidades específicas, podendo cometer delitos desde que levado em consideração alguns requisitos especiais em relação às pessoas naturais. A pessoa jurídica obteve um processo de auto-organização tão elevado que o torna um ente especial, passível, portanto, de direitos e responsabilidades também especiais. Os atos e mentes da pessoa física significam igualmente os atos e mentes da pessoa jurídica quando representadas. Alguns países adotam a responsabilização penal das pessoas jurídicas, a exemplo da Austrália, França, Estados Unidos, Inglaterra, Venezuela dentre outros.
Com isso a doutrina também se torna divergente e as opiniões são extremadas. O doutrinador Fiorillo (2002, p.47) enfatiza a grande controvérsia sobre o tema abordado:
Muita controvérsia foi trazida também. Ademais deve ser ressaltado que a responsabilidade penal da pessoa jurídica não é aceita de forma pacífica. Pondera-se que não há como conceber o crime sem um substractum humano. Na verdade, o grande inconformismo da doutrina penal clássica reside na inexistência da conduta humana, porquanto esta é da essência do crime. Dessa forma, para aqueles que não admitem crime sem conduta humana, torna-se inconcebível que a pessoa jurídica possa cometê-lo. (destaque do autor)
Na mesma seara de discussão Henrique Pierangeli (1999, p.183-184) aduz:
A responsabilidade penal das pessoas jurídicas continua sendo matéria cadente no Direito Penal, pois a questão não se encontra em absoluto resolvida com adoção, pela maioria da doutrina, da regra societas deliqueres non potest. De qualquer maneira o legislador constituinte reativou o problema ao estabelecer, em duas passagens a responsabilidade penal dessas entidades, exatamente quando volta a sua preocupação para com as atividades que envolvem a ordem econômica e financeira e para o meio ambiente. E com isso criou uma séria preocupação para o penalista. (destaque do autor)
Para aqueles que admitem a criminalização das empresas, fundamentam na teoria de que a pessoa coletiva na medida em que se organizou em um ente personalizado adquiriu deveres e direitos, além do que a ausência da consciência e vontade inerente as pessoas naturais, não impede que se adotem novos paradigmas para possibilitar a responsabilização das corporações. “Sin embargo, la identidad de la persona jurídica, a diferencia de la persona natural, no se determina a partir de la conciencia sino a partir de la unidad de su constitución”. (JAKOBS, 2004, p.62)
As empresas não possuem a culpabilidade subjetiva do ser humano, mas sim uma culpabilidade objetiva, baseada nos riscos sociais das atividades econômicas desempenhadas e que usam essa característica como escudo para a proteção dos dirigentes no momento que ferem os bens jurídicos. Os dirigentes utilizam dolosamente a atividade econômica da corporação para cometer crimes.
Segundo André Callegari (2001, p.83) a culpabilidade objetiva deve ser acompanhada de uma série de elementos:
Para a imputação de resultados típicos não basta, segundo a teoria da imputação, que alguém tenha provocado os resultados típicos de modo causal e que tenha criado, mediante sua conduta, um risco desaprovado de produção de tais resultados. É necessário, ainda, que estes resultados se configurem como a realização de um risco desaprovado pelo autor.
Para que a imputação penal da pessoa jurídica aconteça deverá existir um sistema paralelo de imputação entre a pessoa natural e o ente coletivo, a culpabilidade deverá compreender a particularidade de cada pessoa. Por isso se justifica a penalização especial das corporações, desde que se observe os vários aspectos envolvidos; da conduta culpável baseada em fatores de riscos sociais até o resultado previsto em lei com aplicação de sanções específicas. “[...] la responsabilidad social permite, sencillamente, construir um juicio de reprovación sobre un acto de la persona jurídica, objeto de valoración; [...]”. (BAIGÚN, 2000, p.125)
Ensina ainda Galvão Rocha em materia de responsabilidade penal objetiva das empresas (2003, p.70):
Para a responsabilização da pessoa jurídica utiliza-se a teoria do delito apenas para identificar a autoria do crime naquele que atua em nome ou benefício do ente moral. Sempre dependente da intervenção de pessoa física, que responde criminalmente de maneira subjetiva, a pessoa jurídica não apresenta elemento subjetivo ou consciência da ilicitude que viabilize comparação com as construções da teoria do delito. A responsabilidade da pessoa física é subjetiva, pois se deve aplicar a teoria do delito com as exigências de natureza subjetiva. A responsabilidade da pessoa jurídica, no entanto, decorre da relação objetiva que a relaciona ao autor do crime. (destaque nosso)
Inclusive o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu nesse diapasão:
PROCESSO – RESP 610114/RN RECURSO ESPECIAL 2003/0210087-0
RELATOR: MINISTRO GILSON DIPP (1111)
ORGÃO JULGADOR: T5 - QUINTA TURMA
DATA DO JULGAMENTO: 17/11/2005
DATA DA PULBICAÇÃO: DJ 19/12/2005 P. 463
EMENTA: PREVISÃO CONSTITUCIONAL REGULAMENTADA POR LEI FEDERAL. OPÇÃO POLÍTICA DOLEGISLADOR. FORMA DE PREVENÇÃO DE DANOS AO MEIO-AMBIENTE. CAPACIDADE DE AÇÃO. EXISTÊNCIA JURÍDICA. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. CULPABILIDADE COMO RESPONSABILIDADE SOCIAL. CO-RESPONSABILIDADE. PENAS ADAPTADAS À NATUREZA JURÍDICA DO ENTE COLETIVO. ACUSAÇÃO ISOLADA DO ENTE COLETIVO. IMPOSSIBILIDADE. ATUAÇÃO DOS ADMINISTRADORES EM NOME E PROVEITO DA PESSOA JURÍDICA. DEMONSTRAÇÃO NECESSÁRIA. DENÚNCIA INEPTA. RECURSO DESPROVIDO.
I. A Lei ambiental, regulamentando preceito constitucional, passou a prever, de forma inequívoca, a possibilidade de penalização criminal das pessoas jurídicas por danos ao meio-ambiente.
III. A responsabilização penal da pessoa jurídica pela prática de delitos ambientais advém de uma escolha política, como forma não apenas de punição das condutas lesivas ao meio-ambiente, mas como forma mesmo de prevenção geral e especial.
IV. A imputação penal às pessoas jurídicas encontra barreiras na suposta incapacidade de praticarem uma ação de relevância penal, de serem culpáveis e de sofrerem penalidades.
V. Se a pessoa jurídica tem existência própria no ordenamento jurídico e pratica atos no meio social através da atuação de seus administradores, poderá vir a praticar condutas típicas e, portanto, ser passível de responsabilização penal.
VI. A culpabilidade, no conceito moderno, é a responsabilidade social, e a culpabilidade da pessoa jurídica, neste contexto, limita-se à vontade do seu administrador ao agir em seu nome e proveito. [...]
XIII. A pessoa jurídica só pode ser responsabilizada quando houver intervenção de uma pessoa física, que atua em nome e em benefício do ente moral.
XIV. A atuação do colegiado em nome e proveito da pessoa jurídica é a própria vontade da empresa.
XV. A ausência de identificação das pessoas físicas que, atuando em nome e proveito da pessoa jurídica, participaram do evento delituoso, inviabiliza o recebimento da exordial acusatória.
XVI. Recurso desprovido[1]. (destaque nosso)
No entanto, a Supremo Corte brasileira até o presente momento não analisou o mérito da problemática.
Por outro lado existem aqueles que criticam a responsabilização das corporações por condutas delituosas por entender ser impossível a realização de crimes e aplicação de penas sem a presença de consciência e vontade humana. “Seria paradoxal formar-se um juízo de censura moral em razão do ‘comportamento’ de uma empresa comercial, por exemplo. Ou, então, como exigir-se conduta diversa ou mesmo a liberdade de vontade de uma entidade que é dirigida por terceiros?”. (BITENCOURT, 2010, p.277, vol.1 – destaque do autor)
Na linha de pensamento, expressa Moraes (2002, p.151):
Não há como testemunhar atos e condutas das pessoas jurídicas, exceto o transcrito em ata ou alteração de contrato social, documentos que, em tese, seriam provas da manifestação inequívoca dessa vontade.
Outro aspecto é que grande parte dos crimes ambientais são de resultado, alguns poucos de mera conduta. A maioria exige o dolo; poucos, a culpa. Quando falamos em pessoa jurídica, devemos lembrar que várias se constituem sem fins lucrativos (associações civis), ou seja, qual o motivo da realização do crime ambiental? Qual o lucro ou finalidade beneficiadora de entidade sem fins lucrativos?
Um último argumento. Se posso apenar a pessoa jurídica, tenho de conceber que em qualquer caso, apenas ela, exclusivamente ela delinqüe. Pois bem, este autor não conseguiu. Até o momento, identificar um caso, apenas um, em que fosse possível conceber a responsabilidade da pessoa jurídica, de forma isolada, sem a participação decisiva de seus sócios, representantes ou diretores. (destaque do autor)
“Aunque no puedo menos de senãlar que personalmente no participo de la opinión de quienes admiten la possibilidad de responsabilizar penalmente a las personas jurídicas, lo cierto es que en el caso se trata de una concreta tentativa de imputación de una omisión dolosa a una persona jurídica”. (ZAFFARONI, 2010, p.44)
Isto posto, o tema da responsabilidade criminal das empresas é ainda bastante discutido, no entanto diante das consequências da atual conjuntura macroeconômica mundial será imprescindível a quebra de paradigmas penais considerados intocáveis. Mutatis mutandis, em busca de uma maior proteção aos bens jurídicos considerados essenciais.
5- O POLÊMICO CASO BOTNIA
Em 26 de fevereiro de 1975, na cidade de Salto, a Argentina e o Uruguai assinaram o Estatuto do Rio Uruguai, onde se comprometeram a gerenciar conjuntamente o usufruto econômico do Rio e evitar danos ambientais.
Sob a presidência de Jorge Battle, o governo uruguaio permitiu à instalação da grande papeleira Botnia, às margens do Rio Uruguai, na fronteira com a Argentina, especificamente entre as cidades de Frey Bentos e de Gualeguaychú, sem a prévia consulta ao país vizinho.
Vale salientar, que a papeleira Botnia e outras empresas se instalaram nessa região por cinco razões básicas, quais sejam: a grande fonte de recursos naturais (matéria-prima), incentivos governamentais locais, altos índices de lucratividade, a expansão do mercado mercosulino e as rígidas legislações ambientais de seus países de origem. “O Cone Sul latino americano continua sendo um pólo de atração para essas empresas, e os governos desses países não só não questionam essa opção, mas chegam inclusive a incentiva-la e disputar entre si […]”. (BACCHETTA, 2010, p.203)
A instalação da rentável indústria de celulose Botnia, o maior investimento do setor industrial privado pela Finlândia no exterior, acabou desencadeando uma série de conflitos comerciais, diplomáticos e ambientais entre os países mercosulinos, principalmente Argentina e Uruguai. “O investimento alcançou os 1.200 milhões de dólares, 700 dos quais em equipamentos. Esta cifra representa o maior investimento já recebido pelo país. Estima-se que o impacto sobre o Produto Interno Bruto (PIB) seja de 1,6% ao ano”. (PIVETTA)
Desse modo, houveram vários trâmites perante o Tribunal Internacional de Haia, perante o Tribunal Ad Hoc do Mercosul, petições a Organização do Estados Americanos e as demais entidades internacionais.
Os argentinos realizaram um intenso movimento nas fronteiras que ligam os dois países, inclusive a interdição de alguns pontos de transição, alegando que as instalações das fábricas trouxeram um imenso prejuízo ecológico, já que não foi realizado qualquer estudo de impacto ambiental na região.
Segundo afirma o professor uruguaio Víctor L. Bacchetta (2010, p.12):
Para produzir um milhão de toneladas anuais de celulose, que é a capacidade das fábricas que estão sendo instaladas no Cone Sul e no Uruguai, necessitam-se cerca de 200 mil hectares de plantações de árvores de crescimento rápido. De 2000 para cá, essas plantações vão se expandindo à razão de um milhão de hectares por ano.
A fabricação de celulose utiliza maior quantidade de água do que qualquer outra indústria. Para produzir um milhão de toneladas anuais, a Botnia necessita 85,7 mil metros cúbicos diários de água do rio Uruguai, que representa mais de 31 milhões de metros cúbicos de água por ano. Ou seja, uma tonelada de celulose consome 31 toneladas de água.
Por sua vez, a Botnia lança diariamente no rio Uruguai 71,5 mi (sic) metros cúbicos de efluentes com resíduos. Se esses efluentes fossem tão limpos como dizem, por que não reutiliza-los em circuito fechado, sem a necessidade de extrair água todos os dias? A Botnia não paga nada pela água que extrai do rio nem por devolve-la contaminada.
Essa paralisação acarretou um imenso prejuízo financeiro ao Uruguai, que inconformado com a atitude do povo argentino ameaçou sair do Bloco do Sul e formar uma nova aliança mercantilista com os Estados Unidos. Em outro passo, fundamentado no Tratado de Assunção, que garante a livre circulação de bens e produtos entre os países pactuantes, acabou em 18 de fevereiro de 2006 acionando o sistema de solução de controvérsia do Mercosul para resolver a questão da obstrução das vias terrestres por parte dos argentinos.
O Tribunal Administrativo reconheceu a responsabilidade da Argentina por falta de prevenção e correção de condutas de seus habitantes perante outras nações, contudo, não houve arbitramento de qualquer valor pecuniário.
Também em fevereiro de 2006, com fulcro no artigo 22 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos, os uruguaios ingressaram com um ofício direto ao Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos com finalidade de assegurar a circulação de bens e serviços na fronteira em questão.
Em seguida, a Argentina com fundamento no Estatuto do Rio Uruguai, ingressa com um pedido cautelar junto à Corte Internacional de Haia requerendo a suspensão da construção da fábrica de celulose por se tratar de risco concreto e previsível ao meio ambiente. Pedido este, que foi indeferido liminarmente pelo Tribunal.
Em contrapartida, os uruguaios temendo novas investidas dos argentinos e diante da inócua decisão do Tribunal mercosulino, protocola também um pedido perante a Corte Internacional almejando prevenir dano iminente e irreparável a sua economia. Requerimento que também não foi acolhido pela Corte Judicante.
Essa crise diplomática, ecológica e financeira ainda está longe de se resolver, pois as fábricas estão em plena atividade e infelizmente estão trazendo enormes prejuízos ecológicos para a região e a falta de elementos institucionalizadores no Mercosul torna o acontecimento uma mancha nas relações de integração. “A incapacidade de solucionar o conflito no âmbito do Mercosul traduz a falência de um modelo de integração mercantilista, incapaz de enfrentar os principais desafios da cooperação entre vizinhos, fonte inesgotável de conflitos previsíveis”. (TASQUETTO)
6- CONCLUSÃO
Em um panorama mundializado onde as atividades econômicas se interligam, concluiu-se que a responsabilidade penal das empresas surge como uma necessidade urgente e inevitável para amenizar o intenso abuso cometido à cadeia ecológica.
Averigou-se na presente pesquisa que a viabilidade de implementação da responsabilização penal da pessoa jurídica por delitos ambientais transfronteiriços no Mercosul não irá de forma alguma interferir no processo de desenvolvimento econômico do Bloco, ao contrário, proporcionará uma maneira importante de preservação ambiental e desenvolvimento sustentável.
Observou-se que à nível de Cone Sul não há legislações penais com um caráter específico na proteção do solo, do ar, da fauna ou da água, mas apenas regulamentos de cunho administrativo ou diplomático, ineficazes diante do crescimento do Mercado Econômico.
Constatou-se ainda que após o surgimento do Mercado Comum do Sul a degradação ambiental acelerou no continente e isso é devido principalmente a inexistência de uma política criminal mais efetiva em torno da punibilidade dos entes coletivos, Um exemplo é o que acontece hoje com a empresa Botnia localizada às margens do Rio Uruguai. O problema demonstrou a incapacidade do Bloco em gerir os seus assuntos, e que poderia ser mais facilmente solucionado se o Mercosul já possuísse uma estrutura organizacional substancial com órgãos e normas, de preferência penal, que garantissem uma maior segurança jurídica, ambiental e econômica. Acontecimentos como esse da empresa Botnia poderá continuar se não forem implantadas medidas urgentes na proteção aos bens ecológicos dentro do Mercado Comum do Sul.
Dessa forma, pela exposição do caso Botnia, percebe-se um Bloco frágil nas suas relações e conseqüentemente omisso no respeito aos Direitos Humanos. Na hipótese de continuar dessa maneira o Cone Sul tende a fracassar. Logo, diante da atual conjuntura macroeconômica se mostram necessárias implementações de novas dogmáticas penais no âmbito comunitário, consideradas até então impossíveis de serem aplicadas pela Ciência Criminal clássica, cujo fundamento é ainda estritamente antropocêntrico e de aplicação local.
7- REFERÊNCIAS
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BAIGÚN, David. La Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas (Ensayo de un Nuevo Modelo Teórico). Buenos Aires: Ediciones Depalma, 2000.
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CERVINI, Raúl. TAVARES, Juarez. (tradução: Marcelo Caetano Guazzelli Peruchin) Princípios de Cooperação Judicial Penal Internacional no Protocolo do Mercosul. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
CALLEGARI, André. Causalidade e Imputação Objetiva no Direito Penal. In: Teoria da Imputação Objetiva - Teoria do Domínio do Fato. São Paulo: Escola Superior do Ministério Público de São Paulo, 2001. Disponível em: <http://www.esmp.sp.gov.br/2010/caderno_1.pdf>. Acesso em: 08 de nov. de 2011
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002.
JAKOBS, Günther (tradução: Carlos J. Suárez González). ¿Punibilidad de las Personas Jurídicas?. In: GARCÍA CAVERO, Percy (coordenador). La Responsabilidad Penal de las Personas Jurídicas, Órganos y Representantes. Mendoza: Ediciones Jurídicas Cuyo, 2004.
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MAIA NETO, Cândido Furtado. Direito Constitucional Penal do Mercosul. Curitiba: Juruá, 2008.
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PIERANGELI, José Henrique. Escritos Jurídicos - Penais. São Paulo: Editora RT, 1999.
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[1] Disponível em: < http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=null&livre
=responsabilidade+penal+da+pessoa+jur%EDdica&&b=ACOR&p=true&t=&l=10&i=9 >. Acesso em: 04 de out. de 2012.
Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais, Universidad del Museo Social Argentino (UMSA), Buenos Aires - Argentina; Professor de Direito Penal e Direito Processual Penal, Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), Paraíba - Brasil
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Jardel de Freitas. As empresas e a macrocriminalidade ambiental no cone sul: o polêmico caso Botnia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 dez 2012, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/32987/as-empresas-e-a-macrocriminalidade-ambiental-no-cone-sul-o-polemico-caso-botnia. Acesso em: 22 nov 2024.
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