A possibilidade de que inativos sejam chamados a contribuir para seu plano de benefícios parece, em princípio, indubitável, quando se está a tratar de previdência complementar, como será explanado a seguir.
Apenas a título de esclarecimento inicial, e sem descer a minúcias técnicas irrelevantes para a presente abordagem, cabe registrar que, neste específico sistema, o legislador optou por substituir a referência ao termo “inativo”. Conforme se extrai do art. 8º da Lei Complementar nº109, de 29 de maio de 2001, que dispõe sobre o regime de previdência complementar, o vocábulo “assistido” é utilizado para representar esta classe de indivíduos, enquanto o termo “participante” representaria a pessoa física em atividade:
Art. 8º. Para efeito desta Lei Complementar, considera-se:
I - participante, a pessoa física que aderir aos planos de benefícios; e
II - assistido, o participante ou seu beneficiário em gozo de benefício de prestação continuada.
Como adiantado, há um permissivo legal clarividente no sentido da possibilidade de cobrança de contribuições de assistidos. Trata-se do art. 21 da lei de regência (LC nº109/2001):
Art. 21. O resultado deficitário nos planos ou nas entidades fechadas será equacionado por patrocinadores, participantes e assistidos, na proporção existente entre as suas contribuições, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que deram causa a dano ou prejuízo à entidade de previdência complementar.
§ 1º O equacionamento referido no caput poderá ser feito, dentre outras formas, por meio do aumento do valor das contribuições, instituição de contribuição adicional ou redução do valor dos benefícios a conceder, observadas as normas estabelecidas pelo órgão regulador e fiscalizador.
§ 2º A redução dos valores dos benefícios não se aplica aos assistidos, sendo cabível, nesse caso, a instituição de contribuição adicional para cobertura do acréscimo ocorrido em razão da revisão do plano.
Diante do que se pode extrair da situação tratada na norma em questão, resumidamente, isso ocorre quando determinado plano se encontra diante de um resultado deficitário, hipótese em que, observadas determinadas condições, são instituídas as chamadas contribuições extraordinárias[1], a cargo de patrocinadores, participantes e assistidos, com o objetivo específico de equacionar o aludido déficit.
Desde logo, surgem dúvidas especificamente em relação à tarefa de definir em que medida se dará este equacionamento, já que o dispositivo legal menciona tão-somente a observância de proporção contributiva entre patrocinadores, participantes e assistidos, sem oferecer parâmetros mais detalhados. No caso específico dos assistidos é igualmente silente, limitando-se a vedar a redução de valores de benefícios.
Nos termos do § 1º do mencionado art. 21, coube, então, ao órgão regulador (à época o Conselho de Gestão de Previdência Complementar) o detalhamento de tal procedimento, levado a efeito pela Resolução CGPC nº 26/2008, que tratou das condições e procedimentos a serem adotados não só nas hipóteses de equacionamento de déficits, mas nos casos de destinação e utilização de superávit dos planos de benefícios de caráter previdenciário.
Especificamente em relação à quantificação da proporção contributiva a ser observada quando da instituição de contribuições extraordinárias para o custeio de déficits, esta Resolução previu o seguinte:
Art. 29. O resultado deficitário apurado no plano de benefícios deverá ser equacionado por participantes, assistidos e patrocinadores, observada a proporção quanto às contribuições normais vertidas no exercício em que apurado aquele resultado, sem prejuízo de ação regressiva contra dirigentes ou terceiros que tenham dado causa a dano ou prejuízo ao plano de benefícios administrado
pela EFPC.
Ocorre que, como será demonstrado a seguir, no que concerne ao equacionamento de déficits, a Resolução carece, assim como a LC nº 109/01, de um nível satisfatório de critérios norteadores, o que obriga o aplicador da norma a se valer de uma interpretação sistemática, parametrizada pelo procedimento próprio da apuração de superávit.
É de se notar que seu (art. 29) acréscimo, na espécie, cinge-se à definição de que a proporção contributiva deve estar baseada nas contribuições normais vertidas no exercício em que apurado o déficit a ser equacionado.
Uma análise isolada deste dispositivo levaria à conclusão de que, em regra, o resultado deficitário somente seria suportado por participantes e patrocinadores. Afinal, no mais das vezes, um plano equilibrado não recebe contribuições de assistidos. E sem a existência de contribuições não há como apurar uma proporção contributiva.
Ocorre que tal raciocínio levaria a uma situação anti-isonômica, do ponto de vista dos participantes ativos, se levados em conta os critérios observados na distribuição do superávit.
É que, neste caso, independentemente da existência de contribuições normais vertidas ao plano no período da apuração do resultado superavitário, ambos (participantes e assistidos) são contemplados com a destinação da reserva especial.
E a razão para tal discrepância está na existência de um segundo critério norteador, presente apenas no Título III da Resolução nº 26/2009 (da destinação e utilização do superávit): “[a] destinação da reserva especial aos participantes e assistidos, relativamente ao montante que lhes couber na divisão de que trata o caput do art. 15, deverá se dar considerando a reserva matemática individual ou o benefício efetivo ou projetado atribuível a cada um deles” (Resolução CGPC nº 16/2008, art. 16).
Em síntese, a prevalecer uma interpretação isolada do art. 29 da Resolução CGPC nº 26, ter-se-ia um cenário de participantes ativos sujeitos tanto a resultados negativos quanto positivos e de assistidos imunes àqueles e solidários em relação a estes.
Conforme adiantado e em ordem a afastar tal raciocínio desarrazoado, há que se estabelecer um paralelismo entre as proporções contributiva e participativa nos casos de déficit e superávit, respectivamente, visto tratar-se de “faces da mesma moeda” – o resultado do plano de benefícios.
Pois bem. A análise do procedimento previsto para a distribuição da reserva especial leva a crer que existam duas fases distintas na identificação dos montantes devidos, quando da apuração de superávit.
A primeira delas está representada pelo art. 15[2] da Resolução nº 26, segundo o qual devem ser identificados, “de um lado”, os montantes atribuíveis aos participantes e assistidos e, “de outro” aqueles atribuíveis ao patrocinador.
Notadamente em vista das expressões em destaque é possível perceber que a intenção da norma, nesta primeira fase, é segregar os montantes a serem distribuídos em apenas dois grupos, de modo a separar primeiramente o que é devido ao patrocinador. Neste caso, o critério a ser observado é o da “proporção contributiva do período em que se deu a sua [reserva especial] constituição, a partir das contribuições normais vertidas nesse período”.
Somente na segunda fase (art. 16[3]) é que se cuidou de estabelecer a forma de distribuição – entre os integrantes do grupo formado por participantes e assistidos – do “montante que lhes couber na divisão de que trata o caput do art. 15”. Nesse caso, o critério da proporção das contribuições normais vertidas no período de apuração do resultado dá lugar a outro: a destinação deverá se dar considerando a reserva matemática individual ou o benefício efetivo ou projetado atribuível a cada um deles.
Como visto, a observância da proporção relativa às contribuições normais vertidas no exercício correspondente a determinado resultado somente tem o condão de diferenciar dois grupos, sendo o primeiro formado por patrocinadores e o segundo por participantes e assistidos.
Considerando, pois, as razões expostas até aqui, notadamente em face da imperiosa observância do princípio da isonomia, tal raciocínio deve ser aplicado tanto em relação à participação no superávit, quanto ao equacionamento do déficit, ainda que, neste último caso, a previsão regulamentar não seja expressa.
Portanto, é correto concluir que há amparo legal para a instituição de contribuições extraordinárias a cargo de assistidos, com a finalidade de custeio de déficits, ainda que estes não tenham vertido contribuições normais para o plano no período em que apurado tal resultado.
Noutras palavras, por meio de uma interpretação sistemática da Resolução CGPC nº 26, notadamente do disposto em seus arts. 15 e 16, é possível afirmar que o critério de proporção contributiva estabelecido no caput do art. 29 somente é aplicável na identificação da parcela de responsabilidade dos patrocinadores pelo resultado deficitário. Consequentemente, a inexistência de contribuições normais vertidas por assistidos durante o exercício em que apurado o déficit no plano de benefícios não tem o condão de, por si só, eximi-los da responsabilidade de equacioná-lo.
Finalmente, cabe registrar que às entidades fechadas de previdência complementar que não possuam entre seus patrocinadores pessoas jurídicas sujeitas aos ditames da Lei Complementar nº 108[4], os chamados patrocinadores públicos, é facultado desconsiderar a proporção contributiva a que se refere a Resolução nº 26/2009.
Nesse sentido preceitua o parágrafo único de seu art. 29: “[e]m relação aos planos de benefícios que não estejam sujeitos à disciplina da Lei Complementar nº 108, de 2001, o resultado deficitário poderá ser equacionado pelos patrocinadores, de forma exclusiva ou majoritária, sem a observância da proporção contributiva de que trata o caput.”
Afinal somente a estas últimas se aplica o princípio constitucional da paridade contributiva (art. 202, § 3º[5]), segundo o qual é vedado o aporte de recursos oriundos de patrocinadores públicos em valores superiores aos vertidos por participantes e assistidos.
No caso destas, portanto, havendo a instituição de contribuição extraordinária para o custeio de um déficit, a sistemática de proporção contributiva aqui delineada é medida que se impõe, com a consequente e obrigatória participação dos inativos, independentemente de estarem isentos de contribuições regulares para o plano de benefícios até então.
[1] Lei Complementar nº 109/2001, Art. 19. As contribuições destinadas à constituição de reservas terão como finalidade prover o pagamento de benefícios de caráter previdenciário, observadas as especificidades previstas nesta Lei Complementar.
Parágrafo único. As contribuições referidas no caput classificam-se em:
I - normais, aquelas destinadas ao custeio dos benefícios previstos no respectivo plano; e
II - extraordinárias, aquelas destinadas ao custeio de déficits, serviço passado e outras finalidades não incluídas na contribuição normal.
[2] Art. 15. Para a destinação da reserva especial, deverão ser identificados quais os montantes atribuíveis aos participantes e assistidos, de um lado, e ao patrocinador, de outro, observada a proporção contributiva do período em que se deu a sua constituição, a partir das contribuições normais vertidas nesse período.
[3] Art. 16. A destinação da reserva especial aos participantes e assistidos, relativamente ao montante que lhes couber na divisão de que trata o caput do art. 15, deverá se dar considerando a reserva matemática individual ou o benefício efetivo ou projetado atribuível a cada um deles.
[4] Art. 1ºA relação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadores de entidades fechadas de previdência complementar, e suas respectivas entidades fechadas, a que se referem os §§ 3º, 4º, 5º e 6º do art. 202 da Constituição Federal, será disciplinada pelo disposto nesta Lei Complementar.
[5] “É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado.”
Procurador Federal. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília - Uniceub. Bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de Brasília - Unb. Procurador Federal em atuação no Departamento de Consultoria da Procuradoria-Geral Federal<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ROCHA, Leonardo Vasconcellos. A contribuição de inativos na previdência complementar fechada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2012, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33036/a-contribuicao-de-inativos-na-previdencia-complementar-fechada. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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Por: DESIREE EVANGELISTA DA SILVA
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