A existência de sócios comuns deve ser repudiada sempre que configurar fraude à licitação, sempre que configurar conluio entre os licitantes para lesar a competitividade e isonomia do procedimento licitatório.
No âmbito do Tribunal de Contas da União, as situações de conluio deram azo à formulação de recomendação ao MPOG, no sentido de que os sistemas de informática fossem aprimorados para alertar os servidores da ocorrência de sócios comuns nas empresas participantes de licitação, in verbis:
Contratações públicas: 1 – Licitação com a participação de empresas com sócios em comum e que disputam um mesmo item prejudica a isonomia e a competitividade do certame
Auditoria realizada pelo Tribunal na Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação - (SLTI) do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - (MPOG), com o objetivo de verificar a consistência e a confiabilidade dos dados constantes do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais - (Siasg) e do sistema Comprasnet, principais instrumentos gerenciadores das licitações e compras no âmbito do Governo Federal. A partir dos procedimentos efetuados, foram identificadas empresas com sócios em comum e que apresentaram propostas para o mesmo item de determinada licitação na modalidade pregão, o que poderia caracterizar, na opinião da unidade técnica, indício de conluio, com o propósito de fraudar o certame. Para ela, “se houver a existência de sócios em comum de empresas que disputam o mesmo item de um mesmo certame, há evidente prejuízo à isonomia e à competitividade da licitação”.
Como consequência, ainda para unidade técnica, “é possível que existam empresas atuando como ‘coelho’, ou seja, reduzindo os preços a fim de desestimular a participação de outros licitantes na etapa de lances, desistindo posteriormente do certame para beneficiar a outra empresa que esteja participando do conluio, que, por sua vez, acaba sendo contratada sem ter apresentado a melhor proposta, provocando, assim, prejuízo para a Administração”. Para minimizar a possibilidade da ocorrência desses conluios, seria recomendável, então, que os pregoeiros e demais servidores responsáveis pela condução dos procedimentos licitatórios, tomassem ciência da composição societária das empresas participantes dos certames, mediante alerta por intermédio do Comprasnet, a partir de modificações no sistema a serem feitas pela SLTI, o que foi sugerido pela unidade técnica ao relator, que acolheu a proposta, a qual foi referendada pelo Plenário. Precedentes citados: Acórdãos nºs 1433/2010 e 2143/2007, ambos do Plenário. Acórdão n.º 1793/2011-Plenário, TC-011.643/2010-2, rel. Min. Valmir Campelo, 06.07.2011.
Essa recomendação (Acórdão nº 1.793/2011-Plenário) tem por objetivo resguardar os princípios da isonomia e da competitividade inerentes às licitações públicas.
Para a Corte de Contas, a existência licitantes com sócios em comum pode configurar evidente prejuízo à isonomia e à competitividade do certame, demandando do pregoeiro maior atenção nas condutas praticadas pelas licitantes.
Por outro lado, no Acórdão nº 297/2009 – Plenário, o TCU estabeleceu objetivamente que ofende a competitividade a participação de licitantes com sócios comuns quando se tratar de:
i. convite;
ii. contratação por dispensa de licitação;
iii. existência de relação entre as licitantes e a empresa responsável pela elaboração do projeto executivo; e
iv. contratação de uma das empresas para fiscalizar serviço prestado por outra.
Observa-se que o Tribunal de Contas da União tem se posicionado no sentido de que a existência de licitantes com sócio em comum, por si só, não configura fraude à licitação. Há que existir outros elementos ou indícios de conluio tendentes a frustrar a isonomia e a competitividade.
Nesse sentido, por meio do Acórdão nº 2.341/2011 – Plenário, a Corte de Contas da União considerou restritiva à competitividade cláusula editalícia que proibia a participação concomitante de licitantes com sócios em comum.
Para o Tribunal, tal cláusula apresenta leitura objetiva e apriorística da lei de licitação (ofensiva, portanto, ao princípio da legalidade e da competitividade), na medida em que considera de forma inarredável que a ocorrência de sócios em comum configura fraude à licitação.
Dessa forma, vale a transcrição de parte do Voto do Ministro Relator Augusto Narde, seguido por unanimidade pelos demais Ministros do TCU, no qual enfatiza que a coincidência de sócios apresenta-se como situação de risco à competitividade. Mas, isto, por si só, não pode ser fato configurador (objetivamente verificável) de circunstância de conluio e de fraude à licitação. Veja-se:
“17. A toda prova, portanto, que no caso da recomendação da CGU, trazida aos autos pelos agravantes, bem como nas situações similares, em que houve a atuação desta Corte de Contas, o que se pretendeu foi alertar os responsáveis pelos certames licitatórios sobre uma situação de risco, configurada pela participação, no processo, de empresas com sócios em comum.
18. Tal risco, conforme bem expresso na recomendação do Acórdão nº 1.793/2011-TCU-Plenário, deve ser mitigado, mediante identificação das empresas que se enquadrem nessa situação e de outros fatores que, em conjunto, e em cada caso concreto, possam ser considerados como indícios de conluio e fraude à licitação.
19. As situações expostas, portanto, são bem diversas da que se verifica nos presentes autos, em que se fez uma vedação a priori, ao arrepio da legislação aplicável, impedindo, sem uma exposição de motivos esclarecedora ou outros indícios de irregularidades, que empresas participassem do certame, ferindo, sem sombra de dúvidas, os princípios da legalidade e da competitividade, a que estão sujeitas as entidades do sistema ‘S’.”
Esse raciocínio guarda compasso com a presunção de boa-fé dos licitantes e com o princípio do devido processo legal. É que toda imputação de ofensa à lei deve ser precedida da devida demonstração material de sua ocorrência, garantindo, por evidente, o contraditório e a ampla defesa aos licitantes.
No caso em tela, devem ser verificados outros elementos que legitimam concluir pela ocorrência de conluio entre as empresas. Deve ser avaliada qual é a participação do sócio (em comum) em cada uma das licitantes; se se trata de sócio gerente que detenha poderes decisórios.
A rigor, deve o Pregoeiro avaliar se a presença do sócio nas duas empresas é suscetível de frustrar a competitividade da licitação. Caso contrário, não havendo elementos outros que demonstram a ocorrência de fraude, não será dado ao pregoeiro inabilitar as licitantes.
Desse modo, a existência, por si só, de licitantes que possuam sócio em comum não dá azo à inabilitação. Como visto, para o Tribunal Contas União, essa ocorrência configura situação de risco, que implica para a Administração Pública atenção redobrada no procedimento, a fim de evitar ofensa à isonomia e à competitividade.
Dessa forma, com a atenção redobrada deve o Pregoeiro observar se há outros elementos que apontam para a existência de conluio entre as licitantes. Do contrário, em não havendo outros elementos, não será permitido a inabilitação das licitantes.
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