Utilizando-se da conceituação de autoria de JACQUES AZÉMA, “know-how” pode ser definido como “os conhecimentos concernentes à fabricação de produtos, a comercialização de produtos e serviços, bem como o financiamento das empresas, frutos da pesquisa ou da experiência, não protegidos por patentes, não imediatamente acessíveis ao público e transmissíveis por contrato.”[1]
Ressalte-seque, no Brasil, o termo “know-how” não é utilizado em textos legais, instruções normativas do Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI – ou entidades outras da administração pública brasileira. Costuma-se utilizar, em seu lugar e com o mesmo significado, termos variados.
Em virtude de sua natureza jurídica, o “know-how” não é um bem protegido por si só em nossa legislação[2]. A sua tutela decorre das normas de defesa à concorrência desleal, uma das facetas de proteção à propriedade intelectual.
A Convenção de Estocolmo, em 1967, ao constituir a Organização Mundial da Propriedade Intelectual– OMPI – como órgão autônomo dentro do sistema da Organização das Nações Unidas, elencou explicitamente os temas que constituem a “propriedade intelectual”:
“Artigo 2 – Para os fins da presente convenção, entende-se por:
(...)
VII – ‘propriedade intelectual’, os direitos relativos:
- às obras literárias, artísticas e científicas;
- às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão;
- às invenções em todos os domínios da atividade humana;
- às descobertas científicas;
- aos desenhos e modelos industriais;
- às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais;
- à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.
(...).”
Apesar de o Brasil ser um país periférico no cenário científico e tecnológico, a propriedade intelectual é alvo de proteção desde o Império. A Constituição vigente naquela época garantia aos inventores a propriedade de suas descobertas ou produções, e o Código Criminal do Império punia os atentados contra a propriedade literária. Na Constituição da República de 1891, foi assegurado um privilégio temporário aos inventores, a exclusividade da reprodução das obras literárias e artísticas e a propriedade das marcas de fábrica. As demais Constituições da República, como a de 1988, persistem em garantir os direitos à propriedade intelectual, sendo que, atualmente, leis ordinárias também a albergam, como a9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), 9.609/98 (Lei de Software) e 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais)[3].
A Lei 9.279, de 14 de março de 1996, protege os direitos relativos à propriedade industrial, “considerando o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”, mediante a (i) concessão de patentes de invenção e modelo de utilidade, (ii) concessão de registro de desenho industrial, (iii) concessão de registro de marca, (iv) repressão às falsas indicações geográficas e (v) à concorrência desleal.
Como já exposto, a tutela do “know-how”, no direito pátrio, é realizada através das normas que coíbem a concorrência desleal, destacadamente as contidas na Lei de Propriedade Industrial[4].
Costuma-se denominar concorrência desleal uma grande variedade de atos contrários às boas normas da concorrência comercial, praticados, geralmente, com o intuito de desviar, de modo direto ou indireto, em proveito do agente, a clientela de um ou mais concorrentes, e suscetíveis de lhes causar prejuízos. Deve-se observar que esses atos são igualmente condenáveis quando praticados pelo comerciante ou industrial para conservar e defender a sua clientela, em face de outros competidores que lha disputem por meios leais ou desleais[5].
A Lei de Propriedade Industrial, em seu art. 195, ao consagrar a repressão à concorrência desleal, considerando como crime a sua prática, tipifica algumas condutas, entre elas algumas relativas ao “know-how”:
“Art. 195 – Comete crime de concorrência desleal quem:
(...)
XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;
XII – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude;
(...)”
Dessa forma, observa-se claramente que a tutela aos direitos de “know-how” na legislação pátria se realiza através da repressão à concorrência desleal. Pode-se, até mesmo, alegar que a proteção ao “know-how” é efetivada de forma reflexa pela coibição à concorrência desleal.
A Lei de Propriedade Industrial, ao tipificar como crime de concorrência desleal atos referentes ao “know-how”, tem como escopo aumentar a segurança jurídica nas relações comerciais, empresariais, de prestação de serviços e similares, acarretando o fortalecimento deste princípio basilar do Estado de Direito.
[1]DOMINGUES, Douglas Gabriel. Know-How e Propriedade Industrial, 1ª Edição, Belém: Editora Universitária UFPA, 1997.
[2]A respeito da natureza jurídica do “know-how”, cite-se o Dr. João Marcos da Silveira: “Tanto na doutrina e na jurisprudência pátrias quanto no direito comparado, inúmeras teses foram desenvolvidas com vistas a definir a natureza jurídica do segredo de negócio, a principiar pelas que buscaram sua qualificação como um direito de personalidade. Essa tese se acha completamente superada, como salienta José Antonio Gómez Segade, porque a violação de segredo industrial não prejudica a personalidade do empresário, mas sim o que ele possui; segundo, porque o segredo industrial pode ser objeto de negócios jurídicos, ao passo que os direitos de personalidade, de caráter personalíssimos, são intransferíveis. Não sendo objeto de propriedade, oponível erga omnes,mas sim de uma exclusividade de fato, enquanto de conhecimento restrito, não se trata tampouco de um direito de propriedade industrial ou intelectual”. E conclui: “Mais especificamente, o segredo de negócio pode ser qualificado como um dos elementos do estabelecimento ou fundo de comércio objeto de uma exclusividade de fato enquanto preservado seu caráter sigiloso ou de conhecimento restrito”. (gn) SILVEIRA, João Marcos. A Proteção Jurídica dos Segredos Industriais e de Negócios. Revista da ABPI n.o. 53, São Paulo: ABPI, 2001.
[3] CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial- Vol. I. 2ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982.
[4] Cite-se a Professora ISABEL VAZ a respeito das variadas normas contidas na Lei de Propriedade Industrial e de suas peculiaridades: “As patentes e os registros procuram assegurar a exclusividade da exploração aos respectivos titulares, para que possam usufruir os direitos de natureza patrimonial decorrentes de suas criações ou invenções. Já a repressão é dirigida contra os atos de concorrência contrários aos usos honestos e legítimos em matéria industrial ou comercial. Além de procurar evitar prejuízos materiais aos titulares de direitos de propriedade industrial, destina-se a proteger o público, em geral, e os consumidores contra quaisquer contratações e demais atos que possam iludir sua boa-fé, induzindo-os em erro quanto às atividades, produtos ou serviços disponíveis no mercado”. (gr) VAZ, Isabel. Direito Econômico das Propriedades. 2ª Edição, Rio de Janeiro: Editora Forense, 1993.
[5] CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial – Vol. II. 2ª Edição, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1982.
Mestre em Direito Econômico pela Faculdade de Direito da UFMG. Ex-Subprocurador-Geral Federal Substituto. Ex-Chefe de Gabinete da Procuradoria-Geral Federal. Ex-Membro do Conselho Consultivo da Escola da AGU. Ex-Coordenador-Geral de Administração das Procuradorias da PFE/INSS. Ex-Chefe da Divisão de Planejamento e Gestão da Procuradoria-Geral Federal. Ex-Chefe do Serviço de Matéria Administrativa da Procuradoria-Regional do INSS da 1ª Região.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AGUIAR, Bernardo Augusto Teixeira de. Aspectos jurídicos do "know-how" no ordenamento pátrio Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 dez 2012, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33100/aspectos-juridicos-do-quot-know-how-quot-no-ordenamento-patrio. Acesso em: 22 nov 2024.
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