Como já citado anteriormente, muito se discute acerca da natureza jurídica do “know-how”, pois autores defendem que ele deve ser caracterizado como uma exclusividade de fato, que não se consubstancia em uma propriedade, por não ser oponível erga omnes. Entretanto, o importante é que o fato de mantê-lo oculto e ignorado por terceiros confere ao “know-how” a condição de segredo, concedendo-lhe os benefícios de ser desfrutado com exclusividade, além de caracterizá-lo como um ativo intangível de grande valor econômico e extremamente importante para a disputa de “marketshare” em todos os segmentos do mercado.
Os efeitos do monopólio do “know-how” são opostos aos que decorrem da concessão da patente. Com efeito, enquanto a patente é limitada quanto ao prazo, território, raio de ação e o número de pessoas às quais é feita a divulgação, é ilimitada em face do livre acesso aos documentos da patente, e sua vantagem é o direito de monopólio assegurado em lei contra aqueles que, propositada ou inadvertidamente, ultrapassam os limites do monopólio.
Por sua vez, o “know-how” é ilimitado no tempo, território e raio de ação. O raio de ação se reduz às pessoas que tenham uma relação de confidencialidade, ou confiança, com o possuidor do segredo. Ressalta-se que, em determinadas circunstâncias, os titulares do “know-how” se beneficiam de uma forma impossível de alcançar com o monopólio limitado de uma patente. Apenas para exemplificar, as fórmulas secretas da Coca-Cola até hoje não foram desvendadas e, trezentos anos após a morte de Stradivarius, seus segredos permanecem tão herméticos quanto antes.
Os benefícios que os seus detentores possuem fazem com que o “know-how” constitua um monopólio real e restrito às pessoas que o detêm, gozando de proteção legal contra aqueles que, por meios ilegítimos, venham a obtê-lo.
Diante dos novos princípios de política econômica, prescritos na Constituição de 1988, bem como em consonância com as normas contidas na Lei 8.884/94 (Lei da Concorrência), o monopólio estabelecido através da posse do “know-how” e as práticas de concorrência desleal podem ser lesivas à ordem econômica nacional, acarretando ilícitos concorrenciais em âmbito público.
A relação entre o direito da concorrência e o “know-how” está prevista no Acordo sobre aspectos de direitos de propriedade intelectual, relacionados ao comércio (Acordo TRIPS) da Organização Mundial do Comércio – OMC.
De fato, no Acordo TRIPS enuncia-se expressamente a função da política de concorrência para que os direitos de propriedade intelectual sejam utilizados para o crescimento econômico e a inovaçãotecnológica, conforme se percebe do seguinte dispositivo: “Nenhuma disposição do presente Acordo impedirá que os membros especifiquem em suas legislações condições ou práticas de licenciamento que possam, em determinados casos, constituir um abuso aos direitos de propriedade intelectual que tenha efeitos adversos sobre a concorrência no mercado relevante. Conforme estabelecido acima, um Membro pode adotar, de forma compatível com as outras disposições deste Acordo, medidas apropriadas para evitar ou controlar tais praticas, que podem incluir, por exemplo, condições de cessão exclusiva, condições que impeçam impugnações da validade e pacotes de licenças coercitivos, à luz das leis e regulamentos pertinentes desse Membro” (art. 40.2 do Acordo TRIPS).
Observa-se claramente que os Estados Membros da OMC e, por conseqüência, partes do Acordo TRIPS, podem combater e reprimir as práticas relacionadas com o “know-how” que sejam contrárias à concorrência.
A Carta Política de 1988, ao estipular os princípios gerais da atividade econômica, sempre tendo como paradigma obrigatório a efetivação de um Estado Democrático de Direito, prescreve que a ordem econômica funda-se na livre iniciativa, observando os princípios da livre concorrência e da defesa dos consumidores (art. 170), bem como determina a repressão ao abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros (art. 173, § 4o).
Em consonância com a Lei Maior, a Lei 8.884 estipula como infração da ordem econômica os atos que tenham como escopo (i) “limitar, falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência e a livre iniciativa”, (ii) “dominar mercado relevante de bens e serviços”, (iii) “aumentar arbitrariamente os lucros” e (iv) “exercer de forma abusiva posição dominante” (art. 20).
A posse do “know-how”, tendo em vista todos os seus benefícios, em especial o seu monopólio por tempo indeterminado, pode violar a ordem econômica, ao utilizá-lo para produzir os efeitos acima transcritos, conforme previstos na Constituição da República e na Lei da Concorrência.
Assim como a sua posse, as práticas de concorrência desleal que tenham o “know-how” como objeto, também podem ser contrárias à ordem econômica. A utilização ilegal do “know-how” de um determinado “player” por um outro tem a capacidade de produzir alguns dos efeitos previstos no artigo 20 da Lei 8.884, acabando por violar também os já referidos princípios constitucionais.
Nesse contexto, a defesa da concorrência de âmbito público em decorrência de práticas relacionadas com o “know-how” poderá ser analisada, tendo em vista a necessidade de adequação da utilização, legítima ou não, do “know-how” aos novos princípios econômicos do nosso país, objetivando sempre a melhora do bem-estar da população, com o intuito de diminuir as desigualdades e implementar de forma efetiva os direitos fundamentais.
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