INTRODUÇÃO
A criação de uma política nacional de proteção ao meio ambiente deu-se com a Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981. A partir da edição desse ato normativo, o Brasil experimentou um contínuo crescimento da preocupação com a preservação ambiental, ao ponto de o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado ser erigido, pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, à categoria de garantia constitucional. A Carta Magna qualifica o meio ambiente como um bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida da população.
Com o surgimento da referida Política Nacional do Meio Ambiente, houve uma integração das políticas públicas de meio ambiente desenvolvidas pelos entes federativos, sobretudo com a criação do Sistema Nacional do Meio Ambiente, um sistema administrativo de coordenação das medidas de preservação ambiental que é composto pelos órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como por fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental.
Além da criação desse sistema de integração, houve a instituição de determinados instrumentos a serem utilizados pelas três esferas da administração pública no desiderato de tutela do meio ambiente, dentre os quais figura o licenciamento ambiental. Ele consiste num procedimento administrativo por meio do qual é exercido um controle preventivo e um acompanhamento das atividades humanas que utilizam recursos naturais e/ou são potencial ou efetivamente causadoras de degradação ambiental.
Nesse sentido, o licenciamento ambiental se mostra, precipuamente, um eficiente mecanismo de tutela preventiva do meio ambiente, pois, embora as atividades econômicas em funcionamento também sofram um acompanhamento dos órgãos ambientais por meio dele, de uma maneira geral, ele é utilizado como uma forma de controle que precede a própria instalação ou funcionamento da atividade. Esse controle tem por finalidade geral a harmonização do desenvolvimento econômico-social com a preservação do equilíbrio ecológico e, como objetivos específicos, o aumento dos impactos ambientais positivos e a atenuação ou compensação dos impactos ambientais negativos.
Entretanto, embora desde 1981 o licenciamento ambiental seja, em todo território nacional, uma exigência inafastável para a instalação e o funcionamento de atividades utilizadoras de recursos ambientais e/ou potencial ou efetivamente causadoras de impactos ambientais, os operadores do Direito, de uma maneira geral, ainda têm demonstrado pouca familiaridade em relação ao instrumento, que, muitas vezes, é manejado com maior aptidão por profissionais de outras áreas do conhecimento, como arquitetos, biólogos, ecólogos, engenheiros e técnicos ambientais de uma forma geral.
Sendo assim, propomo-nos a traçar, a partir de uma análise da doutrina e da legislação pertinentes, os aspectos gerais do licenciamento ambiental, esse importante instrumento de preservação do meio ambiente. Durante o trabalho, serão abordados temas bastante controversos, como a natureza jurídica e as hipóteses de modificação e de retirada das licenças ambientais. A respeito deles, apontaremos as opiniões dos doutrinadores estudados, sem, no entanto, nos eximir de evidenciar os posicionamentos por nós adotados.
1 O LICENCIAMENTO AMBIENTAL ENQUANTO INSTRUMENTO DA POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – PNMA
Com a edição da lei 6.938/81, o Brasil passou a ter formalmente uma Política Nacional do Meio Ambiente, que, segundo Talden Farias, são “as diretrizes gerais estabelecidas por lei que têm o objetivo de harmonizar e de integrar as políticas públicas de meio ambiente dos entes federativos, tornando-as mais efetivas e eficazes”.[1]
Objetivando fornecer mecanismos para a concretização dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente, a referida lei, em seu artigo 9º, elencou uma série de instrumentos a serem utilizados pela Administração Pública ambiental nesse desiderato, dentre os quais figura o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, chamado de licenciamento ambiental.
O conceito legal de licenciamento ambiental é fornecido pelo art. 1º, inciso I, da Resolução 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA:
Procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daqueles que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas aplicáveis ao caso.
Trata-se, portanto, de um procedimento administrativo por meio do qual a Administração Pública, em seus âmbitos federal, estadual ou municipal, exerce um controle preventivo e um acompanhamento das atividades humanas utilizadores de recursos naturais ou capazes de causar impactos ambientais, servindo de instrumento à concretização dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente.
De acordo com a conceituação normativa, a primeira espécie de atividade sujeita a licenciamento ambiental é aquela utilizadora de recursos ambientais, nos quais, segundo o artigo 3º, inciso V, da Lei 6.938/81, se incluem “a atmosfera, as águas interiores, superfícies e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora”.
Em relação à segunda categoria presente no dispositivo normativo, qual seja, a dos empreendimentos considerados efetiva ou potencialmente causadores de degradação ambiental ou poluidores, ressalte-se que o artigo 3º, inciso II, da Lei 6.938/81 conceitua degradação ambiental como “a alteração adversa das características do meio ambiente” e o seu inciso III define poluição como:
A degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; afetem desfavoravelmente a biota; afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
O conceito normativo de poluição traz em si uma concepção bastante ampla de meio ambiente, pois leva em consideração não só os elementos naturais, mas, também, os econômicos, estéticos, sanitários e sociais. No entanto, ele mostra-se menos abrangente que a definição de degradação ambiental, pois faz referência a esta e, ao qualificá-la, restringe sua abrangência.
A despeito da previsão dessas duas categorias de atividades sujeitas a licenciamento, Talden Farias entende, com acerto, que “na prática, é quase impossível estabelecer uma distinção entre as atividades utilizadoras de recursos ambientais e as atividades capazes de causar degradação ambiental, já que somente por utilizar recursos ambientais a atividade já pode ser enquadrada como, pelo menos, potencialmente poluidora”.[2]
Tendo em vista a amplitude e a enorme carga de abstração das duas situações em que o licenciamento é exigido, demonstra-se impraticável a edição de uma norma que especifique os casos nos quais tal obrigatoriedade ocorrerá. Na tentativa de apontar uma lista com as situações para as quais é recomendado o licenciamento ambiental, o CONAMA editou o Anexo I da Resolução 237/97, que abrange quase todos os setores da atividade econômica, o que não poderia ser diferente, já que toda e qualquer atividade que repercuta potencial ou efetivamente no meio ambiente deve ser licenciada.
Quanto às pessoas sujeitas ao licenciamento, embora o retrocitado artigo 1º, inciso I, da Resolução 237/1997, refira-se a “estabelecimentos e atividades”, podem ser submetidas ao procedimento licenciatório, segundo o art. 3º da Lei 6.938/81, “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”.
O licenciamento constitui um importante instrumento de gestão do meio ambiente, pois, embora seja visto por alguns como um obstáculo ao desenvolvimento econômico, o controle que por meio dele é exercido sobre as atividades humanas que geram reflexos nas condições ambientais tem por escopo uma harmonização do desenvolvimento econômico-social com a preservação do equilíbrio ecológico, que, inclusive, é um direito constitucionalmente assegurado a todos (art. 225, CF).
Nesse sentido, o procedimento licenciatório reveste-se de extrema relevância, merecendo uma especial atenção do Estado, que tem o dever de, por um lado, estruturar os órgãos ambientais com agentes aptos a licenciar, em quantidade e qualidade adequadas; e, por sua vez, fornecer-lhes os meios materiais necessários ao desempenho do licenciamento ambiental.
Diante da importância do licenciamento ambiental como mecanismo de defesa do meio ambiente, Paulo Affonso Leme Machado demonstra a sua preocupação com a qualidade na sua realização, aduzindo que “se houver relaxamento da parte do Poder Público o licenciamento ambiental transforma-se numa impostura – de um lado, submete o empresário honesto a uma despesa inócua e, de outro lado, acarretaria injustificável prejuízo para um vasto número de pessoas, que é a população que paga tributos”.[3]
A inobservância do dever de licenciar pode ensejar a aplicação cumulativa de sanções administrativa, civil e criminal. A polícia administrativa tem à sua disposição, para fazer valer o cumprimento das prescrições da legislação ambiental, uma série de sanções administrativas, que vão desde a aplicação de multa até a interdição da atividade. Se, além da ausência de prévio licenciamento, a atividade tiver causado degradação ao meio ambiente, poderá ser civilmente responsabilizada a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, pela atividade causadora da degradação ambiental (art. 14, §1º c/c art. 3º, inciso IV, ambos da Lei 6.938/81). Ademais, independentemente da ocorrência de dano ambiental, pratica crime ambiental quem desempenha atividade sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, estando sujeito às penas de detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, e/ou multa, conforme tipifica o artigo 60 da Lei 9.605/98 (Lei de Crimes Ambientais).
Enquanto procedimento administrativo, o licenciamento ambiental é inaugurado com o pedido do particular que, pretendendo desempenhar uma atividade sujeita a licenciamento, requer a autorização do Poder Público para tal; e, caso sejam preenchidas as condições exigidas pela lei ou pelo órgão ambiental competente, termina com um ato administrativo que concede ao requerente o direito de exercer a atividade, que é chamado de licença ambiental.
A licença ambiental foi conceituada no art. 1º, inciso II, da Resolução 237/1997 do CONAMA:
Ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.
O licenciamento ambiental é um processo administrativo complexo, pois, embora constitua um único procedimento, ele não é composto de um único ato ou fase, mas de uma série de atos ou fases. Para cada uma dessas fases, em se constatando que a atividade sob análise está de acordo com os padrões de qualidade ambiental, é concedida uma licença ambiental correspondente. As fases do procedimento licenciatório e as suas respectivas licenças serão oportunamente analisadas neste trabalho.
2 NATUREZA JURÍDICA DA LICENÇA AMBIENTAL À LUZ DO DIREITO ADMINISTRATIVO
O licenciamento ambiental, enquanto atividade da administração pública que limita e disciplina o exercício de determinadas atividades econômicas, em razão do interesse público concernente a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, está intimamente relacionado ao exercício do Poder de Polícia estatal. Sendo assim, para que se fixe com precisão a natureza jurídica da licença ambiental, demonstra-se necessário lançar mão de alguns conceitos advindos do Direito Administrativo.
O Poder de Polícia, segundo Hely Lopes Meirelles, consiste na “faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”.[4] Dentre as formas de manifestação dessa polícia administrativa, adquirem relevância para o tema em questão a outorga de alvarás de licença ou autorização.
O alvará constitui “o instrumento da licença ou da autorização para a prática de ato, realização de atividade ou exercício de direito dependente de policiamento administrativo”.[5] As espécies de alvarás distinguem-se entre si pelo grau de discricionariedade conferido ao administrador no ato decisório de concessão ou não da autorização pretendida pelo particular.
Nesse sentido, a licença é um ato administrativo vinculado, pois, preenchidos os requisitos legais pertinentes, a administração pública tem o dever de concedê-la ao particular, não havendo espaço para discricionariedade ou apreciação subjetiva. Por sua vez, a autorização é um ato administrativo discricionário, pois não gera direito subjetivo ao particular, sendo concedida de acordo com a oportunidade e a conveniência da administração pública.
De acordo com Constituição Federal, o exercício de atividades econômicas no Brasil é livre e independe de prévia autorização do Estado, salvo se houver previsão legal nesse sentido (art. 170, §único, CF). Portanto, o regime de licenças e autorizações só pode ser adotado se for legalmente previsto e estiver baseado em um interesse público.
Em matéria ambiental, diante do dever de defesa e preservação do meio ambiente (art. 225, CF), foi conferido ao Poder Público, pela Lei 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, um mecanismo de intervenção preventiva nas atividades econômicas, cujo objetivo originário é a garantia à população de um meio ambiente ecologicamente equilibrado: o licenciamento ambiental.
A licença tradicional, conforme já foi dito, é dotada da característica de ato administrativo vinculado, pois não pode ser negada pela administração pública se o particular preencher todas as exigências legais pertinentes. No entanto, no tocante às licenças ambientais, há espaço para dúvidas, já que as normas ambientais são, por muitas vezes, muito genéricas, tornando praticamente impossível relacionar a concessão da licença à aferição do atendimento de condições legalmente previstas.
Diante disso, o vazio da norma legal é geralmente preenchido pela chamada discricionariedade técnica, ou seja, pelo exame técnico e imparcial, de competência da autoridade ambiental. Determinadas situações, no entanto, envolvem matérias cujos conceitos e critérios são tão subjetivos, que o recurso à discricionariedade técnica não é suficiente para preencher o sentido da norma. É o que ocorre, por exemplo, diante da análise se a atividade potencialmente agressiva ao bem-estar da população pode ou não ser licenciada (art. 3º inciso III, alínea “a”, Lei 6.938/81).
Nesse sentido, Édis Milaré pontifica que “decidir pesando impactos positivos e negativos, a distribuição de ônus e benefícios sociais, não é nem decisão vinculada nem discricionariedade técnica, mas decisão sobre a conveniência do projeto, o que afasta o ato administrativo originário do processo licenciatório do modelo tradicional da licença, aproximando-o da tipicidade da autorização”.[6]
Em virtude disto, Américo Luís Martins da Silva, sustenta que “a licença ambiental não se confunde com a licença administrativa ordinária ou licença tradicional”.[7] Para o autor, embora a licença ambiental não seja reduzida à natureza jurídica de mera autorização, ela não chega a ser uma licença propriamente dita, constituindo uma forma de manifestação do Poder de Polícia de categoria intermediária, realizada de forma complexa e sucessiva.
Paulo Affonso Leme Machado, por sua vez, rebaixa a licença ambiental à categoria de mera autorização, afirmando que “o conceito de ‘licença’, tal como o conhecemos no Direito Administrativo brasileiro, não está presente na expressão ‘licença ambiental’”.[8]
Defende o doutrinador que o termo “licença ambiental” é empregado sem rigor técnico, tratando-se, na verdade, de uma autorização, pois, se realmente estivesse inserida na categoria de licença, além de constituir ato administrativo vinculado, deveria ser marcada pela característica de definitividade, o que não ocorre, já que o nosso sistema prevê prazos de validade para cada tipo de licença e, mesmo durante esse prazo de validade, há a possibilidade de suspensão ou cancelamento, conforme será visto adiante.
De maneira diametralmente oposta, posiciona-se Édis Milaré. O autor parte da premissa de que a Constituição Federal assegura o direito à propriedade e à liberdade de desempenho de atividades econômicas, desde que atendidas as restrições legais, tais como a cumprimento da função social e a defesa ao meio ambiente; e, em virtude disso, propugna que, no sentido técnico-jurídico, a licença ambiental se trata efetivamente de uma licença, com a conseqüência de gerar direitos subjetivos ao seu titular em face da Administração Pública.
Seguindo uma linha mais moderna da doutrina administrativa[9], Milaré justifica a margem de discricionariedade que é conferida à autoridade ambiental afirmando que não há atos administrativos completamente vinculados ou discricionários, mas uma situação de preponderância, ou seja, a depender da maior ou menor liberdade deliberativa do agente público, irá prevalecer uma ou outra característica.
No caso da licença ambiental, embora haja uma inegável margem de discricionariedade da administração pública na análise das condições estabelecidas para a sua concessão, já que estas são dotadas de um alto grau de subjetivismo, deve-se enfatizar que a manifestação administrativa está subordinada ao reconhecimento formal de tais requisitos, ou seja, o deferimento ou não do pedido de licença deve estar fundamentado no preenchimento ou não das condições ambientais legalmente previstas para o exercício da atividade, e não em critérios de oportunidade e conveniência da administração.
E arremata afirmando que:
Não há falar, portanto, em equívoco do legislador na utilização do vocábulo ‘licença’, já que disse exatamente o que queria (lex tantum dixit quam voluit). O equívoco está em se pretender identificar na ‘licença ambiental’, regida pelos princípios informadores do Direito do Ambiente, os mesmos traços que caracterizam a ‘licença tradicional’, modelada segundo o cânon do Direito Administrativo, nem sempre compatíveis. O parentesco próximo não induz, portanto, considerá-las irmãs gêmeas.[10]
Ademais, no que tange ao fato de que a licença ambiental carece do atributo de definitividade, ressalte-se que, segundo a melhor doutrina, embora a definitividade seja, em regra, uma característica inerente às licenças em geral, ela não é essencial, pois até mesmo as chamadas licenças tradicionais podem ser sujeitas a um prazo de validade. A propósito, Odete Medauar pontifica que “a licença é marcada pela definitividade, embora possa estar sujeita a um prazo de validade e possa ser anulada por causa de ilegalidade superveniente”.[11]
Nesse sentido, embora a licença ambiental, de fato, esteja sujeita à revisão após o decurso do seu prazo de validade e, mesmo durante esse prazo, possa ser suspensa ou cancelada; ela goza do caráter de estabilidade, pois o administrador público não pode suspendê-la ou cancelá-la por mero arbítrio, devendo basear-se em questões de interesse público legalmente estipuladas.
Portanto, a despeito das posições em contrário, filiamo-nos à corrente doutrinária que reconhece à licença ambiental a natureza de “licença”, pois a concessão ou a denegação da licença é um ato vinculado aos requisitos legalmente estabelecidos, embora os mesmos sejam dotados de alto grau de abstração; e, uma vez concedida a licença, ela reveste-se de estabilidade, já que, embora tenha prazo de validade fixado por lei, só pode ser modificada, suspensa ou retirada nas hipóteses legalmente previstas.
3 COMPETÊNCIAS LEGISLATIVA E ADMINISTRATIVA EM MATÉRIA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL
São distribuídas aos entes federativos pela Constituição Federal duas espécies de competência: a competência legislativa, direcionada aos órgãos do Poder Legislativo, e a competência administrativa, cujos destinatários são as três esferas do Poder Executivo.
Em matéria ambiental, a competência legislativa, consistente na edição de normas relativas à proteção do meio ambiente e ao controle da poluição, o que inclui a regulamentação do licenciamento ambiental, foi atribuída concorrentemente à União, aos Estados e ao Distrito Federal (art. 24, inciso VI, CF).
O papel a ser desempenhado pelos entes federativos na competência concorrente é disciplinado pelos parágrafos do artigo 24 da Constituição Federal. Nesse diapasão, à legislação federal foi reservada a função de estabelecimento de normas gerais, cuja observância é obrigatória para os estados.
Não obstante isso, conforme bem assinalou Paulo Affonso Leme Machado[12], a norma federal, cuja abrangência deve limitar-se ao estabelecimento de normas gerais, não obsta o exercício da competência legislativa pelos Estados, já que a estes é reservada uma competência suplementar.
Nesse sentido, a norma federal, por ser genérica, não poderá tecer uma regulamentação pormenorizada do licenciamento ambiental, disciplinando, por exemplo, qual o funcionário ou o órgão encarregado de licenciar, mas, de outra banda, poderá estabelecer critérios mínimos a serem observados pelos demais entes na concessão da licença ambiental, como, por exemplo, a obrigação de dar publicidade ao pedido e à própria licença ambiental. A propósito, Paulo Affonso Leme Machado posiciona-se no sentido de que “os Estados poderão aumentar as modalidades de licenciamento, adicionar exigência para cada fase, não podendo, contudo, exigir menos”.[13]
Ademais, diante da ausência da referida lei federal sobre normas gerais, os demais entes poderão exercer plenamente a sua competência legislativa e, caso haja a superveniência da norma federal, ficará a suspensa a eficácia da lei estadual no que lhe for conflitante.
No que concerne à competência administrativa, os encargos de proteção ao meio ambiente e de combate à poluição em qualquer de suas formas, os quais envolvem a operacionalização do licenciamento ambiental, foi outorgado pela Constituição Federal a todos os entes da federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 23, inciso VI, CF).
Portanto, o licenciamento ambiental, enquanto instrumento de preservação ambiental e de combate à poluição, é passível de utilização por quaisquer entes federativos, que, dentro de sua circunscrição, estão habilitados a licenciar os empreendimentos potencialmente poluidores e detêm interesse em intervir nos licenciamentos ambientais das demais esferas federativas.
Em decorrência disso, chega-se à conclusão de que é legítimo e constitucional o múltiplo licenciamento, o que, aliás, expressa o entendimento de Paulo Affonso Leme Machado[14] e de Édis Milaré[15], e, inclusive, já foi decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DESASSOREAMENTO DO RIO ITAJAÍ-AÇU. LICENCIAMENTO. COMPETÊNCIA DO IBAMA. INTERESSE NACIONAL. Existem atividades e obras que terão importância ao mesmo tempo para a Nação e para os Estados e, nesse caso, pode até haver duplicidade de licenciamento.
(...) omissis
(STJ, REsp 588022/SC, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 17/02/2004, DJ 05/04/2004 p. 217).
No entanto, embora seja amissível pelo ordenamento jurídico ambiental a multiplicidade de licenciamentos, não se pode olvidar de reconhecer os malefícios que essa pluralidade de licenças pode acarretar aos empreendedores, não só pela morosidade que a superposição de licenciamentos pode acarretar, como, também, pelos altos custos deles decorrentes e pela eventual incompatibilidade entre as exigências de órgãos licenciadores distintos.
Como solução para o problema, Édis Milaré propugna que “a superação dessas dificuldades só será possível com a adoção de um licenciamento único, de caráter complexo, do qual participem, de forma integrada, os órgãos das diferentes esferas federativas interessadas”.[16]
Seguindo a idéia de Milaré, entendemos não ser razoável o estabelecimento de múltiplos licenciamentos, sendo mais prudente a elaboração de um sistema que, por um lado, fortaleça os mecanismos de articulação dos entes federativos, permitindo uma atuação conjunta dos governos federal, estaduais e municipais e, por sua vez, cunhe um procedimento licenciatório uno, caracterizado pela complementaridade de atribuições e pelo compartilhamento de responsabilidades. A participação de todos os entes federativos permitiria não só um controle mais eficaz, mas, também, uma melhor qualidade na prestação de serviços à coletividade.
Foi visando à integração dos entes federativos que a Lei 6.938/81 instituiu o Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, que é composto pelos órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como por fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental.
Segundo Sidney Guerra e Sérgio Guerra, o SISNAMA “é um conjunto articulado de órgãos, entidades, regras e práticas da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios, dos Municípios e de fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, sob a direção superior do CONAMA”.[17]
A competência licenciadora das entidades integrantes do SISNAMA foi disciplinada pela Resolução 237/97, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, que objetivou dirimir os conflitos de atribuições através do estabelecimento de um critério definidor da competência, dando organicidade e uniformidade ao sistema de licenciamento ambiental vigente no país.
Seguindo a mesma linha seguida pela Lei 6.938/81, depreende-se da referida Resolução que o critério por esta adotado para a identificação do órgão habilitado para o licenciamento foi o de alcance dos impactos ambientais, ou seja, deverá ser aferida a área de influência direta do impacto ambiental. Frise-se, segundo alerta Édis Milaré, que devem ser considerados “apenas os ‘impactos diretos’, pois os indiretos podem alcançar proporções inimagináveis, de moda a despertar o intere da própria aldeia global”.[18]
Por vezes, a Resolução 237/97 do CONAMA afasta-se desse critério, fixando, por exemplo, a competência licenciadora pelo critério da titularidade do bem em questão, mas, levando em consideração que tais critérios conflitam-se frontalmente com autonomia dos entes federativos, eles devem ser desconsiderados, pois desrespeitam a Constituição Federal. Dessa forma vem se posicionando a jurisprudência pátria (grifos nossos):
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. LIMINAR EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRA EM REGIME DE URGÊNCIA. LICENCIAMENTO AMBIENTAL. CONTRATAÇÃO COM DISPENSA DE LICITAÇÃO. A competência para licenciar projeto de obra ou atividade potencialmente danosa ao meio ambiente não se fixa pela titularidade dos bens nele contemplados, mas pelo alcance dos seus possíveis impactos ambientais. Ausência de prova da significância e abrangência, regional ou nacional, dos impactos decorrentes da obra impugnada ou que importe na descaracterização da situação de urgência invocada para dispensa de licitação. (TRF-5.ª Região, Agravo de Instrumento 35103, rel. Des. Federal Ridalvo Costa, j. 26.02.2003, DJ 16.04.2003, p. 383).
Nesse sentido, quando restar configurado um impacto de âmbito nacional - aquele que afeta diretamente todo o território nacional – ou regional – aquele que afeta, total ou parcialmente, o território de mais de um estado –, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – o IBAMA, o órgão ambiental federal, terá competência para licenciar.
Ressalte-se que, nesta hipótese, a competência do órgão da esfera federal da administração não afasta a dos órgãos ambientais dos estados e municípios em que se localizar a atividade ou empreendimento. Inclusive, os exames e pareceres técnicos procedidos por eles deverão ser considerados pelo IBAMA, e, embora não tenham caráter vinculativo, só podem ser total ou parcialmente desconsiderados por decisão devidamente motivada do órgão federal.
Paulo Affonso Leme Machado destaca, ainda, hipóteses em que o IBAMA licenciará em caráter supletivo, em relação ao órgão estadual ambiental, que são as seguintes: “se o órgão estadual ambiental for inepto ou se o órgão permanecer inerte ou omisso”.[19]
Por sua vez, aos órgãos ambientais estaduais e do Distrito Federal foi atribuída, como regra, a competência de licenciar os empreendimentos e atividades com impacto microrregional, assim entendido como aquele que, embora não transcenda as confrontações do estado ou do Distrito Federal, ultrapassa os limites territoriais de um ou mais municípios; bem como aqueles que lhes forem delegados pela União, por instrumento legal ou convênio.
Lembre-se, também aqui, que a competência do órgão ambiental estadual não obsta a dos órgãos municipais das localidades envolvidas, cujos exames e pareceres, embora não vinculem, devem ser considerados por aquele. Em caso de divergência, da mesma forma também não pode o órgão estadual se olvidar de justificar e fundamentar a sua decisão.
A competência licenciatória reservada aos órgãos ambientais municipais abrange as hipóteses em que houver empreendimentos ou atividades de impacto local, ou seja, aquele que se limita às confrontações de um único município; bem como àquelas que lhes forem delegados pelo estado, por instrumento legal ou convênio.
Em relação ao licenciamento por parte de órgãos ambientais estaduais e municipais, Édis Milaré adverte que eles “para cumprir tal desiderato, devem ter implementado o Conselho de meio Ambiente, com caráter deliberativo e participação social, e ainda, possuir em seus quadros ou à sua disposição profissionais legalmente habilitados”.[20]
Por derradeiro, frise-se que o licenciamento ambiental, seja na esfera federal, estadual ou municipal, deve considerar o exame técnico dos demais órgãos públicos, de qualquer esfera administrativa, envolvidos no procedimento, como, por exemplo, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN, quando se tratar de licenciamento ambiental de empreendimentos e atividades potencialmente causadores de impactos ao patrimônio arqueológico ou pré-histórico, cujo acautelamento é encargo daquele órgão.
4 FASES DO LICENCIAMENTO AMBIENTAL ORDINÁRIO E ESPÉCIES DE LICENÇA
O licenciamento ambiental, embora constitua um único procedimento administrativo, é, em regra, composto de uma seqüência de fases ou atos. Ao final de cada uma dessas fases, caso sejam preenchidos os requisitos estabelecidos pela lei, é concedida uma licença ambiental correspondente. As fases do procedimento licenciatório e as suas respectivas espécies de licenças serão doravante delineadas.
4.1 FASE PRELIMINAR
Nessa primeira fase, o particular manifesta a intenção de realizar uma atividade sujeita a licenciamento, procurando atestar a adequação ambiental de tal empreendimento. Ao final dela, restando comprovada a viabilidade ambiental do projeto, é concedida a chamada licença prévia, por meio da qual são estabelecidos os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases do licenciamento.
A Resolução 237/97 do CONAMA definiu a licença prévia, em seu artigo 8º, inciso I, como sendo aquela “concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento ou atividade aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação”.
Américo Luís Martins da Silva[21] aponta como requisitos para a concessão da licença prévia: a) a apresentação do requerimento; b) a cópia da publicação do pedido de licença prévia (art. 10, §1º, da Lei 6.938/81 c/c art. 17, §4º, do Decreto 99.274/90); c) realização de um Estudo de Impacto Ambiental – EIA, consubstanciado num Relatório de Impacto Ambiental – RIMA.
O EIA é uma modalidade de Avaliação de Impacto Ambiental – AIA, considerado um dos instrumentos mais efetivos de preservação do meio ambiente na Política Nacional do Meio Ambiente, já que é levado a efeito antes mesmo da instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação ao meio ambiente (art. 225, §1º, CF c/c art. 9º, inciso III, Lei 6.938/81).
Segundo Sidney Guerra e Sérgio Guerra, o EIA tem por conteúdo o “diagnóstico da situação ambiental presente, antes da implantação do projeto” e a “previsão dos eventuais impactos ao meio ambiente, diagnosticando os danos potenciais”.[22] A partir da confrontação de tais elementos, torna-se possível uma aferição das alterações ambientais que o projeto acarretará, caso seja aceito.
O Relatório de Impacto Ambiental, por sua vez, serve de instrumento de comunicação ao administrador e ao público do conteúdo do EIA, que é elaborado segundo critérios bastante técnicos. O RIMA tem um caráter eminentemente elucidativo, pois, afastando-se da tecnicidade do EIA, reflete as conclusões deste, ou seja, destina-se ao “esclarecimento das vantagens e conseqüências ambientais do empreendimento”. [23]
O doutrinador Paulo Affonso Leme Machado esclarece com bastante propriedade a diferenciação entre EIA e RIMA:
O Estudo de Impacto Ambiental (EPIA) e o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) apresentam algumas diferenças. O estudo é de maior abrangência que o relatório e o engloba em si mesmo. O EPIA compreende o levantamento da literatura científica e legal pertinente, trabalhos de campo, análises de laboratório e a própria redação do relatório. (...) O relatório transmite – por escrito – as atividades totais do EPIA (...) Dissociado do EPIA, o RIMA perde a validade.[24]
As avaliações de impacto ambiental exigíveis para cada caso são exigidas, elaboradas e aprovadas antes da concessão da licença prévia, pois se trata de um pré-requisito desta. Após a análise, a discussão e a aprovação desses estudos de viabilidade, o órgão administrativo licenciador concederá a licença prévia, que especificará as condições mínimas a serem atendidas durante as fases de instalação e funcionamento da atividade ou empreendimento potencialmente causador de degradação ambiental. Nesse sentido, a concessão da licença prévia implica no compromisso da entidade poluidora de manter o projeto final compatível com as condições estabelecidas no deferimento.
Ressaltando a importância dessa primeira espécie de licença, Talden Farias afirma que, “com base nesses estudos, o órgão da administração ambiental definirá as condições às quais a atividade deverá se adequar no intuito de cumprir as normas ambientais vigentes”. E conclui sustentando que “por ser a oportunidade para que sejam efetuadas as maiores mudanças estruturais no projeto da atividade a ser licenciada, a licença prévia pode ser considerada a mais importante de todas as licenças ambientais”.[25]
Ao término dessa fase preliminar, caso haja o deferimento da licença prévia, o procedimento licenciatório progride para a sua segunda fase, denominada de fase de instalação.
4.2 FASE DE INSTALAÇÃO
Obtida a licença prévia, o particular solicita a licença de instalação, o que dá início à segunda fase do procedimento licenciatório. Nessa fase de instalação, o requerente elabora um projeto executivo, que constitui um detalhamento do projeto preliminar no qual são apontadas as medidas técnicas capazes de compatibilizar a instalação do empreendimento com a proteção do meio ambiente. Uma vez aprovado esse projeto executivo, é expedida a licença de instalação.
A licença de instalação, segundo o artigo 8º, inciso II, da Resolução 237/97 do CONAMA, “autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos, programas e projetos aprovados, incluindo as medidas de controle ambiental e demais condicionantes, da qual constituem motivo determinante”.
A licença de instalação, conforme podemos depreender do dispositivo normativo supracitado, conterá as especificações de natureza legal e técnica que viabilizam a efetiva proteção do meio ambiente. Nesse sentido, a sua concessão implica no compromisso da entidade poluidora de manter o projeto final compatível com as condições estabelecidas no deferimento. A propósito, Talden Farias destaca que “qualquer alteração na planta ou nos sistemas instalados deve ser formalmente enviada ao órgão licenciador, para que ele possa expressar a sua concordância”.[26]
Como requisitos para a obtenção da licença de instalação, Américo Luís Martins da Silva[27] indica: a) a apresentação do requerimento; b) a cópia das publicações da concessão da licença prévia e do pedido de licença de instalação (art. 10, §1º, da Lei 6.938/81 c/c art. 17, §4º, do Decreto 99.274/90); c) a cópia de autorização de desmatamento expedida pelo IBAMA, quando couber; d) a licença da prefeitura municipal; e) o Plano de Controle Ambiental – PCA; f) o pagamento, por meio de Documento de Arrecadação de Receitas Federais – DARF, de taxa de análise de estudos ambientais e de taxa de emissão de licença.
Com o deferimento da licença de instalação, o particular fica autorizado a realizar as obras de implantação do empreendimento ou atividade, mas não a iniciar a fase produtiva, o que só acontece na última etapa do procedimento licenciatório: a fase de operação.
4.3 FASE DE OPERAÇÃO
Instalado o empreendimento ou atividade, parte-se para a última fase do procedimento licenciatório, na qual o particular insta o órgão ambiental competente a realizar uma vistoria nas instalações, com o fito de apurar se as condições ambientais estabelecidas nas fases anteriores foram atendidas. Em caso afirmativo, ser-lhe-á concedida a licença de operação, por meio da qual ele fica autorizado a desempenhar efetivamente a atividade.
Nesse sentido, segundo o artigo 8º, inciso III, da Resolução 237/97 do CONAMA, a licença de operação “autoriza a operação da atividade ou empreendimento, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação”.
A licença de operação é expedida com base em um meio técnico de verificação de adequação ambiental, ou seja, o órgão licenciador analisará as condições estabelecidas pelas licenças prévia e de instalação e, por meio de uma vistoria nas instalações e nos equipamentos de controle ambiental, irá aferir se elas foram efetivamente cumpridas. Segundo Talden Farias:
Trata-se de ato administrativo conclusivo pelo qual o órgão licenciador autoriza o início das atividades, depois da verificação da verificação do efetivo cumprimento do que consta nas licenças anteriormente concedidas, por meio da avaliação dos sistemas de controle e monitoramento ambiental propostos e considerando as disposições legais e regulamentares aplicáveis ao caso específico.[28]
De acordo com Américo Luis Martins da Silva[29], são requisitos para a obtenção da licença de operação: a) a apresentação do requerimento; b) a cópia das publicações da concessão da licença de instalação e do pedido da licença de operação (art. 10, §1º, da Lei 6.938/81 c/c art. 17, §4º, do Decreto 99.274/90).
Expedida a licença de operação, após a conclusão das devidas verificações, ficarão autorizados, de acordo com as condições estabelecidas nas licenças prévia e de instalação, o funcionamento dos equipamentos de controle de poluição e o início da atividade licenciada. Ademais, são apontadas as medidas de controle e padrões de qualidade ambiental limites para o funcionamento da atividade e as condições que devem ser cumpridas pelo particular no desempenho da atividade licenciada, sob pena de retirada da licença ambiental.
5 LICENCIAMENTO AMBIENTAL ESPECIAL, SIMPLIFICADO E CONJUNTO
Ao lado do procedimento licenciatório ordinário, existem os chamados licenciamentos ambientais especiais, criados para atender às especificidades de determinadas atividades, em razão, por exemplo, do porte, da natureza, da localização e da dinâmica de exploração. Nesse sentido, os artigos 9º e 12 da Resolução 237/97 do CONAMA prevêem, respectivamente, que:
O CONAMA definirá, quando necessário, licenças ambientais específicas, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento e, ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação.
O órgão ambiental competente definirá, se necessário, procedimentos específicos para as licenças ambientais, observadas a natureza, características e peculiaridades da atividade ou empreendimento e, ainda, a compatibilização do processo de licenciamento com as etapas de planejamento, implantação e operação.
O doutrinador Édis Milaré[30] nos aponta uma série de exemplos de atividades sujeitas a licenciamentos ambientais especiais, dentre os quais destacamos as atividades de exploração e lavra de jazidas de combustíveis líquidos e gás natural (Res. 023/1994, CONAMA), os projetos de assentamentos de reforma agrária (Res. 289/2001, CONAMA), os cemitérios (Res. 335/2003, CONAMA) e os sistemas de esgotamento sanitário (Res. 337/2006, CONAMA).
No que concerne às atividades potencial ou efetivamente poluidoras de menor porte ou de menor potencial ofensivo, a Resolução 237/97 do CONAMA previu, em seu artigo 12, §§ 1º e 2º, a possibilidade do estabelecimento, por parte do órgão ambiental competente, de um procedimento simplificado. A propósito, vejamos:
Art. 12 (...) omissis
§ 1º - Poderão ser estabelecidos procedimentos simplificados para as atividades e empreendimentos de pequeno potencial de impacto ambiental, que deverão ser aprovados pelos respectivos Conselhos de Meio Ambiente.
§ 2º - Poderá ser admitido um único processo de licenciamento ambiental para pequenos empreendimentos e atividades similares e vizinhos ou para aqueles integrantes de planos de desenvolvimento aprovados, previamente, pelo órgão governamental competente, desde que definida a responsabilidade legal pelo conjunto de empreendimentos ou atividades.
A iniciativa de estabelecer procedimentos licenciatórios simplificados pode partir tanto dos órgãos federais, estaduais e municipais integrantes do SISNAMA, responsáveis pela realização do licenciamento em suas respectivas circunscrições; quanto do próprio CONAMA, que simplificou, por exemplo, os licenciamentos dos empreendimentos de fornecimento de energia elétrica (Res. 279/2001), dos empreendimentos ferroviários (Res. 349/2004) e das agroindústrias (Res. 385/2006), quando eles forem dotados de pequeno potencial de impacto ambiental.
Ademais, há situações outras em que determinada atividade, considerada isoladamente, não necessita de licenciamento ambiental, mas, por estar situada numa localidade onde existem diversos outros empreendimentos, ou por se localizar em uma área especialmente considerada no plano diretor, no plano de gerenciamento costeiro ou em qualquer outro plano ou projeto governamental; passa a ter de se submeter ao procedimento licenciatório.
Em tais casos, recomenda-se que se faça um licenciamento ambiental conjunto entre todos esses empreendimentos, por ser uma solução menos custosa e menos burocrática. A propósito, Talden Farias pontifica que:
Esse procedimento é mais eficaz e objetivo, pois, se os empreendimentos somente são considerados como potencialmente poluidores na medida em que são observados como conjunto e não individualmente, é evidente que eles devem. Isso significa que eles devem ser analisados em conjunto, já que o licenciamento ambiental nada mais é do que a análise da viabilidade ambiental de um projeto.[31]
De fato, enquanto instrumento de gestão do meio ambiente que tem por objetivo final a preservação do equilíbrio ecológico, o procedimento licenciatório deve sempre adotar como parâmetro o impacto ambiental global que está sendo produzido na localidade, pois, caso sejam considerados apenas os impactos individuais gerados por cada empreendimento, o licenciamento tornar-se-á num mecanismo inócuo, já que o conjunto das atividades desempenhadas no local poderá estar ultrapassando os limites de degradação ambiental admissíveis.
Portanto, seguindo o posicionamento adotado por Talden Farias, entendemos que o licenciamento ambiental conjunto se mostra a forma mais eficaz de se garantir à população o direito constitucionalmente garantido de um meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF).
6 PRAZOS DE ANÁLISE E DE VALIDADE DAS LICENÇAS AMBIENTAIS
A lei 6.938/81 silenciou em relação ao estabelecimento de prazos para a análise dos requerimentos de concessão das licenças ambientais. No entanto, essa omissão foi suprida pela Resolução 237/97 do CONAMA, que estipulou, em seu artigo 14, um prazo máximo de 6 (seis) meses, a contar do protocolamento do requerimento, para o deferimento ou o indeferimento de cada modalidade de licença ou para a formulação de exigências complementares. Caso haja EIA/RIMA e/ou a realização de audiência pública, esse prazo limite aumenta para 12 (doze) meses.
Haverá a suspensão da contagem desses prazos caso sejam solicitados ao particular, por parte do órgão ambiental, esclarecimentos ou estudos ambientais complementares (art. 14, §1º, Res. 237/97, CONAMA). Nessas hipóteses, a prazo fica paralisado até a superação do incidente procedimental, o que deverá acontecer dentro de, no máximo, 4 (quatro) meses, a contar da notificação do particular (art. 15, Res. 237/97, CONAMA). Existe, ainda, a possibilidade de alteração justificada dos prazos, mediante a conjugação das vontades do particular e do órgão ambiental (art. 14, §2º c/c art. 15, §único, ambos da Res. 237/97, CONAMA).
Segundo Édis Milaré, diante dessas regras, “o procedimento licenciatório (...) não fica mais à mercê dos humores da burocracia, mas sujeito a prazos legais ou decorrentes de negociação entre as partes, os quais, descumpridos, abrem ensejo à interferência do órgão que detenha competência para atuar supletivamente”,[32] a exemplo do IBAMA em relação aos órgãos ambientais estaduais. De outra banda, se o descumprimento se der por parte do particular, o seu pedido será arquivado (art. 16, Res. 237/97, CONAMA). Caso haja a renovação do pedido, o licenciamento retornará à fase preliminar e o particular terá, inclusive, que repetir o pagamento do custo de análise, caso eventualmente tenha chegado a pagá-lo no procedimento licenciatório arquivado (art. 17, Res. 237/97, CONAMA).
Frise-se, por derradeiro, que todas essas regras se referem ao licenciamento ordinário federal, de forma que não há a necessária correspondência delas com as normas estabelecidas para os procedimentos licenciatórios especiais e para os licenciamentos ambientais realizados pelos estados e municípios, os quais, diante da autonomia que lhes foi conferida pela Constituição Federal, podem estabelecer regras próprias, desde que mais restritivas.
A Lei 6.938/81 menciona a renovação periódica da licença (art. 10, §1º) e prevê possibilidade de revisão do licenciamento (art. 9º, inciso IV), indicando que a autorização para o desempenho de atividades potencial ou efetivamente poluidoras não é perpétua, ou seja, tem uma validade temporal.
Segundo Paulo de Bessa Antunes, com isso, o legislador procurou “impedir a perenização de padrões que, sempre, são ultrapassados tecnologicamente”.[33] E, de fato, o engessamento dos padrões que, há época da concessão da licença, eram adequados não se coaduna com o objetivo de combate à degradação ambiental, pois as constantes inovações tecnológicas introduzem no mercado equipamentos cada vez mais eficientes no controle da emissão de poluentes, e a utilização daqueles nunca poderia ser exigida dos empreendimentos licenciados se as suas licenças fossem perpétuas.
De acordo com Paulo Affonso Leme Machado[34], a despeito do que possa aparentar, a existência de um prazo de validade para a autorização é vantajosa tanto para a Administração Pública quanto para o particular, pois, enquanto este fica assegurado de que as condições de funcionamento não poderão ser mudadas – a não ser por grave motivo – no espaço temporal estabelecido; aquela não fica eternamente presa às regras de funcionamento de uma atividade que se tenham demonstrado ineficientes na preservação do meio ambiente, podendo corrigi-las no momento da renovação da licença. Nesse diapasão, Paulo de Bessa Antunes pontifica que “enquanto uma licença for vigente, a eventual modificação de padrões ambientais não pode ser obrigatória”; e, “uma vez encerrado o prazo de validade da licença ambiental, os novos padrões são imediatamente exigíveis”.[35]
O CONAMA regulamentou a matéria, no âmbito de sua competência, por meio do artigo 18 e seus parágrafos, da Resolução 237/97, fixando para as licenças prévia, de instalação e de operação, os prazos máximos de 5 (cinco), 6 (seis) e 10 (dez) anos, respectivamente. Dentro desses limites, os demais entes federativos poderão, de acordo com as peculiaridades locais, estabelecer os prazos de vigência para as licenças concedidas pelos seus órgãos de licenciamento ambiental.
Segundo o art. 18, §4º, da Resolução 237/97, do CONAMA, “a renovação da Licença de Operação de uma atividade ou empreendimento deverá ser requerida com antecedência mínima de 120 (cento e vinte) dias da expiração de seu prazo de validade, fixado na respectiva licença, ficando este automaticamente prorrogado até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente”.
A respeito da ausência de estabelecimento de um limite temporal a essa prorrogação automática, Édis Milaré afirma que o legislador reconhece “não ser justo que o empreendedor diligente, que cumpre com suas obrigações e atua em conformidade com a legislação ambiental, seja penalizado com a morosidade da Administração Pública”.
Nessa hipótese, o particular poderá continuar desempenhando sua atividade normalmente, pois a licença de operação é considerada plenamente válida até a manifestação definitiva do órgão ambiental competente, só podendo ser modificada ou retirada nas hipóteses legalmente previstas.
7 HIPÓTESES DE MODIFICAÇÃO E DE RETIRADA DAS LICENÇAS AMBIENTAIS
Conforme foi dito anteriormente, a licença ambiental tem natureza jurídica de licença, pois, embora esteja sujeita à revisão após o decurso do seu prazo de validade e, mesmo durante esse prazo, possa, excepcionalmente, ser modificada, suspensa ou cancelada; ela goza do caráter de estabilidade, pois o órgão ambiental licenciador só poderá modificar suas condições ou retirá-la nas hipóteses legalmente previstas.
Nesse sentido, se, por um lado, a concessão da licença ambiental implica no compromisso da entidade licenciada de obedecer às condições ambientais de funcionamento estabelecidas; por outro lado, garante-lhe que, durante o prazo de vigência da licença, não poderão ser exigidas, em circunstâncias normais, novas condições.
No entanto, caso as condições ambientais estabelecidas para o funcionamento da atividade deixem de atender à finalidade de preservação do meio ambiente, o órgão ambiental poderá, na sua missão de tutela do meio ambiente, revisão ou retirar a licença ambiental por ele concedida. As hipóteses autorizadoras da modificação, suspensão e cancelamento encontram-se previstas no artigo 19, incisos I a III, da Resolução 237/97 do CONAMA, que dispõe o seguinte:
Art. 19 – O órgão ambiental competente, mediante decisão motivada, poderá modificar os condicionantes e as medidas de controle e adequação, suspender ou cancelar uma licença expedida quando ocorrer:
I – Violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais;
II – Omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença;
III – Superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.
O termo modificação traz em si a idéia de atribuição de nova configuração a algo que já existente.[36] Nesse sentido, a modificação dos condicionantes e das medidas de controle e adequação implica numa substituição dos instrumentos de minimização da produção de impactos ambientais, que se mostrou recomendável em virtude da superveniência de uma situação que desequilibrou a harmonia entre o desenvolvimento socioeconômico e a preservação do meio ambiente.
Édis Milaré[37] defende, em relação a essa possibilidade de modificação dos padrões ambientais, a aplicação analógica da teoria da imprevisão[38] e da cláusula rebus sic stantibus[39], que, segundo ele, é implícita em todas as licenças ambientais. Segundo o autor, diante da ocorrência de situações que, no momento da emissão da licença, eram imprevisíveis, abre-se a excepcional possibilidade de se modificar o ato autorizador, a fim de harmonizar o funcionamento da atividade econômica licenciada com a preservação do equilíbrio ecológico.
Tais modificações são, na maioria das vezes, restritivas, pois acontecem diante da superveniência de situações que se mostram gravosas ao meio ambiente. No entanto, em algumas raras situações, as alterações também podem ser liberalizantes. É o que acontece, por exemplo, quando um conglomerado industrial se desloca para outra localidade, abrandando o impacto ambiental gerado no seu antigo endereço, situação esta que pode ensejar a atenuação das exigências ambientais que recaem sobre os empreendimentos remanescentes.
Ademais, levando em consideração os princípios constitucionais da função socioambiental da propriedade (art. 170, inciso III, CF) e do meio ambiente ecologicamente equilibrado (art. 225, CF), Édis Milaré[40] propugna a idéia de que as adaptações necessárias devem ser custeadas pelo próprio empreendedor.
A expressão suspensão, por sua vez, é juridicamente empregada no sentido de sobrestamento temporário.[41] Assim, a suspensão da licença ambiental é a sua sustação, diante das hipóteses legalmente previstas, até que a obra ou atividade se adéqüe às exigências ambientais. De acordo com o posicionamento já esboçado, na hipótese de suspensão da licença, os custos das medidas recomendadas pelo órgão ambiental também deverão ser suportados pelo particular.
Por fim, o cancelamento indica a desfazimento, a anulação ou a retirada da eficácia de determinado ato.[42] Como as hipóteses legais de modificação, de suspensão e de cancelamento de uma licença ambiental são compartilhadas entre essas três modalidades, a escolha da espécie a ser aplicada ao caso concreto dependerá de certos critérios, tais como a possibilidade de saneamento do problema, a gravidade do dano ambiental e a reincidência. O cancelamento da licença, por óbvio, é a medida mais drástica, só devendo ser adotada em hipóteses extremas.
O cancelamento ou retirada da licença ambiental pode ocorrer por meio de cassação, revogação ou anulação. Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a cassação consiste na retirada de um ato administrativo "porque o destinatário descumpriu condições que deveriam permanecer atendidas a fim de poder continuar desfrutando da situação jurídica",[43] citando como exemplo a cassação de licença para funcionamento de hotel por haver se convertido em casa de tolerância.
Portanto, diante da reiterada violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais, bem como da relutante omissão ou falsa descrição, por parte do empreendedor, de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença (art. 19, incisos I e II, Res. 237/97, CONAMA), o órgão ambiental poderá e deverá cassar a sua licença ambiental, em virtude do descumprimento das condições necessárias à manutenção desse ato.
No que concerne à retirada da licença ambiental em virtude da superveniência de graves riscos ambientais e de saúde, é preciso ter muito cuidado, pois a todos é constitucionalmente assegurado, obedecidas as limitações legais, o direito de exercer qualquer atividade econômica (art. 170, §único, CF). Nesse sentido, sempre que possível, é recomendável, como medida preliminar, a tentativa de sanear o problema mediante a modificação dos condicionantes e das medidas de controle e adequação, evitando, assim, a interrupção da atividade.
Entretanto, há hipóteses em que a mera modificação das prescrições ambientais de funcionamento não é capaz de solucionar o problema, não restando à administração pública outra alternativa a não ser operar a retirada da licença ambiental, mediante revogação. Frise-se, porém, que essa revogação é sui generis, pois, ao contrário do que ocorre na revogação tradicional[44], a retirada do ato não se dá por razões de oportunidade e conveniência do administrador, e, sim, única e exclusivamente em virtude da caracterização de uma situação excepcionalíssima de grave risco ambiental e/ou de saúde.
Em sendo a licença uma modalidade de ato administrativo vinculado, a doutrina administrativista reconhece, quase que de forma unânime, a pertinência do pleito indenizatório em favor do titular inocente e de boa-fé, em caso de retirada do ato. A esse posicionamento, perfilham-se, por exemplo, Hely Lopes Meirelles[45], Odete Medauar[46] e Celso Antônio Bandeira de Mello[47].
Na seara ambiental, porém, dissentem os doutrinadores. Porém, a despeito das posições em contrário, filiamo-nos a corrente doutrinária que acolhe o cabimento do pleito indenizatório diante da revogação da licença ambiental, pois, nos dizeres de Édis Milaré, “remanesce o direito do administrado de algum modo vinculado ao empreendimento: se não sob forma de atividade efetiva, ao menos sob a forma de ressarcimento dos danos (materiais e morais) que vier a sofrer por perda dos investimentos que foram legítima e legalmente autorizados”.[48]
Inclusive, partindo da premissa de que o princípio da solidariedade norteia a responsabilidade ambiental (art. 225, in fine, CF), o doutrinador defende que, se, em caso de dano ambiental, o administrado responde objetivamente, mesmo estando lícita e adequada a sua atividade; esse mesmo ônus deve ser imposto ao Estado, sobretudo diante do comando constitucional que prevê a responsabilidade objetiva das pessoas jurídicas de direito público (art. 37, §6º, CF). E conclui, afirmando que se “assim não fosse, o peso da defesa e da proteção ambiental recairia exclusivamente sobre os ombros do administrado, em dissonância com o art. 225 da Lei Maior, por força do qual o ‘Poder Público’ e a ‘coletividade’ devem compartilhar solidariamente o ônus da responsabilidade ambiental”.[49]
Existe, ainda, a possibilidade de retirada da licença ambiental mediante a sua anulação. Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, a “anulação, que alguns preferem chamar de invalidação, é o desfazimento do ato administrativo por razões de ilegalidade”.[50] O controle de validade das licenças ambientais cabe tanto à administração pública quanto ao Poder Judiciário, de forma que a licença eivada de nulidade pode e deve ser anulada, administrativa ou judicialmente.
Segundo Édis Milaré[51], tanto os vícios formais, relacionados ao conteúdo mínimo exigido pela regulamentação legal, como os substanciais, concernentes à suficiência e adequação das avaliações realizadas, estão sujeitos ao controle judicial de validade. Como exemplo licença viciada, o doutrinador indica a decorrente de licenciamento de usina termonuclear instruído com Estado de Impacto Ambiental excessivamente vago no apontamento dos impactos da atividade, e que supervalorize as medidas antipoluidoras indicadas.
CONCLUSÃO
À luz do exposto, pode-se inferir que o licenciamento ambiental é um procedimento administrativo por meio do qual a Administração Pública, em seus âmbitos federal, estadual ou municipal, exerce um controle preventivo e um acompanhamento das atividades humanas que utilizam recursos naturais e/ou são potencial ou efetivamente causadoras de degradação ambiental, servindo de instrumento à concretização dos objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente.
Por constituir um processo administrativo complexo, ele é composto de uma seqüência de fases, ao término das quais, em se concluindo que a atividade sob análise está de acordo com os padrões de qualidade ambiental, é concedida uma licença ambiental correspondente. Em relação à natureza jurídica de tais licenças ambientais, ficou constatado que se tratam efetivamente de licenças, pois, além de serem atos administrativos vinculados aos requisitos legalmente estabelecidos, são dotadas de estabilidade, na medida em que, dentro dos seus prazos de validade, só podem ser modificadas ou retiradas nas hipóteses legalmente previstas.
Quanto às etapas do procedimento licenciatório ordinário, foram delineadas a fase preliminar, na qual são estabelecidos os requisitos básicos e condicionantes das fases seguintes; a fase de instalação, em que é detalhado o projeto preliminar e são apontadas as medidas técnicas capazes de compatibilizar a instalação do empreendimento com a proteção do meio ambiente; e a fase de operação, que consiste na realização de uma vistoria, por parte do órgão ambiental, nas instalações do empreendimento, com o fito de apurar se as condições ambientais estabelecidas nas fases anteriores foram atendidas.
Ao lado do procedimento licenciatório ordinário, apontou-se a existência de procedimentos ambientais especiais, criados para atender às especificidades de determinadas atividades. Dentre eles, assume relevo o procedimento licenciatório simplificado, aplicável às atividades potencial ou efetivamente poluidoras de menor porte ou de menor potencial ofensivo. Ademais, foi sugerida a realização de procedimentos licenciatórios conjuntos, nos quais os empreendimentos de uma determinada localidade são submetidas ao procedimento licenciatório de forma conjunta, o que se mostra uma alternativa mais eficiente e, por outro lado, menos custosa e menos burocrática.
Observou-se, também, que o procedimento licenciatório está sujeito a prazos legais ou decorrentes de negociação entre as partes e que as licenças ambientais não são dotadas de validade perpétua, sujeitando-se a prazos de validade. A existência desses prazos de validade é vantajosa tanto para o particular quanto para a Administração Pública, pois, se, de um lado, as condições de funcionamento, em regra, não poderão ser mudadas no espaço temporal estabelecido, por sua vez, não haverá o engessamento dos padrões ambientais que, constantemente, são ultrapassados tecnologicamente.
Por fim, verificou-se que, a despeito da estabilidade de que são dotadas as licenças ambientais, o órgão ambiental poderá, na sua missão de tutela do meio ambiente, revisá-las, suspendê-las ou, até mesmo, cancelá-las, caso reste configurada uma das hipóteses legais, quais sejam, a violação ou inadequação de quaisquer condicionantes ou normas legais; a omissão ou falsa descrição de informações relevantes que subsidiaram a expedição da licença; ou a superveniência de graves riscos ambientais e de saúde.
De todo o exposto, ressalte-se que, diante da importância do licenciamento ambiental como mecanismo de defesa do meio ambiente, esse instrumento da Política Nacional do Meio Ambiente merece uma especial atenção dos operadores do Direito e, sobretudo, do Estado, pois, no seu objetivo de harmonização do desenvolvimento econômico-social com a preservação do meio ambiente, ele exerce um importante papel na concretização do direto constitucionalmente tutelado de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
REFERÊNCIAS
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SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.
[1] FARIAS, Talden. Introdução ao Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2009, p. 108.
[2] FARIAS, Talden. Ibidem, p. 122.
[3] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 276.
[4] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 34. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 133.
[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Ibidem, p. 141.
[6] MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 408.
[7] SILVA, Américo Luís Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais: volume 1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 615.
[8] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ibidem, p. 274.
[9] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 10. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 109.
[10] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 410.
[11] MEDAUAR, Odete. Ibidem, p. 398/399.
[12] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ibidem, p. 278.
[13] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ibidem, p. 283.
[14] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ibidem, p. 277.
[15] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 412.
[16] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 414.
[17] GUERRA, Sidney; GUERRA, Sérgio. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 2005, p. 104-105.
[18] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 415.
[19] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ibidem, p. 277.
[20] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 418.
[21] SILVA, Américo Luís Martins da. Ibidem, p. 625-632.
[22] GUERRA, Sidney; GUERRA, Sérgio. Ibidem, p. 105.
[23] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 363.
[24] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ibidem, p. 228-229.
[25] FARIAS, Talden. Ibidem, p. 116-117.
[26] FARIAS, Talden. Ibidem, p. 117.
[27] SILVA, Américo Luís Martins da. Ibidem, p. 634.
[28] FARIAS, Talden. Ibidem, p. 118.
[29] SILVA, Américo Luís Martins da. Ibidem, p. 635-636.
[30] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 434-435.
[31] FARIAS, Talden. Ibidem, p. 120.
[32] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 419.
[33] ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 9. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006, p.131.
[34] MACHADO, Paulo Affonso Leme. Ibidem, p. 280-281.
[35] ANTUNES, Paulo de Bessa. Ibidem, p. 89.
[36] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 15. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 536.
[37] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 423.
[38] Aplica-se diante de “acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, que causa um desequilíbrio muito grande, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 233).
[39] “Cláusula que é considerada implícita em todos os contratos de prestações sucessivas, significando que a convenção não permanece em vigor se as coisas não permanecerem (rebus sic stantibus) como eram no momento da celebração” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ibidem, p. 234).
[40] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 423.
[41] SILVA, De Plácido e. Ibidem, p. 788.
[42] SILVA, De Plácido e. Ibidem, p. 144.
[43] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Elementos de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1992, p. 151.
[44] “Revogação é o ato administrativo discricionário pelo qual a Administração extingue um ato válido, por razões de oportunidade e conveniência” (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ibidem, p. 205).
[45] MEIRELLES, Hely Lopes. Ibidem, p. 205.
[46] MEDAUAR, Odete. Ibidem, p. 160.
[47] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 437-438.
[48] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 426.
[49] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 427.
[50] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Ibidem, p. 194.
[51] MILARÉ, Edis. Ibidem, p. 432.
Formado em Direito pela Universidade Federal da Paraíba, foi contemplado com a abreviação da duração do curso de graduação, por ter sido considerado aluno com extraordinário aproveitamento nos estudos (artigo 47, § 2º, da Lei 9.394/96), e com o título de "Láurea Acadêmica Destaque da Graduação", em reconhecimento ao seu excelente desempenho acadêmico (Coeficiente de Rendimento Escolar: 9,43). Especialista em Prática Judicante pela Universidade Estadual da Paraíba, em convênio com o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba - Escola Superior da Magistratura "Desembargador Almir Carneiro da Fonseca". Foi Assistente Jurídico, cargo privativo de bacharel em direito do quadro de pessoal do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, junto ao Gabinete da Exma. Desa. Maria de Fátima Moraes Bezerra Cavalcanti, no período de 18/06/2010 a 20/01/2011. É, desde 02/02/2011, Assessor da Segunda Câmara Especializada Cível do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Luiz Gonzaga Pereira de Melo. Aspectos Gerais do Licenciamento Ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jan 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33632/aspectos-gerais-do-licenciamento-ambiental. Acesso em: 22 nov 2024.
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