1. INTRODUÇÃO.
O presente trabalho tem por escopo analisar a sujeição das Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista exploradoras de atividade econômica à exigência de licitação, considerando que as mesmas atuam em regime de livre concorrência. Para tanto, partir-se-á de uma análise doutrinária e jurisprudencial acerca do tema e da sua repercussão no cenário brasileiro atual.
2. A EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO DAS EMPRESAS PÚBLICAS E SOCIEDADES DE ECONOMIA MISTA EXPLORADORAS DE ATIVIDADE ECONÔMICA.
As Empresas Públicas e Sociedades de Economia Mista são espécies do gênero empresas estatais e representam mecanismos de intervenção direta do Estado no domínio econômico, nos casos em que se verificam imperativos de segurança nacional ou relevante interesse coletivo, nos termos do que dispõe o art. 173 da CF/88.
É possível que essas empresas sejam prestadoras de serviço público, caso em que passam a ser denominadas empresas estatais anômalas, devendo se submeter à Lei 8666/93, em cumprimento ao art. 37, XXI, da CF/88. Exemplo disso é a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos que, em regime de privilégio, desenvolve com exclusividade o serviço postal e, para tanto, se submete ao regime de licitação previsto na Lei 8666/93, conforme entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal.
Por outro lado, quando as empresas estatais são exploradoras de atividade econômica, devem observar o comando constitucional previsto no art. 173, parágrafo 1º, III, da CF/88, segundo o qual a lei que definir o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e das suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços disporá sobre licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública.
Nesse contexto, considerando que as empresas públicas e sociedades de economia mista exploradoras de atividade econômica se submetem a regime de livre concorrência, ser-lhes-ia prejudicial a submissão integral ao regime jurídico previsto pela Lei 8666/93, tendo em vista que as empresas concorrentes não têm que se sujeitar a regras de licitação, quebrando a isonomia que deve reger a concorrência na iniciativa privada. Isso não implica dizer, porém, que essas empresas estariam afastadas da exigência de licitação, mas apenas que fariam jus a um regime simplificado. Não obstante, Maria Sylvia, oportunamente, ressalta que “enquanto não for estabelecido o estatuto jurídico previsto no art. 173, §1º, continuam a aplicar-se as normas da Lei 8666/93, já que o dispositivo constitucional não é autoaplicável.”
Sob essa ótica, Fernanda Marinela entende que
em razão da ausência desse estatuto, o entendimento que prevalece é o de que essas empresas devem obedecer o art. 37, XXI, da CF, que não distingue o dever de licitar se a empresa é exploradora de atividade econômica ou exploradora de serviço público, devendo seguir a norma geral (Lei 8666/93).
Em sentido um pouco diverso, José dos Santos Carvalho Filho propõe uma conciliação entre o art. 37, XXI, e o art. 1º, parágrafo único, da Lei 8666/93, com o art. 173, § 1º, CF. Para o referido autor, haveria impossibilidade jurídica de exigência de licitação para o desenvolvimento da atividade-fim das empresas estatais, porquanto as mesmas estariam atuando na iniciativa privada, sendo apenas exigido na contratação de atividade-meio. Nesse sentido, ele defende que
referidos entes, embora integrantes da Administração Indireta, desempenham operações peculiares, de nítido caráter econômico, que estão vinculadas aos próprios objetivos da entidade; são atividades-fim dessas pessoas. Nesse caso, é forçoso reconhecer a inaplicabilidade do Estatuto por absoluta impossibilidade jurídica. (...) Para as atividades-meio, contudo, deverá incidir normalmente a Lei nº 8.666/93.
De igual forma, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União (TCU) e do Supremo Tribunal Federal (STF) encontra-se divergente. Nesse contexto, sobressai-se o caso paradigma da Petrobras que, com natureza de sociedade de economia mista, submete-se a um regime simplificado previsto no art. 67 da Lei 9.478/97, a ser regulamentado por decreto do Presidente da República.
Em janeiro de 2006, o TCU, no processo n.º 008.210/2004-7 (AC 39/2006), suspendeu a adoção do procedimento simplificado de licitação para a Petrobras, reconhecendo a inconstitucionalidade da Lei n.º 9478/97. A matéria foi, inicialmente, objeto do Mandado de Segurança n.º 25.888, tendo o STF, em sede de liminar, reconhecido o direito de a Petrobras continuar utilizando o processo simplificado até o julgamento de mérito, o que não ocorreu até o presente momento. Nas razões de sua decisão, o Ministro Gilmar Mendes, relator do Mandado de Segurança n.º 25.888, em julgamento na data de 22/03/06, publicado no DJ em 29/03/06, entendeu que
a submissão legal da Petrobras a um regime diferenciado de licitação parece estar justificado pelo fato de que, com a relativização do monopólio do petróleo trazida pela EC 9/95, a empresa passou a exercer a atividade econômica de exploração do petróleo em regime de livre competição com as empresas privadas concessionárias da atividade, as quais, frise-se, não estão submetidas às regras rígidas de licitação e contratação da Lei 8666/93.
O mesmo entendimento foi adotado, em sede de liminar, no MS 31235/DF, de relatoria do Ministro Dias Toffoli, julgado em 26/03/2012, publicado no DJe em 28/03/12. Contudo, deve-se aguardar o julgamento de mérito dos referidos remédios constitucionais, a fim de que se possa verificar o entendimento que irá prevalecer no embate com a jurisprudência do TCU.
3. CONCLUSÃO.
Em resumo, verificou-se que doutrina e jurisprudência não divergem quanto à possibilidade de submissão das empresas públicas e sociedades de economia mista a um regime simplificado de licitação previsto pela lei que definirá o estatuto das mesmas. A controvérsia reside nas consequências da ausência dessa lei disciplinando o regime simplificado.
Nesse sentido, grande parte da doutrina, por todos Maria Sylvia, entendem que é necessário, até a edição da lei, submeter essas empresas exploradoras de atividade econômica ao regime da Lei 8666/93, com fulcro no art. 37, XXI, CF/88. Por outro lado, José dos Santos Carvalho Filho, defende que a submissão não deve ocorrer se a empresa estiver desenvolvendo sua atividade-fim, porquanto submetida ao regime de livre concorrência que pressupõe igualdade entre as partes, sendo certo que as empresas concorrentes não se submetem ao regime custoso e demorado de licitações da Lei 8666/93.
Nesse viés, tem-se decisões do STF que, em sede de cautelar, referendaram a continuidade do regime simplificado praticado pela Petrobras, com fundamento no art. 67 da Lei 9478/97. Por outro lado, o TCU tem suspendido a aplicação do regime simplificado praticado pela Petrobras. Nesse cenário, resta aguardar o julgamento de mérito dos mandados de segurança, a fim de que a Corte Constitucional se pronuncie acerca da constitucionalidade ou não da norma em questão.
REFERÊNCIAS:
MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo.5 ed. Niterói: Impetus, 2011.
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