I – INTRODUÇÃO.
O presente artigo trata da análise de um estudo de caso em que a conduta do servidor público além de infringir os dispositivos da Lei nº 8.112/90 também ofendeu as regras da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), portanto caberia a ele a penalidade de demissão e/ou destituição do cargo em comissão.
II – DESENVOLVIMENTO.
Um servidor público tem o dever de agir com zelo e dedicação às atribuições do cargo que lhe foi confiado; ser leal às instituições a que servir; observar as normas legais e regulamentares, e etc, conforme previsão do art. 116 e incisos da Lei nº 8.112/90.
Caso haja ofensa por parte do servidor público a algum dever legal ou mesmo agir conforme condutas proibidas (art. 117, da mesma lei), cabe ao órgão público apurar os fatos por meio de um processo administrativo adequado, assegurando-se a este servidor o direito à ampla defesa e ao contraditório, bem como a maior margem probatória, a fim de possibilitar a maior eficiência na apuração do ilícito, tudo em nome da justiça.
Pois bem, quando um servidor público falha no seu dever de exercer com zelo as atribuições do cargo que ocupa, posto que apesar de conhecer previamente o conteúdo do ato administrativo elaborado, não toma nenhuma providência para a adequação deste ato a fim de evitar prejuízos maiores à Administração e facilmente imagináveis, comete uma infração administrativa.
Mas, não obstante isso, este mesmo servidor público também falha no dever de ser leal à instituição a que serve, pois, mesmo ciente de que oato administrativoelaborado não seria aprovado pelo superior hierárquico e autoridade competente para tal atribuição, além do mencionado ato administrativo possuir conteúdo material contrário aos interesses do órgão público, permitiu que fossem enxertados em processos administrativos diversos e não determinou sua retirada.
Ainda, este mesmo servidor público, com aquela conduta,falhou no que diz respeito ao seu dever de observar as normas legais e regulamentares, pois determinou a juntadae manteve nos autos de procedimento administrativo material irrelevante para a tomada de decisão no caso concreto.
Assim, da descrição de tais fatos infringentes, mais que mera falta de zelo, pode-se mesmo concluir pela prática desidiosa (art. 117, XV, da Lei nº 8.112/1990) do citado servidor público, tendo em vista que os fatos e circunstâncias acima mencionados levam à detecção de elementos de atuação culposa, caracterizados por imprudência, negligência e imperícia.
É de se ressaltar, ainda, que esta conduta do servidor público também se enquadra na Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92), mais precisamente no art. 10, caput e inciso X, e art.11, capute inciso I:
Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:
(...)
X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público;
(...)
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;
O professor José dos Santos Carvalho Filho[1] explica, a respeito do tema, que:
“Naquelas três primeiras categorias [art. 9º, 10 e 11, da Lei nº 8.429/92], o legislador optou por referir no caput dos dispositivos a conduta genérica configuradora da improbidade e nos diversos incisos as condutas específicas, que nada mais são – diga-se a bem da verdade -do que situações jurídicas exemplificadoras da conduta genérica estabelecida no caput. Portanto, as condutas específicas constituem relação meramente exemplificativa (numerusapertus), de onde se infere que inúmeras outras condutas fora da relação podem inserir-se na cabeça do dispositivo.
Quanto ao elemento subjetivo das condutas, antecipamos o que algumas delas reclamam exclusivamente o dolo, ao passo que outras admitem a tipicidade também em virtude de culpa.
...
O elemento subjetivo é o dolo ou culpa, como consta do caput do dispositivo [art. 10]. Neste ponto o legislador adotou critério diverso em relação ao enriquecimento ilícito. É verdade que há autores que excluem a culpa, chegando mesmo a considerar inconstitucional tal referência no mandamento legal. Não lhes assiste razão, entretanto. O legislador teve realmente o desiderato de punir condutas culposas de agentes, que causem danos ao erário. Aliás, para não deixar dúvida, referiu-se ao dolo e à culpa também no art. 5º, que, da mesma forma, dispõe sobre prejuízos ao erário. Em nosso entender, não colhe o argumento de que a conduta culposa não tem gravidade suficiente para propiciar a aplicação de penalidade. Com toda a certeza, há comportamentos culposos que, pela repercussão que acarretam, têm maior densidade que algumas condutas dolosas. Além disso, o princípio da proporcionalidade permite a perfeita adequação da sanção à maior ou menor gravidade do ato de improbidade. O que se exige, isto sim, é que haja comprovada demonstração do elemento subjetivo e também do dano causado ao erário. Tanto quanto na improbidade que importa em enriquecimento ilícito, não há ensejo para a tentativa”.(grifos nossos)
Considerando que a penalidade imposta pela Lei de Improbidade Administrativa só pode ser aplicada pelo Poder Judiciário, observa que o processo para apuração do ilícito deve ser desmembrado, posto que a parte correspondente à improbidade administrativa deva ser encaminhada para o Ministério Público Federal, acerca dos fatos apurados no devido processo disciplinar, a fim de que possa adotar as providências pertinentes.
É este também o entendimento da Controladoria-Geral da União (CGU) ao elaborar a Apostila de Treinamento em Processo Administrativo Disciplinar (PAD), de abril de 2009, na página 357:
“Portanto, em síntese, uma vez que o órgão administrativo tenha conhecimento de suposto ato de improbidade, cabe-lhe instaurar o apuratório de sua competência, nos termos dos arts. 143 e 148 da Lei nº 8.112, de 11/12/90 (cujas repercussões não se confundem com as da Lei nº 8.429, de 02/06/92, de competência exclusiva do Poder Judiciário) e noticiar ao Ministério Público Federal e ao Tribunal de Contas da União, para que promovam as apurações de suas respectivas competências, sobretudo a ação civil pública da Lei de Improbidade.”
Tendo em vista que qualquer ato de improbidade administrativa gera a demissão do servidor público, aplica-se ao caso em estudo o disposto no art. 132, IV da Lei nº 8.112/90. Consequentemente, devem-se observar osdemais dispositivos legais correspondentes à aplicação da pena, em especial os art. 135, 136 e parágrafo único do art. 137, todas da mesma lei, que tratam de servidores públicos ocupantes de cargos em comissão.
Diante disso, verifica-se que a referida demissão do servidor público deve ser convertida em destituição do cargo em comissão, nos termos do art. 135 da citada Lei do Servidor Público, o que implica a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário público, sem prejuízo da ação penal cabível, conforme o art. 136 daquela lei.
Posteriormente, por ser um ato de improbidade administrativa a conduta deste servidor público, ele não poderá voltar ao serviço público federal, nos termos do parágrafo único do art. 137, da aludida lei.
No mesmo sentido, consta da apostila da CGU[2]o seguinte comentário, na página 353:
“É de se compreender que não há vedação legal para que se cumulem repercussões administrativas (previstas na Lei nº 8.112, de 11/12/90) e judicial (previstas na Lei nº 8.429, de 02/06/92), à vista da consagrada independência das instâncias (art. 125 da primeira Lei), pois estes dois diplomas legais têm diferentes naturezas jurídicas. Não obstante ser possível que graves ilícitos à luz da Lei nº 8.112, de 11/12/90, possam também configurar atos previstos na Lei nº 8.429, de 02/06/92, apontando uma conexão entre os preceitos das duas Leis, não há obrigatória repercussão da decisão judicial sobre sede disciplinar.”
Observa aqui, também, que nada impede que a conduta do referido servidor público seja enquadrada como ato de improbidade administrativa e como qualquer outra punição prevista na Lei nº 8.112/90, como comenta a CGU na página 356:
“Seja enquadrando apenas no art. 132, IV da Lei nº 8.112, de 11/12/90, seja acrescentando alguma definição da Lei nº 8.429, de 02/06/92, certo é que, em regra, é possível ainda combinar o enquadramento de improbidade administrativa com outros enquadramentos administrativos, de forma a tornar mais robusta a peça, como, por exemplo, o art. 117, IX, de “valer-se do cargo para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública”. Com isso, previne-se a instância disciplinar, pela falta residual do valimento de cargo, na hipótese de a defesa conseguir sobrestamento judicial em função do conceito de improbidade.”
Se a Autoridade Julgadora do processo administrativo disciplinar não entender que a conduta daquele servidor seja intitulada como ato de improbidade administrativa, por ter agido culposamente, lesando os cofres públicos com o ensejo de não receber todos os haveres de que era de direito pelo ente público, também é possível enquadrá-lo no art. 117, XV da Lei nº 8.112/90, em que prevê a proibição de conduta desidiosa do servidor público, atuando com imprudência, negligência ou imperícia.
A CGU analisa o inciso XV do art. 117 da aludida lei nos seguintes termos:
“A diferenciação, em síntese, entre tais condutas extremadas reside basicamente na configuração do elemento subjetivo do infrator: se agiu com culpa (com negligência, imperícia ou imprudência) ou se agiu com dolo (com intenção e consciência do resultado ou assumindo o risco do resultado). Conforme melhor já se aduziu em 4.5.3, a solução desses conflitos aparentes de normas passa por critérios de alternatividade, especialidade, subsidiariedade e consunção. E, também em apertadas palavras, sintetiza-se que, a menos da desídia (inciso XV do art. 117 da Lei nº 8.112, de 11/12/90), o regime administrativo disciplinar exige a existência de elementos indicadores do dolo para a aplicação das penas expulsivas, enquanto que, em regra, as atitudes culposas ensejam penas brandas.”. (Pág. 312)
Ademais, se a Autoridade Julgadora entender que a conduta do servidor foi a descrita no art. 117, XV da Lei nº 8.112/90, cumpre ressaltar que a conduta desidiosa dele teve o efeito de prejudicar a arrecadação de renda pública, fazendo incidir, por isso, o art. 10, X, da Lei nº 8.429/92. Sendo assim, o servidor público deve ser demitido e a ele aplicados, consequentemente, os art. 135 a 137, todos da referida lei, conforme analise acima.
Por último, se a Autoridade Julgadora entender, que o acusado só agiu com falta de zelo e dedicação ao cargo, deve-se observar a gravidade da infração, os danos que dela podem surgir, as circunstâncias agravantes, nos termos do art. 128 da Lei nº 8.112/90, podendo aplicar a pena de suspensão.
Se for caso de aplicar a pena de suspensão, deve-se convertê-la em destituição do cargo em comissão, nos termos do art. 135, daquela lei.
Deve-se ressaltar, ainda, que a Autoridade Julgadora não está circunscrita à conclusão da Comissão Processante em todos os casos, havendo possibilidade excepcional de adotar postura diversa, conforme previsto na Lei 8.112/90:
Art. 167.
(...)
§ 4º Reconhecida pela comissão a inocência do servidor, a autoridade instauradora do processo determinará o seu arquivamento, salvo se flagrantemente contrária à prova dos autos. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 9.527, de 10/12/97)
Art. 168. O julgamento acatará o relatório da comissão, salvo quando contrário às provas dos autos.
Parágrafo único. Quando o relatório da comissão contrariar as provas dos autos, a autoridade julgadora poderá, motivadamente, agravar a penalidade proposta, abrandá-la ou isentar o servidor de responsabilidade.
Nesse sentido a Doutrina e a Jurisprudência:
“Dentro do sistema da livre apreciação da prova, reinante no Direito Positivo pátrio, a autoridade julgadora, em princípio, não fica vinculada às conclusões da comissão de processo, podendo, pois, julgar em sentido contrário, desde que a isso autorizem as provas existentes nos autos. Com efeito, há de se inferir que o livre convencimento do julgador deverá embasar-se nos elementos de prova do processo e não em considerações periféricas e alheias aos autos. Assente-se, portanto, que as conclusões das comissões, desde que estejam cimentadas nas provas dos autos, merecem fiel acatamento por parte da autoridade julgadora.”[3]
““Parece desnecessário enfatizar sobre a imprescindibilidade da mais minuciosa justificativa, pela autoridade, de sua decisão que divirja da apontada pela comissão. O trabalho desta última se estendeu por meses, de modo exaustivo e supostamente correto, observando todas as fases do processo. Terá a comissão, com certeza, colhido elementos de valor probante maior ou menor, e do conjunto das provas terá expedido sua orientação. Assim, ou a autoridade superior demonstra exagero ou irregularidade em todo o seu trabalho, de que resultou entendimento equivalentemente equivocado, ou o acata sem maior transtorno. Porque para divergir precisará apresentar fundamento mais convincente do que aquele que lhe chegou às mãos.”[4]
“STF, Recurso em Mandado de Segurança nº 10.269: 1. No processo administrativo disciplinar, instaurado para apuração de falta cometida por funcionário público, a autoridade encarregada do julgamento não se vincula ao parecer da comissão e, desde que fundamente, pode, inclusive, aplicar penalidade mais grave, sem possibilidade de o Judiciário substituir sua legítima discricionariedade.” Idem: STF, Mandado de Segurança nº 21.297; STJ, Mandados de Segurança nº 7.019 e 7.376; Recursos em Mandado de Segurança nº 6.570, 11.625 e 24.536; Recurso Especial nº 21.655; e TRF da 2ª Região, Apelação em Mandado de Segurança nº 27.878.
III – CONCLUSÃO.
Por todo o exposto, acredita-se que condutas culposas de servidores públicos que não medem consequências de seus atos devem ser punidas com rigor e, se for o caso, enquadrá-las como ato de improbidade administrativa, a fim de embasar a demissão dele e/ou a destituição do cargo em comissão, além do dever de ressarcir os cofres públicos.
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. Lúmen Júris, 23ª ed, Rio de Janeiro, 2010, pág. 1178
[2] Disponível em: http://www.cgu.gov.br/Publicacoes/GuiaPAD/Arquivos/ApostilaTextoCGU.htm#_Toc269738988
[3] José Armando da Costa, Teoria e Prática do Processo Administrativo Disciplinar, pgs. 268 e 269, Editora Brasília Jurídica, 5ª edição, 2005.
[4] Ivan Barbosa Rigolin, Comentários ao Regime Único dos Servidores Públicos Civis, pg. 278, Editora Saraiva, 4ª edição, 1995
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Ato infracional cometido por servidor público também pode ser ato de improbidade administrativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 fev 2013, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/33892/ato-infracional-cometido-por-servidor-publico-tambem-pode-ser-ato-de-improbidade-administrativa. Acesso em: 22 nov 2024.
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