RESUMO: Com o fim de modernizar os portos brasileiros, sabidamente ineficientes, foi editada a Medida Provisória nº 595/2012, que confere nova estrutura aos processos de delegação do serviço público portuário, por meio de concessão e arrendamento de instalações portuárias públicas dos portos organizados. A novel legislação centraliza o processo de licitação na Agência Reguladora ANTAQ, estabelecendo que os contratos da espécie serão celebrados pelo poder concedente, assim entendida a Secretaria Especial de Portos. No presente trabalho, examina-se as principais alterações trazidas pela Medida Provisória para as licitações, inclusive sobre novo critério de julgamento do certame. Agora, deverá prevalecer o menor valor da tarifa ofertada, consubstanciando-se em mecanismo de redução dos custos incorridos pelos usuários. Modicidade tarifária, pois, como encargo do poder concedente.
PALAVRAS-CHAVE: licitação – instalação portuária pública – modicidade tarifária
Title: Licitations of public port facilities after the Provisional Measure nº 595/2012.
ABSTRACT: In order to modernize Brazilian ports - known for their inefficiency - a Provisional Measure has been issued (MP 595/2012) giving new structure to the process of delegation of public port services through concession and leasing of public port facilities. The new legislation centralizes the licitation process in the Regulatory Agency ANTAQ, establishing that these kinds of contracts will be awarded by the Special Secretariat of Ports. The present study examines the main changes in the licitation process introduced by the Provisional Measure, also addressing the new criterion used for judging the competition. Now, the lowest fare offered should prevail, representing a mechanism of cost reduction for users of this public service and establishing reasonable fare as an objective to be sought by the grantor.
KEY WORDS: licitation – public port facilities – reasonable fare.
Introdução
A Medida Provisória nº 595, de 6 de dezembro de 2012, veio ao mundo jurídico com a proposta de mudar o setor portuário, buscando aumentar a competitividade, expansão e modernização da infraestrutura e da superestrutura dos portos e instalações portuárias; garantir a modicidade tarifária; e, assegurar a prestação do serviço, dentro dos padrões internacionais.
Os portos brasileiros são sabidamente ineficientes. Para se ter uma ideia, notícias divulgadas pela imprensa nos últimos dias dão conta de que o custo da atividade no Brasil é três vezes superior ao praticado por Cingapura. CUSTO: A exportação de um contêiner custa US$ 1.100, contra US$ 800 nos Estados Unidos, US$ 700 na Alemanha, US$ 480 na China e US$ 320 em Cingapura, segundo pesquisa da Fundação Dom Cabral. PESSOAL: Empresários do setor reclamam que o Ogmo (órgão que contrata a mão de obra) de alguns portos obrigam a contratação de equipes de até 14 pessoas para serviços que, hoje, com a nova tecnologia, poderiam ser feitos com apenas três trabalhadores. PRÁTICOS: Segundo a Firjan, a hora da praticagem no Brasil custa, em média, US$ 2.800, contra US$ 1.400 no mundo. BUROCRACIA: O Brasil está na 106ª posição entre 118 países no ranking da burocracia de cargas em portos, com 5,5 dias de prazo. Se os portos funcionassem 24 horas por dia, diz a Firjan, o prazo seria de apenas 2,7 dias, melhor que a média mundial (3 dias). Ficaríamos à frente dos demais Brics, na 68ª posição[1].
A MP, que revoga a Lei de Modernização dos Portos (8.630/93), pretende fazer pelo setor aquilo que sua antecessora não foi capaz. A Lei revogada, já à época de sua edição, reconhecia o caos que imperava no ambiente do “porto público”.
Para se ter uma ideia, na Exposição de Motivos nº 10, de 18 de fevereiro de 1991, o Governo reconhecia “o modelo vigente foi estruturado sob o enfoque do intervencionismo e do corporativismo, próprio das economias planificadas ou de planejamento central. Tal modelo, concebido e implementado pelo Estado Novo, está absolutamente esgotado, tanto no que se refere à sua estruturação institucional, quanto no que diz respeito à organização do trabalho. E esgotou-se sobretudo porque o intervencionismo não pode conduzir a um sistema permanente de organização da sociedade”.
E esse cenário pouco mudou, conforme bem demonstram as informações acima, apesar das intenções do legislador. É urgente a intervenção do Estado, com o fim de assegurar a prestação do serviço, de modo adequado, inclusive mediante a constituição de tarifas módicas.
Todavia, a proposta deste nosso trabalho é examinar a principais alterações do marco legal, advindas com a Medida Provisória, quer aquelas relacionadas com as competências dos diversos órgãos que atuam no ambiente, quer as relacionadas com a redução do intervencionismo estatal na organização da atividade, que, por esse simples fato, já é suficiente para esperar melhoras no ambiente regulado.
II. Da Medida Provisória nº 595/2012: do novo quadro regulatório advindo com as alterações promovidas pela MP.
É competência da União a exploração dos portos marítimos, lacustres e fluviais, conforme dispõe o art. 21, XII “f”, da Constituição Federal/88.
Destarte, a sua exploração se dá diretamente pelo titular (União) ou indiretamente, quer pelos demais entes federativos (cooperação[2]), quer pela colaboração dos particulares, no regime de concessão de serviço público. É o que dispõe a Medida Provisória nº 595, in verbis:
Art. 1º Esta Medida Provisória regula a exploração pela União, direta ou indiretamente, dos portos e instalações portuárias, e as atividades desempenhadas pelos operadores portuários.
§ 1º A exploração indireta do porto organizado e das instalações portuárias nele localizadas ocorrerá mediante concessão e arrendamento de bem público.
§ 2º A exploração indireta das instalações portuárias localizadas fora da área do porto organizado ocorrerá mediante autorização, nos termos desta Medida Provisória.
§ 3º As concessões, os arrendamentos e as autorizações de que trata esta Medida Provisória serão outorgados a pessoa jurídica que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco.
Interessa-nos, particularmente, o contido no parágrafo 1º, do artigo, dado que, no modelo atual, a opção está claramente definida em prol da exploração indireta, por intermédio da qual se busca a expertise da iniciativa privada, nas atividades onde gravita a possibilidade de gerar riquezas (serviço público comercial-industrial).
Por outro lado, afasta-se da exploração direta, que não foi capaz de promover a reestruturação da atividade, em consequência da ingerência política, que não permite a organização empresarial satisfatória. O Poder Público é reconhecidamente incompetente para a administração de atividades da espécie.
Na novel legislação, evidenciam-se dois grandes eixos de exploração da atividade. De um lado, a exploração de instalações portuárias públicas localizadas dentro do porto organizado; de outro, as instalações de uso privado, localizadas fora do porto organizado.
A grande novidade é a liberação dos terminais de uso privado (antes, terminais de uso privativo), para a movimentação de “cargas de terceiros”, mediante o atendimento do padrão de qualidade exigido pela regulação do serviço. Assim, deixou de se exigir a predominância de “carga própria[3]”, conforme previsto no Inciso II “b”, § 2º, do art. 4º, da Lei nº 8.630/93.
Embora cause certa perplexidade, onde a delegação da prestação de serviço público instrumentaliza-se por mero ato de autorização, em aparente afronta ao disposto no art. 175, CF/88, o Supremo Tribunal Federal, superando o rigor técnico na exegese, tem agido de forma pragmática para aferir maior grau de flexibilidade à Administração Pública, validando – ou simplesmente deixando de suspender – atos da espécie.
Retornando ao objeto nuclear do presente trabalho, esclarece o art. 4º, da MP 595, que a concessão e o arrendamento de bem público destinado à atividade portuária serão realizados mediante a celebração de contrato, sempre precedida de licitação, em conformidade com o disposto naquele Estatuto. Portanto, concessão e arrendamento como espécies de outorga de trespasse da atividade ao particular (título exigível para a exploração).
Nesse sentido, no âmbito do porto organizado, três são as formas de exploração das atividades pelo particular: (i) concessão do porto como um todo, envolvendo todas as instalações portuárias operacionais e não operacionais; (ii) concessão parcial das instalações, juntamente com o direito de explorá-las; (iii) arrendamento de uma específica instalação, com o direito de explorar determinada parcela da atividade própria daquela unidade.
Pretende-se, por ora, examinar o arrendamento de instalação portuária pública, mediante a celebração do contrato de arrendamento portuário, sempre precedido de licitação (item “iii”, acima), mas já adiantando que a análise, em larga medida, diz respeito também às modalidades dos itens “i” e “ii”, todavia promovendo-se as adequações relacionadas com o objeto.
De fato, no trespasse de todo o porto, a concessionária substitui a autoridade portuária, naquilo que diz respeito aos atos de gestão, inclusive relacionadas às áreas comuns e de circulação, ressalvados os atos do poder de imperii, próprios do poder estatal.
Relativamente ao contrato de arrendamento portuário, cabe aduzir que este consubstancia-se como espécie de subconcessão (contrato administrativo), porquanto envolve não só a utilização do bem público (cessão de uso), como também confere o direito de explorar atividade de titularidade da União (serviço público federal).
A propósito do assunto, veja a doutrina de Marçal Justen Filho, in verbis:
O problema fundamental da redação original do art. 4º, da Lei nº 8.630 residia na identificação de duas questões jurídicas distintas e inconfundíveis, que são (a) a atribuição do direito de um particular usar bens públicos e (b) a delegação ao particular da prestação de serviço público.
A exploração pelo particular de operações portuárias em terminal de uso público apresenta natureza de serviço público. O seu desempenho por um particular pressupõe a existência de um título jurídico adequado. Mas não se pode afirmar que o arrendamento em si mesmo seria o instrumento jurídico adequado e satisfatório para tanto.
O arrendamento é um instrumento destinado a legitimar a utilização de um bem público por um particular. Mas os fins buscados pelo particular ao se valer dos referidos bens públicos arrendados podem ser muito distinto. Ou seja, não é necessário que os bens públicos arrendados sejam utilizados pelo particular para a prestação de serviços públicos. É perfeitamente válido que um particular receba os bens públicos por arrendamento e deles se utilize para fins econômicos privados.
No entanto, quando os bens públicos forem instrumento da prestação de um serviço público pelo particular, haverá duas relações jurídicas distintas. Existirá o arrendamento dos bens e a delegação da prestação do serviço público. Então, uma mesma pessoa será concessionária do serviço público e arrendatária de bens público. Então, é correto afirmar que o arrendamento de terminal portuário de uso público é conjugável com uma delegação da prestação de serviço público.
Como se observa, a análise do instituto foi desenvolvida na vigência da Lei nº 8.630/93. Porém, no aspecto abordado pelo jurista, a Medida Provisória manteve o porto organizado voltado para o desenvolvimento das operações portuárias, trespassadas ao particular também por intermédio do contrato de arrendamento (inciso X, do art. 2º), de forma análoga ao previsto na Lei dos Portos. O entendimento resta, pois, inteiramente aplicável na novel legislação.
Na verdade, como já tínhamos manifestado alhures, o § 3º, do art. 14, da Lei nº 10.233/2001, teve por motivação tornar clara a natureza do contrato de arrendamento, com vistas a superar a atecnia da Lei nº 8.630/93, embora esta já deixasse evidente esse fato jurídico, conforme bem demonstram as cláusulas e condições pactuadas nos contratos supervenientes. Ou seja, utilizou-se do contrato de arrendamento como instrumento para a concretização da subconcessão do serviço (delegação parcial da atividade do porto)[4].
Bem por isso, no âmbito do exercício do poder regulamentar da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), restou editada a Resolução nº 2.240/ANTAQ, de 2011, com o objetivo de regular a exploração de áreas e instalações portuárias operacionais e não operacionais integrantes da poligonal do porto organizado e sob gestão das Administrações dos Portos Organizados. Naquele Estatuto, restou afirmada a sujeição subsidiária da matéria ao disposto na Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, que trata das concessões de serviços públicos. E nem poderia ser diferente.
II. 1. Da autoridade responsável pela realização do certame licitatório
Para realização dos princípios próprios da Administração Pública (Art. 37, caput, CF/88), cabe verificar que, no caso do patrimônio do porto organizado[5], visando cumprir tais parâmetros e limites constitucionais, facultou-se a prestação do serviço público de forma direta, pela própria União, ou indireta, mediante a concessão, permissão e autorização. Neste caso, sempre por meio da licitação (art. 21, XII “f” c/c art. 175, CF).
Poderia o legislador ter dito simplesmente “precedida de licitação”. Porém, foi mais enfático. Utilizou-se da expressão “sempre por licitação” (art. 4º, da Medida Provisória 595). Para o trespasse de áreas do porto, estabeleceu a obrigatoriedade da realização de “licitação”, termo esse qualificado pelo advérbio “sempre”, para indicar uma interpretação mais restritiva em relação às outras espécies de contratações públicas (obras, compras etc...).
A propósito, o Dicionário HOUAISS traz o significado do termo sempre como “na totalidade do tempo; eternamente, perpetuamente; a cada instante; sem exceção; constantemente, continuamente; ordinariamente; em todo caso, de qualquer maneira, invariavelmente.”[6].
Na Lei de Modernização dos Portos (LMP), Lei 8.630, a competência para a realização dos certames licitatórios era da própria autoridade portuária, também denominada Administração do Porto (art. 3º). Na dicção do art. 4º, caput, tinha-se que a “delegatária” detinha o poder-dever de construir, reformar, ampliar, melhorar e arrendar as instalações portuárias, com vistas a assegurar a prestação adequada do serviço. O arrendamento deveria ser instituído por meio da celebração do contrato de arrendamento portuário, a ser celebrado com a União (Cia Docas Federais, por extensão), ou com sua concessionária (da União).
E assim deveria ser, em homenagem aos princípios próprios da descentralização. Se se era a Companhias Docas, além de autoridade portuária, a administradora do porto, com o encargo de garantir a qualidade do serviço e o cumprimento das leis, decretos e regulamentos, seria correto entender que ela é a entidade estatal apropriada para a realização dos certames da espécie. Se na espécie, buscou-se a descentralização funcional, ou técnica, foi decorrência do pressuposto da potência do ente delegatário de melhor atender à finalidade do mecanismo; ou seja, de receber e bem gerir a atividade descentralizada. O que fundamenta a descentralização é a certeza de que as decisões, quando ocorrentes próximas aos fatos, serão tecnicamente mais adequadas, dado o conhecimento maior das circunstâncias que os permeiam.
Todavia, a opção da Medida Provisória foi no sentido inverso. As licitações para arrendamento das instalações portuárias serão conduzidas pela Agência Reguladora do Serviço. É o que dispõe o § 2º, do art. 6º, da MP 595, veja:
Art. 6º. Nas licitações dos contratos de concessão e arrendamento serão (...)
§ 2º. Compete à ANTAQ, com base nas diretrizes do poder concedente, realizar os procedimentos licitatórios de que trata este artigo.
§ 3º. Os editais das licitações de que trata este artigo serão elaboradas pela ANTAQ, observadas as diretrizes do poder concedente.
Destarte, contrariamente aos princípios norteadores da descentralização administrativa, a Medida Provisória faz explícita opção pela centralização do processo decisório. Argumenta-se que tal opção é decorrente da inadequação dos arrendamentos efetivados pelo setor, nos últimos anos, notadamente pelos desvios verificados nos contratos celebrados pelas autoridades portuárias, no modelo estabelecido pela Lei nº 8.630/93.
Ocorre que o problema não está propriamente no modelo, mas, na utilização das Cia Docas como instrumentos de “aparelhamento” do Estado; meros “cabides” de empregos. Há caso de porto organizado cuja administração foi objeto de fatiamento entre diversos partidos. Noutra situação, de delegação do porto (Lei nº 9.277/96), a entidade delegatária constituiu o quadro meramente de “comissionados”. A cada troca de governo, todo o corpo funcional era substituído, sem qualquer cuidado com a preservação do acerco intelectual. Este era objeto de contínua perda.
Todavia, a partir da Medida Provisória todos os certames licitatórios para concessão do porto, ou para arrendamento de instalação portuária integrante de porto organizado, serão conduzidos pela ANTAQ.
A causar certa perplexidade o fato que não será ela (ANTAQ) que irá celebrar o contrato de arrendamento, embora seja a titular da condução do processo de seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública. Pois tal atribuição foi conferida ao poder concedente (?), que não se confunde com a Agência Reguladora, conforme de depreende da interpretação sistemática do Estatuto. Assim, pois as alterações dos dispositivos da Lei nº 10.233, retiraram da sua atribuição do poder-dever de celebrar os contratos de concessão ou mero arrendamento. Igual conclusão em relação à autoridade portuária, pois no art. 13, da MP 595, encontram-se as atribuições (competência delegada) da administração do porto, denominada autoridade portuária.
Lado outro, conforme disposto no art. 12 caberá ao poder concedente “III - celebrar os contratos de concessão e arrendamento e expedir as autorizações de instalação portuária, devendo a ANTAQ fiscalizá-los em conformidade com o disposto na Lei nº 10.233, de 5 de junho de 2001”.
Por exclusão, poder concedente aqui entendido como a própria União, por intermédio da Secretaria Especial de Portos.
Assim, no mundo jurídico (e esdrúxulo) trazido pela Medida Provisória, tem-se: (i) a administração e exploração do porto organizado será atribuição própria da administração do porto, denominada autoridade portuária; (ii) as licitações das instalações portuárias sob “jurisdição” das autoridades portuárias serão promovidas pela agência reguladora; (iii) os contratos decorrentes das licitações promovidas pelas ANTAQ serão celebrados pela Secretaria Especial de Portos. (?)
Na esteira das alterações trazidas pela Medida Provisória, às licitações determinou-se a aplicação subsidiária do disposto na Lei nº 12.462/2011, que institui o Regime Diferenciado de Contratações Públicas –RDC. Desse modo, parcela das normas contidas na Lei 8.666/93 deverá ser afastada, naquilo que contrariar o disposto pelo regime diferenciado de contratação.
II.2. Do tipo de licitação
As licitações para arrendamento de instalações portuárias, na vigência da Lei 8.630/93, sempre foram efetivadas tendo por parâmetro o maior valor da outorga, o que convergiu para uma significativa onerosidade do serviço prestado, significativamente superior aos demais concorrentes internacionais. A Lei de Portos não foi taxativa quanto esse tipo, porém deixou margem discricionária para a atuação da autoridade portuária. No § 4º, do art. 4º, limitou-se a indicar como essencial a cláusula relativa “IV - ao valor do contrato, nele compreendida a remuneração pelo uso da infraestrutura a ser utilizada ou posta à disposição da referida instalação, inclusive a de proteção e acesso aquaviário”.
Com a edição da Lei nº 8.987/95, o legislador ordinário sinalizou de modo expresso pela possibilidade de ser utilizado por parâmetro “o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado” (Inciso I, do art. 15). Todavia, embora a Agência Reguladora tivesse o dever de perseguir a modicidade tarifária (art. 20, c/c art. 34, § 2º “IV”, ambos da Lei 10.233), nada de concreto foi efetivamente realizado, mantendo-se sempre a opção pelo maior valor de outorga.
Tratando-se na espécie de modalidade de concessão comum (autossustentável)[7], em que a remuneração do concessionário custeada integralmente pelo usuário, nada mais certo do que o impacto do valor da outorga, na formulação do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Assim, pois e legítimo ao arrendatário recuperar todo o valor despendido, tendo retorno sobre o capital investido. O lucro no caso é esperado, normal, legítimo, e serve de atrativo para a colaboração do particular. Este não age por benemerência, senão pela busca da remuneração do seu capital.
Destarte, quanto maior for o valor de partida, ou seja, valor da oferta pelo objeto licitado, maior será o valor cobrado do usuário a título de equilíbrio entre encargos e benefícios. A dizer, maior será o valor da tarifa. De fato, o que se tem na concessão comum é a incidência não só dos custos, mas também do lucro incidindo sobre o preço pago a título de tarifa.
Nesse particular, há significativa inovação da MP 595, quando faz opção pelo julgamento da licitação pelo maior valor da movimentação com a menor tarifa, para a obtenção da proposta mais vantajosa, sob o enfoque do interesse público.
Nesse sentido, deverá a Agência buscar a predominância do menor valor da tarifa, dado que tem por atribuição legalmente delegada pela Lei 10.233/2001 o dever de buscar a modicidade tarifária. E o parâmetro “maior movimentação de cargas” pode ser alcançado mediante a disponibilização de oferta suficiente, o que atualmente pode ser dar por meio da implantação de novos terminais, inclusive de iniciativa do particular (terminais de uso privado, art. 8º, da MP). Ou seja, nos arrendamentos das instalações portuárias, na novel legislação deve ser prestigiada a opção legítima pelo julgamento pelo “menor valor da tarifa”, com o fim de superar a defasagem existente entre o valor do serviço prestado internamente daqueles praticados no mercado internacional.
Assim, diversamente da prática ocorrente na exploração das instalações portuárias públicas, no âmbito do porto organizado, não há que se falar em preços livres (preços privados) na prestação do serviço público. Por isso, sempre defendemos a necessidade da Agência Reguladora do serviço regular os preços praticados, buscando definir a equação econômico-financeira do contrato, o que não ocorre espécie. Em muitos casos, não há sequer a publicidade dos preços praticados pelos arrendatários no porto organizado. Há uma “caixa preta” desconhecida pelo Regulador.
Daí, evidente a lógica e racionalidade da opção, ou seja, a adoção do modelo de julgamento pela “menor tarifa”, como mecanismo importante para a redução do custo do serviço portuário.
Cabe, portanto, esperar a atuação do órgão regulador, com o fim de garantir plena operatividade ao conteúdo normativo ora examinado.
II. 3. Da realização de audiência pública: qualificação do objeto
A Resolução nº 2.240/ANTAQ, de 2010, estabelece no § 4º, do ar. 11, a exigência de realização de prévia audiência pública, para a instrução dos processos licitatórios. Verbis: “Sempre que o valor das receitas totais estimadas para o arrendamento for superior a cem vezes o limite previsto no art. 23, inciso I, alínea "c", da Lei n° 8.666, de 21 de junho de 1993, o processo licitatório deverá ser precedido de audiência pública, realizada com antecedência mínima de 15 (quinze) dias da publicação do edital, na qual serão divulgados estudos, condições e requisitos exigidos para que a arrendatária possa executar operações portuárias nas áreas e instalações a serem arrendadas, bem como as informações pertinentes à licitação e necessárias à compreensão do empreendimento, devendo ser observado o prazo mínimo de 10 (dez) dias úteis para apresentação de manifestações formais dos interessados”.
Na doutrina de Marçal Justen Filho, a audiência pública é um dos instrumentos destinados a assegurar a transparência da atividade administrativa. Não se destina a garantir direitos subjetivos de pessoas determinadas, mas proteger os interesses colocados sob tutela do Estado. Logo, ausência ou invalidade da audiência acarreta nulidade do procedimento licitatório. Portanto, esse vício pode ser objeto de questionamento segundo os princípios relacionados com os interesses coletivos e difusos[8].
Mas, tratando-se de subconcessão de serviço público (arrendamento de área portuária pública) não é só questão de transparência, mas, sobretudo, de adequado planejamento e busca da eficiência operacional do serviço. Isto porque a exploração de instalações portuárias é reconhecida como atividade que demanda expertise, em processo dinâmico de inclusão de novas tecnologias ou parâmetros de atuação. E, conforme afirmado alhures, não se pode desprezar a experiência do mercado na formulação da modelagem a ser aplicada nas instalações públicas. Portanto, nesse caso, é inadmissível a realização da audiência apenas como um compromisso burocrático da atividade administrativa.
No caso específico, a Lei nº 8.666/93 (art. 39) estabelece um prazo mínimo de antecedência em relação à data da realização do certame, para a realização da audiência pública. Ora, transportando a exigência para o caso concreto (arrendamento portuário) a realização da audiência pública deve anteceder o momento de publicação do edital, de modo que os subsídios colhidos na audiência sejam passíveis de efetivamente modularem o objeto de licitação. Assim, pois o objetivo da audiência não mero controle de conteúdo do edital e da minuta de contrato, senão para interferir na proposta que atenda melhor o mercado (com enfoque no usuário do serviço).
Assim, deverá a Agência Reguladora, no exercício do seu poder regulamentar, estabelecer o modus operandi para a realização da audiência pública, de modo efetivamente concorrer para “a garantir a movimentação de pessoas e bens, em cumprimento a padrões de eficiência, segurança, conforto, regularidade, pontualidade e modicidade nos fretes e tarifas” (art. 20, II “a”, da Lei 10.233).
A determinação do legislador ordinário (art. 39, Lei nº 8.666/93), para o que ato fosse realizado antes da publicação do edital, é decorrência direta da finalidade da audiência, qual seja, qualificar o certame licitatório, o que deve repercutir na forma e conteúdo do edital, a “lei do contrato”. Ou seja, se das contribuições recebidas resultar em razões técnicas ou jurídicas para a alteração do certame, o Poder Concedente deverá revisar as minutas do edital e contrato, de forma a que seja preservado o interesse público.
Assim, também evidente a atribuição conferida ao Ente Regulador, com vistas a garantir o acesso e uso da infraestrutura portuária (movimentação de cargas e pessoas provindas, ou destinadas, ao transporte aquaviário). Sendo esse também um objetivo imposto ao ente regulador (art. 20, da Lei nº 10.233/2001), exsurge o interesse da Agência de conhecer tempestivamente as contribuições, de modo que possa atuar concretamente nos casos em que o interesse público determinar.
No caso dos arrendamentos portuários, a mera observância do interregno mínimo estabelecido pelo art. 39, da Lei 8.666/93, não é condizente com a finalidade a que se destina. A sua observância estrita pode resultar na própria inutilidade do ato, uma vez que, na reta final do certame, dificilmente seriam acatadas contribuições materialmente relevantes (que não digam respeito à mera formalidade do edital).
Não se pode olvidar que o planejamento e a qualificação do certame são fundamentais ao contrato de arrendamento, uma vez celebrado para a produção de efeitos por longos períodos (25 anos, + 25 anos, se prorrogados, e, via de regra, o são). Talvez, e até por isso, a forma como vem sendo elaborados os arrendamentos não têm atendido à necessidade do mercado ou, principalmente, do próprio Poder Concedente, conduzindo à necessidade de alterações seguidas, que, em muitos casos, representam uma ruptura ao princípio da vinculação ao instrumento convocatório. Quer por ampliações não previstas, quer por alterações do objeto (carga), ou dos demais parâmetros, sem que haja um mínimo de vinculação ao instrumento convocatório.
Embora Egon Bockmann Moreira advirta que “em tempos de pós-modernidade, nada mais adequado que falar em segurança advinda da certeza da mudança. Pois este aparente contrassenso é o que esse passa nas concessões contemporâneas: a flexibilidade dos contratos é um dos itens que reforçam a segurança jurídica na prestação adequada do serviço. A segurança contratual presta-se a garantir a mutabilidade do negócio jurídico firmado”. Também acrescenta o autor ser legítimo defender “a mutabilidade contratual, não a degeneração contratual, pois às partes não é dado ignorar todo o arcabouço normativo dos contratos administrativos. A mutabilidade exige a juridicidade da mudança”[9].
Induvidoso que o mercado é quem detém maior conhecimento da atividade; inclusive em referência ao titular do serviço, Administração Pública, mormente pelo processo de globalização que atinge primeiramente os grupos econômicos. É razoável, portanto, a possibilidade de melhor configuração do objeto licitado se essa participação for utilizada em benefício do interesse público.
Assim, a audiência pública assume papel nuclear na formulação da melhor proposta para o interesse público. Para tanto, deverá a Agência Reguladora ditar o momento adequado para a realização da audiência, com o fim de assegurar a realização dos princípios vetores do regime jurídico ocorrente. Não pode a audiência significar um mero ato de formalidade (burocrático), com um fim em si mesmo.
II.4. Do plano de desenvolvimento e zoneamento do porto organizado
Conforme destacado alhures, um dos pontos que nortearam a Lei de Modernização dos Portos (LMP) foi a descentralização de parte das atividades de planejamento das atividades portuárias. Assim, em decorrência da previsão contida no art. 30, X, da Lei nº 8.630/93, o Decreto nº 6.620/2008 estabeleceu que os arrendamentos deverão atender às destinações específicas e definidas com base em parâmetros técnicos, de acordo com os respectivos planos de desenvolvimento e zoneamento (Art. 7º, VIII). Ou seja, o arrendamento só será legítimo se guardar compatibilidade com o plano de desenvolvimento e zoneamento do porto.
E tal plano constituía-se encargo próprio da direção de cada porto em particular, notadamente pela interveniência ativa do Conselho da Autoridade Portuária (CAP). Destarte, o legislador ordinário estabeleceu a competência do CAP para promover a racionalização e a otimização do uso das instalações portuárias; desenvolver mecanismos para atração de cargas; e, no caso que mais interessa a presente análise, manifestar-se sobre os programa de obras, aquisições e melhoramentos da infraestrutura portuária (art. 30, incisos IV, VII e IX, da Lei 8.630).
Nesse sentido, incluía-se no rol de atribuições do Conselho o poder-dever de aprovar o programa de desenvolvimento e zoneamento do porto, com vistas à otimizar a utilização das instalações portuárias, de modo a assegurar o uso e acesso, criando-se oportunidades a todos os interessados.
Considerando a composição multifacetária do órgão (bloco do poder público, bloco dos operadores portuários, bloco dos trabalhadores portuários, bloco dos usuários), buscava-se a participação democrática dos principais interessados na solução dos problemas enfrentados pela atividade portuária.
Todavia, não se pode dizer que o referido órgão cumpriu satisfatoriamente a missão que lhe fora delegada. Ou por omissão, ou mesmo por falta de vontade política, o que se viu foi uma ausência por completa de atuação dos órgãos, sempre subjugados aos interesses políticos.
Talvez até por isso, a novel legislação tenha adotado um direcionamento contrário, trazendo de volta o planejamento para o centro do poder concedente. Na Medida Provisória 595, além de estabelecer as diretrizes para os editais das licitações para instalações portuárias (§ 3º, do art. 6º), elaborar o planejamento setorial em conformidade com as políticas e diretrizes de logística integrada, caberá à Secretaria Especial de Portos a aprovação do Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto (§ 1º, do art. 13).
Destarte, retira tal competência do Conselho da Autoridade Portuária, passando-a para o campo de atuação da SEP. Aliás, se antes tal CAP detinha competência deliberativa e consultiva, agora terá somente esta última faceta. A propósito, veja o que dispõe o art. 16, da Medida Provisória, in verbis: “Art. 16. Será instituído em cada porto organizado um conselho de autoridade portuária, órgão consultivo da administração do porto”.
De fato, as competências de ordem deliberativa, relacionadas no § 1º, do art. 30, da Lei nº 8.630/93, foram transferidas para outros órgãos; parte para a Agência Reguladora, parte para a própria Secretaria Especial de Portos, conforme declinado anteriormente. Essa foi a opção da Medida Provisória.
II.5. Da viabilidade ambiental do empreendimento
A defesa do meio ambiente é competência comum dos entes da federação (art; 23. CF/88). Bem por isso, todo e qualquer empreendimento, mormente quando se tratar de exploração de serviços públicos, há se pautar pela estrita observância das normas de proteção desse bem de interesse coletivo lato sensu.
Nesse sentido, a Medida Provisória cuidou de estabelecer regra de consulta ao órgão ambiental, para todo e qualquer empreendimento do porto organizado, potencialmente capaz de gerar riscos para o meio-ambiente. Veja:
Art. 11. A celebração do contrato de concessão ou arrendamento e a expedição de autorização serão precedidas de:
I - consulta à autoridade aduaneira;
II - consulta ao respectivo Poder Público municipal; e
III - emissão, pelo órgão licenciador, do termo de referência para os estudos ambientais com vistas ao licenciamento.
Conforme estabelecido no art. 29, § 1º, III, do Decreto 6.620/2008, a aprovação do certame dependerá da viabilidade ambiental, expressa no correspondente licenciamento prévio pela autoridade competente em meio ambiente.
Sobre esse particular aspecto, no exame anterior de arrendamento portuário (instalações portuárias), o Tribunal de Contas da União registrou sua preocupação com a adequada condução do licenciamento ambiental, nas licitações da espécie, tendo consignado, in verbis:
SOLICITAÇÃO DO CONGRESSO NACIONAL. REALIZAÇÃO DE FISCALIZAÇÃO EM CERTAME LICITATÓRIO. AUSÊNCIA DE LICENCIAMENTO AMBIENTAL PRÉVIO À ABERTURA DO CERTAME. EDITAL DE CONCORRÊNCIA COM CLÁUSULAS RESTRITIVAS AO CARÁTER COMPETITIVO DA LICITAÇÃO. INFRINGÊNCIA A PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E LEGAIS RELATIVOS A LICITAÇÕES E CONTRATOS. INOBSERVÂNCIA DAS NORMAS LEGAIS RELATIVAS A PROCESSO DE OUTORGA DE CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS. INADEQUABILIDADE DOS ESTUDOS DE VIABILIDADE. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA ANULAÇÃO DO CERTAME E DO CONTRATO. MULTA.
1. A modalidade operacional a ser aplicada a cada desestatização deve ser previamente aprovada pelo Conselho Nacional de Desestatização – CND, nos termos da Lei 9.491/97.
2. O programa de arrendamento das áreas e instalações portuárias deve ser elaborado atendendo às suas destinações específicas, de acordo com o Plano de Desenvolvimento e Zoneamento do Porto que contém as áreas objeto de arrendamento, nos termos do Decreto 4.391/02.
3. Os processos de arrendamento de áreas e instalações portuárias cujos valores gerem receita mensal superior a R$ 50.000,00 sujeitam-se à fiscalização, prévia ou concomitante, do Tribunal de Contas da União, nos moldes previstos na IN TCU 27/98, alterada pela IN TCU 40/02, ante o disposto no Decreto 4.391/02.
4. O processo licitatório e a celebração do contrato de arrendamento de áreas e instalações portuárias dependem de prévio licenciamento do órgão ambiental competente, nos termos da Lei 8.630/93, da Resolução Antaq 55/02 e da Resolução Conama 237/1997. (grifou-se) (Acórdão nº 2338/2006 – Plenário)
(...)
9.2. determinar à Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) que:
9.2.1. em atendimento ao artigo 3º da Resolução Antaq nº 55/2002 e ao art. 8º da Resolução Conama nº 237/1997, adote as medidas a seu cargo a fim de que o procedimento licitatório em pauta não seja efetivado sem o necessário licenciamento ambiental prévio;
9.2.2. exija das autoridades portuárias explicações fundamentadas em previsões de investimentos e compromissos que balizem a determinação de percentual imposto para a cobrança de down payment em processos de arrendamento de áreas e instalações portuárias, haja vista o disposto no parágrafo único, inciso II, do art. 6º do Decreto nº 4.391/2002; (grifou-se) (Acórdão 40/2008-Plenário)
Da análise de riscos ambientais, resulta necessária a definição inclusive de medidas mitigadoras a cargo da arrendatária (§ 1º, art. 4º, da Lei 12.462/2011). De todo o modo, a entrada em operação da instalação demanda prévia licença de operação, como de regra ocorre na espécie, devendo os editais estabelecerem a obrigação do licitante vencedor em obter as licenças exigidas.
Nesse aspecto, a Medida Provisória pouco alterou, mantendo-se vigentes as legislações especiais que disciplinam a matéria.
II. 6. Da participação dos órgãos gestores de mão de obra
Relativamente à participação do OGMO, nas operações portuárias realizadas no âmbito das instalações públicas dos portos organizados, já havíamos destaca a necessidade de revisão disposições legais sobre a matéria, notadamente pelo fato de que a Convenção 137OIT não se constituía em nenhum entrave para a atuação do legislador ordinário. Na verdade aquela Convenção teve por desiderato conferir prioridade de colocação dos trabalhadores portuários, quando da modernização dos métodos e técnicas de movimentação de cargas, tornarem a mão de obra desnecessária para o desempenho das atividades.
Insisto também que a constituição do trabalhador portuário-avulso é resultado da determinação de oportunidade e conveniência da Administração Pública, porquanto, ainda em relação ao contingente existente à época da edição da Lei nº 8.630/93, foi incentivado o cancelamento do registro, mediante o pagamento de indenização, e outras vantagens (art. 59), demonstrando-se uma clara, inequívoca e deliberada intenção do legislador ordinário de extinção da categoria.
Todavia, a Medida Provisória não alterou em nada o quadro normativo relativo aos trabalhadores portuários, contratados por prazo indeterminado ou avulsos. Nesse sentido, caberá à ANTAQ elaborar os editais e contratos, tendo presente a necessidade de requisição de mão de obra ao OGMO, conforme ocorrente na vigência da Lei 8.630/93.
II.7. Da intervenção necessária do Tribunal de Contas da União
Segundo disposto no arts. 70 e 71, CF/88, estabeleceram-se as competências do Tribunal de Contas da União, para a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, com vistas a auxiliar o Congresso Nacional no exercício do controle externo, peculiar do Estado Democrático de Direito.
Induvidoso, portanto, das competências do Tribunal de Contas da União para acompanhar e fiscalizar os procedimentos licitatórios para o arrendamento das instalações portuárias integrantes do porto organizado.
Também no exercício de suas competências, aquela Corte de Contas editou a Instrução Normativa nº 27/1998, tratando especificamente do processo de “privatização”, termo que acabou por abranger os procedimentos de concessão e permissão de serviços públicos, como ocorrente na espécie. Há, portanto, regulamento específico com o fim de disciplinar o controle externo na espécie.
A propósito, na forma dos artigos 7º e 8º, da Instrução Normativa, restou fixada a rotina de submissão da licitação à prévia aprovação do certame licitatório, obrigando um passo-a-passo para as autoridades portuárias, quando da condução dos específicos procedimentos. Veja:
Art. 7º A fiscalização dos processos de outorga de concessão ou de permissão de serviços públicos será prévia ou concomitante, devendo ser realizada nos estágios a seguir relacionados, mediante análise dos respectivos documentos:
I - primeiro estágio:
a) relatório sintético sobre os estudos de viabilidade técnica e econômica do empreendimento, com informações sobre o seu objeto, área e prazo de concessão ou de permissão, orçamento das obras realizadas e a realizar, data de referência dos orçamentos, custo estimado de prestação dos serviços, bem como sobre as eventuais fontes de receitas alternativas, complementares, acessórias e as provenientes de projetos associados;
b) relatório dos estudos, investigações, levantamentos, projetos, obras e despesas ou investimentos já efetuados, vinculados à outorga, de utilidade para a licitação, realizados ou autorizados pelo órgão ou pela entidade federal concedente, quando houver;
c) relatório sintético sobre os estudos de impactos ambientais, indicando a situação do licenciamento ambiental.
II – segundo estágio:
a) edital de pré-qualificação;
b) atas de abertura e de encerramento da pré-qualificação;
c) relatório de julgamento da pré-qualificação;
d) recursos eventualmente interpostos e decisões proferidas referentes à préqualificação;
e) edital de licitação;
f) minuta de contrato;
g) todas as comunicações e esclarecimentos porventura encaminhados às empresas participantes da licitação, bem como as impugnações ao edital, acompanhadas das respectivas respostas.
III – terceiro estágio:
a) atas de abertura e de encerramento da habilitação;
b) relatório de julgamento da habilitação;
c) questionamentos das licitantes sobre a fase de habilitação, eventuais recursos interpostos, acompanhados das respostas e decisões respectivas;
d) atas de abertura e de encerramento da fase do julgamento das propostas;
e) relatórios de julgamentos e outros que venham a ser produzidos;
f) recursos eventualmente interpostos e decisões proferidas referentes à fase do julgamento das propostas.
IV – quarto estágio:
a) ato de outorga;
b) contrato de concessão ou de permissão.
§ 1º Nos casos em que expressivo número de direitos de outorga de um mesmo serviço, com procedimentos uniformes e editais padronizados, for licitado simultaneamente, o Relator poderá autorizar, de acordo com os pareceres, a utilização de técnicas de amostragem e outros procedimentos simplificados com o objetivo de selecionar as outorgas que deverão ser examinadas individualmente nos estágios previstos neste artigo, dispensando-se o exame das demais. (Acrescido pela Instrução Normativa nº 40, de 24/04/2002, BTCU nº 30/2002, DOU de 03/05/2002)
§ 2º Os procedimentos de que trata o parágrafo anterior não dispensarão o envio, nos respectivos prazos, da documentação prevista neste artigo, salvo se assim determinado pelo Relator. (Acrescido pela Instrução Normativa nº 40, de 24/04/2002, BTCU nº 30/2002, DOU de 03/05/2002)
Art. 8° O dirigente do órgão ou da entidade federal concedente encaminhará, mediante cópia, a documentação descrita no artigo anterior ao Tribunal de Contas da União, observados os seguintes prazos:
I – primeiro estágio - 30 (trinta dias), no mínimo, antes da publicação do edital de licitação;
II – segundo estágio - 5 (cinco) dias, no máximo, após:
a) a sua publicação, para o edital de pré-qualificação;
b) o resultado final do julgamento, para os documentos relacionados nas alíneas "b" a "d" deste estágio;
c) a sua publicação, para o edital de licitação, acompanhado da minuta do contrato;
d) esgotado o prazo de impugnação ao edital, para os documentos relacionados na alínea "g" deste estágio.
III – terceiro estágio - 5 (cinco) dias, no máximo, após:
a) esgotado o prazo para a interposição de recursos ao resultado do julgamento da fase de habilitação para os documentos relacionados nas alíneas "a" e "b" deste estágio;
b) as decisões proferidas sobre eventuais recursos interpostos para os documentos relacionados na alínea "c" ;
c) a homologação do resultado do julgamento das propostas para os demais documentos deste estágio.
IV – quarto estágio - cinco dias após a assinatura do termo contratual.
TCU destacou “Os estudos de viabilidade, devidamente aprovados pela Antaq, devem ser encaminhados à análise do TCU pela autoridade portuária nos termos do § 1° do art. 7° do referido Decreto c/c o art. 8º da IN n° 27/98, ou seja, a documentação deve ser enviada previamente a abertura do processo licitatório, mais precisamente, 30 dias antes da publicação do edital, a fim de que este Tribunal tenha tempo hábil para analisar a consistência e a regularidade dos estudos de viabilidade técnica, econômico-financeiro e ambiental”. (Acórdão nº 1.208/2007).
A grande novidade, agora, com a Medida Provisória 595/2012, é o fato de que os procedimentos licitatórios serão conduzidos pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ), em substituição das autoridades portuárias, conforme previsto no § 2º, do art. 6º. Veja:
Art. 6o Nas licitações dos contratos de concessão e arrendamento serão considerados como critérios para julgamento a maior movimentação com a menor tarifa, e outros estabelecidos no edital, na forma do regulamento.
§ 1o As licitações de que trata este artigo poderão ser realizadas na modalidade leilão, conforme regulamento.
§ 2o Compete à ANTAQ, com base nas diretrizes do poder concedente, realizar os procedimentos licitatórios de que trata este artigo.
§ 3o Os editais das licitações de que trata este artigo serão elaborados pela ANTAQ, observadas as diretrizes do poder concedente.
O que, em princípio, causa certa perplexidade é o fato de que, no arquétipo normativo, considerando a permanência da validade das normas editadas pelo Tribunal de Contas da União, ter-se-ia a possibilidade de inteira sujeição da Agência Reguladora, em afronta a seu regime autárquico especial, definido pelo artigo 21, da Lei nº 10.233/2001.
De fato, noutro artigo, sustentamos a autonomia funcional das agências reguladoras diz respeito à delegação legal imprimida pelo legislador ordinário, com a sanção do Poder Executivo Federal, colocando a atuação do órgão delegado numa posição de instância administrativa final, no âmbito do objeto de regulação, implicando na inexistência de vínculo hierárquico na matéria finalística da agência em face da Administração Direta. Quer dizer, as decisões tomadas pelas agências reguladoras, dentro de sua esfera de atuação, não estão sujeitas a ato revisional por outro órgão da administração pública. De modo mais explícito, não cabe recurso hierárquico das decisões adotadas pelas agências no âmbito do seu objeto de atuação finalística definida em lei.
Nessa senda, parece evidente que o controle no caso vertente será mitigado, diante do papel desempenhado pelo Ente Regulador, podendo a Corte de Contas apontar ilegalidades porventura incorridas pelos editais e contratos, porém, não poderá adentrar no juízo discricionário exercido pelo poder concedente, ou mesmo pela Agência Reguladora, neste caso quando incidir sobre aspectos técnicos da regulação.
Assim, será a prática que irá definir o nível de interferência da E. Corte de Contas, dependendo da ocupação dos poderes-deveres legitimamente delegados aos órgãos intervenientes, quando da apreciação das minutas de editais e contratos, para o arrendamento das instalações portuárias públicas.
Conclusão
Conforme disposto no art. 175, da Constituição Federal, incumbe ao Poder Público, na forma da lei, a prestação de serviço público de modo adequado, sob o regime de concessão e de permissão. Modo adequado deve ser entendido o serviço que atenda aos princípios da atualidade, continuidade, regularidade, segurança, universalidade, generalidade e da eficiência.
No âmbito infralegal, foi editada a Medida Provisória nº 595/2012, com alterações do marco regulatório da atividade portuária, assim entendida como a movimentação de cargas e pessoas, e ou armazenamento de cargas, destinadas ou provindas do transporte aquaviário.
Entre as medidas polêmicas, tem-se a centralização do processo licitatório, no âmbito da própria Agência Reguladora do serviço, ANTAQ. Doravante será a Agência Reguladora que conduzirá os procedimentos licitatórios de instalações portuárias localizadas no âmbito do porto organizado, na forma do § 2º, do art. 6º, da MP 595.
Busca-se com a medida, afastar os desvios cometidos nos últimos vinte anos pelas autoridades portuárias, contudo, sem atacar a causa efetiva. Na verdade, o que se viu foi a utilização política desses órgãos, que se constituíam em meros cabides de emprego, ou objeto de “aparelhamento” do Estado.
Novidade importante para a redução dos custos da atividade portuária incide sobre alteração do critério de julgamento das licitações para concessão, ou mero arrendamento das instalações portuárias dos portos organizados. Agora, não serão pautados pelo valor da maior outorga oferecida, mas pelo critério da menor tarifa oferecida. Aliás, como sempre defendemos, desde a edição da Lei nº 10.233/2001, por conta do conteúdo normativo do art. 28 e ss.
Assim, resta esperar a aplicação que será conferida à novel legislação, para certificar se será suficiente para superar a “anacrônica” estrutura portuária, embora, como já dissemos, há “ilhas” de eficiência nos portos, contudo, sem repassar os ganhos ao usuários, pois insuficientes para promover a concorrência, ante a completa ausência de regulação sob esse aspecto.
[1] O GLOBO. 21/2/2013. Seção: Economia.
[2] Lei nº 9.277/96, c/c parágrafo único do art. 12, da Medida Provisória 595.
[3] Assim entendida a carga de titularidade do próprio autorizatário, originária do seu próprio negócio/indústria (verticalização da cadeia produtiva); na verdade, em vez de serviço público, ter-se-ia um auto-serviço;
[4] No mesmo sentido, Maria Sylvia Zanella di Pietro afirma que o contrato de arrendamento bem poderia ser chamado de concessão de serviço público, regido pelo direito administrativo. In Uso privativo de bem público por particular. 2ª ed., São Paulo: ATLAS, 2010, pág. 256.
[5] Expressão utilizada pelo legislador ordinário como equivalente a porto público, com características próprias, estabelecidas pelo legislador ordinário.
[6] HOUAISS, Antônio e VILLAR, Mauro de Salles. 1ª ed., Rio de Janeiro: OBJETIVA, 2001, pág. 2544.
[7] Segundo Egon Bockmann Moreira “uma coisa é o pagamento unitário pelo serviço prestado, a significar a contraprestação pecuniária adimplida pelo usuário (remuneração); outras são a amortização do investimento e o benefício econômico incorporado pelo concessionário ao patrimônio dos seus sócios (lucro). Nas concessões comuns, cujo projeto é autossustentável, a tarifa há de ser a principal fonte de remuneração, amortização e lucratividade. Em suma, ela advém da composição de ao menos cinco itens: (i) benefícios aos usuários; (ii) administração do serviço e respectivos custos operacionais; (iii) lucro do investidor; (v) tributos. O percentual dessas unidades variará de concessão a concessão”. In Direito das concessões de serviço público. Inteligência da Lei 8.987/1995 (Parte Geral). São Paulo: MALHEIROS, 2010, pág. 328.
[8] Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 12ª ed., São Paulo: DIALÉTICA, 2008, págs. 497.
[9] Direito das concessões de serviço público. Inteligência da Lei 8.987/1995 (Parte Geral). São Paulo: MALHEIROS, 2010, 45/47.
Procurador Federal em exercício na Procuradoria da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ). Com pós-graduação em Direito Processual Civil pela UNISUL.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Carlos Afonso Rodrigues. Das licitações de instalações portuárias públicas, pós Medida Provisória nº 595/2012 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 mar 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34035/das-licitacoes-de-instalacoes-portuarias-publicas-pos-medida-provisoria-no-595-2012. Acesso em: 22 nov 2024.
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