I – INTRODUÇÃO.
Trata-se de estudo acerca da viabilidade jurídica de uma portaria em que estabelece os procedimentos e critérios para movimentação dos servidores públicos do quadro específico de pessoal de um órgão público, nas modalidades remoção, cessão, permuta e remanejamento.
II – DESENVOLVIMENTO.
Inicialmente, ressalva que a Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias e das fundações públicas federais, só mencionou a remoção e a redistribuição como formas de deslocamento do servidor público, vejamos:
Capítulo III
Da Remoção e da Redistribuição
Seção I
Da Remoção
Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede.
Seção II
Da Redistribuição
Art. 37. Redistribuição é o deslocamento de cargo de provimento efetivo, ocupado ou vago no âmbito do quadro geral de pessoal, para outro órgão ou entidade do mesmo Poder, com prévia apreciação do órgão central do SIPEC, observados os seguintes preceitos:(Redação dada pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
I - interesse da administração;(Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
II - equivalência de vencimentos;(Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
III - manutenção da essência das atribuições do cargo;(Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
IV - vinculação entre os graus de responsabilidade e complexidade das atividades;(Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
V - mesmo nível de escolaridade, especialidade ou habilitação profissional;(Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
VI - compatibilidade entre as atribuições do cargo e as finalidades institucionais do órgão ou entidade.(Incluído pela Lei nº 9.527, de 10.12.97)
No entanto, a Portaria em análise, além da remoção, ainda trata da cessão, da permuta e do remanejamento como formas de movimentação de servidores públicos no âmbito do órgão público, deixando de lado o instituto da redistribuição.
Em que pese aredistribuição não ter sido tratada na aludida Portaria, ela está disposta no art. 37 da Lei nº 8.122/90, conforme transcrição acima. Dessa forma, talvez por conveniência e oportunidade, a área técnica preferiu manter em silêncio a respeito dela. Assim, tem-se que o tema será regulamentado somente pela legislação federal vigente.
No que tange à cessão, ela foi contemplada no art. 93 da aludida Lei nº 8.112/90 como uma das modalidades de afastamento do cargo pelo servidor público. O Decreto nº 4.050, de 12 de dezembro de 2001, foi publicado para regulamentar este dispositivo sobre cessão de servidores.
Lei nº 8.112/90.
Art. 93. O servidor poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios, nas seguintes hipóteses: (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)(Regulamento) (Vide Decreto nº 4.493, de 3.12.2002) (Regulamento)
I - para exercício de cargo em comissão ou função de confiança; (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
II - em casos previstos em leis específicas.(Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
Verifica-se, então, que a Portaria em estudo só conceituou a cessão no art. 2º, inciso III, e a citou no art. 22, sem prever mais nenhuma regra sobre ela. Conclui-se, portanto, além da própria redação do inciso, que as cessões que vierem a ocorrer na sede do ente público, devem ser regidas pela lei e pelo decreto citados acima.
Relativamente à permuta, ela foi prevista na Constituição Federal, art. 93, VIII-A, e art. 107, § 1º, ambos referem-se à movimentação de magistrados. A Lei nº 8.112/90 não tratou deste instituto como forma de deslocamento de servidores públicos.
CF
Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:
VIII-A.A remoção a pedido ou a permuta de magistrados de comarca de igual entrância atenderá, no que couber, ao disposto nas alíneas a , b , c e e do inciso II; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
Art. 107. Os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes, recrutados, quando possível, na respectiva região e nomeados pelo Presidente da República dentre brasileiros com mais de trinta e menos de sessenta e cinco anos, sendo:
§ 1º A lei disciplinará a remoção ou a permuta de juízes dos Tribunais Regionais Federais e determinará sua jurisdição e sede. (Renumerado do parágrafo único, pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
O TCU no Acórdão 479/2006-Plenário debateu o tema ‘permuta’ entre juízes e concluiu pela impossibilidade de se fazer esta troca de magistrados entre regiões de diferentes competências, sem que houvesse uma normatização própria para isto, além de exigir que haja critérios objetivos de seleção, sob pena de ofender o princípio da legalidade – eis que falta norma específica – e da impessoalidade – tendo em vista o tratamento personificado.
Além deste comentário, o mesmo acórdão mencionou a inconstitucionalidade da permuta entre servidores públicos, conforme trecho transcrito:
“O Juiz Teori Albino Zavascki, em pedido de vista no Processo Administrativo nº 97.04.29001-2, que trata de permuta entre juízes de Regiões diferentes, assim se manifesta:
'Pedi vista para melhor exame a respeito do pedido de permuta entre juízes federais substitutos lotados em regiões diferentes. A falta de lei específica a respeito - seja para os juízes de Tribunal, seja para os juízes federais - e a jurisprudência do STF, que considera inconstitucional essa forma de provimento relativamente a servidores públicos, dão relevância aos argumentos contrários ao pedido, pelo critério da legalidade. Todavia, ainda que se pudesse superar esse empecilho, e independentemente da situação do caso concreto, considero que seria indispensável que os Tribunais interessados fixassem critérios objetivos para exame dessa espécie de pedido, dada a gama dos interesses envolvidos, não apenas dos requerentes, mas também dos demais juízes. E uma das condições que, no meu entender, deveria ser posta é a da exigência do transcurso do estágio probatório. Com isso, além de se poder colher dados mais objetivos sobre a permuta, evitar-se-ia a migração de juízes de uma para outra Região imediatamente após a nomeação para o cargo. Por tais razões, voto no sentido de indeferir o pedido. É o voto'.”
Observa, novamente, que o Estatuto do Servidor Público – Lei nº 8.112/90 – não previu a possibilidade de permuta entre servidores públicos civis da União, autarquias e fundações públicas.
Ademais, o STF no Mandado de Segurança MS 27832/DF acolheu o entendimento do Conselho Nacional de Justiça que proibiu a permuta como forma de burla à promoção e remoção. Veja a transcrição:
“Passo a apreciar o pedido de liminar. Não vislumbro, neste juízo prévio, a plausibilidade jurídica do pedido formulado no presente writ. O Conselho Nacional de Justiça se mostrou contrário à realização de permuta de juízos que envolvia um magistrado que se encontrava prestes a ser promovido para o cargo de desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão, por ser o mais antigo na entrância final. A própria certidão expedida pela Secretaria do TJMA, em 10.6.2008, asseverava que o preenchimento da vaga decorrente da aposentadoria da Desembargadora Maria Madalena Alves Serejo se daria pelo critério de antiguidade, bem como que o Juiz Raimundo Nonato Magalhães Melo era o mais antigo da entrância final e estava requerendo permuta com o Juiz Ailton Castro Aires, ora impetrante . É dizer, o Conselho Nacional de Justiça , em respeito ao princípio da impessoalidade, objetivou evitar que se burlasse , por meio desse tipo de permuta, a realização do devido processo de remoção de magistrados, ao impedir a abertura de concurso para tal. Além disso , a fumaça do bom direito não está evidenciada, diante da densidade jurídica dos argumentos postos no voto do relator e do acórdão proferido pelo Conselho Nacional de Justiça no julgamento do mencionado procedimento de controle administrativo, Conselheira Andréa Pachá, do qual destaco o seguinte excerto: '(...) constata-se que é desnecessária a existência de norma legal ou regimental expressa para que os Tribunais verifiquem a impossibilidade de prática da permuta simulada que, além de burlar os institutos da promoção e/ou remoção, viola frontalmente os princípios da Administração Pública expressos no artigo 37 da Constituição Federal de 1988.' (Fl. 406)”.
A despeito de tudo isto, acredita que não deve haver uma previsão a respeito da permuta na Portaria em debate, sob pena de sofrer qualquer censura das Cortes Superiores, tanto de Contas quanto do Poder Judiciário.
Lembra que a permuta é a troca de posicionamento entre servidores, não prevista na Lei nº 8.112/90, o que viola o princípio da impessoalidade, da legalidade, além de fazer prevalecer o interesse privado em face do interesse público.
O professor José dos Santos Carvalho Filho[1] comenta o princípio da impessoalidade nos termos seguintes:
O Princípio objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que se encontrem em idêntica situação jurídica. Nesse ponto, representa uma faceta do princípio da isonomia. Por outro lado, para que haja verdadeira impessoalidade, deve a Administração voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado, vedando-se, em conseqüência, sejam favorecidos alguns indivíduos em detrimento de outros e prejudicados alguns para favorecimento de outros. Aqui reflete a aplicação do conhecido princípio da finalidade, sempre estampado na obra dos tratadistas da matéria, segundo o qual o alvo a ser alcançado pela Administração é somente o interesse público, e não se alcança o interesse público se for perseguido o interesse particular, porquanto haverá nesse caso sempre uma atuação discriminatória.
Outro instituto inserido na Portaria em análise é o remanejamento. Este nomen juris não consta na Lei nº 8.112/90, no entanto esta Portaria o trata como uma espécie de remoção em que não haja alteração da unidade federativa de trabalho do servidor. Não obstante ser o remanejamento uma redundância à definição de remoção prevista no art. 2º, inciso IV da Portaria em análise, o conceito de remanejamento pode ser mantido na Portaria, a critério da área técnica.
No entanto, observa-se que a definição de remoção poderia ser alterada para simplesmente ser usada nos casos de mudança da unidade federativa do servidor. E, para as situações em que o servidor continua no mesmo Estado, poderia ficar enquadrado somente na possibilidade do remanejamento.
A jurisprudência afirma que o remanejamento é considerado como um ato administrativo discricionário que depende da conveniência e da oportunidade da Administração Pública, no entanto este ato deve obedecer aos princípios gestores de qualquer ato administrativo, conforme previsão do RMS 25125/SP do STJ; do Processo nº 1.0440.05.000957-8/001(1) do TJMG; da Apelação Cível nº 464.417-7 do TJPR e do MS nº 200900010033975/PI do TJPI.
Superado estas formas de movimentação de servidor público, passa-se a comentar a remoção. A Portaria em estudo seguiu o conceito de remoção previsto no caput do art. 36 da Lei nº 8.112/90, como: “o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede”.
O professor Paulo de Matos Ferreira Diniz[2] ensina que remoção: “é o simples deslocamento de servidor dentro do mesmo órgão ou entidade, sem que isso determine qualquer alteração em seu cargo. Poderá ocorrer com ou sem mudança de sede. Assim, remoção é preenchimento de cargo na lotação. A remoção será a pedido do servidor ou por interesse da administração”.
Assim, a remoção e os demais institutos até aqui estudados, como atos administrativos que são devem obedecer, na forma da Lei nº 9.784/99, entre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.
III – CONCLUSÃO.
Por todo o exposto, entende que é juridicamente viável que um órgão público edite portaria ou qualquer outro ato normativo para regular internamente como se dará a movimentação do pessoal. No entanto, essa normatização interna não pode ofender as leis vigentes e devem respeitar os entendimentos jurisprudências.
Dessa feita, acredita-se que a remoção, cessão e remanejamento são possíveis até mesmo em nome do interesse público, da satisfação do servidor público que será mais eficiente e etc. Todavia, a permuta deve ser eliminada do mundo jurídico, relativamente a servidores públicos, em face de não haver previsão legal, de ser rechaçada pelos Cortes Superiores, tanto de Contas quanto do Poder Judiciário, bem como ser contrária ao interesse público, posto que ela atende exclusivamente o interesse privado.
IV – REFERÊNCIAS.
CARVALHO FILHO. José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª Edição, Lúmen Júris – Rio de Janeiro – 2010, p;22.
DINIZ. Paulo de Matos Ferreira. Lei nº 8.112/90 Comentada. Método. São Paulo, 2009.
[1]In Manual de Direito Administrativo. 23ª Edição, Lúmen Júris – Rio de Janeiro – 2010, p;22.
[2] DINIZ, Paulo de Matos Ferreira. Lei nº 8.112/90 Comentada. Método. São Paulo, 2009.
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Movimentação de servidores públicos: remoção, cessão, permuta e remanejamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 mar 2013, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34047/movimentacao-de-servidores-publicos-remocao-cessao-permuta-e-remanejamento. Acesso em: 22 nov 2024.
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