I – INTRODUÇÃO
Trata-se da análise para saber se a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) pode bloquear o acesso das empresasdo setor ao Sistema de Serviços de Telecomunicações (STEL) em virtude da falta de pagamento de multas aplicadas em decorrência do descumprimento de obrigações legal e regimentalmente impostas a elas.
II – DESENVOLVIMENTO.
As empresas de telecomunicações alegam que a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações) não pode bloquear o acesso delas ao Sistema de Serviços de Telecomunicações (STEL) em virtude da falta de pagamento de multas aplicadas em decorrência do descumprimento de obrigações legal e regimentalmente impostas a elas, posto que o dispositivo em destaque (art. 15, III e § 1º, do Regulamento do FISTEL) seria ilegal e inconstitucional.
No entanto, entende-se que o mencionado artigo está em conformidade com o ordenamento jurídico pátrio, o que é facilmente observado diante de uma correta interpretação da legislação pertinente, como demonstraremos a seguir.
De início, é oportuno esclarecer que uma das atribuições da Anatel, estabelecida na Lei Geral de Telecomunicações (LGT) é adotar medidas necessárias a fim de garantir o atendimento do interesse público, dentre elas, é fiscalizar a prestação do serviço de telecomunicações, aplicando, se for o caso, sanções correspondentes ao dano causado, conforme dispõe o art. 19 da Lei nº 9.472/97, ad litteris:
Art. 19. À Agência compete adotar as medidas necessárias para o atendimento do interesse público e para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras, atuando com independência, imparcialidade, legalidade, impessoalidade e publicidade, e especialmente:
VI - celebrar e gerenciar contratos de concessão e fiscalizar a prestação do serviço no regime público, aplicando sanções e realizando intervenções;
XI - expedir e extinguir autorização para prestação de serviço no regime privado, fiscalizando e aplicando sanções;
XVIII - reprimir infrações dos direitos dos usuários;
XIX - exercer, relativamente às telecomunicações, as competências legais em matéria de controle, prevenção e repressão das infrações da ordem econômica, ressalvadas as pertencentes ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE;
Desse modo, caso a Anatel verifique que uma prestadora de serviço de telecomunicações não está atendendo aos padrões legal e regimentalmente fixados, deve-se apurar as ocorrências e, verificada a irregularidade, aplicar a sanção, a fim de coibir que novas práticas infracionais voltem a ser cometidas.
De praxe, o órgão regulador autua as empresas, notifica-as para apresentar defesa, garante-lhes a ampla defesa e o contraditório, decide motivadamente a respeito de cada infração, enquadra a infração na natureza grave, média ou leve, e aplica a penalidade, que pode ser multa.
Geralmente, o procedimento adotado internamente na autarquia é dar ciência à empresa da decisão condenatória a alguma penalidade, oportunizar o direito da interposição de recurso e, ainda, de pedido de reconsideração. Após todo esse trâmite, forma-se o trânsito em julgado administrativo. Caso tenha havido aplicação de penalidade na modalidade multa e ela não seja paga ou não tenha sua exigibilidade suspensa (p. ex., por uma ação judicial específica), constituiu-se definitivamente a dívida e, consequentemente, mostra-se a situação de irregularidade fiscal das empresas.
Com esta situação de irregularidade fiscal, a empresa sofrerá consequências, dentre elas, o bloqueio do STEL e a instauração do processo para cassação de outorga para explorar o serviço de telecomunicação.
Para facilitar a compreensão do que será esposado aqui, passar-se-á a estudar a abrangência do termo “regularidade fiscal”, cujo conteúdo abarca qualquer inadimplemento existente no Poder Público, tributário e não-tributário, à semelhança do que ocorre na Administração Direta, uma vez que o Decreto nº 6.106/2007, que dispõe sobre a prova da regularidade fiscal, exigiu para tal fim tanto certidão negativa de contribuições e tributos federais da Dívida Ativa da União, compreendida, esta última, conforme o art. 2º, § 2º, da Lei nº 6.830/80 e o art. 39 da Lei nº 4.320/64, em tributária e não-tributária, in verbis:
Decreto nº 6.106/2007.
Art. 1o A prova de regularidade fiscal perante a Fazenda Nacional será efetuada mediante apresentação de:
I - certidão específica, emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, quanto às contribuições sociais previstas nas alíneas “a”, “b” e “c” do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, às contribuições instituídas a título de substituição e às contribuições devidas, por lei, a terceiros, inclusive inscritas em dívida ativa do Instituto Nacional do Seguro Social e da União, por ela administradas; (Redação dada pelo Decreto nº 6.420, de 2008)
II - certidão conjunta, emitida pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, quanto aos demais tributos federais e à Divida Ativa da União, por elas administrados.
Lei nº 6.830/80.
Art. 2º - Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não tributária na Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal.
§ 2º - A Dívida Ativa da Fazenda Pública, compreendendo a tributária e a não tributária, abrange atualização monetária, juros e multa de mora e demais encargos previstos em lei ou contrato. (grifos nossos)
Lei nº 4.320/64.
Art. 39. § 2º - Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multa de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, alugueis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de subrogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais. (Incluído pelo Decreto Lei nº 1.735, de 20.12.1979)
Ademais disso, conclui-se que a lei de execução fiscal se aplica à União e suas respectivas autarquias, além de incluir na definição de dívida ativa os créditos tributários e não-tributários. Essa afirmação está fulcrada no art. 37-A, § 1º, da Lei nº 10.522/2002, alterado pela Lei nº 11.941/2009, assim:
Art. 37-A. Os créditos das autarquias e fundações públicas federais, de qualquer natureza, não pagos nos prazos previstos na legislação, serão acrescidos de juros e multa de mora, calculados nos termos e na forma da legislação aplicável aos tributos federais. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 1o Os créditos inscritos em Dívida Ativa serão acrescidos de encargo legal, substitutivo da condenação do devedor em honorários advocatícios, calculado nos termos e na forma da legislação aplicável à Dívida Ativa da União. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
A propósito, em resumo, tem-se que pelo § 2º do art. 39 da Lei nº 4.320/64 as multas de qualquer origem ou natureza aplicadas pela Administração Pública enquadra-se na categoria de Dívida Ativa não-Tributária.
Esta dívida não-tributária integra o conceito de Dívida Ativa da Fazenda Pública, nos termos do § 2º do art. 2º da Lei nº 6.830/80. Como para estar com a regularidade fiscal em dia necessita-se de uma certidão conjunta quanto à dívida ativa da Administração Pública, de acordo com o art. 1º, II, do Decreto nº 6.106/2007, conclui-se que a dívida decorrente de aplicação de multa administrativa impede que a parte interessada tenha reconhecida sua regularidade fiscal.
Não só diante da existência desses atos normativos, deve-se mencionar, ainda, que a Anatel tem regulamento próprio expresso no sentido de que se constitui situação de irregularidade fiscal as dívidas tributárias e não-tributárias, haja vista a Resolução nº 255/2001, em seu art. 15, § 1º, que condiciona o deferimento de qualquer pedido administrativo apresentado à autarquia se houver comprovação da regularidade quanto ao recolhimento das receitas do Fistel, e as referidas receitas, nos termos do art. 2º da Lei nº 5.070/66, não abordam somente tributos, mas também o pagamento pela outorga, multa e indenizações. Vejamos:
Lei nº 5.070, de 7 de julho de 1966 (Cria o Fundo de Fiscalização das Telecomunicações – Fistel)
Art. 2º. O Fundo de Fiscalizações das Telecomunicações – FISTEL é constituído das seguintes fontes:
c) relativas ao exercício do poder concedente dos serviços de telecomunicações, no regime público, inclusive pagamentos pela outorga, multas e indenizações. (grifos nosso)
d) relativas ao exercício da atividade ordenadora da exploração de serviços de telecomunicações, no regime privado, inclusive pagamentos pela expedição de autorização de serviço, multas e indenizações;
Resolução nº 255, de 29 de março de 2001
Art. 15. § 1º. O pedido de qualquer natureza apresentado à Anatel, por parte de Prestadora, somente será analisado conclusivamente se o requerente comprovar regularidade quanto ao recolhimento das receitas do Fistel, exceto alteração cadastral por mudança de endereço de correspondência e sede, razão social, CGC/CPF, cancelamento de licença e extinção de Concessão, Permissão ou Autorização de Serviços de Telecomunicações e de uso de radiofrequência, ou do Direito de Exploração de Satélite Brasileiro ou da autorização de Direito de Exploração de Satélite Estrangeiro no Brasil.
Neste mesmo sentido, o art. 22 da já citada Resolução nº 255/2001, também classifica a multa decorrente de processos sancionatórios como receita do Fistel, in verbis:
SEÇÃO I
Das Receitas de Concessão, Permissão, Autorização, Direito de Uso de Radiofreqüência e Outras
Art. 22. A Multa por Infração corresponderá ao valor devido por infração à regulamentação dos serviços de telecomunicações, e poderá ser imposta isoladamente ou em conjunto com outra sanção.
Dessa feita, cabe afirmar que a Anatel pode, dentro do princípio da legalidade, bloquear o acesso das empresas do setor de telecomunicações ao STELquando houver falta de pagamento de multas administrativas, tendo em vista que:
a) a aplicação de multa é cabível à autarquia com base no art. 19, da Lei nº 9.472/97;
b) Caso a multa não seja paga ou tenha sua exigibilidade suspensa, ela será constituída em Dívida Ativa, eis que se trata de uma dívida não-tributária, com suporte no art. 1º, II, do Decreto nº 6.106/2007, c/c art. 2º, § 2º, da Lei nº 6.830/80, c/c art. 39, § 2º, da Lei nº 4.320/64 e c/c art. 37-A, § 1º, da Lei nº 10.522/2002;
c) Por estar em aberto uma dívida não-tributária que compõe as receitas do Fistel, baseado no art. 2º, c, da Lei nº 5.070/1966 e art. 22 da Resolução n. 255/2001; as empresas se encontram em situação de irregularidade, o que as permite ter o acesso ao STEL bloqueado, com fulcro no art. 15, § 1º, da Resolução nº 255/2001.
Por fim, entende que o desfecho acima está em conformidade com a legislação em vigência, tendo em vista que, como há disposição legal determinando que as empresas sempre mantenham as suas situações de regularidade fiscal enquanto perdurarem as concessões/autorizações para a exploração dos serviços de telecomunicações, afigura-se razoável limitar a expansão do serviço quando as operadoras estiverem em débito com a agência reguladora, descumprindo suas obrigações legais e contratuais, nos termos do art. 133, II, c/c art. 139, ambos da LGT, in verbis:
Lei nº 9.472/97 (LGT)
Art. 133. São condições subjetivas para obtenção de autorização de interesse coletivo pela empresa:
III – dispor de qualificação técnica para bem prestar o serviço, capacidade econômica-financeira, regularidade fiscal e estar em situação regular com a Seguridade Social.
Art. 139. Quando houver perda das condições indispensáveis à expedição ou manutenção da autorização, a Agência poderá extingui-la mediante ato de cassação.
Com isso, a irregularidade fiscal decorrente da falta de pagamento de multa imposta administrativamente, que faz parte da receita do FISTEL, permite à Anatel bloquear o acesso das concessionárias ao STEL. E mais, o art. 139 da LGT autoriza a abertura de processo de cassação nestes mesmos casos de irregularidade fiscal.
Diante do brocardo “quem pode o mais, pode o menos”, acredita-se que a Anatel pode bloquear o acesso ao sistema, dentro dos parâmetros legais e constitucionais, posto que se a LGT autoriza a abertura de processo de cassação, que é “o mais”, esta Agência Reguladora também pode “o menos”, que é bloquear o acesso ao STEL das empresas em situação de irregularidade fiscal.
Só a título de exemplo para demonstrar mais uma necessidade de as empresas manterem-se em situação de regularidade fiscal, além desta demonstração para obtenção de autorizações/concessões dos serviços públicos de telecomunicações (art. 133, III, da LGT), também deve ser exigível a regularidade fiscal para anuências prévias, nos termos dos arts. 97, 98, inciso II, e 136, § 2º, todos do mesmo diploma legal já referido (LGT), vejamos:
Art. 97. Dependerão de prévia aprovação da Agência a cisão, a fusão, a transformação, a incorporação, a redução do capital da empresa ou a transferência de seu controle societário.
Parágrafo único. A aprovação será concedida se a medida não for prejudicial à competição e não colocar em risco a execução do contrato, observado o disposto no art. 7° desta Lei.
Art. 98. O contrato de concessão poderá ser transferido após a aprovação da Agência desde que, cumulativamente: (...)
II - o cessionário preencha todos os requisitos da outorga, inclusive quanto às garantias, à regularidade jurídica e fiscal e à qualificação técnica e econômico-financeira;
(...)
Art. 136. (...) § 2° As prestadoras serão selecionadas mediante procedimento licitatório, na forma estabelecida nos arts. 88 a 92, sujeitando-se a transferência da autorização às mesmas condições estabelecidas no art. 98, desta Lei.
Na mesma linha, a manutenção da regularidade fiscal das prestadoras deve perdurar durante toda a execução do contrato de concessão, posto que é uma das condições subjetivas de habilitação exigidas à época da licitação, nos termos do art. 93, inciso XIII, da LGT, verbis:
Art. 93. O contrato de concessão indicará: (...)
XIII - a obrigação de manter, durante a execução do contrato, todas as condições de habilitação exigidas na licitação;
Assim, com as empresas do setor precisam manter-se em situação de regularidade fiscal durante toda a vigência do contrato de concessão ou termo de autorização, sob pena de sofrer cassação da outorga para exploração do serviço de telecomunicações, essas mesmas empresas também podem sofrer outras consequências legais, tais como terem seus nomes inscritos em dívidas ativas, em órgãos de proteção de crédito e, até mesmo, terem o acesso ao STEL bloqueado.
III – CONCLUSÃO.
Diante de tudo isso, tem-se que a Anatel pode aplicar a multa administrativamente em face de descumprimentos de atos normativos; caso não haja pagamento nem outra forma de suspensão da exigibilidade da multa, a Anatel pode bloquear o STEL e abrir processo de cassação em face das empresas, tudo nos termos do ordenamento jurídico citado acima.
Procuradora Federal lotada na PFE/Anatel, pertencente à Gerência de Contenciosa desta Agência. Sou Especialista em Direito Administrativo e em Direito Constitucional.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORELO, Ludimila Carvalho Bitar. Da legalidade do art. 15, III e § 1º, do Regulamento do FISTEL Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 mar 2013, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34061/da-legalidade-do-art-15-iii-e-1o-do-regulamento-do-fistel. Acesso em: 22 nov 2024.
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