SUMÁRIO: Introdução. 1. A saúde como dever do Estado. 2. A responsabilidade solidária dos entes federados. Considerações Finais. Referências.
RESUMO: O presente artigo tem por objetivo fazer uma breve análise acerca do direito fundamental à saúde, dando-se ênfase à obrigação do Estado em fornecer ao indivíduo todas as ações e serviços indispensáveis à concretização desse direito, obrigação essa que neste trabalho defende-se ser de responsabilidade solidária dos entes federados: União, Estado e Município.
PALAVRAS-CHAVE: direito à saúde – entes federados - responsabilidade solidária.
INTRODUÇÃO
O direito à saúde goza no ordenamento jurídico pátrio o status de direito fundamental social, com previsão no art. 6º, caput, da Constituição Federal de 1988.
Encontra-se intrinsecamente relacionado ao princípio da dignidade da pessoa humana, um dos pilares sobre os quais se assenta a República Federativa do Brasil, conforme dispõe o art. 1º da Carta Magna.
Também constitui consequência constitucional indissociável do direito à vida, direito fundamental a todos assegurado pelo art. 5º da nossa atual Carta Política.
Pondera-se, assim, que a saúde constitui condição essencial à dignidade da pessoa humana, senão à própria vida, cabendo ao Estado assegurá-la como direito de todo indivíduo.
Impende destacar a amplitude do direito fundamental à saúde, que deve ser visto não só como a mera ausência de afecções ou doenças, compreendendo, além do bem estar físico, o completo bem estar mental e espiritual do ser humano.
Nesse sentido a definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), segundo a qual “a saúde é um estado de complexo bem-estar físico, mental e social e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.
Dessa forma, quanto ao objeto da obrigação assistencial de saúde, podemos dizer que cabe ao Poder Público o dever de fornecer não apenas medicamentos, mas também os tratamentos, incluindo exames e cirurgias, que se fizerem necessários à efetivação do direito fundamental à saúde (SLAIBI: 2010).
Segundo LENZA (2010), os direitos sociais gozam de uma dupla vertente, especialmente no tocante à saúde, que ganha destaque enquanto direito social no texto de 1988. A primeira, de natureza negativa, impõe que o Estado ou terceiros se abstenham de praticar atos que prejudiquem terceiros. A segunda, de natureza positiva, busca fomentar um Estado prestacionista para implementar o direito social.
Desse modo, o direito à saúde consubstancia-se em um direito público subjetivo, exigindo do Estado uma atuação positiva para sua eficácia e garantia.
1. A SAÚDE COMO DEVER DO ESTADO
O tema do direito à saúde é de tamanha relevância que voltou a ser tratado pelo constituinte de 1988 no Título VIII – Da Ordem Social, dentro do capítulo II - Da Seguridade Social, no art. 196 e seguintes.
Destaca o art. 196 que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Depreende-se do citado artigo que é de responsabilidade do Estado a concretização do direito fundamental à saúde, através de políticas públicas que contemplem ações e serviços voltados a sua promoção, proteção e recuperação.
Dessa forma, inconcebível que o Estado tente se eximir do cumprimento de tal mister que lhe fora constitucionalmente imposto. Se assim o fizer, estará violando um dos princípios basilares do Estado Democrático de Direito - adignidade da pessoa humana.
2. A RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS
A análise dos artigos 196, 197 e 198, da Constituição Federal de 1988, permite a conclusão de que a União, juntamente com Estados e Municípios, são responsáveis, de forma solidária, por assegurar o direito de todos à saúde. Senão vejamos:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I - descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II - atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
I - participação da comunidade.”
Contudo, o que se tem observado é que, quando demandados isoladamente nas ações cuja causa de pedir está relacionada à negativa de alguma prestação na área de saúde pelo Sistema Único de Saúde - SUS, os entes federados têm tentado se eximir de sua responsabilidade, sustentado a tese de ilegitimidade passiva ad causam ou requerendo o chamamento ao processo dos demais entes federados.
Felizmente, tais arguições não têm encontrado acolhida em nossos Tribunais.
Isso porque o Supremo Tribunal Federal, em sua composição plena, no julgamento da Suspensão de Segurança 3.355-AgR/RN, fixou entendimento no sentido de que a obrigação dos entes da federação no que tange ao dever fundamental de prestação de saúde é solidária.
No mesmo sentido se posicionou o Ministro Gilmar Mendes no voto proferido nos autos da Suspensão da Tutela Antecipada 175-AgR/CE, de cujo corpo se extraiu o trecho abaixo:
“O dispositivo constitucional deixa claro que, para além do direito fundamental à saúde, há o dever fundamental de prestação de saúde por parte do Estado (União, Estados, Distrito Federal de Municípios).
O dever de desenvolver políticas públicas que visem à redução de doenças, à promoção, à proteção e à recuperação da saúde esteá expresso no art. 196.
A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis pela Saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestação na área de saúde.
O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da Federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.”
De se destacar que tramita no Supremo Tribunal Federal a Proposta de Súmula Vinculante nº 4, que propõe tornar vinculante o entendimento jurisprudencial a respeito da responsabilidade solidária dos entes da federação no atendimento das ações de saúde. A proposta, entretanto, teve sua tramitação sobrestada por decisão da Min. Ellen Gracie, Presidente da Comissão de Jurisprudência, e está aguardando a apreciação do mérito do RE 566.471/RN.
Na esteira do entendimento jurisprudencial, não se pode olvidar o disposto no art. 275, do Código Civil Brasileiro, acerca da solidariedade passiva, in verbis:
Art. 275.O credor tem direito a exigir e receber de um ou de alguns dos devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum; se o pagamento tiver sido parcial, todos os demais devedores continuam obrigados solidariamente pelo resto.
Parágrafo único. Não importará renúncia da solidariedade a propositura de ação pelo credor contra um ou alguns dos devedores.
Resta claro assim que a responsabilidade solidária não gera litisconsórcio passivo necessário entre os entes federativos, uma vez que a satisfação do direito à saúde pode ser requerida apenas em face de algum deles, o qual estará obrigado a realizar individualmente a prestação.
Por outro lado, a responsabilidade direta de um ente pelo fornecimento da prestação não retira a legitimidade passiva dos demais, os quais, no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação por parte do primeiro, deverão cumpri-la em caráter subsidiário e solidário.
Dessa forma, diante da negativa do SUS em fornecer ao administrado um medicamento ou tratamento que lhe seja essencial, poderá este demandar a prestação de todos os entes conjuntamente ou de apenas um deles isoladamente, conforme lhe seja mais conveniente, posto que a solidariedade é posta em seu favor como uma garantia à concretização do direito fundamental à saúde.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se do exposto que CF/88 abraçou a saúde como um direito fundamental, dispondo expressamente em seu art. 196 ser ela “direito de todos e dever do Estado”.
Como forma de se garantir a efetividade do direito à saúde, achou por bem o legislador constituinte atribuir aos entes federados – União, Estados e Municípios – responsabilidade solidária pela sua prestação.
Assim, é facultado ao indivíduo que demande qualquer prestação na área da saúde formular sua pretensão em face de todos os entes solidariamente obrigados ou de apenas um deles individualmente, cabendo essa escolha somente a ele.
A solidariedade representa, assim, para quem depende da prestação do Estado, verdadeira garantia da concretização do direito fundamental à saúde.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
BORGES, Felipe Dezorzi. A legitimidade passiva da União para as ações de tutelas de saúde. Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2969, 18ago.2011 . Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/19796>. Acesso em: 3 jul. 2012.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
______. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
______. Supremo Tribunal Federal. Agravo Regimental na Suspensão de Tutela Antecipada nº 175-CE. Agravante: União. Agravados: Ministério Público Federal, Clarice Abreu de Castro Neves, Município de Fortaleza e Estado do Ceará. Relator: Min. Gilmar Mendes (Presidente). Tribunal Pleno. Julgamento: 17/03/2010. Publicação: DJ 30/04/2010.
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14. ed. - São Paulo: Saraiva, 2010.
MACHADO, Deusa Helena Gonçalves; MATEUS, Elizabeth do Nascimento. Breve reflexão sobre a saúde como direito fundamental. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 83, dez 2010. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8747&revista_caderno=9>. Acesso em 02 jul 2012.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 25. ed. – São Paulo: Atlas, 2010.
SANTOS, Mayara Araujo dos. Fornecimento de medicamentos: um conflito entre os entes federativos e o poder judiciário. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 92, set 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10193&revista_caderno=9>. Acesso em 02 jul 2012.
TORRES, Fabio Camacho Dell' Amore. Direito à saúde e a responsabilidade solidária dos entes federativos. ConteudoJuridico, Brasilia-DF: 10 fev. 2012. Disponivel em: <http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.35767&seo=1>. Acesso em: 27 jun. 2012.
Graduando em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros - UNIMONTES
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Adriano Ferreira de. Responsabilidade solidária dos entes federados pela concretização do direito fundamental à saúde Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 mar 2013, 06:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34088/responsabilidade-solidaria-dos-entes-federados-pela-concretizacao-do-direito-fundamental-a-saude. Acesso em: 22 nov 2024.
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