1. Introdução
A presente produção científica tem como escopo o estudo da responsabilidade civil do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional. Nesse artigo, serão abordadas todas as nuances que envolvem esse tema, colocando todos os esclarecimentos necessários para melhor compreensão desse trabalho científico.
A responsabilidade civil do Estado, no nosso ordenamento jurídico, é em regra objetiva. Todavia, em se tratando de responsabilidade civil do Estado por atos jurisdicionais, a responsabilidade deve ser objetiva? Em relação ao dano gerado ao jurisdicionado pela morosidade judicial, o Estado pode ser responsabilizado? Qual o posicionamento dos tribunais sobre o tema em tela? Portanto, todos esses e outros questionamentos serão elucidados nesse presente trabalho.
O tema proposto justifica-se pela necessidade urgente de criação de precedentes jurisprudenciais acerca da possibilidade do Estado vir a ser responsabilizado pela morosidade judicial. Não se justifica mais o jurisdicionado pagar pelo mau funcionamento da justiça. Afinal, é dever do Estado proporcionar uma prestação jurisdicional eficiente e ágil, não podendo se eximir dessa responsabilidade.
A importância deste estudo mostra-se relevante a partir do momento que a morosidade da justiça vem causando violações aos direitos fundamentais dos indivíduos e o Estado não vem tomando nenhuma posição proativa na melhoria desse problema. Nesse sentido, a busca reparatória contra o Estado seria um meio de forçá-lo a implementar essas melhorias no Poder Judiciário.
A morosidade na prestação jurisdicional é um grande problema que norteia o Poder Judiciário brasileiro na atualidade. A lentidão no julgamento dos processos acarreta descrédito da população perante a instituição judiciária, por não ver concretizado em tempo hábil a resolução dos conflitos.
O simples fato de a Constituição Federal preceituar, no seu art. 5º, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”, não tem sido uma garantia de uma rápida e efetiva prestação jurisdicional tão almejada por aqueles que a todo instante batem as portas do Judiciário.
Considerando, ainda, que a Emenda Constitucional nº. 45/2004 incluiu como direito fundamental do cidadão a “razoável duração do processo”, mister se faz tracejar comentários acerca desse novo princípio constitucional e a possível responsabilização do ente estatal pela demora na entrega da prestação jurisdicional.
2 A Responsabilidade Civil do Estado pela morosidade na prestação jurisdicional
2.1 Considerações iniciais
A morosidade na prestação jurisdicional é um grande problema que norteia o Poder Judiciário brasileiro na atualidade. A lentidão no julgamento dos processos acarreta descrédito da população perante a instituição judiciária, por não ver concretizado em tempo hábil a resolução dos conflitos.
O simples fato de a Constituição Federal preceituar, no seu art. 5º, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito”, não tem sido uma garantia de uma rápida e efetiva prestação jurisdicional tão almejada por aqueles que a todo instante batem as portas do Judiciário.
Considerando, ainda, que a Emenda Constitucional nº. 45/2004 incluiu como direito fundamental do cidadão a “razoável duração do processo”, mister se faz tracejar comentários acerca desse novo princípio constitucional e a possível responsabilização do ente estatal pela demora na entrega da prestação jurisdicional.
2.2 A prestação jurisdicional como direito subjetivo fundamental
O direito à jurisdição é um direito subjetivo fundamental do cidadão, sendo tal garantia assegurada pela Carta Magna de 1988. Por meio dessa garantia constitucional, qualquer pessoa que julgue ter algum direito violado pode acessar a justiça e ir em busca da prestação jurisdicional.
Sobre o assunto, a Ministra Carmem Lúcia (1993, p.33) assim se manifestou: “o direito à jurisdição é o direito público subjetivo constitucionalmente assegurado ao cidadão de exigir do Estado a prestação daquela atividade. A jurisdição é então, de uma parte, direito fundamental do cidadão, e, de outra, dever do Estado”.
Extrai-se, portanto, que sendo a jurisdição um direito subjetivo dos indivíduos e também um dever do Estado, cabe ao ente estatal prestá-la com efetividade e eficiência, sob pena de ser responsabilizado pela sua desídia na entrega de tal função para qual foi incumbido.
Sobre o tema prelecionam Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido Rangel Dinamarco (2003, p.33):
Acesso à justiça não se identifica, pois, com a mera admissão do processo, ou possibilidade de ingresso em juízo [...] para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defenderem-se adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos); mas, para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais.
Assim, não basta ao jurisdicionado o acesso amplo à justiça, é necessário que a jurisdição seja ágil, sendo apta a proporcionar o direito pela qual se disputa, ou seja, que a justiça venha realmente a se concretizar em um espaço curto de tempo, sob pena de se restar frustrada a tutela jurisdicional tão almejada pelos jurisdicionados.
2.3 A garantia constitucional da razoável duração do processo e da celeridade processual
A Emenda Constitucional nº. 45/2004, que ficou conhecida como “Reforma do Poder Judiciário’’, inseriu, no rol do art.5º, o inciso LXXVIII, estabelecendo que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação“.
A reforma do Poder Judiciário teve como escopo tornar esse poder mais célere e tal objetivo só pode ser concretizado se for oferecido aos jurisdicionados uma justiça ágil, que ministre a jurisdição com celeridade, não prejudicando os cidadãos que buscam resolver seus litígios através do Estado.
Entretanto, se Poder Público é o responsável pela aplicação do ordenamento jurídico aos constantes conflitos que afloram no seio da sociedade, deve o mesmo exercer com afinco esse mister, não podendo abalar as expectativas dos jurisdicionados, afrontando suas garantias constitucionais.
Com esse novo dispositivo constitucional, somado a outras garantias previstas na Constituição Cidadã de 1988, a exemplo do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal, procurou ampliar-se os meios de realização da justiça social.
Vale ressaltar que, antes do nascedouro desse dispositivo constitucional, já havia previsão, em nosso ordenamento jurídico, da duração razoável do processo, fazendo presente no art.8º, inciso I, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto da São José da Costa Rica), do qual o Brasil é signatário, sendo inserido na nossa legislação através do Decreto de nº. 678, de 06 de novembro de 1992.
Observemos a transcrição legal do dispositivo da Convenção:
Art. 8º, inciso I. Toda pessoa tem o direito a ser ouvida com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido com antecedência pela lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de ordem civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outro caráter.
A Carta Magna brasileira estabelece, em seu artigo 5º, § 2º, que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Nesse contexto, poderíamos dizer que a obrigatoriedade do Estado propiciar uma duração razoável do processo já permeava nosso sistema jurídico pátrio, não nos moldes de status constitucional, mas na forma de tratados internacionais, que, segundo interpretação do Supremo Tribunal Federal, adentravam o nosso ordenamento jurídico com caráter de normas ordinárias.
No mesmo sentido, a doutrina pátria, em oportunidades anteriores, já asseverava que o acesso amplo à justiça, esculpido no art. 5º, inciso XXXV, não oferecia aos jurisdicionados apenas o direito de ação, mas também uma justiça rápida, efetiva e adequada. Vejamos a lição de Freddie Didier Junior (2002, p.28):
O conteúdo desta garantia de acesso à justiça era entendido, durante muito tempo, apenas como a estipulação do direito de ação e do juiz natural. Sucede que a mera afirmação destes direitos em nada garante a sua efetiva concretização. É necessário ir-se além. Surge, assim, a noção de tutela jurisdicional qualificada. Não basta a simples garantia formal do dever do Estado de prestar a Justiça; é necessário adjetivar esta prestação estatal, que há de ser rápida, efetiva e adequada.
Portanto, inobstante a já existência da razoável duração do processo, seja na Convenção Americana de Direitos Humanos ou implicitamente no art.5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o acréscimo do novo dispositivo constitucional, que passou a integrar o rol de direitos e garantias fundamentais, enfatizou ainda mais a obrigatoriedade do ente estatal em propiciar aos jurisdicionados a finalização dos processos em tempo razoável.
Insta elucidar que o dispositivo constitucional da duração razoável do processo tem aplicabilidade imediata. Entretanto, alguns doutrinadores defendem ser essa norma de natureza programática, ou seja, que visa estabelecer apenas um programa de atuação futura para os órgãos constituídos.
Em que pese exista esse posicionamento, este ressoa minoritário, não havendo dúvidas de que se trata de uma norma de eficácia imediata, já que a própria Constituição Federal de forma expressa, em seu art.5º, parágrafo 1º, diz que “as normas definidoras do direito e garantias fundamentais tem aplicação imediata”.
Bastante esclarecedor, são os ensinamentos de Alessandra Mendes Spalding (2005, p. 33):
Ao que parece, a grande importância de o direito à tutela jurisdicional tempestiva ser caracterizado como direito fundamental reside na possibilidade de sua aplicação imediata. Apesar de ainda existir discussão na doutrina nacional e estrangeira sobre a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais, a redação do art. 5o, parágrafo. 1º, da CF brasileira não deixa dúvidas ao estabelecer que ‘as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
Dessa forma, sendo o princípio da duração razoável do processo um direito fundamental, resta superada qualquer dúvida a respeito da sua aplicabilidade imediata.
2.4 A responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais
Nas palavras de Arruda Alvim (1934, p.49 -50) a atividade jurisdicional é “aquela realizada pelo Judiciário, tendo em vista aplicar a lei a uma hipótese controvertida, mediante processo regular, produzindo, afinal, coisa julgada, com o que substitui, definitivamente a atividade e vontade das partes”.
Desse modo, a função jurisdicional tem como escopo substituir a vontade daqueles que litigam num processo judicial pela vontade do Estado, sendo este o único detentor dessa prerrogativa.
Nos primórdios da civilização, as partes conflitantes eram responsáveis pelas resoluções dos próprios conflitos, não existindo a figura do Estado como solucionador dessas tensões. Esse instituto ficou conhecido como autotutela, possuindo como elemento caracterizador o uso da força como meio hábil a resolução das contendas.
Atualmente, um terceiro, denominado Estado, detém o monopólio da jurisdição, detendo a prerrogativa de aplicação do direito aos casos conflitantes que surgem no âmbito da sociedade. Nesse contexto, possui o ente estatal um papel de protagonista na realização da justiça e da pacificação social.
A atividade jurisdicional deve ser visualizada como sendo um serviço público prestado pelo Estado, até porque a prestação jurisdicional é uma atividade exclusiva do Poder Público, ou seja, uma atividade típica do Estado judicial, não havendo motivos para não enquadrá-la nessa qualidade.
Nas palavras de Edmir Netto Araújo (1981, p. 45) o serviço público é “toda atividade exercida pelo Estado, através de seus poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), para realização direta ou indireta de suas finalidades”.
Como é perceptível, o serviço público não se atém à atividade administrativa prestada pelo Estado, englobando as atividades desempenhadas pelo Poder Legislativo e pelo Poder Judiciário.
Enfatizando esse entendimento, Dergint (1994, p.113) acrescenta que “se a prestação jurisdicional é exclusivamente incumbida ao Poder Público, em caráter obrigatório, não podendo os particulares ‘ fazer justiça’ de mão própria, o serviço judiciário configura inequivocamente um serviço público”.
Portanto, sendo a atividade jurisdicional um serviço público, pode ocorrer de vir este a ser prestado de maneira danosa ao administrado, o que enseja a responsabilização pelo ente estatal.
Todavia, algumas vozes doutrinárias soam contrárias à responsabilização do Estado por atos jurisdicionais com base nos seguintes fundamentos: a) soberania do Poder Judiciário; b) independência absoluta dos juízes; c) não aplicação do art. 37, § 6º da Constituição Federal aos magistrados; d) o art.133 do CPC estatuiu a responsabilidade pessoal do magistrado quando agir dolosa ou fraudulentamente; e) imutabilidade da coisa julgada. (DINIZ, 2007, p. 634-635)
Em que pese existam na atualidade teses contrárias à responsabilização do Estado por atos jurisdicionais, os argumentos de defesa da irresponsabilidade são refutados, com grande propriedade, pela corrente adversa.
No que se refere à soberania do Poder Judiciário, é bom destacar que a característica da soberania não pertence a nenhum dos poderes isolados e sim ao Estado como um todo. Outro argumento exposto foi oda tese de absoluta independência da magistratura, não podendo prosperar esse posicionamento, já que assim como o Poder Judiciário, os outros poderes também são independentes, e nem por isso deixam de ser responsabilizados por atos de seus agentes.
O terceiro argumento explanado foi que não incidiria o art.37, § 6º da Constituição Federal aos atos dos juízes. É facilmente contraposto esse argumento, tendo em vista que esse dispositivo constitucional fala em responsabilidade estatal por atos de seus agentes, portanto, engloba todos que agem em nome do Estado.
A penúltima tese contrária a responsabilização estatal por atos jurisdicionais aduz que o Estado não pode ser responsabilizado, ao passo em que a Constituição Federal previu a responsabilidade pessoal dos magistrados. É de se frisar que o Estado e o juiz são figuras inseparáveis, assim, se o magistrado causar gravame a alguém, por exemplo, demorar na entrega da prestação jurisdicional, o Estado é que terá que reparar essa situação.
Enfim, a última tese aborda a questão da afronta a coisa julgada, caso fosse reconhecida a responsabilidade estatal por atos dos juízes. Esse argumento não deve persistir, visto que a coisa julgada pode ser desconstituída, não possuindo um valor absoluto.
Desse modo, o magistrado, ao exercer a atividade monopolizada pelo Estado, que é a aplicação do direito ao caso concreto, age na função de agente público, devendo, assim, se o serviço judiciário for prestado de forma danosa aos administrados, ser o Estado responsabilizado a reparar tais danos.
À guisa de ilustração, trazemos à baila um Recurso Extraordinário do Supremo Tribunal Federal que atualmente vem reconhecendo a responsabilidade objetiva do Estado por atos judiciais:
EMENTA: - Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual - responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6º, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF, 2ª Turma, RE 228.977/ SP, Rel.Min. Néri da Silveira, DJ 12.04.2002, p.00066)
É salutar ressaltar que a Corte Suprema somente reconhece a responsabilidade objetiva do Estado por atos jurisdicionais nas hipóteses expressamente previstas em lei. Nesse sentido, defendemos uma ampliação desse leque, para que seja reconhecida a responsabilidade do Estado pela morosidade na prestação Jurisdicional, tema que será abordado no próximo tópico.
É de se concluir que o Estado, causando prejuízo aos administrados no desempenhar de suas funções legislativas, administrativas ou judiciárias, deverá ser responsabilizado a recompor a situação lesiva derivada da sua conduta.
2.5 A morosidade judicial e a Responsabilidade do Estado
Para adentrarmos o tema da responsabilidade do Estado pela morosidade da prestação jurisdicional, fez-se necessário abordar as divergências acerca da responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais e o enquadramento da atividade jurisdicional como sendo um serviço público.
A demora na prestação jurisdicional tem ocasionado diversas consequências danosas para aqueles que recorrem ao Judiciário com o fito de verem solucionados os problemas que lhes afligem.
A partir do momento que o Estado chamou para si a responsabilidade de aplicar o direito no caso concreto, proibindo a autotutela, adquiriu o dever de prestar esse serviço público com qualidade e exercê-lo dentro de um lapso temporal razoável.
Na lição de José Augusto Delgado (apud Jucovsky, 1999, p. 70) sobre a morosidade na prestação jurisdicional, assim se manifestou:
A demora na prestação jurisdicional cai no conceito de serviço público imperfeito. Quer que ela seja por indolência do Juiz, quer que seja por o Estado não prover adequadamente o bom funcionamento da Justiça. E, já foi visto que a doutrina assume a defesa da responsabilidade civil do Estado pela chamada responsabilidade civil do Estado pela chamada falta anônima do serviço ou, em conseqüência, do não bem atuar dos seus agentes, mesmo que estes não pratiquem a omissão dolosamente.
Desse modo, a delonga no cumprimento da prestação jurisdicional derivada do mau funcionamento da Justiça, seja esse problema ocasionado pelo atuar dos juízes ou pela falta de recursos de ordem humana ou material, não exime o Estado do dever de indenizar eventuais danos causados aos jurisdicionados.
Uma pesquisa recente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), realizada em 2003, demonstrou o aspecto prejudicial do mau funcionamento da Justiça para economia. Foi constatado que se o Brasil tivesse uma Justiça eficiente, cresceria 0,8% a mais todo ano, a produção nacional aumentaria 14%, o desemprego cairia quase 9,5% e o investimento aumentaria 10,4%. Como é perceptível, a morosidade jurisdicional não afeta apenas aqueles que esperam uma entrega da prestação jurisdicional, repercutindo até mesmo na economia do país.
A título ilustrativo, para um melhor entendimento do efeito devastador da demora processual na economia, imaginemos a hipótese de um banco que para fazer uma cobrança de um calote já saiba da demora da justiça no recebimento desse crédito. Com certeza tal instituição bancária irá cobrar juros mais altos para compensar as perdas, acarretando, assim, uma diminuição na busca de crédito para investimentos.
Diversos são os problemas causadores pela prestação jurisdicional tardia. A título ilustrativo, trazemos à baila as lições de Rui Stocco (2002, p.808)
Inúmeras são as causas, em um extremo, na legislação ultrapassada, anacrônica e extremamente formal; passando pela penúria imposta a esse Poder, diante da quase inexistência de verba orçamentária para sua dinamização, modernização e crescimento; encontrando justificação no excessivo número de recursos previsto na legislação processual e nas inúmeras medidas protelatórias postas à disposição das partes e terminando no outro extremo, qual seja, a conhecida inexistência de magistrados, membros do Ministério Público, Procuradores da República e do Estado para atender à enorme quantidade de feitos em andamento.
Nesse diapasão, todos esses fatores expostos pelo autor acima comprometem diretamente a concretização do princípio da duração razoável do processo, podendo gerar danos aos direitos dos jurisdicionados pela excessiva demora na prestação da tutela jurisdicional.
Nesse sentido, a busca indenizatória contra o Estado, referente aos efeitos prejudiciais da demora na entrega da prestação jurisdicional, seria a forma de pressioná-lo a resolver os entraves que paralisam a máquina judiciária.
Desse modo, toda vez que determinado indivíduo pleitear perante o Poder Judiciário um direito sobre um bem e tal objetivo não vier a ser concretizado em virtude da demora injustificada da entrega da prestação jurisdicional, poderá o Estado ter que reparar tais danos lesivos.
Acerca dessa matéria, assim se manifesta Notoriano Júnior (2005, p. 62):
Pensamos que, se da dilação indevida do processo, em razão de fato imputável à atuação do órgão do poder público, advier prejuízo ao jurisdicionado, seja de ordem material ou moral, cabe-lhe o direito de pleitear indenização por todos os prejuízos experimentados, em face da União ou do Estado.
É importante asseverar que, somente haverá o direito de reparação pelo Estado, se a parte lesada provar que houve um dano sofrido e que ocorreu em virtude do atuar do Estado, seja na forma comissiva ou omissiva, isto é, deve estar presente o liame (nexo de causalidade) entre a conduta do ente estatal e o prejuízo sofrido pela parte.
Portanto, para que incida a responsabilidade do Estado, é necessário a presença dos três pressupostos da responsabilidade civil (conduta comissiva ou omissiva, dano e nexo de causalidade), não sendo suficiente apenas a alegação que não foi obedecida a duração razoável do processo.
Presente esses pressupostos da responsabilidade civil do Estado, caberá a responsabilização do ente estatal. Contudo, insta esclarecer, no que tange à responsabilização do Estado decorrente da morosidade na prestação jurisdicional, em qual das espécies de responsabilidade (objetiva ou subjetiva) será aplicada no caso em foco.
É pacífico na doutrina, que a conduta do Estado na forma comissiva, ou seja, derivada de um fazer, um agir, que porventura cause dano à esfera jurídica dos indivíduos, enquadra-se na hipótese de aplicação da responsabilidade objetiva do Estado, com fulcro no art.37, § 6º da Carta Magna.
Já, na hipótese de uma conduta omissiva do Estado, não é uníssona a doutrina e a jurisprudência sobre qual das espécies de responsabilidade será aplicada. Celso Antônio Bandeira de Melo (1992, p.338) entende ser hipótese de responsabilidade subjetiva, vejamos os ensinamentos:
Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardia ou ineficientemente), é de se aplicar a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode logicamente ser ele o autor do dano. E se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano.
Nesse toar, para a corrente citada, se a Justiça funcionar tardiamente, terá que o jurisdicionado lesado pela morosidade judicial provar a culpa dos agentes públicos causadores do dano.
Divergindo desse entendimento, Francisco Fernandes de Araújo (1999, p.385) entende ser objetiva a responsabilidade do Estado. Vejamos:
A teoria da responsabilidade objetiva do Estado pelo dano decorrente da morosidade da prestação jurisdicional é a única que satisfaz ao sentimento de justiça que se revela no seio da sociedade moderna, como contrapartida dos tributos gerais pagos por ela, dentre os quais as taxas judiciárias que igualmente lhe são impostas, e também pelo fato de o Estado deter o monopólio da jurisdição, não permitindo a realização da justiça pelas próprias mãos dos particulares. Responsabilizar objetivamente o Estado pelo dano decorrente da morosidade da justiça é necessidade que se impõe, para que os preceitos constitucionais em vigor sejam efetivamente respeitados, dentre os quais os princípios da igualdade, da legalidade, da moralidade, da eficiência e da boa qualidade do serviço público e do acesso substancial à justiça. A medida também atuará como pressão efetiva para que o Estado cuide melhor da estrutura judiciária e da eficiência de seus juízes, e, portanto, servirá de alavanca para o aprimoramento geral da justiça do País, melhorando a qualidade de vida do seu povo, ideal permanente pelo qual todos têm o dever de lutar.
Assim, cabe a parte prejudicada apenas mostrar o liame do prejuízo por ela sofrido e a morosidade da prestação jurisdicional, não existindo necessidade da prova do dolo ou da culpa dos agentes estatais.
Contudo, é de se frisar que os Tribunais Pátrios ainda se mostram resistentes em reconhecer a responsabilidade do Estado pela demora na prestação jurisdicional como sendo objetiva.
A Corte Suprema do nosso país tem entendido que o Estado somente responde objetivamente pelos danos causados pela atividade jurisdicional, nas hipóteses expressamente previstas em lei, ou seja, de forma excepcional.
Ocorre que tal posicionamento não deve mais prosperar, sendo urgente uma reformulação nos entendimentos jurisprudenciais, já que a inserção da duração razoável do processo como garantia fundamental, a partir da Emenda Constitucional 45, alicerçou ainda mais o posicionamento daqueles que defendem a responsabilidade do ente estatal pela demora na entrega da prestação jurisdicional.
Assim, nas palavras de Luis Roberto Barroso (2002, p.80), os direitos fundamentais dos cidadãos oferecem a inclusão em “situações jurídicas imediatamente desfrutáveis, a serem efetivadas por prestações positivas ou negativas, exigíveis do Estado ou de outro eventual destinatário da norma”.
Desse modo, se o ente estatal não cumpre com os direitos fundamentais postos na Constituição Federal, é necessário exercitar o direto de ação, previsto no art.5º, inciso XXXV, da Carta Magna, exigindo do Estado que cumpra tais dogmas, sob pena de reparação.
Em países como a Áustria e a Alemanha, existe a possibilidade de qualquer indivíduo questionar perante a Corte Suprema o descumprimento de preceitos fundamentais, o que não acontece no Brasil, posto que a legitimidade para impetrar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) ficou reservada às pessoas designadas no art.103 da Constituição Federal, excluindo os cidadãos dessa possibilidade.
Diante da impossibilidade do cidadão comum, no Brasil, poder impetrar no Supremo Tribunal Federal a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, resta-lhe a possibilidade de ingressar com ação reparatória decorrente do retardamento da entrega da prestação jurisdicional, direito de ação este que qualquer pessoa lesada ou ameaçada no seu direito pode exercitá-lo.
Relatando a necessidade de criação jurisprudencial sobre a matéria, o Ministro do STJ, José Augusto Delgado (1985, p. 151-152), assim se posiciona:
A realidade mostra que não é mais possível a sociedade suportar a morosidade da justiça, quer pela ineficiência dos serviços forenses, quer pela indolência dos seus juízes. É tempo de se exigir uma tomada de posição do Estado para solucionar a negação da justiça por retardamento da entrega da prestação jurisdicional. Outro caminho não tem o administrado, senão o de voltar-se contra o próprio Estado que lhe retardou a justiça, e exigir-lhe reparação civil pelo dano, pouco importando que por tal via também enfrente idêntica dificuldade. Só o acionar já representa uma forma de pressão legítima e publicização do seu inconformismo contra a justiça emperrada, desvirtuada e burocrática.
Nesse sentido, mister se faz uma revisão/reformulação nos entendimentos doutrinários e jurisprudenciais daqueles que ainda resistem em responsabilizar o ente estatal pela demora na prestação jurisdicional.
Afinal, não pode o jurisdicionado pagar pelo mau funcionamento da Justiça, incumbindo ao Poder Público, como meio até de colocar em prática os princípios constitucionais da razoável duração do processo, da celeridade processual, do direito de ação e da eficiência, ser responsabilizado civilmente, nos casos em que, como consequência de uma prestação jurisdicional morosa, causar danos ao jurisdicionado.
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VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: responsabiblidade civil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2002. v. 4.
Analista do Ministério Público do Estado de Sergipe. Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Bruno Lemos. Responsabilidade Civil do Estado pela Morosidade na Prestação Jurisdicional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 abr 2013, 06:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/34802/responsabilidade-civil-do-estado-pela-morosidade-na-prestacao-jurisdicional. Acesso em: 25 nov 2024.
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